Durante a ressaca
pós-eleição onde um dos grandes saldos é a polarização com uma onda
conservadora insuflando um impeachment
e até ressuscitando a ditadura militar, a Folha de São Paulo conversou com o
deputado estadual Marcelo Freixo do PSOL, que iniciará seu terceiro mandato na
ALERJ (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro), onde hoje preside a
Comissão de Direitos Humanos e Cidadania.
O debate sobre a corrupção assumiu o protagonismo nessas eleições e continua estampando a capa das revistas e dos jornais. Marcelo Freixo foi muito criticado ao apoiar Dilma no segundo turno em meio à onda dos escândalos, questionamento que ele considera expressão de uma ‘despolitização’.
Qual seu balanço sobre as UPPs no Rio de
Janeiro?
As UPPs não surgem como um projeto de segurança
pública, com os critérios da segurança pública. Temos uma polícia com a mesma
concepção de guerra, do inimigo e não uma polícia de proximidade. Desde as
condições de trabalho e tudo que envolve a polícia, à hierarquia e à
militarização.
O mapa das UPPs não segue o mapa da criminalidade
e da segurança pública, mas dos investimentos, dos que pagam, da
cidade-negócio. E se fosse ter uma UPP em cada favela a polícia do Rio de
Janeiro teria que ser maior do que o exército dos EUA e Israel juntos, é
inviável.
Quando o Estado não entra com a possibilidade de
garantia de direitos ele joga sobre a polícia a possibilidade do conflito. Você
não avança nos direitos, e não avança com a democracia. O morador acaba se
dirigindo à polícia com assuntos que não dizem respeito à polícia, como por
exemplo, pra falar sobre coleta de lixo, sobre fazer uma festa. Você não traz
uma nova relação com as pessoas.
Existe uma possibilidade real de você se
candidatar à prefeitura do Rio em 2016?
Depende de uma decisão partidária, mas é bem
provável que eu saia candidato pelo PSOL. Fui candidato na última eleição e
fiquei em segundo lugar com 29%, uma votação expressiva. Só não houve segundo
turno porque teve uma concentração de forças políticas, o Eduardo Paes teve um
apoio de 22 partidos com 16 minutos de TV enquanto eu tive um minuto apenas.
A gente acaba de sair de uma eleição muito
vitoriosa, fui o deputado mais votado do Brasil com 350.408 votos.
Hoje nós temos uma bancada com 5 deputados
estaduais. o nosso candidato – Tarcisio Motta – ao governo saiu do completo
desconhecimento pra ser a grande surpresa da eleição, com uma votação na cidade
do Rio de Janeiro que foi o dobro do candidato do PT.
Eu não fui o mais votado só na zona sul, eu fui o
mais votado em diversas áreas, inclusive de milícia onde eu sequer pude colocar
o pé.
Fui o deputado mais votado com o menor custo. Eu
não gosto desse cálculo porque ele é perigoso, mas a imprensa fez. Se você faz
o cálculo do total de votos por quanto eu gastei, cada voto meu saiu a 61
centavos. Isso porque existe a alternativa da rede social.
Há a possibilidade de coligação com o PT
na eleição para a Prefeitura do Rio de Janeiro em 2016?
Com determinados segmentos do PT, não necessariamente
no todo. Quando eu fui candidato à prefeitura do Rio de Janeiro em 2012 teve
uma parte do PT que me apoiou, chamavam os ‘petistas com Freixo’, eu acho que
essa fração pode ser maior na próxima eleição. Mas não sei se isso faz com que
os partidos se aproximem. Atualmente o PT apoia o prefeito Eduardo Paes.
Qual a estratégia de campanha para 2016?
Não quero me reunir em cúpulas partidárias,
fazendo o velho troca-troca, do escambo político de tempo de TV por cargos.
Esse modelo faliu.
Em 2015 nós vamos formar um grupo de trabalho, de estudo, com pessoas de várias áreas do Rio de Janeiro para fazer um esqueleto de um projeto de cidade que é algo muito maior que o PSOL.
Em 2015 nós vamos formar um grupo de trabalho, de estudo, com pessoas de várias áreas do Rio de Janeiro para fazer um esqueleto de um projeto de cidade que é algo muito maior que o PSOL.
Que cidade a gente quer? A cidade do cimento ou
do sentimento? A gente quer a cidade do sentimento.
