sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Pérolas de Saramago

Saramago estava inspirado nas respostas às acusações da “Igreja ‘Universal’ (1) Apostólica Romana”, devido aos seus comentários por ocasião do lançamento de seu novo livro, "Caim", no domingo passado.
Nesta mais recente obra, ele conta de forma irônica a história de Caim, filho de Adão e Eva que assassinou premeditadamente seu irmão Abel, retomando o tema bíblico que tocara em seu livro “O evangelho segundo Jesus Cristo”, lançado em 1992.
Mas vamos às pérolas antológicas do autor, sem sombra de dúvidas, maior escritor contemporâneo da língua portuguesa, na sua polêmica com a Máfia do Vaticano, que se “ofendeu”, até porque o autor havia deixado claro – ironicamente – que “... sua obra não causará problemas com a Igreja Católica porque os católicos não lêem a Bíblia”.
“A Bíblia é um "manual de maus costumes... Um catálogo de crueldade com o pior da natureza humana”.
"O deus da Bíblia é vingativo, rancoroso, má pessoa e não é confiável".
"Na Bíblia há crueldade, incestos, violência de todo tipo, carnificinas. Isso não pode ser desmentido; mas bastou que eu o dissesse para suscitar esta polêmica... Há incompreensões, já sabemos que sim, resistências, também sabemos que sim, ódios antigos".
"O que eles querem e não conseguem é colocar ao lado de cada leitor da Bíblia um teólogo que diga à pessoa que aquilo não é assim, que é preciso fazer uma interpretação simbólica, e a isto chamam exegese (2)".
"Sou uma pessoa que gera anticorpos em muita gente, mas não ligo. Continuo fazendo meu trabalho".
"Às vezes dizem que sou valente. Talvez seja valente porque hoje não há Inquisição. Se houvesse, talvez não teria escrito este livro. Me apóio na liberdade de expressão para poder escrever".
“Deus e o demônio não estão no céu e no inferno, mas ‘na nossa cabeça’; deus não fez nada durante a eternidade, depois criou o Universo, ao sétimo descansou e não fez mais nada”.
"É obra! É magia! Quase um milagre que certos setores tenham conseguido dizer tanto em relação a um livro que não leram".
Como refresco, o autor esclarece que “A Bíblia tem coisas admiráveis do ponto de vista literário”.
E sobre o seu próximo livro a ser lançado no próximo ano:
"Espero que não seja tão polêmico. Não ando atrás das polêmicas. Tenho convicções e as expresso".

(1) Mais uma vez a lembrar que Universal em latim é Católico. No caso do Brasil é curioso, pois coincidentemente a sua rival do bispo Macedo vem a ser a “Igreja ‘Católica’ do Reino de Deus”.
(2) A palavra exegese deriva do grego exegeomai, exegesis; ex tem o sentido de ex-trair, ex-ternar, ex-teriorizar, ex-por; quer dizer, no caso, conduzir, guiar.

Fontes: “Folha Online” e “O Publico” (Portugal) de 21/10/2009.

12 comentários:

Ieda Schimidt disse...

Claro que José Saramago está além dos limites de um mero escriba.
Na verdade, como tu bem falaste trata-se do maior escritor (vivo) de nossa língua.
A Igreja (Romana) jamais iria aceitar que um Marxista de velha guarda (apesar de Estalinista) fosse de encontro a seus dogmas e pensamentos bíblicos.
Apesar de que a Bíblia é pouco lida por eles.
Sou de formação Luterana e sei disto.
Na minha infância os Católicos liam livros especiais para suas orações nas igrejas.

Anônimo disse...

Concordo com o Saramago, embora sem nehuma pretenção de me comparar a seu brilhantismo.
A Igreja naõ lê a Bíblia. Começou a admiti-la e a cita-la depois do avanço dos evangélicos.
O que tinham antes era um tal de Missal Cotidiano em que impregnavam os seus crentes com baboseiras e pedaços manipulados da Bíblia, principalemnte do Novo Testamento.
Ângelo Antunes
Este seu leitor habitual e porque não comentarista uma vez ou outra

Jonga Olivieri disse...

