Candidata à
Presidência da República nas eleições deste ano, a gaúcha Luciana Krebs Genro não
figurou entre as favoritas na disputa, mas fez barulho na campanha. Era sempre
uma das mais comentadas nas redes sociais, especialmente após os debates
promovidos pelas emissoras de TV. Em um deles, disparou contra o tucano Aécio
Neves, que havia definido o PSOL (partido de Luciana) como “linha auxiliar do
PT”. “Linha auxiliar uma ova”, bradou para em seguida acusar os tucanos de
serem os “precursores do mensalão com Eduardo Azeredo em Minas Gerais, terra de
Aécio”.
Passada a campanha,
Luciana continua com intensa agenda política, levando a mensagem do PSOL Brasil
afora. Na semana passada, esteve em Belém para discutir temas do cenário atual
brasileiro em um encontro com jovens lideranças políticas e representantes de
movimentos sociais. Foi tratada como uma verdadeira celebridade durante evento
na área de lazer da Universidade Federal do Pará, o famoso Vadião. Entre um
compromisso e outro, falou com exclusividade ao DIÁRIO DO PARÁ. Confira:
P: Depois da eleição continua polarização forte entre tucanos e petistas. Como a senhora analisa esse cenário?
R: Eu vejo que há uma
polarização artificial que não reflete de fato o conteúdo político, e
principalmente, o modelo econômico que é representado pelo PT e pelo PSDB. As
decisões que a [presidente] Dilma [Rousseff] tomou depois do segundo turno - no
qual, ela teve um embate duro com o Aécio [Neves] - foram muito semelhantes
àquelas que o Aécio tomaria se tivesse sido eleito. A escolha do Joaquim Levy
como ministro da fazenda é um exemplo muito eloquente disso. O Joaquim Levy é
justamente o executivo do Bradesco e alguém que teve relações muito sólidas com
o PSDB, inclusive, tendo trabalhado dentro do governo do PSDB de São Paulo.
Então, as medidas que ela tomou como o aumento da taxa de juros, o aumento da
gasolina, o anúncio do ajuste fiscal são muito parecidas com as medidas que o
PSDB tomaria. Só que obviamente, o PSDB não pode assistir calado o PT se
apropriar do seu programa, então precisa se contrapor, mesmo que de forma
artificial. É está, inclusive, querendo um aprofundamento ainda maior das
medidas de ajuste fiscal que a Dilma está tomando.
P: A gente tem a impressão de que há um vácuo em termos de oposição. Por que o Psol ainda não assumiu esse lugar?
R: Primeiro, é preciso
dizer que o Psol cresceu muito nessa eleição. Dobramos a nossa votação em
relação a 2010, quase dobramos nossa bancada federal, dobramos o número de
deputados estaduais. Foi um crescimento muito expressivo. Um milhão e
seiscentos mil votos para Presidência do Brasil. Obviamente que a disputa
eleitoral é muito desigual. A minha campanha teve R$ 450 mil de gastos. A
campanha da Dilma teve R$ 390 milhões. Então, o que eu gastei na campanha
inteira, a Dilma gastava em 24 horas, e o Aécio também. Isso dificulta muito. A
eleição é uma expressão muito distorcida da vontade popular, porque está
mediada, primeiro, pelo poder econômico e, segundo, pela mídia, que também
representa os poderes econômicos. Além do mais não se pode comparar esse
momento político com o momento em que o PT fez oposição ao PSDB. O PT
galvanizava toda a oposição ao governo, e ao chegar ao poder, a oposição ao PT
se divide em duas: de um lado, o PSDB que tem todo o poder econômico, toda a
mídia trabalhando ao seu favor e, do outro lado, a oposição de esquerda, que
não tem dinheiro, que não tem poder econômico, que não representa esses
interesses.
P: Tem havido uma polarização grande também em aspectos sociais e comportamentais, com o aparecimento de grupos muito conservadores em questões como maioridade penal, aborto, questões feministas e a pauta GLSBT. Na sua opinião, o Brasil está se tornando um país ainda mais conservador?