Radicalizar a democracia, ampliar a capacidade
das pessoas de participação na vida pública.
E no segundo semestre de 2015 esse esqueleto vai
paras as redes sociais pra que isso se multiplique num grande debate, para que
cada cidadão possa dar sua opinião, por que isso dá um sentimento de
pertencimento. Como diz o Neruda a vida é uma escolha, as consequências cada um
que arque com as suas.
As manifestações de junho foram uma
mudança de paradigma, para o bem e para o mal. Surgiu uma onda reacionária.
Qual a relação?
A despolitização da política causa isso. Um
exemplo é o debate da corrupção. Como sou uma pessoa muito marcada pelo
enfrentamento à corrupção fui questionado ao ter apoiado a Dilma no segundo
turno. Diziam que eu apoiei a corrupção. Como se o PSDB fosse a referência
ética do Brasil!
Corrupção a gente combate com reforma política. O
debate é pedagógico. Eu refleti muito sobre a corrupção como carro chefe do
debate político. Quando não se entende qualquer mecanismo político se leva para
o comportamental.
Sobre a questão da representatividade nas
manifestações – apareceu uma ojeriza à representatividade?
A crise de representatividade era a expressão da
despolitização da política e do nacionalismo exacerbado. Uma sociedade que bota
um milhão de pessoas na rua, bota de tudo na rua. E o resultado foi que levou a
um congresso mais conservador. Se você despolitiza a política o que vai
determinar é o poder econômico, o poder do voto religioso, dos centros sociais,
cada vez mais conservadores. Você tem as emissoras e o poder econômico.
E o partido Podemos na Espanha?
É novo, muito novo. A gente ainda está tentando
entender, eles próprios do Podemos ainda estão tentando entender diante da
velocidade com que as coisas aconteceram. Mas a Espanha tem um índice de
desemprego altíssimo, de desencanto completo com a política da
representatividade. A taxa de desemprego entre os jovens chega a 50% na
Espanha. É entre os jovens que o Podemos dialoga e cresce. E o Podemos, assim
como o PSOL, tem uma inversão de pauta familiar, onde o filho influencia o voto
do pai. A juventude começa a ser o protagonista na política.
Como funciona a estrutura partidária do
Podemos?
Eles trabalham com uma rotatividade maior. Eles
têm um programa muito parecido com o que a gente está querendo fazer, que se
chama movimento. Não vamos apresentar um programa de governo feito por meia
dúzia de especialistas. Teremos um debate permanente colocado no circuito das
ideias alcançando um maior número de pessoas.
Isso dialoga com a reforma política.
Quais são os pontos prioritários da reforma política?
Número um: financiamento público de campanha.
A luta política é pedagógica. Hoje no Rio de
Janeiro as pessoas não sabem dizer o nome de 5 vereadores. Isso é um absurdo.
É uma luta de construção de olhar, de construção
de possibilidades, de consensos. E a reforma política está muito longe do
debate cotidiano das pessoas. Elas pensam que isso é coisa do político. Delegam
até que explode, então nada os representa. Eles sabem muito mais o que não
querem do que o que querem. Pra construir um projeto político eu tenho que que
ter política na cabeça. A indignação é muito importante mas não leva a lugar
nenhum. O que aconteceu em junho são sentimentos, não manifestações.
Manifestação é saber onde eu quero chegar.
Mas foi um começo.
Sim um começo extraordinário e que se espalha.
Altera comportamentos, altera reações. Para financiamento público de campanha é
decisivo. Você não pode continuar tendo empreiteiras financiando campanhas.
Se eu tiver que elogiar o governo do PT vou falar
do salário mínimo, da redução do número de miseráveis. Mas isso não pode
acontecer exclusivamente pela via do acesso ao mundo do consumo, tem que ser
acompanhado de uma mudança institucional de serviços de qualidade, de educação,
saúde e transporte, que não aconteceu. O SUS, que é um avanço, é inviabilizado
quando se destina o dinheiro para os bancos. O BNDES hoje é um captador de
dinheiro público para beneficiar os financiadores de campanhas.
Quem tem a gestão dos trens da Supervia no Rio de Janeiro é a Odebrecht, a gestão do metrô é a OAS, das barcas Rio Niterói é CCR, ou seja as empreiteiras tem a gestão de toda a mobilidade urbana do Rio de Janeiro. São as empreiteiras que financiam as campanhas, quem determina o tempo que você vai gastar da sua vida no deslocamento são as empreiteiras.
