Há
quem salte, acusativo: Mas, então, votar não adianta? A resposta é uma só: sim,
não adianta. Se um povo acredita que pelo simples voto, pela simples entrega
das decisões nas mãos de um "prometedor", as coisas vão acontecer,
está enganado. A pessoa pode votar sim, em quem acreditar, fazendo o
movimento de pequena reforma. Mas, sabedora de que os males sociais são
causados pelos sistema em si precisa se manter alerta e conectada nas lutas
coletivas
Elaine Tavares (1) - Brasil de Fato
Quando
em 2005, às vésperas de mais um pleito eleitoral que iria eleger o presidente
do México, o movimento zapatista lançou a "Outra Campanha", não foi
poupado pela esquerda tradicional. Chamados de traidores e, depois, como
responsáveis pela derrota de Lopez Obrador (candidato mais à esquerda), os
zapatistas nunca se intimidaram em defender aquilo que acreditavam melhor para
o México naqueles dias.
O
contexto de tudo isso é que o povo do sul do país - fundamentalmente os
indígenas e camponeses - sempre estiveram esquecidos do poder público. E, como
em todo o chamado "mundo democrático", em época de campanha
eleitoral, não eram poucos aqueles candidatos que apareciam dizendo que iam
melhorar isso e aquilo. Eleitos, nunca cumpriam.
Nos
anos 80, os indígenas de Chiapas decidiram iniciar um movimento de base para
recuperar sua autonomia e sua dignidade. Já estavam fartos de promessas não
cumpridas e de seguir amargando a miséria e o abandono. Esse movimento cresceu,
se consolidou e, em 1994, quando o mundo capitalista cantava em verso e prosa o
fim de todas as utopias, os índios de Chiapas ocuparam, armados, 12 cidades do
México.
Cobertas
as caras com lenços vermelhos e pasa-montañas (gorros negros) - porque eram
todos iguais - eles lançaram a sua palavra: "nunca mais o mundo sem nós".
Durante 12 dias combateram as tropas do exército e ao final desse prazo, o
governo foi obrigado a ceder. Desde aí, os zapatistas se mantém em paz armada,
construindo uma forma diferente de organizar a sua vida em várias cidades
autônomas. Estão, é claro, inseridos na "democracia" mexicana, mas,
de alguma forma, a duras penas, conseguem levar a diante seu projeto de mundo,
sempre no embate cotidiano com o governo neoliberal e entreguista.
A
"Outra Campanha" durante a campanha eleitoral de 2005 foi, de novo,
uma outra forma de encarar a tal da "festa democrática" que, no mais
das vezes apenas dá o direito do voto ao povo, mas sem que haja o compromisso
real com as demandas das gentes. O mais comum é ver os candidatos fazerem
promessas, jogarem palavras ao vento e, ao serem eleitos, voltarem as costas
aos que os elegeram, governando para pequenos grupos de poder que, no mais das
vezes, são os mesmos que injetam dinheiro nas campanhas. Assim, os compromissos
financeiros com as empresas são cumpridos à risca, enquanto o povo, fonte real
do poder, é deixado às moscas.
Na
"Outra Campanha", durante meses, o sub-comandante Marcos viajou pelo
país fazendo esse debate. Discutindo política, conversando com as gentes sobre
essa situação, sobre o sistema eleitoral, sobre a farsa do processo, sobre o
não comprometimento dos candidatos. Um trabalho de desvelamento desse
misterioso sistema de eleição democrática que, de democrática, não tem nada.
Ele dizia: "O processo eleitoral já começou e alguém virá dizer que sim,
nos apoiam e que iram resolver tudo. Nós vimos dizer que eles não vão resolver
absolutamente nada e nem os vemos trazer soluções, senão problemas, e o
convidamos de que nos juntemos com os companheiros que estão alçando em outras
partes do país para construirmos o novo México".
Essa
que foi uma decisão tão criticada, talvez seja mesmo a melhor forma de
enfrentar o período eleitoral. Não é a "vontade" de alguns candidatos
que faz mudar - pontualmente - alguns aspectos da vida do povo. Como bem lembra
Karl Marx, no livro Glossas Críticas marginais ao artigo "O rei da
Prússia e a reforma social", os males sociais não podem ser explicados
pelo intelecto político, já que esse é a expressão teórica da perspectiva da
classe burguesa.
Um
exemplo disso é o transporte coletivo de Florianópolis. A maioria dos
candidatos à prefeito insiste que vai melhorar a viabilidade urbana desde
planos mirabolantes de "reformas" no sistema, tais como
a quarta ponte, o transporte marítimo, o BRT, sem mexer na lógica que
constitui a cidade para os carros.
Ora,
a seguir a linha de Marx, a raiz dos problema do transporte público, assim como
da falta de moradia, falta de estrutura na saúde, na educação, acaba sendo
buscada em vários lugares, menos onde ela efetivamente está - que é o modo de
vida liberal/burguês. E é por isso que o caminho é sempre uma reforma, um
remendo, e nunca a revolução.
