Jorge Vital de Brito Moreira
nos envia esta
profunda análise crítica do recente filme de Spike Lee e, por extensão da
sociedade estadunidense:
Inquietos diante da
possibilidade do filme BlacKkKlansman ser retirado de exibição na sala de um
cinema de Appleton (a cidade onde vivemos em Wisconsin, nos EUA) decidimos, eu
e minha mulher, ir a assistir o mais rápido possível (no dia seguinte à sua
estreia) ao novo filme do cineasta afroamericano Spike Lee.
Em geral, a nossa inquietação tem se
justificado com base em duas considerações ético-politicas: 1) Os filmes de
Spike Lee (junto aos de Oliver Stone, Michel Moore e outros poucos)
merecem e devem ser vistos por grande número de espectadores pois
eles tendem a ajudar na construção de
uma narrativa ideológica alternativa onde se questiona e se tenta invalidar a
narrativa ideológico-política do estado capitalista imperialista estadunidense
que é hegemônica e predominante tanto dentro como fora dos EUA; 2) Os
proprietários capitalistas das salas de cinema dos EUA (os exibidores de
filmes) não apenas procuram ganhar muito dinheiro com filmes comerciais
massivos, mas que também procuram reprimir os filmes que questionam a narrativa ideológico-politica dominante.
Tenho assistido
alguns filmes importantes de Spike Lee e em todos eles se apresentam alguns
temas centrais tais como o racismo, a religião e o menosprezo da raça negra
como fundamentos ideológicos do ódio e da violência contra o negro na sociedade
estadunidense. Todos estes temas estão relacionados (nos filmes de Lee) tanto à
questão da identidade afroamericana na sociedade branca como às contribuições
da população negra (sobretudo na produção cultural, na música e na dança) na
construção da modernidade/posmodernidade dos Estados Unidos da América. Dos
seus filmes, Do the right Thing (1989, Malcolm X (1992) e Red
Hook Summer (2012) são os meus favoritos.
O novo filme, BlacKkKlansman pertence ao gênero comédia
dramática policial e foi coescrito, coproduzido e dirigido por Spike Lee em
2018. A narrativa cinematográfica está baseada no livro autobiográfico Black
Klansman, do ex-policial detetive Ron Stallworth. O filme é estrelado por John
David Washington (filho do ator Denzel Washington), Adam Driver, Laura Harrier
e Topher Grace.
BlacKkKlansman
estreou em 14 de maio de 2018 no Festival de Cannes, onde competiu pela Palma
de Ouro e ganhou o Grande premio (Gran Prix). Foi lançado nos cinemas dos
Estados Unidos em 10 de agosto de 2018 (no aniversário de um ano da
manifestação da supremacia branca na cidade de Charlottesville, em 2017).
O filme está situado no
Colorado, nos anos 70 e o enredo se desenvolve em torno da história real do
detetive afroamericano Ron Stallworth (John David Washington) que consegue se
infiltrar na organização criminosa e racista conhecida como Ku Klux Klan. Ron
Stallworth também consegue se infiltrar numa manifestação de protesto de um
grupo de estudantes afroamericanos de uma universidade onde conhece e
estabelece uma relação amorosa com Patrice Dumas (Laura Harrier), a principal
dirigente do grupo estudantil. Durante seu trabalho como investigador,
Stallworth desenvolve uma relação de amizade com Flip Zimmerman (Adam Driver),
um policial judeu, branco, que funcionará como seu duplo no contato pessoal e
direto com os membros do Ku Klux Klan.
Spike Lee utiliza
competentemente o humorismo, a música, a fotografia, o vestuário e as excelentes
atuações dos atores (além de diversos elementos significativos do contexto e da
ideologia dos anos 60-70) para produzir uma recreação da época bastante
funcional à forma e ao estilo de BlacKkKlansman. Spike Lee também os aproveita
para fazer uma notória aproximação dos temas políticos dos anos 70 (Direitos
Civis, Feminismo, Black Power) junto aos temas políticos recentes e
panfletários do período governado pela atual administração supremacista,
racista, chauvinista, militarista e antiimigrante do presidente Donald Trump. E
nesta aproximação, ficamos nos sentindo defraudados pela ausência, no enredo do
filme, de representantes da população latinoamericana tão crucificada pela
administração do atual presidente dos EUA.
Spike Lee também
aproveita eficientemente algumas sequências de cenas de dois filmes clássicos
estadunidenses E o vento levou (1) e O Nascimento de uma nação(2) para
denunciar a ideologia racista ligada à Ku Klux Klan, no interior do discurso
cinematográfico que tem sido hegemônico na historia do cinema dos Estados
Unidos da América.
Apesar dos momentos
panfletários que se encontram no filme, ainda acredito na importância significativa da utilização
que faz Spike Lee dos violentos acontecimentos de Charlottesville, Virginia,
nos minutos finais de BlacKkKlansman, para denunciar a ideologia e a prática
racista no país. Em todo caso se tivesse que diminuir a duração do filme, preferiria
cortar algumas sequências de ações (justificadas no enredo do cinema clássico)
mas que me parecem excessivas para um espectador de um gênero de filme
contemporâneo.
