A Pensata deste domingo é de autoria do Professor Jorge Vital de Brito Moreira sobre a farsa
da Rio+20.
Rio+20 e a “Economia verde”: pode a cobra cascavel
voar?
Ha vinte anos, em
junho de 1992, foi realizada no Rio de Janeiro, Brasil, a “Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento” (a Rio-92) onde
participaram centenas de governos e chefes de Estado do planeta.
Desde a Rio-92
(também conhecida como “A Cúpula da Terra”), começou a circular entre os
indivíduos a noção de “desenvolvimento sustentável” que vem sendo definida e
discutida como “o desenvolvimento capaz de atender às necessidades atuais sem
comprometer os recursos para as gerações futuras”.
Muitos daqueles que celebraram os
resultados “positivos” da Rio-92 (tais como a elaboração dos documentos
oficiais que estabeleciam as convenções
da biodiversidade, da desertificação e
das mudanças climáticas), tiveram as suas esperanças defraudadas quando, em
estado de choque, viram o presidente
George W. Bush (filho do ex-presidente George Bush que participou da Rio 92)
cair fora do Protocolo de Kyoto (e das metas para a redução da emissão de gases
poluentes que intensificam o efeito estufa).
Naquela irracional decisão, George
W. Bush declarou, arrogantemente, que não iria submeter o avanço da economia
norteamericana aos sacrifícios necessários para a implementação das medidas
propostas, motivo pelo qual não ratificou o Protocolo que havia sido elaborado
com bases na convenção das mudanças climáticas do Rio-92. Assim, o presidente do país mais
poderoso do sistema capitalista imperialista, rejeitou o Protocolo de Kyoto de
1997 (a jóia da coroa da Rio-92) para, em troca, invadir o Iraque e, durante o
assassinato de milhões de iraquianos, se apropriar indevidamente do petróleo daquele país.Depois de colocar
em circulação a noção de “desenvolvimento sustentável”, os países capitalistas
ricos regressam ao Rio de Janeiro, ao Rio+20, com outra armadilha conceitual
denominada “a economia verde” que propaga um verdejante disfarce ideológico
para encobrir a continuidade da exploração e dominação da economia capitalista
imperialista sobre os países e as classes sociais do terceiro mundo.
Pelo anterior
podemos afirmar que um dos objetivos centrais dos países ricos na Conferencia
Rio+20 é conseguir uma autorização (um mandato) das Nações Unidas para
continuar com o monopólio para elaborar o marco teórico, metodológico e
institucional do “desenvolvimento sustentável” que lhes sejam convenientes e
funcionais.
Assim, um dos
aspectos centrais da agenda da Conferência é a criação de um quadro
institucional para a legitimação da “economia verde” como o modelo ideal de
desenvolvimento sustentável. Trata-se, em essência, como alguns críticos já
denunciaram, de institucionalizar novas formas de exploração mercantilista da
natureza (apropriação da água por exemplo) e fortalecer a acumulação de capital
na esperança de, entre outras coisas, superar a crise atual do sistema.
Mas aqui torna a
aparecer a questão fundamental que deveria ser discutida prioritariamente na
Rio+20: Poderá existir desenvolvimento sustentável dentro do sistema
capitalista? Colocando esta pergunta em termos metafóricos teremos: pode a
cobra cascavel voar?
Não é difícil
demonstrar que a cascavel não pode, nem poderá voar por seus próprios meios
porque ela não tem, nem terá, as características estruturais das aves que foram
feitas para se transportar por via aérea.
Tão pouco é difícil
argumentar que (considerando as características objetivas deste sistema), não
existe nenhuma possibilidade de “desenvolvimento sustentável” dentro do
capitalismo.
O capitalismo, como
um dos modos de produção da nossa sociedade, apresenta, faz mais de dois
séculos, as mesmas características estruturais, e estas anulam qualquer possibilidade
do desenvolvimento sustentável. A exploração e a dominação econômica, a
concentração da riqueza, a desigualdade e a injustiça social, o consumo
depredador, a extração irracional da riqueza natural, a poluição e a destruição
das florestas, dos rios, das espécies animais e a produção interminável de
guerras são as características inerentes ao sistema capitalista, que na
atualidade estão ainda mais exacerbadas durante a etapa da globalização
neoliberal e da crise financeira, política e social, mundial.
