domingo, 30 de novembro de 2014

Marcelo Freixo, o PSOL e a “despolitização”



Durante a ressaca pós-eleição onde um dos grandes saldos é a polarização com uma onda conservadora insuflando um impeachment e até ressuscitando a ditadura militar, a Folha de São Paulo conversou com o deputado estadual Marcelo Freixo do PSOL, que iniciará seu terceiro mandato na ALERJ (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro), onde hoje preside a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania.

O debate sobre a corrupção assumiu o protagonismo nessas eleições e continua estampando a capa das revistas e dos jornais. Marcelo Freixo foi muito criticado ao apoiar Dilma no segundo turno em meio à onda dos escândalos, questionamento que ele considera expressão de uma ‘despolitização’.

Qual seu balanço sobre as UPPs no Rio de Janeiro?
As UPPs não surgem como um projeto de segurança pública, com os critérios da segurança pública. Temos uma polícia com a mesma concepção de guerra, do inimigo e não uma polícia de proximidade. Desde as condições de trabalho e tudo que envolve a polícia, à hierarquia e à militarização.
O mapa das UPPs não segue o mapa da criminalidade e da segurança pública, mas dos investimentos, dos que pagam, da cidade-negócio. E se fosse ter uma UPP em cada favela a polícia do Rio de Janeiro teria que ser maior do que o exército dos EUA e Israel juntos, é inviável.
Quando o Estado não entra com a possibilidade de garantia de direitos ele joga sobre a polícia a possibilidade do conflito. Você não avança nos direitos, e não avança com a democracia. O morador acaba se dirigindo à polícia com assuntos que não dizem respeito à polícia, como por exemplo, pra falar sobre coleta de lixo, sobre fazer uma festa. Você não traz uma nova relação com as pessoas.

Existe uma possibilidade real de você se candidatar à prefeitura do Rio em 2016?
Depende de uma decisão partidária, mas é bem provável que eu saia candidato pelo PSOL. Fui candidato na última eleição e fiquei em segundo lugar com 29%, uma votação expressiva. Só não houve segundo turno porque teve uma concentração de forças políticas, o Eduardo Paes teve um apoio de 22 partidos com 16 minutos de TV enquanto eu tive um minuto apenas.
A gente acaba de sair de uma eleição muito vitoriosa, fui o deputado mais votado do Brasil com 350.408 votos.
Hoje nós temos uma bancada com 5 deputados estaduais. o nosso candidato – Tarcisio Motta – ao governo saiu do completo desconhecimento pra ser a grande surpresa da eleição, com uma votação na cidade do Rio de Janeiro que foi o dobro do candidato do PT.
Eu não fui o mais votado só na zona sul, eu fui o mais votado em diversas áreas, inclusive de milícia onde eu sequer pude colocar o pé.
Fui o deputado mais votado com o menor custo. Eu não gosto desse cálculo porque ele é perigoso, mas a imprensa fez. Se você faz o cálculo do total de votos por quanto eu gastei, cada voto meu saiu a 61 centavos. Isso porque existe a alternativa da rede social.

Há a possibilidade de coligação com o PT na eleição para a Prefeitura do Rio de Janeiro em 2016?
Com determinados segmentos do PT, não necessariamente no todo. Quando eu fui candidato à prefeitura do Rio de Janeiro em 2012 teve uma parte do PT que me apoiou, chamavam os ‘petistas com Freixo’, eu acho que essa fração pode ser maior na próxima eleição. Mas não sei se isso faz com que os partidos se aproximem. Atualmente o PT apoia o prefeito Eduardo Paes.

Qual a estratégia de campanha para 2016?
Não quero me reunir em cúpulas partidárias, fazendo o velho troca-troca, do escambo político de tempo de TV por cargos. Esse modelo faliu.
Em 2015 nós vamos formar um grupo de trabalho, de estudo, com pessoas de várias áreas do Rio de Janeiro para fazer um esqueleto de um projeto de cidade que é algo muito maior que o PSOL.
Que cidade a gente quer? A cidade do cimento ou do sentimento? A gente quer a cidade do sentimento.
Radicalizar a democracia, ampliar a capacidade das pessoas de participação na vida pública.
E no segundo semestre de 2015 esse esqueleto vai paras as redes sociais pra que isso se multiplique num grande debate, para que cada cidadão possa dar sua opinião, por que isso dá um sentimento de pertencimento. Como diz o Neruda a vida é uma escolha, as consequências cada um que arque com as suas.

