sábado, 17 de novembro de 2018

Ironias da história


Quando li esse texto escrito por OLIVER STUENKEL (1), e o título de Por que votamos em Hitler eu pensei c’os meus botões: não é possível tamanha semelhança entre o que ocorreu na Alemanha daqueles tempos e o que se passa agora no Brasil... e achei por bem republicá-lo neste meu blogue Novas Pensatas:
   

Afinal, o que explica a razão de a Alemanha, um país com um dos melhores sistemas de educação pública e a maior concentração de doutores do mundo na época, sucumbir a um charlatão fascista?

Ao longo da década de 1920, Adolf Hitler era pouco mais do que um ex-militar bizarro de baixo escalão, que poucas pessoas levavam a sério. Ele era conhecido principalmente por seus discursos contra minorias, políticos de esquerda, pacifistas, feministas, gays, elites progressistas, imigrantes, a mídia e a Liga das Nações, precursora das Nações Unidas (ONU). Em 1932, porém, 37% dos eleitores alemães votaram no partido de Hitler, a nova força política dominante no país. Em janeiro de 1933, ele tornou-se chefe de governo. Por que tantos alemães instruídos votaram em um patético bufão que levou o país ao abismo?

Em primeiro lugar, os alemães tinham perdido a fé no sistema político da época. A jovem democracia não trouxera os benefícios que muitos esperavam. Muitos sentiam raiva das elites tradicionais, cujas políticas tinham causado a pior crise econômica na história do país. Buscava-se um novo rosto. Um anti político promoveria mudanças de verdade. Muitos dos eleitores de Hitler ficaram incomodados com seu radicalismo, mas os partidos estabelecidos não pareciam oferecer boas alternativas.

Em segundo lugar, Hitler sabia como usar a mídia para seus propósitos. Contrastando o discurso burocrático da maioria dos outros políticos, Hitler usava um linguajar simples, espalhava fake news, e os jornais adoravam sugerir que muito do que ele dizia era absurdo. Hitler era politicamente incorreto de propósito, o que o tornava mais autêntico aos olhos dos eleitores. Cada discurso era um espetáculo. Diferentemente dos outros políticos, ele foi recebido com aplausos de pé onde quer que fosse, empolgando as multidões. Como escreveu em seu livro “Minha Luta”:
“Toda propaganda deve ser apresentada em uma forma popular (…), não estar acima das cabeças dos menos intelectuais daqueles a quem é dirigida. (…) A arte da propaganda consiste precisamente em poder despertar a imaginação do público através de um apelo aos seus sentimentos.”

Em terceiro lugar, muitos alemães sentiram que seu país sofria com uma crise moral, e Hitler prometeu uma restauração. Pessoas religiosas, sobretudo, ficaram horrorizadas com a arte moderna e os costumes culturais progressistas que surgiram por volta de 1920, época em que as mulheres se tornavam cada vez mais independentes, e a comunidade LGBT em Berlim começava a ganhar visibilidade. Os conservadores sonhavam com restabelecer a antiga ordem. Os conselheiros de Hitler eram todos homens heterossexuais brancos. As mulheres, ele argumentou, deveriam se limitar a administrar a casa e ter filhos. Homens inseguros podiam, de vez em quando, quebrar vitrines de lojas, cujos donos eram judeus, para reafirmarem sua masculinidade.

Em quarto lugar, apesar de Hitler fazer declarações ultrajantes – como a de que judeus e gays deveriam ser mortos –, muitos pensavam que ele só queria chocar as pessoas. Muitos alemães que tinham amigos gays ou judeus votaram em Hitler, confiantes de que ele nunca implementaria suas promessas. Simplista, inexperiente e muitas vezes tão esdrúxulo, que até mesmo seus concorrentes riam dele, Hitler poderia ser controlado por conselheiros mais experientes, ou ele logo deixaria a política. Afinal, ele precisava de partidos tradicionais para governar.

Em quinto, Hitler ofereceu soluções simplistas que, à primeira vista, faziam sentido para todos. O problema do crime, argumentava, poderia ser resolvido aplicando a pena de morte com mais frequência e aumentando as sentenças de prisão. Problemas econômicos, segundo ele, eram causados por atores externos e conspiradores comunistas. Os judeus – que representavam menos de 1% da população total – eram o bode expiatório favorito. Os alemães “verdadeiros” não deviam se culpar por nada. Tudo foi embalado em slogans fáceis de lembrar: “Alemanha acima de tudo”, “Renascimento da Alemanha”, “Um povo, uma nação, um líder.”