Este conjunto
negativo das características do sistema capitalista demonstra a sua
inviabilidade futura e levanta a questão fundamental da impossibilidade da
realização de “desenvolvimento sustentável” dentro do capitalismo. Esta é a
questão fundamental que os países ricos tratam e tratarão de evitar, de escapar
na Rio+20.
Não é novidade.
Sabemos que desde a revolução francesa, a burguesia vitoriosa estabeleceu os
valores da “Liberdade”, da “Igualdade” e da “Fraternidade” para serem
convertidos em direitos humanos na terra; direitos que (para
implementar-se entre as diferentes
nações) requeriam, entre outras coisas, a criação de um organismo como a
Organização das Nações Unidas (ONU) que deveriam ajudar
neste processo de desenvolvimento social e humano.
Se vamos avaliar
(depois de décadas e décadas de existência) o desenvolvimento histórico do
capitalismo e da ONU, desde a perspectiva da distribuição dos direitos humanos
entre as nações ricas e pobres, chegaremos à triste conclusão de que o
resultado é sumamente negativo: nunca a situação dos direitos humanos
(decorrente dos valores burgueses da “Liberdade”, “Igualdade” e “Fraternidade”)
estiveram em pior situação histórica dentro do sistema e a ONU se converteu
predominantemente num instrumento de apoio da globalização imperialista que não
respeita os direitos humanos dos pobres: cada dia que passa, presenciamos o
aumento da falta de emprego, de
ingresso, de educação, de saúde e
vivenda para bilhões de seres
humanos que habitam miseravelmente este planeta. Nesta perspectiva não existe
luz no final do túnel e dentro da loucura capitalista para obtenção dos lucros
econômicos, estamos caminhando inexoravelmente para o colapso total, para a
decadência e para a destruição da civilização ocidental.
Não há novidade
neste processo. Desde o século XIX, Marx escreveu no livro I de O Capital que a extensiva e intensiva exploração
da classe trabalhadora (“a galinha dos ovos de ouro”) pelos capitalistas
ingleses para produzir lucros (mais valia absoluta e relativa) era de tal magnitude
que conduzia às deformações e a diminuição do tamanho físico dos trabalhadores.
Esta e outras deformações físicas obrigou o governo inglês a colocar inspetores
nas fabricas para fiscalizar o assombroso número de horas da jornada laboral
que se usava para superexplorar os trabalhadores. Foi através da legislação da
jornada laboral que o Estado burguês conseguiu evitar a depredação absoluta e a
morte total e completa da “galinha dos ovos de ouro”. Marx demonstrou que:
“La producción capitalista, que es esencialmente
producción de plusvalía, absorción de plustrabajo, produce, pues, con el
alargamiento de la jornada de trabajo, no sólo la atrofia de la fuerza de
trabajo humana -a la que se arrebatan sus condiciones normales, morales y
físicas, de desarrollo y actuación-, sino también el agotamiento y la muerte de
la misma fuerza de trabajo. Prolonga el
tiempo de producción del trabajador durante un plazo dado mediante el
acortamiento de su tiempo de vida” (El Capital, I. Cap. VIII, 287; OME
40) (1)
Marx também
escreveu no livro I de O Capital que
todo desenvolvimento (progresso) capitalista está baseado na depredação do
trabalhador, da terra e de suas fontes de vida. Ele demonstrou que:
"todo
progreso de la agricultura capitalista es un progreso no sólo del arte de
depredar al trabajador, sino también y
al mismo tiempo del arte de depredar el suelo; todo progreso en el aumento de su fecundidad para
un plazo determinado es al mismo tiempo
un progreso en la ruina de las fuentes duraderas de esa fecundidad".
"La producción capitalista no desarrolla la técnica y la combinación del
proceso social de la producción más que minando al mismo tiempo las fuentes de
las que emana toda riqueza: la tierra y el trabajador." (El Capital, I.