As manifestações de junho foram uma mudança de paradigma, para o bem e para o mal. Surgiu uma onda reacionária. Qual a relação?
A despolitização da política causa isso. Um exemplo é o debate da corrupção. Como sou uma pessoa muito marcada pelo enfrentamento à corrupção fui questionado ao ter apoiado a Dilma no segundo turno. Diziam que eu apoiei a corrupção. Como se o PSDB fosse a referência ética do Brasil!
Corrupção a gente combate com reforma política. O debate é pedagógico. Eu refleti muito sobre a corrupção como carro chefe do debate político. Quando não se entende qualquer mecanismo político se leva para o comportamental.

Sobre a questão da representatividade nas manifestações – apareceu uma ojeriza à representatividade?
A crise de representatividade era a expressão da despolitização da política e do nacionalismo exacerbado. Uma sociedade que bota um milhão de pessoas na rua, bota de tudo na rua. E o resultado foi que levou a um congresso mais conservador. Se você despolitiza a política o que vai determinar é o poder econômico, o poder do voto religioso, dos centros sociais, cada vez mais conservadores. Você tem as emissoras e o poder econômico.

E o partido Podemos na Espanha?
É novo, muito novo. A gente ainda está tentando entender, eles próprios do Podemos ainda estão tentando entender diante da velocidade com que as coisas aconteceram. Mas a Espanha tem um índice de desemprego altíssimo, de desencanto completo com a política da representatividade. A taxa de desemprego entre os jovens chega a 50% na Espanha. É entre os jovens que o Podemos dialoga e cresce. E o Podemos, assim como o PSOL, tem uma inversão de pauta familiar, onde o filho influencia o voto do pai. A juventude começa a ser o protagonista na política.

Como funciona a estrutura partidária do Podemos?
Eles trabalham com uma rotatividade maior. Eles têm um programa muito parecido com o que a gente está querendo fazer, que se chama movimento. Não vamos apresentar um programa de governo feito por meia dúzia de especialistas. Teremos um debate permanente colocado no circuito das ideias alcançando um maior número de pessoas.

Isso dialoga com a reforma política. Quais são os pontos prioritários da reforma política?
Número um: financiamento público de campanha.
A luta política é pedagógica. Hoje no Rio de Janeiro as pessoas não sabem dizer o nome de 5 vereadores. Isso é um absurdo.
É uma luta de construção de olhar, de construção de possibilidades, de consensos. E a reforma política está muito longe do debate cotidiano das pessoas. Elas pensam que isso é coisa do político. Delegam até que explode, então nada os representa. Eles sabem muito mais o que não querem do que o que querem. Pra construir um projeto político eu tenho que que ter política na cabeça. A indignação é muito importante mas não leva a lugar nenhum. O que aconteceu em junho são sentimentos, não manifestações. Manifestação é saber onde eu quero chegar.

Mas foi um começo.
Sim um começo extraordinário e que se espalha. Altera comportamentos, altera reações. Para financiamento público de campanha é decisivo. Você não pode continuar tendo empreiteiras financiando campanhas.
Se eu tiver que elogiar o governo do PT vou falar do salário mínimo, da redução do número de miseráveis. Mas isso não pode acontecer exclusivamente pela via do acesso ao mundo do consumo, tem que ser acompanhado de uma mudança institucional de serviços de qualidade, de educação, saúde e transporte, que não aconteceu. O SUS, que é um avanço, é inviabilizado quando se destina o dinheiro para os bancos. O BNDES hoje é um captador de dinheiro público para beneficiar os financiadores de campanhas.
Quem tem a gestão dos trens da Supervia no Rio de Janeiro é a Odebrecht, a gestão do metrô é a OAS, das barcas Rio Niterói é CCR, ou seja as empreiteiras tem a gestão de toda a mobilidade urbana do Rio de Janeiro. São as empreiteiras que financiam as campanhas, quem determina o tempo que você vai gastar da sua vida no deslocamento são as empreiteiras.
Como a gente disse na campanha: quem escolhe a música é quem paga a orquestra. A música que o Pezão canta, que o Eduardo Paes canta, que o Cabral cantou nos cabarés parisienses, quem paga a orquestra são as empreiteiras. Com o financiamento público de campanha empreiteira não compra mais prefeito, não compra mais governador.

