Quando li esse texto escrito por OLIVER STUENKEL (1), e o título
de Por que votamos em Hitler eu pensei c’os meus
botões: não é possível tamanha semelhança entre o que ocorreu na Alemanha
daqueles tempos e o que se passa agora no Brasil... e achei por bem republicá-lo
neste meu blogue Novas Pensatas:
Afinal, o que explica a razão de a
Alemanha, um país com um dos melhores sistemas de educação pública e a maior
concentração de doutores do mundo na época, sucumbir a um charlatão fascista?
Ao longo da década de
1920, Adolf Hitler era pouco mais do que um ex-militar bizarro de baixo
escalão, que poucas pessoas levavam a sério. Ele era conhecido principalmente
por seus discursos contra minorias, políticos de esquerda, pacifistas,
feministas, gays, elites progressistas, imigrantes, a mídia e a Liga das
Nações, precursora das Nações Unidas (ONU). Em 1932, porém, 37% dos eleitores
alemães votaram no partido de Hitler, a nova força política dominante no país.
Em janeiro de 1933, ele tornou-se chefe de governo. Por que tantos alemães
instruídos votaram em um patético bufão que levou o país ao abismo?
Em primeiro lugar, os alemães
tinham perdido a fé no sistema político da época. A jovem democracia não
trouxera os benefícios que muitos esperavam. Muitos sentiam raiva das elites
tradicionais, cujas políticas tinham causado a pior crise econômica na história
do país. Buscava-se um novo rosto. Um anti político promoveria mudanças de verdade.
Muitos dos eleitores de Hitler ficaram incomodados com seu radicalismo, mas os
partidos estabelecidos não pareciam oferecer boas alternativas.
Em segundo lugar, Hitler sabia
como usar a mídia para seus propósitos. Contrastando o discurso burocrático da
maioria dos outros políticos, Hitler usava um linguajar simples, espalhava fake
news, e os jornais adoravam sugerir que muito do que ele dizia era
absurdo. Hitler era politicamente incorreto de propósito, o que o tornava mais
autêntico aos olhos dos eleitores. Cada discurso era um espetáculo.
Diferentemente dos outros políticos, ele foi recebido com aplausos de pé onde
quer que fosse, empolgando as multidões. Como escreveu em seu livro “Minha
Luta”:
“Toda propaganda deve ser
apresentada em uma forma popular (…), não estar acima das cabeças dos menos
intelectuais daqueles a quem é dirigida. (…) A arte da propaganda consiste
precisamente em poder despertar a imaginação do público através de um apelo aos
seus sentimentos.”
Em terceiro lugar, muitos
alemães sentiram que seu país sofria com uma crise moral, e Hitler prometeu uma
restauração. Pessoas religiosas, sobretudo, ficaram horrorizadas com a arte
moderna e os costumes culturais progressistas que surgiram por volta de 1920,
época em que as mulheres se tornavam cada vez mais independentes, e a
comunidade LGBT em Berlim começava a ganhar visibilidade. Os conservadores
sonhavam com restabelecer a antiga ordem. Os conselheiros de Hitler eram todos
homens heterossexuais brancos. As mulheres, ele argumentou, deveriam se limitar
a administrar a casa e ter filhos. Homens inseguros podiam, de vez em quando,
quebrar vitrines de lojas, cujos donos eram judeus, para reafirmarem sua
masculinidade.
Em quarto lugar, apesar de
Hitler fazer declarações ultrajantes – como a de que judeus e gays deveriam ser
mortos –, muitos pensavam que ele só queria chocar as pessoas. Muitos alemães
que tinham amigos gays ou judeus votaram em Hitler, confiantes de que ele nunca
implementaria suas promessas. Simplista, inexperiente e muitas vezes tão
esdrúxulo, que até mesmo seus concorrentes riam dele, Hitler poderia ser
controlado por conselheiros mais experientes, ou ele logo deixaria a política.
Afinal, ele precisava de partidos tradicionais para governar.
Em quinto, Hitler ofereceu
soluções simplistas que, à primeira vista, faziam sentido para todos. O
problema do crime, argumentava, poderia ser resolvido aplicando a pena de morte
com mais frequência e aumentando as sentenças de prisão. Problemas econômicos,
segundo ele, eram causados por atores externos e conspiradores comunistas. Os
judeus – que representavam menos de 1% da população total – eram o bode
expiatório favorito. Os alemães “verdadeiros” não deviam se culpar por nada.