Em sexto lugar, as elites logo aderiram a Hitler porque ele prometeu – e implementou – um atraente regime clientelista, cleptocrata, que beneficiava grupos de interesses especiais. Os industriais ganharam contratos suculentos, que os fizeram ignorar as tendências fascistas de Hitler.

Em sétimo, mesmo antes da eleição de 1932, falar contra Hitler tornou-se cada vez mais perigoso. Jovens agressivos, que apoiavam Hitler, ameaçavam os oponentes, limitando-se inicialmente ao abuso verbal, mas logo passando para a violência física. Muitos alemães que não apoiavam o regime preferiam ficar calados para evitar problemas com os nazistas.

Doze anos depois, com seis milhões de judeus exterminados e mais de 50 milhões de pessoas mortas na Segunda Guerra Mundial, muitos alemães que votaram em Hitler disseram a si mesmos que não tinham ideia de que ele traria tanta miséria ao mundo. “Se soubesse que ele mataria pessoas ou invadiria outros países, eu nunca teria votado nele ”, contou-me um amigo da minha família. “Mas como você pode dizer isso, considerando que Hitler falou publicamente de enforcar criminosos judeus durante a campanha?”, perguntei. “Eu achava que ele era pouco mais que um palhaço, um trapaceiro”, minha avó, cujo irmão morreu na guerra, responderia.

De fato, uma análise mais objetiva mostra que, justamente quando era mais necessário defender a democracia, os alemães caíram na tentação fácil de um demagogo patético que fornecia uma falsa sensação de segurança e muito poucas propostas concretas de como lidar com os problemas da Alemanha em 1932. Diferentemente do que se ouve hoje em dia, Hitler não era um gênio. Não passava de um charlatão oportunista que identificou e explorou uma profunda insegurança na sociedade alemã.

Hitler não chegou ao poder porque todos os alemães eram nazistas ou anti-semitas, mas porque muitas pessoas razoáveis fizeram vista grossa. O mal se estabeleceu na vida cotidiana porque as pessoas eram incapazes ou sem vontade de reconhecê-lo ou denunciá-lo, disseminando-se entre os alemães porque o povo estava disposto a minimizá-lo. Antes de muitos perceberem o que a maquinaria fascista do partido governista estava fazendo, ele já não podia mais ser contido. Era tarde demais.

1. Oliver Stuenkel (Düsseldorf, 1982) é um professor e pesquisador de relações internacionais, graduado pela Universidade de Valência, Espanha. É mestre em Políticas Públicas pela Kennedy School of Government de Harvard University, MA, EUA e doutor em Ciência Política pela Universidade DE (Duisburg-Essen), Alemanha. Atualmente trabalha como professor adjunto de Relações Internacionais da FGV em São Paulo, responsável por coordenar a Escola de Ciência Sociais (CPDOC) e MBA em Relações Internacionais da instituição. Além disso, Stuenkel é membro não residente do Global Public Policy Institute, em Berlim e membro do Carnegie Rising Democracies Network. Sua pesquisa lida com potencias emergentes, especificamente Brasil e India, analisando seus impactos sobre a governança global.
É autor dos livros IBSA: The rise of the Global South? (2014, Routledge), The BRICS and the Future of Global Order (2015, Lexington) e Post-Western World: How Emerging Power Are Remaking Global Order (2016, Polity).
Entre suas outras publicações, pode-se citar: Rising Powers and the Future of Democracy Promotion (Third World Quarterly), The BRICS and the Future of R2P: Was Syria or Libya the Exception? (Global R2P), Emerging Powers and Status: The Case of the First BRICs Summit (Asian Perspective) e The Financial Crisis, Contested Legitimacy and the Genesis of intra-BRICS Cooperation (Global Governance). Stuenkel também é autor de Institutionalizing South – South Cooperation: Towards a New Paradigm?, apresentado para o High-Level Panel on the Post-2015 Development Agenda, das Nações Unidas.
Foi professor visitante na USP e na Escola de Estudos Internacionais da Universidade Jawaharlal Nehru (JNU), em Nova Deli. Fez parte da delegação brasileira nos encontros track II, em Nova Deli, Chongqing e Moscou em preparação para a quarta, a quinta e a sétima cúpula do grupo BRICS.


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