E o formato?
Isso não pode acontecer isoladamente. A proposta apresentada pela CNBB e pela OAB em que foi feito o plebiscito no dia 7 de setembro, propõe o financiamento público com voto em lista e a eleição do voto em lista no Parlamento em dois turnos. Isso é interessante, porque na Europa o voto em lista, onde o partido determina quem está na frente, está numa crise de representatividade muito grande. Essa burocracia partidária, tanto da direita quanto da esquerda estão muito cristalizadas, gerando um afastamento muito grande do conjunto de desejos da sociedade.
A proposta da reforma política da OAB e da CNBB é que se defina um partido, onde eles terão que dizer o que eles pensam – hoje boa parte das mais de 30 legendas não pensam nada, são legendas de mercado, que alugam e fazem uma grande ciranda financeira. O Eduardo Paes tinha apoio de mais de 20 partidos, que ele não saberia nem nomear e, se perguntasse o que cada partido desse tinha como eixo central, seria risada. São legendas criadas para serem vendidas, para gerar tempo de TV. Eu sou contrário à coligação na proporcional, ou seja coligação pra deputado.
A sociedade vai votar nos programas do partido e no segundo turno se votaria para alterar a ordem da lista. No primeiro turno vota na legenda e no segundo turno no candidato. Isso funciona casado com financiamento público de campanha. Assim você quebra a burocracia partidária.

Como vai funcionar na prática a democracia direta, com a reforma politica e como aprovar com esse Congresso?
Muito difícil. Ainda não sei o tamanho dessa onda conservadora, se é só uma onda ou um tsunami. Ela é preocupante porque nasce como antipetismo, por erros e acertos do PT, mas é também anti qualquer projeto de esquerda. Quem dera que o PT fosse aquilo de que ele está sendo acusado!
Onde a gente mais pode avançar hoje, concretamente, é no debate das cidades, no modelo de organização. A gente vive a cidade, não vive o país. O modelo de orçamento participativo já é uma coisa antiga, é preciso fazer com que os moradores de cada bairro possam opinar sobre, por exemplo, o transporte de sua área.
Ter espaços de debates criados pelas prefeitura para resolver os problemas que cada bairro tem. Temos que ampliar o canal de escuta para que chegue na câmara, na prefeitura. A partir disso você vai dar um sentimento de pertencimento.
Eles que me acusam de bolivariano, mas isso acontece em Nova York e em Berlim mais do que na Venezuela. Não é possível que a gente não consiga ampliar a democracia pelas redes virtuais.

Como lidar com essa onda reacionária? O preconceito histórico do Brasil está exposto como nunca esteve, com isso o absurdo também fica exposto.
Os fascistas saíram do armário. Eu me posicionei publicamente no plenário com o jornalista que chamou os nordestinos de bovinos. Lamentei o desconhecimento histórico dele. Ele queria que o nordeste votasse em quem? E ninguém quer falar da eleição em Minas e no Rio que foi onde definiu a eleição.
O debate entre a direita e esquerda sempre foi mais no viés econômico. Agora surge uma disputa social de uma concepção de sociedade, há um debate social sobre as cotas, programas das bolsas, dos conselhos, isso é ruim.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

O ato falho de Aécio sobre Levy e a CIA


A declaração do candidato derrotado à Presidência pelo PSDB, Aécio Neves, de que a escolha de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda é como "um grande quadro da CIA ser convidado para assumir o comando da KGB" - numa referência aos serviços secretos dos Estados Unidos e da ex-União Soviética - mostra que o grupo que Aécio representa defende realmente os interesses dos Estados Unidos.
   

O ato falho do tucano, que associa Joaquim Levy - a quem elogiou afirmando que o economista é seu amigo há muitos anos - ao serviço secreto estadunidense, é como uma homenagem à própria central de inteligência, feito por um político que foi candidato à Presidência do Brasil.
   

Homenagem à mesma central de inteligência que atuou no Iraque, que derrubou Jango, Getúlio Vargas e seu próprio avô, Tancredo Neves. CIA que também atuou no país durante a ditadura e as práticas de tortura.
  

Aécio quis dizer que Joaquim Levy é bom como a caguetagem, a delação, o dedo-duro? O tom de ironia do tucano mostra que a oposição não quer pessoas qualificadas no governo. Na verdade, joga contra os interesses do país.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Que ministra é essa, dona Dilma?


