domingo, 17 de abril de 2011

Recordações de domingo

Foto de meu pai trabalhada
no Photoshop
Hoje publico aqui um texto que fiz e distribui apenas no mais íntimo da família quando meu pai ainda estava no hospital, cerca de três semanas antes de falecer. Não é uma poesia, porque não sou poeta nem jamais me propus a sê-lo. No entanto o acho poético e sincero. Gostaria até que mais pessoas o conhecessem. Por isto, posto aqui neste domingo. Como se fosse um quadro, já envolto em brumas do passado... Mas tão presente em minhas recordações.


Lembranças

Outro dia lembrei de você falando comigo, e, sorrindo me dizer que quando bebê, me pegava com apenas uma mão e me dava um banho. Gostava de ver o seu sorriso nos momentos em que narrava esse acontecimento e estendia a mão a imitar o gesto. Achava uma forma de demonstrar o seu carinho por mim.
Mas tambem lembrei dos tempos em que você saia do trabalho, no Banco do Brasil e ia dar aulas à noite. Aulas de contabilidade. Isso porque as agruras da vida faziam com que o suor na testa tivesse que ser redobrado para sustentar a prole de cinco filhos, entre eles, eu...
Lembrei de um dia, há quase cinquenta anos atrás, no corredor lá de casa, em que me abracei a você, chorando, porque você, em determinado momento, a conversar comigo comentou que um dia morreria; e eu senti um grande vazio na sensação da sua falta!
Lembrei de nossos papos após voltar do cinema... O Nacional, na esquina da Voluntários com Real Grandeza. Os bons tempos de “poeiras” e matinês. O Botafogo, o Guanabara. Matinês que continuaram até em torno de um ano e meio atrás, quando começou a ficar mais difícil você andar. As últimas foram no Estação Unibanco Arteplex. Você adorava, até porque não tinha escadas nem elevadores. Mas você ia de bengala... Curtia o cafezinho, na entrada e vibrava com os filmes que via...
Mas lembrei também de sua impaciência, que tantas vezes me irritava. De seus mal humores, suas ansiedades. Lembrei que sabia cobrar alguma tarefa que me dava nos últimos anos. Como devedês que encomendava, ou idas à Cassi para buscar remédios.
Por isso mesmo lembrei dos tempos, não muito distantes em que o acompanhava, quatro, às vezes cinco vezes por semana nas idas à fisoterapia, exames ou médicos diversos. Às sextas, quando íamos à psicóloga, você gostava invariavelmente de sentar-se no Cafeína da Constante Ramos e saborear seu café expresso acompanhado de uma torta... Sempre a mesma torta de ameixa! Era um ritual...
Lembrei que estou com a encomenda mais difícil de encontrar. “Melodia da Broadway”. Você queria de qualquer ano... Encontrei a versão de 1938, o filme que lançou Judy Garland. Vibrei quando o encontrei, após tantos meses procurando nas bancas e casas de DVD’s. Está aqui em casa e outro dia lhe falei no hospital que estava comigo. Senti que você sorriu... Foi uma recompensa para mim. Hoje, ao ver a embalagem, marejei os olhos... Um choro silencioso de saudade! Como aquele, há quase cinquenta anos atrás. No corredor lá de casa!
Lembrei...

6 comentários:

André Setaro disse...

Belo e comovente texto de um filho que perde o pai, que perde um elo querido na sua trajetória de vida. "Melodias da Broadway" é uma peça de recordação, um objeto que ficou como saudade, pois seu pai nunca pôde vê-lo trancafiado que estava no seu infortúnio. Permanecer na UTI é uma viagem ao inferno. A morte em si não é má, como dizia meu médico. Morremos, aliás, todos os dias, quando dormimos. A morte é um sono profundo e sem sonhos. Terrível, porém, é o sofrimento antes dela, a dor e a aflição quando se está no cativeiro hospítalar, inválido.

Já que era meu tio, e embora sem a convivência desejada, pela distância geográfica, também lamentei profundamente o seu desaparecimento.

Jonga Olivieri disse...

Grande professor Setaro. Aliás, neste momento preciso: meu caro primo André, sei o quanto você sentiu o desaparecimento de meu pai e seu tio.
Lembro que em suas vindas ao Rio de Janeiro íamos ao cinema com ele, pois cinéfilos que sempre foram coincidiam nas vontades de conhecer mais e mais a 7ª arte.
Hoje o seu fichário de filmes vistos por ele nos anos 1930/40 está com você. Até porque, sentindo que não iria longe, ele desejou que aquelas anotações ficassem em boas mãos.
De fato estava difícil, mas consegui comprar um dos "Broadway Melody" --edição de 1938--, que infelizmente ele não teve tempo para ter o prazer de rever.
Em mim ficou a satisfação de ter conseguido satisfazê-lo. E a frustração de que não tenhamos tido oportunidade de assisti-lo juntos, pois que ia muito à sua casa para assistir 'devedês' com ele.

Joelma disse...

Uma coisa é certa em tudo isso. Você gostava muito de seu pai.
Esta sua carta é muito tocante.
E isto é muito lindo!

Jonga Olivieri disse...

Como costumo dizer, o inesquecível no "velho" é que antes de ser meu pai --que o foi-- era um amigo.
E o mais importante, um amigo com quem nas últimas décadas confidenciavamos e conversávamos longamente sobre nossas vidas. Seus prazeres e suas agruras.

Mário disse...

LINDÍSSIMO.
E PARABÉNS POR TER TIDO UM PAI COMO ESTE.

Jonga Olivieri disse...

Obrigado, Mário.