Mesmo reconhecendo a
validez da sua boa direção, o filme de Spike Lee, fica exposto a uma série de
importantes críticas socioeconômicas, politicas e culturais devido às
limitações dos seus pressupostos ideológicos, toda vez que acaba reduzindo a
articulação da complexa relação histórica entre a luta de classes social, a luta
racial, a luta de gênero, e a luta nacional à mera ideologia da “politica de
identidade” dentro da sociedade político partidária estadunidense.
Esta “política de
identidade” (como já tivemos a oportunidade de testemunhar) durante os governos
democratas dos presidentes Bill Clinton (3) e Barack Obama
(4), tem estado quebrando a solidariedade da classe trabalhadora estadunidense,
levando as pessoas (em sua maioria vítimas do sistema de dominação e exploração
capitalista) a que se centralizem na identidade étnica, racial ou sexual,
deixando a luta de classes socioeconômica no esquecimento e alienação. Acaba
sendo uma forma contemporânea da política do “divide y vencerás” que tem sido implementada pela classe dominante
capitalista (uma minoria socioeconomicamente rica composta de menos de 1% da
população mundial) para continuar enriquecendo à custa da exploração da pobreza
dos trabalhadores (brancos, pretos, indígenas, latinos e imigrantes) dos quatro
cantos do planeta Terra.
NOTAS
1) O filme de Spike Lee começa
apresentando o set do filme estadunidense Gone with the Wind, mostrando
centenas de soldados mortos durante a Guerra Civil Estadunidense. Logo aparece
a "explicação científica" da superioridade racial branca realizada
pelo Dr. Kennebrew Beaureguard (Alec Baldwin).
2) O filme de Spike Lee
apresenta um discurso do líder veterano Jerome Turner (interpretado por Harry
Belafonte), no qual ele detalha a maneira pela qual a “Ku Klu Klan” ressurgiu após a estreia do repugnante
clássico racista "O Nascimento de uma Nação". "(1915) de David
W. Griffith.
3) Os leitores podem obter mais informação sobre a relação entre a política de
identidade de Bill e Hillary Clinton e sua aliança com os capitalistas de Wall
Street lendo a excelente entrevista critica da escritora Diana
Johnstone no blog Rebelion.org “Una razón fundamental para que se diese la alianza de Wall
Street con los Clinton es que los autoproclamados ‘nuevos demócratas’
encabezados por Bill Clinton lograron cambiar la ideología del Partido
Demócrata de la igualdad social a la igualdad de oportunidades. En vez de
luchar por las políticas tradicionales del New Deal que tenían como objetivo incrementar los estándares de
vida de la mayoría, los Clinton luchan por los derechos de las mujeres y las
minorías a ‘tener éxito’ individualmente, a ‘romper techos de cristal’, avanzar
en sus carreras y enriquecerse. Esta ‘política de la identidad’ quebró la
solidaridad de la clase trabajadora haciendo que la gente se centrase en la
identidad étnica, racial o sexual.”
A
entrevista de Diana Johnstone intitulada “Hillary Clinton es el principal
motivo de preocupación” pode ser encontrada no link abaixo:
4) De acordo ao levantamento do
sociólogo e professor James Petras sobre
a política interna do ex-presidente afroamericano Barack Obama dentro dos EUA,
fica evidente que durante os oito anos de sua presidência, Obama baixou as
expectativas de vida de todos os tipos de trabalhadores que ele cortejava e
seduzia durante suas campanhas eleitorais, isto é, dos nove entre dez
americanos negros que votaram em Obama nas duas campanhas presidenciais. Mas, apesar
do apoio maciço dos afroamericanos durante a presidência de Barack Obama, houve
um aumento da desigualdade na distribuição de renda entre trabalhadores brancos
e negros, houve aumento da violência policial letal contra afroamericanos e
multiplicaram-se os ataques paramilitares brancos, incluindo a queimada de
igrejas afroamericanas. Os afroamericanos acusados de crimes não violentos
relacionados ao uso de drogas (comerciantes e consumidores) foram presos em uma
taxa muito mais elevada do que os brancos, enquanto as elites das grandes farmacêuticas
(e os médicos que prescrevem drogas para estimular o vício em opiáceos) tinham
obtido cada vez mais benefícios com total impunidade no governo Obama. Quanto à
política de imigração da administração de Barack Obama, materializou-se entre
2009 e 2015, a expulsão de três milhões de imigrantes dos EUA. De acordo com o
registro revelado pelo professor James Petras, Barack Obama tem o maior
registro de expulsão de imigrantes na história dos EUA.
Os leitores podem obter mais informação sobre o governo de Barack Obama,
consultando o artigo intitulado “Lendo romance policial como realidade politica
dos EUA e a realidade politica dos EUA como romance policial: o caso Barack
Obama” que foi publicado em portugues pelo blog Novas Pensatas do domingo, 15
de janeiro de 2017 e cujo link é:
Nenhum comentário:
Postar um comentário