Por Graziela Wolfart
Publicada no Boletim 89 de ControVérsia
Na visão da socióloga Maria Victoria de Mesquita Benevides, ainda predomina na cultura
política brasileira o poder oligárquico e a defesa de privilégios que perpetuam
uma forma naturalizada de patrimonialismo. Portanto, conclui, “não temos
República nem democracia consolidadas”
Apoiadora da proposta de extinção
do Senado, a professora e cientista política Maria
Victoria de Mesquita Benevides defende que a
construção da democracia passa necessariamente pela ética na política. “Os fins
não justificam os meios. Há décadas defendo a reforma política, cada vez mais
relevante. Acredito que a adoção de formas de democracia direta e participativa
poderiam reduzir os defeitos da representação, assim como modificações no
sistema eleitoral poderiam aumentar a representatividade democrática. Defendo,
ainda, o financiamento público
das campanhas eleitorais. Tudo isso com regras claras e sob o controle da
sociedade”. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU
On-Line, ela lamenta que “infelizmente, o povo não confia nos
partidos e menos ainda na política. Isso é péssimo, porque mina a crença na
atividade política como possibilidade de transformação e desenvolve apatia em
relação ao bem público, assim como provoca, por exclusão, saídas individuais e
não democráticas”.
Socióloga,
com especialização no campo da Ciência Política e do Direito e em temas da
História Política brasileira e da Educação, Maria Victoria Benevides
realizou seus estudos universitários na PUC-Rio, nos Estados Unidos e na
França. Tem mestrado, doutorado e livre-docência pela Universidade de São Paulo
– USP. É professora aposentada da USP e autora
de, entre outros, Desafios para a democracia no Brasil (Rio
de Janeiro: CEDAC/Oikos, 2005) e A Comissão de Justiça e Paz de São Paulo: Da ditadura à
democratização (São Paulo: Lettera.doc, 2009).
Confira a
entrevista:
IHU On-Line –
Existe ainda no Brasil a política de oligarquias e do patrimonialismo?
Maria Victoria
de Mesquita Benevides – Sim. Ainda
predomina na “cultura política” brasileira o poder oligárquico e a defesa de
privilégios que perpetuam uma forma “naturalizada” de patrimonialismo.
Portanto, não temos República nem democracia consolidadas. Mas ainda teremos.
IHU On-Line –
Quais as diferenças entre alianças políticas e alianças eleitorais?
Maria
Victoria de Mesquita Benevides – As alianças
políticas expressam (ou deveriam) afinidades programáticas, doutrinárias ou,
quiçá, ideológicas. As eleitorais são apenas coligações de momento, visando,
como diz o nome, a maximização de votos numa determinada eleição. A partilha do
poder deveria valer só para as alianças políticas.
IHU On-Line –
Quais os partidos políticos no Brasil, hoje, poderiam realmente fazer aliança
política levando em conta sua trajetória ideológica?
Maria
Victoria de Mesquita Benevides – Hoje é uma
resposta difícil, porque a trajetória de alguns partidos mudou muito. Já
tivemos alianças políticas que dividiam o espectro esquerda/direita e os
centros. Hoje, esse quadro não tem mais nitidez.
IHU On-Line –
Como a senhora avalia que o PT tem se posicionado em relação às alianças que
vem estabelecendo desde o primeiro mandato do governo Lula?
Maria
Victoria de Mesquita Benevides – Continuo
filiada ao partido (em São Paulo, apoio a candidatura de Fernando Haddad) e
acredito que o PT possa sair da crise, que se arrasta. Mas nunca concordei com
o pragmatismo exagerado de certas alianças, seja para cortejar empresários,
usineiros e banqueiros, seja para conseguir o apoio de “inimigos” como Collor,
Sarney, Maluf, Jader Barbalho et caterva.
IHU On-Line –
Em que sentido o PT mais mudou em relação à sua ideologia desde sua fundação
até os dias atuais? Qual a influência das alianças nesse sentido?
Maria
Victoria de Mesquita Benevides – Desde a
vitória de Lula, a mudança pragmática vem ocorrendo em nome da prudência (medo,
pelo exemplo do golpe contra o Allende), e, depois, em nome da governabilidade,
pelo apoio no Congresso. Compreendo esse pragmatismo, mas creio que Lula venceu
e se reelegeu com tal popularidade que poderia voltar ao programa do partido,
dos movimentos sociais, da militância mais aguerrida. Faço questão de afirmar,
no entanto, que a atuação do governo Lula em relação aos direitos humanos,
através da Secretaria Especial dos Direitos Humanos – SEDH, representa um
formidável avanço democrático. Assim também a política externa.
IHU On-Line –
Como a senhora se sente – como cidadã, cientista política e ex-presidente da
Comissão de Ética Pública – em relação aos rumos da política representativa no
Brasil hoje?
Maria
Victoria de Mesquita Benevides – Continuo
defendendo que a construção da democracia passa necessariamente pela ética na
política. Os fins não justificam os meios. Há décadas defendo a reforma
política, cada vez mais relevante. Acredito que a adoção de formas de
democracia direta e participativa poderia reduzir os defeitos da representação,
assim como modificações no sistema eleitoral poderiam aumentar a
representatividade democrática. Defendo, ainda, o financiamento público das
campanhas eleitorais. Tudo isso com regras claras e sob o controle da
sociedade.
IHU On-Line –
O que representa para a sociedade brasileira a realização do julgamento do mensalão?
Algo mudará em relação à imagem da política para o povo brasileiro?
Maria
Victoria de Mesquita Benevides – Não
apostaria nessa hipótese. Infelizmente o povo não confia nos partidos e menos
ainda na política. Isso é péssimo, porque mina a crença na atividade política
como possibilidade de transformação e desenvolve apatia em relação ao bem
público, assim como provoca, por exclusão, saídas individuais e não
democráticas.
IHU On-Line –
A senhora continua defendendo a extinção do Senado?
Maria Victoria
de Mesquita Benevides – Sim.
Concordo com a tese defendida pelo jurista Dalmo Dallari . Haverá, no entanto,
a necessidade de rever os pisos para a eleição de deputados federais,
eliminando as conhecidas distorções.
IHU On-Line –
Percebe que, apesar do longo período de democracia existente no Brasil,
continuamos com uma cultura política calcada no compadrio, no coronelismo e no
clientelismo?
Maria
Victoria de Mesquita Benevides – Sim. É muito
difícil mudar uma cultura tão arraigada. Por isso, defendo várias formas de
educação política. Nossa Escola de Governo é um microexemplo; mas já existem
várias experiências de formação para a cidadania ativa, no sistema de ensino,
nos sindicatos, nas ONGs, no nível local, etc. Para tanto, o acesso aos meios
de comunicação e a atividade das redes sociais é fundamental. Conheço algumas
experiências, com o entusiasmo de jovens, muito promissoras. Sou otimista, como
dizia Gramsci: pessimista no diagnóstico, otimista na ação.
5 comentários:
Excelente entrevista e a prova de que, apesar do Lula, ainda sobrou "gente boa" no PT. (rs)
A entrevistada, ainda que pessoa bem informada e preparada, não merece muita confiança, porque dança com o petismo.
Acho que vocês ficam muito presos a receitas" como ela ser filiada ao PT.
Qual o partido que vocês acham que merece se estar afiliado?
Será que qualquer um deles vai dar uma saída diferente se vencer?
Se estiverem em dúvida, perguntem ao Jonga!
L.P.
Na minha opinião, se algum partido oferecer perigo (de fato) ao 'estableshment' ele simplesmente será fechado.
Tá certo Jonga!
L.P.
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