O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) ocupou, no sábado 22, uma fazenda de cultivo de milho no interior do Rio Grande do Sul em protesto contra a possível nomeação da senadora Kátia Abreu ¹ (PMDB-TO) para o Ministério da Agricultura.
A indicação da senadora, presidente da CNA (Confederação Nacional da Agricultura), foi rechaçada por movimentos sociais e setores mais à esquerda do próprio partido da presidente Dilma Rousseff, o PT.
Na ação de sábado, cerca de 2 mil membros do MST e outros movimentos camponeses ocuparam a Fazendo Pompilho, à beira da BR 158, que liga a cidade de Palmeira das Missões, no Rio Grande do Sul, à região oeste de Santa Cantarina. Eles participavam de um acampamento internacional dos movimentos agrários no município gaúcho antes de invadirem a fazenda de um ex-prefeito da cidade.
O protesto na propriedade que, segundo o MST, mantém 2 mil hectares de cultivo de milho transgênico, é a primeira manifestação por parte do movimento agrário depois de ter sido divulgada a informação sobre a escolha da senadora como futura ministra da Agricultura no segundo mandato do governo Dilma.
Ruralista, Kátia Abreu é considerada por dirigentes do MST um “símbolo do agronegócio”. “Katia Abreu é símbolo do agronegócio, que tem como lógica a terra para produção de mercadorias, com uso intensivo de agrotóxicos e sementes transgênicas destruindo os recursos naturais e a saúde dos trabalhadores e de toda a população˜, disse Raul Amorim, da coordenação da juventude do MST.

1. Recentemente, como presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, Kátia Abreu contratou a organização Contas Abertas para descobrir quanto custou e quem produziu a Campanha de TV e rádio "Carne Legal" (a campanha se constitui de três peças intituladas "Churrasco de desmatamento", "Picadinho de trabalho escravo" e "Filé de lavagem de dinheiro"), encomendada pelo Ministério Público Federal.
Kátia também defende a política de uso de sementes alteradas em laboratório patenteadas por grandes corporações de biotecnologia como a Monsanto. O uso dessas sementes é muito polêmica, pois não está claro o quão prejudicial é para a população. Muitos países proíbem ou limitam o seu uso, pois estudos indicam que podem causar diversos problemas a médio e longo prazo como, entre outros: problemas de saúde para produtores e consumidores, aumento no uso de agrotóxicos e aditivos nocivos, dependência exclusiva do produtor com as empresas de biotecnologia, extinção de sementes naturais e monopólio das empresas de biotecnologia e a conivência do Estado com propriedades improdutivas.

domingo, 23 de novembro de 2014

Pensatas de domingo. Para onde vai Barack Obama?



Esta entrevista, realizada pela prof. Catherine M. Bryan para Novas Pensatas, foi concedida pelo nosso habitual colaborador, o prof. Jorge Vital de Brito Moreira, sociólogo, escritor, e um crítico da cultura ocidental.

Catherine M. Bryan: O que você pensa da grande vitória dos republicanos nas últimas eleições nos EUA?
Penso que os republicanos ganharam porque o presidente Barack Obama e a os lideres políticos do Partido Democrata causaram uma grande decepção, uma imensa frustação e muito sofrimento para a base do partido que ainda acreditava (ou acredita) que o partido democrata era um partido diferente do Republicano. As informações recentes mostram que nas últimas eleições a taxa de abstenção (gente que não foi votar) esteve acima de 2/3 dos votantes.   

