domingo, 18 de janeiro de 2009

Guaíba em dois tempos

Este post foi publicado em maio de 2007 no “Pensatas”. Republiquei “Guaiba”, que explica muito do que este continua, neste blogue, em 12 de outubro de 2008 (1).

Voltei à Guaíba quando morei em Salvador no ano de 1982, casado, trabalhando. Juro que a decepção foi muito grande. Primeiro porque a gente ia de carro até à porta da casa da fazenda, o que deitava por terra aquela atmosfera poética e aventuresca de um lugar distante, algures da civilização. Ficava fácil demais. Segundo porque estava tudo muito abandonado. Depois da morte de tio João, cada vez menos pessoas passavam as férias por lá. A Guaibinha – fazenda que ficava ao lado --, fôra vendida a pessoas estranhas.
Cheguei com meu primo Octacílio, o Tuca, a namorada dele, minha mulher, meu filho e um casal de amigos, também com a filha. A casa estava caindo aos pedaços. Buracos no chão, paredes descascadas. Tudo muito decadente. O velho Chico Parraxé já havia desaparecido. Em seu lugar, na administração estava Bacuráu, um dos seus inúmeros filhos, que construíra uma casa perto da sede. Da varanda podíamos avistá-la. Bom para ele, porque tinha uma vista também maravilhosa.
Arranjar alguém para nos ajudar foi um sufoco. Mas conseguimos, a duras penas, e nós mesmos preparávamos o desjejum. Aqueles quitutes de outrora... nem pensar. A própria cozinha estava em pedaços. Uma manhã, a Virgínia foi lá e deu de cara com uma cobra na parede. Saiu correndo apavorada. A luz continuava a mesma da pequena hidrelétrica construída por tio César há mais de 60 anos. Mas só que piscava intermitentemente. Pelo que me recordava, ela nunca foi muito forte, mas no passado, não era tão instável.
Em suma, foi uma experiência diferente de todas as minhas lembranças da fazenda. Muito embora tenham havido momentos muito bons. Meu filho andou a cavalo, coisa que nunca fizera antes. As tardes e as noites eram agradáveis, a gente na varanda a admirar aquele visual maravilhoso. Um espetáculo de luzes também, pois por detrás das montanhas víamos o brilho da iluminação de Salvador. E ao longe, Maragogipe, então com eletricidade permanente não mais apagava as luzes lá pelas dez da noite.
Mas, lembrei-me de um caso muito engraçado que aconteceu com Tuca, nos velhos tempos, numa daquelas vezes em que lá fui, ainda na década de sessenta. Numa manhã, íamos passear a cavalo. Normalmente os empregados selavam os animais. Tinham prática. Bom, eu nem me aventurava a fazer aquilo. O negócio era montar. E, principalmente montar em sela segura.
Naquele dia, Tuca sismou de selar o cavalo. Pegou os arreios e começou a fazer o trabalho. E nada. Tentativas e mais tentativas, e o negócio não dava certo. Tio João, ao lado observando, um sorriso irônico no canto da boca. Lá pras tantas, não agüentando virou-se para ele e disse:
-- Octacílio... você é um banana!
Tuca olhava para um lado, para o outro e respondia, sussurrrando, meio cabisbaixo:
-- Eu não sou banana não!.. Eu não sou banana não!.. Eu não sou banana não!..

(1) Se desejar, clique no link abaixo e leia "Guaíba"

8 comentários:

Ieda Schimidt disse...

Acessei o teu link para a postagem anterior (Guaiba) e fiquei surpresa com a mudança. Foi do vinho para a água (rs)

Anônimo disse...

Lembro bem desse e do outro post sobre a Guaiba,que não é o famoso rio gaúcho mas a fazenda no Reconcavo Bahiano.
E acho a historinha que você conta no final. A do seu primo tentando selar o cavalo muito engraçada.
Otávio

Jonga Olivieri disse...

A coisa mudou muito. Naturalmente que em muitas coisas para melhor, mas a imagem de uma Gauíba romântica e perdida nas lonjuras de um mundo fantasioso, cheia de quitutes maravilhosos e aventuras, foi-se com o tempo, e, claro, a idade adulta.

Jonga Olivieri disse...

A historia é mais engraçada para quem conhece o Tuca, um sujeito alto e forte. E o jeito "escabriado" dele sussurrando "eu não sou banana não", que eu escutei porque estava bem ao lado.
tenho um ex-cunhado que o conheceu e morria de rir quando eu lhe contava isso.

Anônimo disse...

Olhe Jonga, é uma pena que exista a decadência de lugares que nunca deveriam desaparecer.
Eu também tenho o caso de uma fazenda da família, não muito longe de Fortaleza que hoje está as traças. Que fazer?

Jonga Olivieri disse...

É triste a gente ver parte de nossas melhores recordações sucumbirem ao cruel avanço do tempo e às mudanças de hábitos.
Geralmente é o que acontece nesses casos. Alguém da família que tocava aquele "sonho" dele e que alimentava os outros.
Daí, morre ou sei lá, o curso da vida muda os seus interesses por aquele lugar e vai tudo pro beleléu.
Todos acabamos tendo histórias como essas...

André Setaro disse...

A Fazenda Guaíba, ainda que de propriedade dos Priscos Paraísos, era um paraíso. Não sei se você se lembra, mas, em 1967, quando estava em Salvador 'corrido' da polícia política da ditadura, fomos passar uma semana, eu, Tuca, e você. Uma semana de paz e sossego. Viagem no já desaparecido vapor de Cachoeira - celebrizado por música de Caetano Veloso. Quando chegamos à histórica cidade de Cachoeira, pegamos uma canoa mambembe, que quase nos derrubou, para passar para o outro lado. Finda a custosa travessia, cavalos selados nos esperavam para o prosseguimento do itinerário e para chegarmos à casa grande. Na volta a mesma coisa: cavalos, canoa, vapor. Recordo-me que, quando já voltávamos, à noite, escura como um breu, passamo-la no vapor e, quando se anunciava o crepúsculo, um viajante, a acordar, perguntou-me com um bafo de tigre desgraçado se tinha "um fósforo". Quase desmaiei.

A Gauíba perdeu seus encantos quando o automóvel já podia adentrá-la e estacionar na casa grande. Já não havia mais a saborosa aventura da travessia. Guaíba, para mim, é antípoda de carros. Elemento estranho e transgressor de sua rica paisagem.

César, marido da Centenária, de "Stewart Granger", era quem mais gostava da Guaíba, sem esquecer do nobre deputado JB,que se tomou de amores pelo seu "décor" e chegou a comprar um pedaço de terra que denominou de Guaibinha.

Com as mortes sucessivas, e a decadência da própria fazenda, as dívidas trabalhistas imensas, Tuca, que ficou a tomar conta, resolveu vendê-la para sempre.

A Guaíba ficou no 'recuerdo', como um recorte de um tempo feliz.

Jonga Olivieri disse...

André. Eu me lembro bem desta viagem citada por você. Aliás, no link que está neste post você acessa o anterior em que eu conto sobre aqueles tempos em que fiz mais de uma viagem à Guaíba. Esta sim de um tempo mágico, quando ela completamente perdida no tempo era fantasia e diversão.
Juro que nesta última vez em que fui lá... talvez tivesse sido melhor não ter ido.