R: Eu acho que é o
contrário. E polarização é um sinal de que as pautas progressistas estão
avançando. Preconceito contra gays sempre houve no Brasil; piada de gay sempre
foi a coisa mais normal, não é? Por outro lado agora, os movimentos LGBTS estão
exigindo respeitos aos homossexuais, aos gays, às lésbicas aos travestis. São
marchas que tomam conta do Brasil de forma muito numerosa, não só dos que são
da comunidade LGBTS, mas dos que apoiam essa luta. A mulheres também sempre
foram oprimidas, descriminadas. Até hoje, as mulheres ainda ganham salários
menores do que os homens. Até hoje a mulher é colocada como aquela que tem a
obrigação de tomar conta da casa dos filhos. Elas estão se rebelando contra
essa condição, e estão lutando pelo seu lugar, seu espaço. Eu acho que é isso.
Digamos que as placas tectônicas estão se movimentando. A polarização que
aparece é um resultado dessas lutas que estão avançando e os setores reacionários,
conservadores, também levantam a cabeça para defender a sua pauta, para
defender o status quo.
P: O Congresso recém-eleito, que ainda não assumiu, tem o perfil mais conservador da história recente. Como se explica isso nesse contexto de avanços?
R: Eu acho que a gente não
pode ser impressionista. Nomes como Bolsonaro [Jair Bolsonaro, deputado federal
reeleito] e Marcos Feliciano catalisam toda uma votação de direita que existe
no Brasil, e que se concentra neles. Já os nomes progressistas que defendem as
pautas LGBTS, das mulheres, da juventude, são muito numerosos e não têm essa
visibilidade que figuras como Bolsonaro e Feliciano têm. Não conseguem
concentrar tanto essa votação. Há exceções como é o caso do Jean Wyllys
[deputado pelo Psol] no Rio de Janeiro e do Marcelo Freixo [deputado estadual
também do Rio de Janeiro e do Psol]. A gente tem outros nomes que fortes nos
seus estados e que muitas vezes não conseguem se eleger porque não têm essas
estruturas partidárias e econômicas que nomes como Bolsonaro e Feliciano têm. É
verdade que a bancada conservadora de direita cresceu, mas ela vem crescendo
desde 2006. E o que que aconteceu em 2005 que desencadeou o crescimento das
bancadas de direita? O Mensalão. Então, é na esteira de uma esquerda que abandonou
suas bandeiras, que não é mais digna de ser chamada de esquerda, que a direita
cresce. À medida que as pessoas se decepcionam com o PT, elas buscam uma
alternativa. Como elas não enxergam ainda de uma forma tão clara uma
alternativa pela esquerda, acabam votando em outros candidatos contra o PT e
acabam fortalecendo a direita, mesmo que elas não tenham uma ideologia de
direita. Então, eu acho que a gente tem que olhar com cautela essa correlação
de forças no congresso. Embora ela reflita sim, um crescimento da direita, do
conservadorismo, não significa que o Brasil está indo à direita, e nem que as
forças da direita estejam mais fortes.
P: O Psol é acusado de, muitas vezes, ajudar os partidos mais conservadores ao atacar o PT com frequência. Como a senhora responde a essa acusação?
R: Isso é uma acusação
totalmente infundada, porque não há como fazer um bloco de esquerda com o PT.