CMB: Poderia descrever que tipo de frustração?
            Até agora o presidente Obama e os lideres democratas fizeram pouco ou quase nada de importante para beneficiar os trabalhadores, os negros, os imigrantes (mexicanos e latinoamericanos), os pobres, etc. A maioria desta população desfavorecida acreditou na demagogia da campanha eleitoral do candidato Barack Obama e votaram nele para presidente. Por um lado, graças ao voto desta população, Obama, foi eleito e reeleito para máximo dirigente dos EUA.
            Por outro lado, também sabemos que o presidente Obama foi eleito e reeleito, com a ajuda bilionária do capital financeiro e com a ajuda do dinheiro das imensas corporações imperialistas (produtoras de armas, energia, petróleo e gás do país) para financiar a sua vitória eleitoral. Esta tem sido uma das razões fundamentais do porque o presidente Obama beneficiou o grande capital e ignorou as necessidades e os interesses da população desfavorecida que ele prometeu defender e promover. Mas, numa espécie de compensação invertida, Obama usou o dinheiro de impostos da população para financiar Wall Street, para aumentar o pressuposto militar, para financiar e expandir as guerras imperiais no Oriente Médio,  na Ásia, na África e na Ucrânia.
Assim, apesar das promessas, do discurso demagógico para as massas (uma retórica populista, aparentemente progressista, que funcionou para enganar as pessoas ingênuas do país), Obama realizou uma política externa imperialista e antidemocrática, que tem sido contrária a tudo aquilo que, na campanha eleitoral, ele prometeu a opinião pública (de dentro e de fora dos EUA). Assim, Obama em vez de terminar as guerras contra o Iraque, o Afeganistão, o Paquistão, a Palestina, expandiu as guerras imperialistas contra os povos do África (Líbia de Kadafi) e Ásia (Síria, Iêmen), e Europa (Ucrânia). Obama em vez de diminuir, aumentou as tropas no Iraque; em vez de fechar Guantánamo e os centros de tortura nos outros países, continuou prestigiando-as. Obama, em vez de contribuir para diminuir a poluição nos EUA e no planeta, tem ajudado a aumentá-la. 
       Do ponto de vista da sua política interna, Obama, em vez de melhorar, piorou o padrão de vida da maioria dos estadunidenses necessitados: jovens, adultos, mulheres, crianças, negros e latinos. E para completar, os graves conflitos racistas tem crescido nos EUA como podemos ver pela recente guerra das autoridades brancas contra a população negra na cidade de Ferguson. Não sei se os leitores estão informados sobre o que  aconteceu naquela cidade. No passado dia 9 de agosto, Michael Brown, um jovem afrodescendente de 18 anos, que se encontrava desarmado, foi assassinado pelos disparos do oficial Darren Wilson. A partir desse fato racista se desatou na cidade um processo de mobilizações no estado de Missouri (e em todo os Estados Unidos) contra a brutalidade policial e a violência racial que tem se prologado até agora.
A situação dos afroamericanos pobres e dos imigrantes mexicano e latinoamericano é grave e a política de Obama de postergar, demagogicamente, a reforma migratória, tem conduzido a grave conflitos e a uma provável crise humanitária nos EUA se os problemas migratórios não forem resolvidos a curto prazo. E o que é pior (coisa que nenhum democrata podia prever quando Obama foi eleito): o governo do atual presidente tem praticado uma política migratória pior que a de George Bush, pois a política migratória de Obama já expulsou mais de dois milhões de mexicanos e latinos dos EUA. (1)
Em poucas palavras, para uma parte significativa dos votantes democratas, Obama é um traidor dos ideais e valores democratas, ao se submeter a agenda política do partido republicano.
Simplificando, tanto a política externa quanto a interna da administração de Barack Obama tem sido, em geral, um fracasso para os EUA como um todo,  especialmente para os eleitores democratas de menor ingresso econômico.
Em resumo, a situação socioeconômica e cultural dos estadunidenses piorou notavelmente para parte significativa dos eleitores democratas. Esta é a realidade e mais uma das razões que podem explicar a derrota dos democratas, pois as dados eleitorais mostram que mais da metade dos que votaram, anteriormente em Obama e seu Partido Democrata já não foram às urnas votar por eles nestas últimas eleições.
 Na medida que o tempo passa, os EUA, sob a administração Obama,   afirma-se inequivocamente como o estado mais terrorista do nosso planeta: de acordo com as análises realizadas pelos escritos de professores, filósofos, escritores, linguistas como Noam Chomsky, Paul Craig-Roberts, James Petras, Cornel West, pois Obama tem aprofundado as políticas imperialistas, antidemocráticas e terroristas de George W. Bush num nível nunca esperado pelos eleitores democratas.

