Um amigo, publicitário como eu... além
de um brilhante redator, com quem trabalhei como parceiro, mas que prefiro não
dizer o nome contou-me um caso curioso sobre uma figura que conheci de
passagem, quando, em 1986 visitei sua agência em São Paulo.
Ênio Mainardi era o seu nome e a
referida agência era a Proeme que
ficava numa bela casa no também belo e simpático bairro de Higienópolis. E acontece
que o meu amigo trabalhou lá, por um certo período de tempo e deu para conhecer
um pouquinho do dito cujo, por sinal excelente criativo. Que eu me lembre, ele
criou em 1984, uma campanha dos biscoitos Tostines
que é simplesmente memorável. Trata-se daquela antológica, cujo slogan dizia que “Tostines era um
biscoito sempre fresquinho porque vendia mais... e vendia mais porque era
sempre fresquinho”. Um achado de fato. Simples né? Como simples deve ser toda boa ideia em publicidade.
Mas voltando ao caso do meu amigo: um
dia o Ênio o chamou na sala e ele imediatamente dirigiu-se ao local. E qual não
foi a sua surpresa quando ao abrir a porta deparou-se com a figura do patrão
com uma pesada arma de fogo apontando para o local em que ele se encontrava. Cena
que continuou por um certo tempo, tempo este que ele perdeu a conta até que o Ênio
disparou... ainda bem que apenas uma gargalhada!
O caso passaria despercebido se o
Ênio não fosse pai do Diogo Mainardi. O Diogo é um direitista (tão extremista
quanto o “Coiso” recém eleito presidente do Brasil), que tem um blogue chamado O Antagonista e atualmente faz parte da
equipe do Manhattan Connection, um
programa jornalístico da GloboNews
que começou suas atividades nos anos 1990... quando tinha em sua equipe nada mais
nada menos do que Paulo Francis (2). Francis, jornalista militante de esquerda
durante a ditadura, bandeou-se para a direita quando entrou para as Organizações Globo, transformando-se em
comentarista da TV Globo.
Bom, o Paulo Francis morreu de um
ataque cardíaco (1993) em Nova Iorque, onde morava e participava do citado
programa. E isso foi um baque, até porque ele era a figura mais polêmica da
equipe. Um sujeito que, permanentemente provocava os demais participantes, principalmente
o Caio Blinder, a quem chamava de idiota, babaca, desinformado e por aí afora. Esta
substituição levou a Globo à loucura, pois escalaram vários jornalistas e
intelectuais, entre eles o cineasta Arnaldo Jabor, mas tudo em vão... ninguém
conseguiu incorporar o espírito de Paulo Francis. À época, a impressão era de
que o programa iria acabar.
O Diogo Mainardi, filho do Ênio, foi o
mais recente convidado para o papel de “Paulo Francis”. Hoje ele mora em Veneza
e participa em direto do Manhattan...
daquela cidade italiana. No entanto, apesar de tão louco quanto o pai, tal e
qual os demais substitutos não possui o tão procurado “borogodó” do verdadeiro
e único Paulo Francis, pelo jeito realmente insubstituível.
1. Traduzido do mineirês: bando de
doidos.
2. Nascido Franz Paul Trannin da Matta Heilborn, neto
de um alemão luterano, Francis cursou o primário em um internato na Ilha de
Paquetá, prosseguindo os seus estudos no tradicional Colégio Santo Inácio, em Botafogo. Participou do Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE e foi ator amador no grupo de estudantes mantido por Paschoal Carlos
Magno e, por sugestão do diretor, passou a assinar Paulo Francis, que notabilizou-se, em primeiro lugar, como crítico
de teatro do Diário Carioca, quando
intentou realizar uma crítica de teatro que, longe de simplesmente fazer a
promoção pessoal das estrelas do momento, buscasse entender os textos teatrais
do repertório clássico para realizar montagens que fossem não apenas espetáculos,
mas atos culturais –nas suas próprias palavras, "... buscar em cena um
equivalente da unidade e totalidade de expressão que um texto, idealmente, nos
dá em leitura […] a unidade e totalidade de expressões literárias". Seu papel como crítico, à época, foi
extremamente importante.
Após o golpe de 1964 e durante
toda a ditadura militar no Brasil (1964–1985), Francis trabalharia sobretudo no
semanário O Pasquim. Paralelamente, na Tribuna da Imprensa de Hélio Fernandes, e aos domingos no 4º
Caderno do Correio da Manhã, a partir de 1969, refinou seu estilo num
sentido mais coloquial, tendo sido uma parte importante da resistência
cultural, comentando sobre assuntos internacionais e divulgando ideias como
marxista simpatizante do trotskismo.
Em 1968, passou a editar também a
Revista Diners, oferecida gratuitamente aos portadores do
cartão de crédito e que lançou jornalistas como Ruy Castro. Em dezembro daquele
ano, logo após a decretação do AI-5, Francis foi preso ao desembarcar no
aeroporto do Rio de Janeiro. Deixou a prisão em janeiro de 1969. Sem emprego, o
jornalista viajou pela Europa fazendo matérias como freelancer. Nessa época,
entrevistou o filósofo Bertrand Russel na Inglaterra.
Em 1971, foi viver definitivamente
em Nova Iorque, subsidiado por uma bolsa da Fundação Ford. Lá passou a
escrever artigos para diversas revistas. Em 1975, casou-se com a jornalista
Sônia Nolasco e passou a ser correspondente da Folha de São Paulo.
Na televisão, Francis inventou um
personagem, misto do panfletarismo erudito-ligeiro dos anos 50 com o deboche do
Pasquim dos anos 70 e o marketing da mídia dos anos 80. Celebrizou-se pelas
suas aparições histriônicas no ar, onde exagerava na voz arrastada e grave, sua
marca registrada, que lhe rendeu inumeráveis imitações por parte de comediantes
na TV e no rádio.
Em 1981, tornou-se comentarista
televisivo das Organizações
Globo – uma virada emblemática para quem
havia acusado Roberto Marinho (em 1971) de ter provocado o seu banimento do país
durante uma de suas prisões, em um artigo d’O Pasquim, intitulado
"Um homem chamado porcaria", no qual dizia ser “caso de polícia que
seu poder (o de Marinho) continue, e em expansão”. Estreou em 1981, como
comentarista de política internacional. No mesmo ano, também foi o comentarista
do Jornal da Globo, falando sobre
política e atualidades. De Nova Iorque, Francis também entrava no Jornal
Nacional, emitindo opiniões sobre
política internacional e cultura.
A partir de 1993, ao lado de
Lucas Mendes, Caio Blinder e Nelson Motta, Francis fez parte do programa Manhattan Connection, então transmitido pelo canal (a cabo) GNT.
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