Hoje o PT é o principal aplicador dos planos capitalistas, dos interesses do
grande capital, dos bancos, das empreiteiras. Olha o que está acontecendo com a
Petrobras e não é restrito a Petrobras. O PT manteve toda a política herdada,
não só de Fernando Henrique, mas da história política do Brasil, de fazer com
que grandes empreiteiras dominem o Estado e se beneficiem de obras superfaturadas,
dando propina para os políticos. O PT manteve essa mesma lógica, assim como
manteve a política economia sobre a subserviência do Brasil aos interesses dos
mercados, pagando altas taxas de juros na divida pública. O PT não fez uma
auditoria, não enfrentou esse problema da dívida, que outros países como
Argentina e Equador enfrentaram. Então, o PT não é um partido de esquerda na
sua essência mais. Ele pode se dizer de esquerda, qualquer um pode se dizer,
mas na essência não é. A política que ele implementa não é uma política de
esquerda. Então, não há como fazer um bloco com o PT contra a direita, até
porque a direita também está dentro do governo com o PT. O que é a Kátia Abreu
[senadora cotada para assumir o Ministério da Agricultura] se não direita? O
que o Joaquim Levy é, se não é direita? Então, o que a gente precisa é
justamente se construir de forma independente, enfrentando toda essa
dificuldade que a gente tem que é a estrutura financeira e a grande mídia,
tentar dar visibilidade para uma oposição de esquerda.
P: As pautas tradicionais da esquerda não estão meio fora de moda?
R: Que pauta tu achas que
está fora de moda?
P: A implantação do socialismo, por exemplo. A esquerda não deveria buscar novas pautas como questões de gênero, etnia, dos jovens?
R: Eu acho que essas
pautas que tu dizes não são novas porque são lutas que já vêm sendo travadas há
muito tempo, mas que ganharam força justamente pela força social que esse setor
tem, como as mulheres, os movimentos s LGBTS, a juventude com essa pauta das
drogas, por exemplo. São pautas fundamentais, mas as pautas econômicas são
essenciais. Sem elas não se caracteriza uma esquerda coerente. O que eu
concordo contigo é que a ideia do socialismo está desgastada porque os modelos
apresentados como socialistas fracassaram. União Soviética, China, Cuba,
fracassaram por diferentes razões, em diferentes contextos. Tiveram avanços
econômicos importantes, mas não conseguiram contemplar pautas democráticas que
são fundamentais. Então, é preciso construir um novo modelo. Nós não temos um
modelo para apresentar e dizer “esse aqui é o modelo do socialismo que nós
queremos construir”. Não existe isso. Na campanha eleitoral - e eu acho que
isso foi o que deu força pro Psol, em comparação por exemplo, com o PSTU, que
também é um partido com o qual a gente tem afinidade programática, é que nós
não nos fixamos em uma proclamação do socialismo. Nós apresentamos medidas
concretas, que são na verdade reformas radicais que se contrapõem objetivamente
ao capitalismo, mas que não são medidas diretamente socialistas. Por exemplo,
reforma agrária, reforma urbana, taxação de grandes fortunas. Todas são medidas
dentro do modelo capitalista. A gente dialogou com as questões objetivas do
povo, os problemas concretos e não simplesmente fazendo proclamação do
socialismo.
P: Como foi a experiência da campanha presidencial, principalmente no que diz respeito à sua fama nas redes sociais?
R: Para mim, foi uma
experiência muito gratificante. Eu me fortaleci, a partir da própria energia
que as pessoas me passavam. Foi uma campanha muito difícil, sem estrutura sem
dinheiro, sem tempo na TV, com a mídia nos boicotando permanentemente. Por
exemplo, no Jornal Nacional, todos os dias, estavam a Marina, o Aécio e a
Dilma. Eu aparecia de 15 em 15 dias. Então é duro enfrentar uma campanha dessa
forma, mas por outro lado, quando eu ia para as ruas, universidades, escolas,
locais de eventos, sentia uma energia muito grande, principalmente da juventude
e da comunidade LGBTs, que foram duas pontas de lança, da minha votação e da
minha campanha.
2 comentários:
Continuo me arrependendo de não ter votado nela.
Cada vez nais acho que o PSOL se modernizou. É uma esquerda atualizada com o mundo.
Obrigada por me mostrar isso!
Fique certo que nas próximas eleições vou mesmo votar no PSOL!!!
Fico feliz com isso, Joelma... Luciana Genro e o PSOL são a melhor opção para a esquerda no Brasil hoje.
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