CMB: Mas uma parte da opinião publica dentro e fora dos EUA continua a identificar os governos dos EUA como democráticos. Certo?
Não tenho dúvidas que parte da população ainda vive na ilusão de que vivemos numa democracia. Tampouco tenho a menor dúvida do poder maléfico que teem os meios de informação coorporativos para iludir, mentir, tergiversar, falsificar fatos e mistificar o conhecimento da nossa história social. Com a ajuda do cinema, dos poderosos canais de TV e da grande imprensa coorporativa, as classes dirigentes dos EUA teem conservado  seu poder antidemocrático sob a aparência de que vivemos num país democrático.
Vejamos, por exemplo, como a mídia corporativa dos EUA e do mundo propagam o frenesi das massas em torno das atuais celebrações e/ou comemorações da queda do Muro de Berlim. Uma das funções políticas e propagandísticas da celebração/comemoração massiva dos 25 anos da queda do Muro de Berlim, é, por um lado manter e propagar o mito e as aparências de que Alemanha, os Estados Unidos e outros países do ocidente são países democráticos.
 Por outro lado, sua função é tambem impedir que a opinião pública tome consciência da existência abominável do Muro de Israel em  terras Palestinas: 1) Muro que foi construído pelo governo israelita para segregar os palestinos, e impedi-los de transformar-se em nação autônoma, independente e soberana; 2) que o Muro de Israel tem sido construído  com a ajuda econômica da Alemanha e dos Estados Unidos, pois são eles que financiam o governo terrorista de Israel. Assim, a retórica propagada pelos proprietários dos grandes meios de informação (ou desinformação) pelas autoridades civis, e militares dos países ocidentais  tem a finalidade de encobrir o verdadeiro caráter terroristas das políticas imperialistas.
            E por falar, no Muro de Israel, devemos também lembrar da abominável existência do Muro construído pelos EUA na fronteira México-EUA, para segregar a população Mexicana e Latino americana.
Quando leio as notícias (escrita, falada ou filmada) nos grandes meios de informação, eu não vejo, nem leio informações de importância sobre a desgraça, a miséria e o sofrimento que o Muro de Israel e o Muro dos EUA vem causando as populações palestinas e mexicanas, em que ambas são vitimas da colonização israelense contra os palestinos, e do imperialismo estadunidense contra a população de Latinoamericanos.
Do ponto de vista da ética cristã ou da ética dos direitos humanos, os dois muros citados são tão imorais e tão vergonhosos como o Muro de Berlim e deveria motivar uma luta sem trégua dos movimentos de massa exigindo a pronta derrubada destes dois abomináveis monumentos à barbárie. Mas apesar disso não presenciamos nenhum movimento massivo equivalente para exigir a derrubada dos muros mencionados.
Para continuar falando sobre o papel nefasto da média na falta de informação importante sobre o Muro EUA/México na relação entre México e EUA é necessário que eu mencione a turbulenta situação política no México, devido ao desaparecimento e assassinato de 43 estudantes naquele país.
 Na noite do dia 26 de setembro de 2014, no município de Iguala, de estado de Guerrero, México, 43 estudantes da Escola Normal Rural de Ayotzinapa foram sequestrados e assassinados por um bando de criminosos a mando do prefeito daquele município.
            Recebi esta gravíssima informação, quase que imediatamente depois de acontecido através do jornal mexicano La Jornada e do website do jornal espanhol online Rebelión.org. e de alguns blogs Latinoamericanos nos EUA.
A exceção das notícias destes meios de informação alternativos não vi nem li, inicialmente, nenhuma informação sobre o fato nos canais de TV ou nos grandes jornais dos EUA. Faz alguns dias, depois que o fato se tornou um escândalo nacional, os poderosos jornais daqui decidiram, depois de quase dois meses, começar a informar ao publico dos EUA do acontecido. 
            No entanto, tenho lido e visto imediatamente, nos grandes jornais, revistas e TVs dos EUA, amplas e fraudulentas reportagens para exagerar os fatos negativos sobre um conflito esperado entre partidários e adversários do governo de Venezuela, Cuba, Equador ou Bolívia. E não faltam aqueles meios que pedem a intervenção e até a invasão imediata das forças militares dos EUA contra os governos de um desses países latinoamericanos.
            Mas o que é mais importante é que graças à boa relação financeira entre narcotraficantes, autoridades políticas e militares do México e dos EUA, mais de 100 mil pessoas foram assassinadas no país Asteca, durante o governo de Calderón e de Peña Nieto. E a maioria das pessoas assassinadas na suposta guerra entre militares e narcotraficantes, não são narcotraficantes, nem militares, são a população civil.