Marx
ainda orienta: enquanto os trabalhadores se moverem pelo intelecto político, as
lutas serão mal orientadas. Assim, quando um político - mesmo de esquerda
- propõe substituir uma forma de governar por outra - dentro do estado burguês
e sem transformações estruturais - está pensando apenas no ponto de vista
da política e não do social. Com isso apenas desorienta teórica e e
praticamente a luta dos trabalhadores.
Marx
aponta também que o trabalhador, ao se alienar no trabalho e na batalha
cotidiana para vencer seus obstáculos, não têm condições de pensar a cidade.
Está fora não só da comunidade política, mas também da comunidade da vida
mesma, a vida física e espiritual, "está separado da essência
humana". É por isso que Marx reivindica a necessidade de uma
revolução social com alma política. Diz: "A revolução em geral - a
derrocada do poder existente e a dissolução das velhas relações - é um ato
político. Por isso, o socialismo não pode efetivar-se sem revolução...No
entanto, tão logo tenha início a sua atividade organizativa, logo que apareça
seu próprio objetivo, a sua alma, então o socialismo se desembaraça do seu
revestimento político".
Tudo
isso é para dizer que o período das eleições, como bem perceberam os
zapatistas, é um momento muito fértil para se discutir política, a grande
política. Não dá para cair na armadilha de confiar apenas nas pequenas e,
muitas vezes, irrealizáveis promessas que os candidatos de todas as cores
fazem. Se a proposição real não for a organização de outra forma de sociedade,
sempre estaremos arriscados ao engano.
Em
Florianópolis, e em vários lugares no Brasil, há grupos pensando nessa lógica
da "Outra Campanha", e isso mostra maturidade política. Mas, isso
deve se espalhar pelos bairros, nas associações, nos sindicatos. O debate não
pode ser só o de votar nesse ou aquele candidato que vai resolver pequenas
demandas do nosso bairro ou da nossa rua. A cidade precisa ser pensada como um
todo e é necessário que as gentes percebam que os males sociais que nos tocam
não são relativos à imperfeição humana, a falta de recursos ou incompetências
administrativas - como diz Ivo Tonet, no prefácio do Glossas Críticas. O que
Marx tenta nos mostrar é que esses males não são defeitos da
"matrix", mas absolutamente inerentes ao modo de vida burguês,
capitalista. Levar essa reflexão e garantir a compreensão disso pode ser muito
mais eficaz para a vida numa cidade do que eleger um ou mais enganadores.
Há
quem salte, acusativo: Mas, então, votar não adianta? A resposta é uma só: sim,
não adianta. Se um povo acredita que pelo simples voto, pela simples entrega
das decisões nas mãos de um "prometedor", as coisas vão acontecer,
está enganado. A pessoa pode votar sim, em quem acreditar, fazendo o movimento
de pequena reforma. Mas, sabedora de que os males sociais são causados pelos
sistema em si precisa se manter alerta e conectada nas lutas coletivas. Não por
reformas, apenas, mas por também por revolução. A mudança total do sistema.
Trocar um governo por outro não resolve... Já vimos esse filme, há que mudar o
sistema.
1.
Paralelamente ao seu trabalho como profissional de
imprensa Elaine sempre atuou na Comunicação Popular e Comunitária, seja
assessorando movimentos sociais e sindicatos, ou realizando a formação de
agentes de comunicação popular.
Em
2004 assumiu, junto com Nildo Ouriques, Beatriz Paiva e Raquel Moysés, o
desafio de criar um Observatório Latino-Americano, para estudar
sistematicamente a América Latina. O projeto nasceu, cresceu e se transformou
no IELA (Instituto de Estudos Latino-Americanos), o primeiro no gênero em uma
universidade federal.
No
campo da Comunicação Popular segue atuando junto a entidades e movimentos
sociais. Faz parte da diretoria da Rádio Comunitária Campeche, onde apresenta dois
programas. Um, diário, de música de raiz, chamado Chão de Terra, todos
os dias das 6h às 7h, e outro de entrevistas, aos sábados, 11h, o Campo de
Peixe. É membro da Rede Popular Catarinense de Comunicação e edita,
junto com Miriam Santini de Abreu, a revista de reportagem Pobres e Nojentas.
5 comentários:
Escrita pensada com lucidez e consciência histórica.
Elaine Tavares resume toda a inutilidade do sistema quando diz:
Mas, então, votar não adianta? A resposta é uma só: sim, não adianta. Se um povo acredita que pelo simples voto, pela simples entrega das decisões nas mãos de um "prometedor", as coisas vão acontecer, está enganado.
É isso aí!
Os caminhos da nova democracia, sem dúvida passam pelo pensamento de Elaine Tavares.
O raciocínio de Marx, de que quando um político - mesmo de esquerda - propõe substituir uma forma de governar por outra - DENTRO do ESTADO BURGUÊS e sem transformações estruturais - está pensando apenas no ponto de vista político e não social, e com isso desorienta a luta dos trabalhadores é exatamente o que leva à validade do Voto Nulo que você tem tanto pregado.
L.P.
Muito bom este ensaio da Elaine Tavares.
Não é à tôa que criou o Instituto de Estudos Latino-Americanos.
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