Quem tem a gestão dos trens da Supervia no Rio de Janeiro é a Odebrecht, a gestão do metrô é a OAS, das barcas Rio Niterói é CCR, ou seja as empreiteiras tem a gestão de toda a mobilidade urbana do Rio de Janeiro. São as empreiteiras que financiam as campanhas, quem determina o tempo que você vai gastar da sua vida no deslocamento são as empreiteiras.
Como a gente disse na campanha: quem escolhe a
música é quem paga a orquestra. A música que o Pezão canta, que o Eduardo Paes
canta, que o Cabral cantou nos cabarés parisienses, quem paga a orquestra são
as empreiteiras. Com o financiamento público de campanha empreiteira não compra
mais prefeito, não compra mais governador.
E o formato?
Isso não pode acontecer isoladamente. A proposta
apresentada pela CNBB e pela OAB em que foi feito o plebiscito no dia 7 de
setembro, propõe o financiamento público com voto em lista e a eleição do voto
em lista no Parlamento em dois turnos. Isso é interessante, porque na Europa o
voto em lista, onde o partido determina quem está na frente, está numa crise de
representatividade muito grande. Essa burocracia partidária, tanto da direita
quanto da esquerda estão muito cristalizadas, gerando um afastamento muito
grande do conjunto de desejos da sociedade.
A proposta da reforma política da OAB e da CNBB é
que se defina um partido, onde eles terão que dizer o que eles pensam – hoje
boa parte das mais de 30 legendas não pensam nada, são legendas de mercado, que
alugam e fazem uma grande ciranda financeira. O Eduardo Paes tinha apoio de
mais de 20 partidos, que ele não saberia nem nomear e, se perguntasse o que
cada partido desse tinha como eixo central, seria risada. São legendas criadas
para serem vendidas, para gerar tempo de TV. Eu sou contrário à coligação na
proporcional, ou seja coligação pra deputado.
A sociedade vai votar nos programas do partido e
no segundo turno se votaria para alterar a ordem da lista. No primeiro turno
vota na legenda e no segundo turno no candidato. Isso funciona casado com
financiamento público de campanha. Assim você quebra a burocracia partidária.
Como vai funcionar na prática a
democracia direta, com a reforma politica e como aprovar com esse Congresso?
Muito difícil. Ainda não sei o tamanho dessa onda
conservadora, se é só uma onda ou um tsunami. Ela é preocupante porque nasce
como antipetismo, por erros e acertos do PT, mas é também anti qualquer projeto
de esquerda. Quem dera que o PT fosse aquilo de que ele está sendo acusado!
Onde a gente mais pode avançar hoje,
concretamente, é no debate das cidades, no modelo de organização. A gente vive
a cidade, não vive o país. O modelo de orçamento participativo já é uma coisa
antiga, é preciso fazer com que os moradores de cada bairro possam opinar
sobre, por exemplo, o transporte de sua área.
Ter espaços de debates criados pelas prefeitura
para resolver os problemas que cada bairro tem. Temos que ampliar o canal de
escuta para que chegue na câmara, na prefeitura. A partir disso você vai dar um
sentimento de pertencimento.
Eles que me acusam de bolivariano, mas isso acontece em Nova York e em Berlim mais do que na Venezuela. Não é possível que a gente não consiga ampliar a democracia pelas redes virtuais.
Eles que me acusam de bolivariano, mas isso acontece em Nova York e em Berlim mais do que na Venezuela. Não é possível que a gente não consiga ampliar a democracia pelas redes virtuais.
Como lidar com essa onda reacionária? O
preconceito histórico do Brasil está exposto como nunca esteve, com isso o
absurdo também fica exposto.
Os fascistas saíram do armário. Eu me posicionei
publicamente no plenário com o jornalista que chamou os nordestinos de bovinos.
Lamentei o desconhecimento histórico dele. Ele queria que o nordeste votasse em
quem? E ninguém quer falar da eleição em Minas e no Rio que foi onde definiu a
eleição.
O debate entre a direita e esquerda sempre foi
mais no viés econômico. Agora surge uma disputa social de uma concepção de
sociedade, há um debate social sobre as cotas, programas das bolsas, dos conselhos,
isso é ruim.
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