CMB: Vamos voltar ao tema das eleições. Também houve eleições no Brasil. Que opinião você tem dos resultados das últimas eleições no seu país?
            Nasci, estudei, e vivi no Brasil por muito tempo, mas atualmente vivo fora do meu país por mais de 20 anos. Claro que não perdi, não perco, nem perderei o contato com o Brasil nem com  as relações que tenho por lá.
            Mantenho boas relações com a minha família (meus irmãos, minha irmã, meus sobrinhos) e com muitos amigos de Salvador-Bahia, a cidade em que nasci. Frequentemente, vejo as notícias, leio a literatura, assisto filmes, futebol e escuto a música brasileira. Entretanto, devido a limitações objetivas não poderia dar informações detalhadas  sobre o resultado das últimas eleições do Brasil. Mas até onde estou informado, diria que a reeleição da presidente Dilma Rousseff foi dos males, o menor, tanto para o Brasil como para a América Latina e um mundo multipolar.
No entanto, a vitória de Marina da Silva e/ou de Aécio Neves teria colocado o Brasil num nível ainda mais elevado de corrupção nacional e num grau ainda maior de subserviência política/econômica do Brasil ao Imperialismo, ao capital estrangeiro, resultando numa política contra a soberania nacional, contra a América Latina e contra um mundo multipolar.

CMB: Desculpe interrompê-lo mas quando você fala do mundo multipolar a que você se refere.
Refiro-me a um mundo onde política, social e militarmente, os EUA não seja o único país com poder unilateral para submeter outras nações, países, e culturas com diferentes visões de mundo, com projeto de desenvolvimento humano e regional distintos do american way of life que, infelizmente, os EUA veem impondo ditatorialmente aos outros países do planeta. 
Refiro-me a um mundo onde possa existir, por exemplo, sistemas como o de Cuba, onde possa existir instituições regionais como Mercosul e organizações alternativas tais como o grupo BRICS formados pela associação de países emergentes tais como Brasil, Russia, India, China e África do Sul.
Mas voltando a falar do Brasil, a experiência da maioria dos brasileiros durante os dois períodos de governo de Fernando Henrique Cardoso foi umas das piores experiências política, social e econômica para o Brasil depois dos 21 anos de ditadura militar. O governo de Fernando Henrique Cardoso e do PSDB foi ainda mais corrupto que o do PT. A corrupção do processo de privatização (conhecida pelo cognome de “Privataria Tucana”) levada a cabo pelo presidente Fernando Henrique (e pela máfia do PSDB) foi um dos mais abomináveis instrumento político econômico para roubar o povo brasileiro, e destruir a soberania nacional.
            Claro que não estou de acordo tão pouco com a corrupção do PT, nem com o modelo neoliberal que o ex-presidente Lula da Silva, a presidente Dilma Rousseff e o PT ajudaram a desenvolver no Brasil durante seus períodos de governos. 
            Para mim, o PT não é um partido dos trabalhadores, é um partido corrupto composto predominantemente de indivíduos de classe média,  carreiristas , advogados, profissionais, empresários, etc.
Mas é preciso ver e analisar o processo de corrupção no Brasil a partir de uma perspectiva que incorpore uma política democrática, favorável às necessidades da maioria do povo brasileiro e não para atender os interesses de uma elite de traidores da nação. Não, não podemos esquecer do papel dos setores de direita ligados ao grande capital e ao poder dos EUA: eles estão por detrás das acusações, alegações nos casos de corrupção (sobretudo no caso da Petrobras) porque querem o poder para privatizar a Petrobras. Estes setores da direita querem transformar o Brasil num país empobrecido como o México atual: uma nação arrombada e inviável devido a que sua oligarquia alienou e privatizou sua maior indústria nacional (Petróleos Mexicanos) para beneficiar o capital multinacional. Resultado: atualmente, o México se transformou num país completamente falido, em estado de Guerra permanente, dominado por grupos ligados as drogas e ao narcotráfico. Assim, em vez de seguir a via da privatização imposta pela direita, os grupos e movimentos de esquerda do Brasil deveriam aprofundar a democratização da empresa pública nacional.

CMB: Sei que você estudou Sociologia e Economia no México, mas sei também que estudou Música no Brasil e Literatura nos EUA. Dado a sua experiência como professor e crítico da cultura quais são os autores estadunidenses e europeus que você recomendaria para os leitores que querem estar preparados para entender o funcionamento socioeconômico cultural do sistema capitalista em sua nova fase de expansão imperial/ colonial sobre os países do “Terceiro Mundo” e dos “Países Emergentes” ?
A lista poderia ser longa. Assim, gostaria de limitar-me a uns quantos autores cujos livros me parecem imprescindíveis para compreender o nosso momento histórico atual: Noam Chomsky (política internacional), James Petras (sociologia política latinoamericana) David Harvey (economia política do capitalismo) Fredric Jameson (teoria cultural e crítica ideológica dos aparatos culturais) Terry Eagleton (literatura e cultura), Zizek (psicanálise, filosofia e critica de cinema), Cornel West (filosofia, movimento negro e ativismo politico), e Howard Zinn (história do povo dos EUA). Gostaria de recomendar também o extraordinário filme documentário de Oliver Stone intitulado Untold History of United States.