Tem toda a razão, Ieda. Em tudo o que referiu.

Jonga Olivieri disse...

É sempre bom ter um novo comentarista. Amplia a nossa certeza de que os nossos leitores não são apenas aquele meia dúzia dos mais constantes no blogue.
No mais, estou de acordo com você, Angelo.

maria disse...

Ele é um homem inteligente e culto.Às vezes um pouco radical demais. Como você. Vocês dariam um bom baião de dois. Êita!

Jonga Olivieri disse...

Essa é boa, Mary. E eu gosto demais de Baião de Dois.

André Setaro disse...

O grande pensador cinematográfico Ingmar Bergman em "Juventude" ("Sommarlek", 1951), filme de sua primeira fase, diz pela "vox" de um personagem (o dito é citado de memória mas bem próximo do original): "Não acredito em Deus, mas se, por acaso, Ele existisse, cuspiria em cima Dele pelo seu silêncio em relação aos homens, condenados a viver numa profunda miséria existencial e no mais absoluto abandono."

O silêncio de Deus permeia a obra bergmaniana. José Saramago tem a coragem de falar a verdade sobre o que se chama de Deus. Na minha modesta opinião, Deus é uma genial invenção do homem para consolá-lo nesta vida turbulenta, trágica e absurda.

Atualmente, os evangélicos estão a explorar a ingenuidade dos pobres (a até mesmo das classes mais altas, vide o jogador Kaká), que depositam seus parcos recursos no dízimo obrigatório para gáudio dos bispos donos de suas igrejas.

Considero um assalto ao bolso dos pobres, mas não há o que temer: a Constituição, ao instituir a liberdade de culto, faz com que elas se proliferem.

Jonga Olivieri disse...

Eu, como Saramago, tenho uma visão materialista do mundo.
Por isso concordo muito com ele. O deus dos hebráicos é vingativo, é mau, é prepotente, ditatorial... Como o homem, que o criou à sua própria imagem, mantendo todos os seus defeitos.
As religiões monoteístas derivadas deste deus, são também impregnadas de ódio a falar em nome do amor. Tanto o chamado cristianismo, quanto os islâmicos, encheram o mundo de divisões a partir de suas verdades absolutas... Muito mais semelhantes do que possa se pensar.
As religiões, hoje em sua maioria oportunistas, que se instalaram entre nós e cujo início foi a Reforma, Lutero, Calvino e outros, crescem assustadoramente. Mas veja bem, não são as únicas que exploram os pobres e necessitados. Na Idade Média, os reis e sacerdotes inventaram a máxima de que “dos pobres era o reino dos céus” a tentar acomodá-los em sua mísera condição na esperança mística de uma “eternidade” melhor.
Aí, surgiram igrejas cobertas de ouro. O ouro que não ia para os pobres e que lhes era negado com tributos e impostos ia para o lugar sagrado dos templos que diziam representar a palavra de um líder que realmente pregou e viveu a humildade.
Considero toda religião um atraso na mentalidade das pessoas. Mas, a história delas sempre foi a proteção das classes dominantes e dos grão ou pequenos sacerdotes, seus cúmplices.

Anônimo disse...

Saramago sempre foi e sempre será polêmico.
Anselmo

Jonga Olivieri disse...

Principalmente numa sociedade como a lusitana. Ali o conservadoriemo e o peso da "santa madre" teem muita espressão.

Unknown disse...

José Saramago é um gênio da literatura. Seus livros vão além das folhas e da tinta: nos faz pensar. Caim é apenas uma parte desta genialidade. Se a igreja nos desse a liberdade de questionar, avaliar, refletir sobre a bíblia, principalmente o velho testamento, talvez pudéssemos ser pessoas mais esclarecidas e menos manipuladas. Acho que isto que Saramago fez quando escreveu Caim: abriu-nos a porta do questionamento sem necessidade de sermos escomungados ou expulsos da igreja, pois podemos ler escondidos do padre ou pastor e tirar nossas próprias conclusões.

Jorge Eduardo.

Rio de Janeiro, Brasil.

Jorge Eduardo

Jonga Olivieri disse...

Tem toda razão, Jorge.