sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

O caso Marielle, nove meses depois...


Já de passaram nove meses do assassinato brutal da combatente vereadora Marielle e do motorista Anderson e a policia ainda não fechou em nomes de seus mentores e executores. Falam apenas em suspeitos e citam poucos nomes, fixando-se em grupos genéricos, como milicianos, por exemplo.

As razões são muitas. De um lado, estão as já conhecidas dificuldades estruturais das polícias Civil e Técnico-científica, como escassez de profissionais, materiais e treinamento, muitas vezes pela priorização dos investimentos no policiamento das ruas. Na prática, isso atrasa a chegada dos agentes na área do crime, prejudica a obtenção de informações essenciais logo no início, precariza os trabalhos de perícia e faz investigadores atuarem em vários casos simultaneamente, por exemplo. Do outro lado, está o modo como as apurações são feitas. De maneira geral, é um trabalho "rotinizado" e "cartorial", concluem pesquisas que entrevistaram agentes, delegados e peritos em diferentes capitais, como Rio, Brasília, Belo Horizonte, Recife e Porto Alegre.

Também acabam dependendo prioritariamente de provas testemunhais, e não técnicas. "A perícia tende a confirmar a materialidade, mas não apontar a autoria, iluminando 'o que ocorreu, mas não quem matou'", resume um relatório de 2017 do Instituto Sou da Paz. Soma-se a isso a falta de articulação entre os próprios funcionários da Polícia Civil e da corporação com o Ministério Público, que é quem decide se denuncia ou não o suspeito apontado no inquérito.

O sociólogo Michel Misse, da UFRJ (Universidade Federal do RJ), concluiu ao coordenar em 2010 a pesquisa "O Inquérito Policial no Brasil" em cinco estados que, mesmo após concluídos, muitos casos ficam presos num "pingue-pongue" entre os dois órgãos pela fraqueza das provas. "Algum dia, um procurador cansado olhará toda aquela papelada e pedirá seu arquivamento", escreve ele.

No caso de Marielle e Anderson, que foram perseguidos e assassinados a tiros na noite de 14 de março no centro do Rio, há uma distância grande do padrão de investigações de homicídios em alguns pontos, mas pequena em outros, segundo o que já foi divulgado da apuração sigilosa. "É um crime político, dificílimo, diferentemente da maior parte dos homicídios, que são de fácil elucidação e dependem mais de treinamento e organização das polícias", pondera Arthur Trindade, professor da UnB (Universidade de Brasília) e ex-secretário da Segurança do DF.

As informações divulgadas até agora também indicam que o assassinato da vereadora reflete a dependência geral de testemunhas. A investigação está sob a coordenação dos interventores federais na segurança pública do estado, no comando das polícias do Rio desde fevereiro passado. A principal linha de investigação tem como fio condutor o relato de duas pessoas e continua apontando para o vereador Marcelo Siciliano (PHS) como mandante do crime. Ele teria supostas desavenças com Marielle na zona oeste do Rio, o que ele nega desde o início.

"Nesse caso há a necessidade de provas mais robustas do que as que a polícia normalmente trabalha, que são só provas testemunhais. O caso é muito sensível e as provas têm que ser muito fortes", diz Arthur Trindade. A falta de sintonia comum entre Polícia Civil e Ministério Público também é visível no caso. "A polícia diz que tem um prazo e que vai concluir as investigações, apesar de não dar o prazo. Já o MP [Promotoria] diz que não há um prazo, porque as investigações exigem rigor", afirma o deputado federal Jean Wyllys (PSOL), presidente da comissão externa da Câmara que acompanhas as investigações.

Enquanto isso, as milhares de mortes não esclarecidas no país levam a mais mortes, lembra Rodrigo Azevedo, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ONG que reúne especialistas no tema. "Não há dúvidas de que o homicídio que é esclarecido e responsabilizado previne outros homicídios. A impunidade traz o sentimento de que o crime compensa."

Nenhum comentário: