Já de passaram nove meses do
assassinato brutal da combatente vereadora Marielle e do motorista Anderson e a
policia ainda não fechou em nomes de seus mentores e executores. Falam apenas
em suspeitos e citam poucos nomes, fixando-se em grupos genéricos, como
milicianos, por exemplo.
As razões
são muitas. De um lado, estão as já conhecidas dificuldades estruturais das
polícias Civil e Técnico-científica, como escassez de profissionais, materiais
e treinamento, muitas vezes pela priorização dos investimentos no policiamento
das ruas. Na prática, isso atrasa a chegada dos agentes na área do crime,
prejudica a obtenção de informações essenciais logo no início, precariza os
trabalhos de perícia e faz investigadores atuarem em vários casos
simultaneamente, por exemplo. Do outro lado, está o modo como as apurações são
feitas. De maneira geral, é um trabalho "rotinizado" e
"cartorial", concluem pesquisas que entrevistaram agentes, delegados
e peritos em diferentes capitais, como Rio, Brasília, Belo Horizonte, Recife e
Porto Alegre.
Também acabam
dependendo prioritariamente de provas testemunhais, e não técnicas. "A
perícia tende a confirmar a materialidade, mas não apontar a autoria,
iluminando 'o que ocorreu, mas não quem matou'", resume um relatório de
2017 do Instituto Sou da Paz. Soma-se a isso a falta de articulação entre os
próprios funcionários da Polícia Civil e da corporação com o Ministério
Público, que é quem decide se denuncia ou não o suspeito apontado no inquérito.
O sociólogo
Michel Misse, da UFRJ (Universidade Federal do RJ), concluiu ao coordenar em
2010 a pesquisa "O Inquérito Policial no Brasil" em cinco estados
que, mesmo após concluídos, muitos casos ficam presos num
"pingue-pongue" entre os dois órgãos pela fraqueza das provas.
"Algum dia, um procurador cansado olhará toda aquela papelada e pedirá seu
arquivamento", escreve ele.
No caso de
Marielle e Anderson, que foram perseguidos e assassinados a tiros na noite de
14 de março no centro do Rio, há uma distância grande do padrão de
investigações de homicídios em alguns pontos, mas pequena em outros, segundo o
que já foi divulgado da apuração sigilosa. "É um crime político,
dificílimo, diferentemente da maior parte dos homicídios, que são de fácil
elucidação e dependem mais de treinamento e organização das polícias",
pondera Arthur Trindade, professor da UnB (Universidade de Brasília) e
ex-secretário da Segurança do DF.
As
informações divulgadas até agora também indicam que o assassinato da vereadora
reflete a dependência geral de testemunhas. A investigação está sob a
coordenação dos interventores federais na segurança pública do estado, no
comando das polícias do Rio desde fevereiro passado. A principal linha de
investigação tem como fio condutor o relato de duas pessoas e continua
apontando para o vereador Marcelo Siciliano (PHS) como mandante do crime. Ele
teria supostas desavenças com Marielle na zona oeste do Rio, o que ele nega
desde o início.
"Nesse
caso há a necessidade de provas mais robustas do que as que a polícia
normalmente trabalha, que são só provas testemunhais. O caso é muito sensível e
as provas têm que ser muito fortes", diz Arthur Trindade. A falta de
sintonia comum entre Polícia Civil e Ministério Público também é visível no
caso. "A polícia diz que tem um prazo e que vai concluir as investigações,
apesar de não dar o prazo. Já o MP [Promotoria] diz que não há um prazo, porque
as investigações exigem rigor", afirma o deputado federal Jean Wyllys
(PSOL), presidente da comissão externa da Câmara que acompanhas as
investigações.
Enquanto isso, as milhares de mortes não
esclarecidas no país levam a mais mortes, lembra Rodrigo Azevedo, do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, ONG que reúne especialistas no tema. "Não
há dúvidas de que o homicídio que é esclarecido e responsabilizado previne
outros homicídios. A impunidade traz o sentimento de que o crime
compensa."
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