Tudo foi embalado em slogans fáceis de lembrar: “Alemanha acima de tudo”,
“Renascimento da Alemanha”, “Um povo, uma
nação, um líder.”
Em sexto lugar, as elites logo
aderiram a Hitler porque ele prometeu – e implementou – um atraente regime
clientelista, cleptocrata, que beneficiava grupos de interesses especiais. Os
industriais ganharam contratos suculentos, que os fizeram ignorar as tendências
fascistas de Hitler.
Em sétimo, mesmo antes da
eleição de 1932, falar contra Hitler tornou-se cada vez mais perigoso. Jovens
agressivos, que apoiavam Hitler, ameaçavam os oponentes, limitando-se
inicialmente ao abuso verbal, mas logo passando para a violência física. Muitos
alemães que não apoiavam o regime preferiam ficar calados para evitar problemas
com os nazistas.
Doze anos depois, com seis
milhões de judeus exterminados e mais de 50 milhões de pessoas mortas na
Segunda Guerra Mundial, muitos alemães que votaram em Hitler disseram a si
mesmos que não tinham ideia de que ele traria tanta miséria ao mundo. “Se
soubesse que ele mataria pessoas ou invadiria outros países, eu nunca teria
votado nele ”, contou-me um amigo da minha família. “Mas como você pode dizer
isso, considerando que Hitler falou publicamente de enforcar criminosos judeus durante
a campanha?”, perguntei. “Eu achava que ele era pouco mais que um palhaço, um
trapaceiro”, minha avó, cujo irmão morreu na guerra, responderia.
De fato, uma análise mais
objetiva mostra que, justamente quando era mais necessário defender a
democracia, os alemães caíram na tentação fácil de um demagogo patético que
fornecia uma falsa sensação de segurança e muito poucas propostas concretas de
como lidar com os problemas da Alemanha em 1932. Diferentemente do que se ouve
hoje em dia, Hitler não era um gênio. Não passava de um charlatão oportunista
que identificou e explorou uma profunda insegurança na sociedade alemã.
Hitler não chegou ao poder
porque todos os alemães eram nazistas ou anti-semitas, mas porque muitas
pessoas razoáveis fizeram vista grossa. O mal se estabeleceu na vida cotidiana
porque as pessoas eram incapazes ou sem vontade de reconhecê-lo ou denunciá-lo,
disseminando-se entre os alemães porque o povo estava disposto a minimizá-lo.
Antes de muitos perceberem o que a maquinaria fascista do partido governista
estava fazendo, ele já não podia mais ser contido. Era tarde demais.
1. Oliver Stuenkel (Düsseldorf, 1982) é um professor e
pesquisador de relações internacionais, graduado pela Universidade de Valência,
Espanha. É mestre em Políticas Públicas pela Kennedy School of Government de
Harvard University, MA, EUA e doutor em Ciência Política pela Universidade DE (Duisburg-Essen),
Alemanha. Atualmente trabalha como professor adjunto de Relações Internacionais
da FGV em São Paulo, responsável por coordenar a Escola de Ciência Sociais
(CPDOC) e MBA em Relações Internacionais da instituição. Além disso, Stuenkel é
membro não residente do Global Public Policy Institute, em Berlim e membro do
Carnegie Rising Democracies Network. Sua pesquisa lida com potencias
emergentes, especificamente Brasil e India, analisando seus impactos sobre a
governança global.
É autor dos livros IBSA: The
rise of the Global South? (2014, Routledge), The BRICS and the Future of Global Order (2015, Lexington) e Post-Western World: How Emerging Power Are
Remaking Global Order (2016, Polity).
Entre suas outras publicações, pode-se citar: Rising Powers and the Future of Democracy Promotion (Third World Quarterly), The BRICS and the Future of R2P: Was Syria
or Libya the Exception? (Global
R2P), Emerging Powers and
Status: The Case of the First BRICs Summit (Asian Perspective) e The
Financial Crisis, Contested Legitimacy and the Genesis of intra-BRICS
Cooperation (Global Governance).
Stuenkel também é autor de Institutionalizing
South – South Cooperation: Towards a New Paradigm?, apresentado para o High-Level Panel on the Post-2015
Development Agenda, das Nações Unidas.
Foi
professor visitante na USP e na Escola de Estudos Internacionais da
Universidade Jawaharlal Nehru (JNU), em Nova Deli. Fez parte da delegação
brasileira nos encontros track II,
em Nova Deli, Chongqing e Moscou em preparação para a quarta, a quinta e a
sétima cúpula do grupo BRICS.
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