domingo, 4 de novembro de 2018

Pensatas de Domingo. Um verdadeiro “bandidoidos” (1)


Um amigo, publicitário como eu... além de um brilhante redator, com quem trabalhei como parceiro, mas que prefiro não dizer o nome contou-me um caso curioso sobre uma figura que conheci de passagem, quando, em 1986 visitei sua agência em São Paulo.

Ênio Mainardi era o seu nome e a referida agência era a Proeme que ficava numa bela casa no também belo e simpático bairro de Higienópolis. E acontece que o meu amigo trabalhou lá, por um certo período de tempo e deu para conhecer um pouquinho do dito cujo, por sinal excelente criativo. Que eu me lembre, ele criou em 1984, uma campanha dos biscoitos Tostines que é simplesmente memorável. Trata-se daquela antológica, cujo slogan dizia que “Tostines era um biscoito sempre fresquinho porque vendia mais... e vendia mais porque era sempre fresquinho”. Um achado de fato. Simples né? Como  simples deve ser toda boa ideia em publicidade.

Mas voltando ao caso do meu amigo: um dia o Ênio o chamou na sala e ele imediatamente dirigiu-se ao local. E qual não foi a sua surpresa quando ao abrir a porta deparou-se com a figura do patrão com uma pesada arma de fogo apontando para o local em que ele se encontrava. Cena que continuou por um certo tempo, tempo este que ele perdeu a conta até que o Ênio disparou... ainda bem que apenas uma gargalhada!

O caso passaria despercebido se o Ênio não fosse pai do Diogo Mainardi. O Diogo é um direitista (tão extremista quanto o “Coiso” recém eleito presidente do Brasil), que tem um blogue chamado O Antagonista e atualmente faz parte da equipe do Manhattan Connection, um programa jornalístico da GloboNews que começou suas atividades nos anos 1990... quando tinha em sua equipe nada mais nada menos do que Paulo Francis (2). Francis, jornalista militante de esquerda durante a ditadura, bandeou-se para a direita quando entrou para as Organizações Globo, transformando-se em comentarista da TV Globo.

Bom, o Paulo Francis morreu de um ataque cardíaco (1993) em Nova Iorque, onde morava e participava do citado programa. E isso foi um baque, até porque ele era a figura mais polêmica da equipe. Um sujeito que, permanentemente provocava os demais participantes, principalmente o Caio Blinder, a quem chamava de idiota, babaca, desinformado e por aí afora. Esta substituição levou a Globo à loucura, pois escalaram vários jornalistas e intelectuais, entre eles o cineasta Arnaldo Jabor, mas tudo em vão... ninguém conseguiu incorporar o espírito de Paulo Francis. À época, a impressão era de que o programa iria acabar.

O Diogo Mainardi, filho do Ênio, foi o mais recente convidado para o papel de “Paulo Francis”. Hoje ele mora em Veneza e participa em direto do Manhattan... daquela cidade italiana. No entanto, apesar de tão louco quanto o pai, tal e qual os demais substitutos não possui o tão procurado “borogodó” do verdadeiro e único Paulo Francis, pelo jeito realmente insubstituível.

1. Traduzido do mineirês: bando de doidos.

2. Nascido Franz Paul Trannin da Matta Heilborn, neto de um alemão luterano, Francis cursou o primário em um internato na Ilha de Paquetá, prosseguindo os seus estudos no tradicional Colégio Santo Inácio, em Botafogo. Participou do Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE e foi ator amador no grupo de estudantes mantido por Paschoal Carlos Magno e, por sugestão do diretor, passou a assinar Paulo Francis, que notabilizou-se, em primeiro lugar, como crítico de teatro do Diário Carioca, quando intentou realizar uma crítica de teatro que, longe de simplesmente fazer a promoção pessoal das estrelas do momento, buscasse entender os textos teatrais do repertório clássico para realizar montagens que fossem não apenas espetáculos, mas atos culturais –nas suas próprias palavras, "... buscar em cena um equivalente da unidade e totalidade de expressão que um texto, idealmente, nos dá em leitura […] a unidade e totalidade de expressões literárias". Seu papel como crítico, à época, foi extremamente importante.
Após o golpe de 1964 e durante toda a ditadura militar no Brasil (1964–1985), Francis trabalharia sobretudo no semanário O Pasquim. Paralelamente, na Tribuna da Imprensa de Hélio Fernandes, e aos domingos no 4º Caderno do Correio da Manhã, a partir de 1969, refinou seu estilo num sentido mais coloquial, tendo sido uma parte importante da resistência cultural, comentando sobre assuntos internacionais e divulgando ideias como marxista simpatizante do trotskismo.
Em 1968, passou a editar também a Revista Diners, oferecida gratuitamente aos portadores do cartão de crédito e que lançou jornalistas como Ruy Castro. Em dezembro daquele ano, logo após a decretação do AI-5, Francis foi preso ao desembarcar no aeroporto do Rio de Janeiro. Deixou a prisão em janeiro de 1969. Sem emprego, o jornalista viajou pela Europa fazendo matérias como freelancer. Nessa época, entrevistou o filósofo Bertrand Russel na Inglaterra.
Em 1971, foi viver definitivamente em Nova Iorque, subsidiado por uma bolsa da Fundação Ford. Lá passou a escrever artigos para diversas revistas. Em 1975, casou-se com a jornalista Sônia Nolasco e passou a ser correspondente da Folha de São Paulo.
Na televisão, Francis inventou um personagem, misto do panfletarismo erudito-ligeiro dos anos 50 com o deboche do Pasquim dos anos 70 e o marketing da mídia dos anos 80. Celebrizou-se pelas suas aparições histriônicas no ar, onde exagerava na voz arrastada e grave, sua marca registrada, que lhe rendeu inumeráveis imitações por parte de comediantes na TV e no rádio.
Em 1981, tornou-se comentarista televisivo das Organizações Globo – uma virada emblemática para quem havia acusado Roberto Marinho (em 1971) de ter provocado o seu banimento do país durante uma de suas prisões, em um artigo d’O Pasquim, intitulado "Um homem chamado porcaria", no qual dizia ser “caso de polícia que seu poder (o de Marinho) continue, e em expansão”. Estreou em 1981, como comentarista de política internacional. No mesmo ano, também foi o comentarista do Jornal da Globo, falando sobre política e atualidades. De Nova Iorque, Francis também entrava no Jornal Nacional, emitindo opiniões sobre política internacional e cultura.
A partir de 1993, ao lado de Lucas Mendes, Caio Blinder e Nelson Motta, Francis fez parte do programa Manhattan Connection, então transmitido pelo canal (a cabo) GNT.


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