CMB: O que pensa dos artigos do intelectual americano Paul Krugman que recebeu o premio Nobel de Economia, escreve pra o jornal New York Times, que é traduzido e publicado pelos jornais brasileiros e tem muita presença e circulação entre os leitores brasileiros.
Krugman é uma pessoa inteligente, com um grande conhecimento da economia dos EUA, mas com uma grande limitação: uma orientação ideológica e política bastante equivocada. Depois da crise de 2008 resultante da concentração de renda nas mãos da minoria de 1% do povo americano, ficou muito difícil (pra não dizer quase impossível) acreditar, na validade e eficiência da economia política keynesiana (introduzida por Keynes depois do colapso da economia capitalista em 1929) para resolver a atual crise do sistema capitalista. E o que é ainda pior em todo esse projeto neokeynesiano é seguir acreditando na vontade política do Partido Democrata para atuar em função de uma distribuição de renda mais equitativa para a melhoria das classes sociais mais baixas dos EUA. 
   
CMB: Prof. Moreira! Para finalizar, quero agradecer-lhe por compartilhar seu tempo e as suas ideias para os leitores de Novas Pensatas. Muito Obrigada.

NOTAS
1) Já tinha terminado de editar a entrevista do prof. Moreira quando fui informada de que o presidente Barack Obama fez um novo discurso  na Casa Branca, Washington, reconhecendo que o sistema migratório dos EUA está quebrado, que não funciona; que ele usaria os seus poderes executivos para “regularizar” a situação migratória de 5 milhões de imigrantes (a maioria latinos e mexicanos) sem documentos.
Diante desta situação decidi contatar novamente o prof. Moreira para perguntar-lhe sobre esta aparente mudança na política migratória de Barack Obama.

CMB: Prof. Moreira, qual a sua opinião sobre o novo discurso do presidente Obama anunciando novas medidas da sua política migratória?
            É certo que no discurso de ontem à noite, o presidente Barack Obama reconheceu que o sistema migratório dos EUA está quebrado, que não funciona mas que ele usaria os seus poderes executivos para “regularizar” a situação migratória de cinco milhões de imigrantes (a maioria latinos e mexicanos) sem documentos.
De acordo ao diário La Jornada (o mais importante diário do México), a medida executiva estabelece um prazo de apenas dois anos para regularizar a situação dos cinco milhões (http://www.jornada.unam.mx/2014/11/21/mundo/025n1mun),
enquanto outras fontes de informação de EUA falam de três anos.
Assim, apesar de existirem um total de 11.2 milhões de imigrantes sem documentos nos Estados Unidos, o chefe da Casa Branca anunciou que a medida executiva só contemplaria a regularização de menos da metade dos imigrantes indocumentados. Durante seu discurso, Obama tratou de aclarar o significado da palavra “regularizar” informando que estes indivíduos não receberão a cidadania, nem tampouco a anistia, simplesmente não serão deportados durante um determinado período de tempo.
Ainda é cedo para ter uma ideia precisa das implicações da medida executiva. Do lado humano, entre muitos imigrantes, aqueles que acreditam que serão beneficiados pela mudança, a notícia provocou alegria; para a maioria a medida provocou mais uma vez desilusão e desesperança.  Do lado do estado imperial, como Obama mesmo mencionou no discurso, a medida executiva vai aumentar as ações repressivas para impedir a entrada de imigrantes para os EUA.
Depois do discurso, comecei a questionar seu conteúdo aparentemente contraditório: se o sistema está quebrado, se não funciona, como poderá o Homeland Security Department dos EUA regularizar a situação migratória de 5 milhões de pessoas em tão pouco tempo?
Por um lado, o discurso de Obama aparece como uma jogada cínica e politicamente oportunista pois sua medida executiva poderia voltar a conseguir a simpatia, o apoio e os votos de parte dos imigrantes para o candidato democrata nas próximas eleições para presidente dos EUA. Por outro lado, a medida executiva, poderia diminuir a animosidade dos políticos democratas, (sobretudo dos políticos que perderam as eleições) contra a administração do presidente Obama.

CMB: Bem professor! Mais uma vez:  muito obrigada pela sua ajuda.