Cap. XIII, seccion 10 ; OME 40) (2)
Desde este ponto de vista, não deveríamos
esquecer que na primeira conferencia Rio-92 o ex-presidente George Bush (que
invadiu o Panamá e realizou a primeira Guerra contra o Iraque) tratou de
propagar a “Nova Ordem Mundial” capitalista, afirmando arrogantemente que “o estilo de vida estadunidense (the American way of life) não está
aberto a negociações”
Durante essa conferencia, Fidel Castro, em
nome de Cuba e das nações pobres e em vias de desenvolvimento, confrontou Bush
questionando e denunciando o modelo de desenvolvimento imperialista da “Nova
Ordem Mundial, avisando-nos dos perigos das intermináveis guerras imperiais.
«Si
se quiere salvar a la humanidad de esa autodestrucción, hay que distribuir
mejor las riquezas y tecnologías disponibles en el planeta. Menos lujo y menos
despilfarro en unos pocos países para que haya menos pobreza y menos hambre en
gran parte de la Tierra. No más transferencias al Tercer Mundo de estilos de
vida y hábitos de consumo que arruinan el medio ambiente. Hágase más racional
la vida humana. Aplíquese un orden económico internacional justo. Utilícese
toda la ciencia necesaria para un desarrollo sostenido sin contaminación.
Páguese la deuda ecológica y no la deuda externa. Desaparezca el hambre y no el
hombre».
Hoje, 20 anos depois da Rio-92, ficou
demonstrado que Fidel Castro tinha razão quando denunciou que a “Nova Ordem Mundial”,
baseada na expansão neoliberal do capitalismo, era um modelo ainda mais
opressivo e depredador do que antes pois colocava a espécie humana sob o perigo
de extinção.
Não tenho a menor dúvida que a
intervenção de Fidel, passou a ser um dos elementos que tem servido para
alertar a parte da humanidade e tem estimulado e incrementado a luta de
resistência contra o imperialismo e o colonialismo das nações ricas, sobretudo
dos EUA.Afortunadamente,
hoje já existe um conjunto de movimentos e de organizações políticas de
resistência mundial ao capitalismo que lutam para apresentar propostas
alternativas que sirvam para invalidar a proposta burguesa da “economia verde”.
Eles se encontram reunidos atualmente no Rio de Janeiro, realizando a “Cúpula
dos Povos”(3) uma conferência paralela à conferência oficial Rio+20, dos chefes
de estado e corporações transnacionais, e apresentarão propostas com soluções
democráticas e anti capitalistas para resolver os problemas que depredam a
humanidade e seu meio ambiente.Assim,contra esse
discurso verde, os movimentos da sociedade civil como um todo, estão
enfrentando o desafio de mostrar ao mundo que há saídas reais, efetivas que
estão sendo construídas pelas comunidades e várias organizações políticas de resistência da América Latina e
do Caribe, África, Ásia, da Europa e dos Estados Unidos. As alternativas
produtivas, sociais e de gestão econômica que foram criadas tem sido realizadas
com sucesso por cooperativas, associações de bairro, movimentos sociais, povos
indígenas e minorias étnicas, sexuais, religiosas. Todos estes modos de
construção coletiva, apontam na “Cúpula dos Povos” para a construção de um novo
mundo, de uma nova sociedade (anti capitalista, verdadeiramente democrática, e
revolucionária) que esperamos será realizável num futuro próximo. Que sejam bem vindos.
NOTAS
1) Karl Marx, El Capital I, tradução para o espanhol de
Manuel Sacristán Luzón, Editorial Grijabo.
2) Karl Marx, El Capital I, tradução para o espanhol de
Manuel Sacristán Luzon, Editorial Grijabo.
Consulte os escritos de Manuel Sacristán Luzón sobre
temas marxistas, ecológicos, pacifistas e feministas contemporâneos na revista
espanhola Mientras Tanto, fundada por ele, sua esposa Giulia Adinolfi e um conjunto
de pensadores marxistas espanhóis.
Sobre a problemática, veja também os escritos de
Sacristãn nos livros, Pacifismo, ecología y política alternativa, 1987, Icaria, Barcelona; e Seis conferencias sobre la tradición marxista y los nuevos problemas,
2005, El Viejo Topo, Barcelona..
Devido a realidade de que os meios de informação oficiais
(a grande imprensa e a mídia corporativa) excluem as informações e as vozes dos
seus representantes, a “Cúpula dos Povos” criou esta nova forma alternativa de
comunicação para informar a sociedade. Sabe-se que foram muitos os protestos e
manifestações durante o evento no Rio de Janeiro, todos duramente reprimidos
pela forças policiais.