terça-feira, 29 de julho de 2014

Macumba e Corrupção: a decadência da seleção brasileira na Copa do Mundo 2014




Jorge Vital de Brito Moreira

Dois ilustres brasileiros, o brilhante técnico e comentarista esportivo João Saldanha e o satírico cantor e compositor Juca Chaves, elaboraram frases ontológicas que ainda identificam, na minha opinião, duas importantes características culturais de grande parte da população brasileira. O inesquecível João Saldanha dizia: “Se macumba ganhasse jogo campeonato baiano terminava empatado.”
A frase de Saldanha mostra (de forma mordaz e contundente) que o uso da macumba, o apelo às orações religiosas, o choro ao “Deus” católico (ou ao santo protetor), o olhar dirigido ao céu e o sinal da cruz sobre o peito dos jogadores da seleção brasileira não adiantaram nada quando a seleção brasileira jogou contra a seleção da Alemanha ou contra a seleção da Holanda.
A derrota do Brasil para a Alemanha pelo placar vergonhoso de 7x1 é um contundente indicador de que a relação de dependência entre o futebol e a religião é uma fórmula destinada ao fracasso; também é uma fórmula completamente inadequada para explicar o fracasso da seleção brasileira na Copa do Mundo FIFA no Brasil em 2014.
A frase de João Saldanha também deveria ser aplicada à parte significativa dos jogadores e torcedores católicos da seleção argentina: aqueles que acreditavam que as orações (e o desejo) do Papa argentino Francisco (Jorge Mario Bergoglio) seriam capazes de comover ao “Deus” católico obtendo a ajuda “divina” para ganhar o mundial de futebol, quebraram a cara e as pernas contra a seleção alemã. E, no entanto, devo confessar que acredito que a decepção e a frustação dos argentinos será ignorada nos anais “sagrados” do Papa, do clero católico e do Vaticano.
Assim, se queremos explicar o fracasso da seleção brasileira na Copa Mundial  teremos que nos enfocar atualmente na relação que existe entre o futebol e o capitalismo: teremos que nos enfocar no papel das multinacionais, nas negociatas, e nos bilhões de dólares de lucros das organizações capitalistas associadas e a corrupção no nível nacional e internacional.

Por outro lado, o brasileiro Juca Chaves, afirmava com grande lucidez: “Sou patriota mas não sou idiota”. Juca dizia esta frase no tempo em que as palavras “ser patriota” era equivalente a “amar à pátria”, a “amar ao próprio país” ou a “amar o povo e a nação brasileira”. Atualmente, a palavra “patriota” está bem próxima de ser o equivalente da palavra ”idiota” (ou da palavra “patriotada”), pois muitos brasileiros ainda confundem a palavra “seleção brasileira” de futebol com a palavra “nação (“país” ou “pátria”) brasileira” e ficam revoltados quando escutam às críticas dirigidas à seleção de futebol, aos jogadores, aos dirigentes esportivos, às autoridades do governo brasileiro.
No entanto devemos parar de olhar pro céu e fazer o sinal da cruz. Devemos observar os bolsos cheios de euro-dólares dos jogadores, dos cartolas, dos técnicos, e marqueteiros brasileiros pra nos darmos conta de que vivemos no país da mistificação e da manipulação da consciência nacional.
Devemos abrir os olhos para as transações comerciais (as negociatas) dentro e fora do futebol brasileiro. Nestas transações podemos nos dar conta da crua realidade: a seleção canarinha, seus jogadores (milionários garotos propaganda das multinacionais), seus dirigentes, autoridades governamentais estão todos associados à grande indústria do espetáculo, à mídia corporativa nacional e internacional (lideradas por TV Globo, Univisión, CNN, Fox Sports, ESPN e outras); todos associados às corporações multinacionais como a FIFA, McDonalds, Coca Cola, Adidas, além das  organizações capitalistas associadas à especulação financeira dos petro-dólares provenientes dos Emirados Árabes Unidos, Qatar Investment Authority,  Qatar Airways, Abu Dhabi United Group e outros.
É necessário que os brasileiros ampliem e enriqueçam a sua consciência, aprendendo a estabelecer as notáveis diferenças entre “alhos” e “bugalhos”, para atuar inteligentemente, compreendendo a importância de nos unirmos aos movimentos de protesto contra a mistificação, a manipulação e a corrupção que tem dominado o país antes, durante e depois da realização da Copa do Mundo de 2014.  Devemos lutar contra a atuação ditatorial da FIFA, da CBF, do governo brasileiro e da mídia brasileira ao serviço e em beneficio das gigantescas corporações multinacionais tais como Coca Cola, Adidas, Mcdonalds.
A grande mídia corporativa brasileira, por exemplo, associada à indústria do espetáculo nacional e mundial tem colaborado decisivamente para o processo de mistificação-manipulação da consciência do povo brasileiro. O caso da Copa das Confederações realizada no Brasil em 2013 é um exemplo contundente do papel alienante que a mídia tem jogado (com a colaboração do “rei” Pelé (1) e outros ex-atletas) na desinformação de grande parte da nação brasileira.
A mídia contribuiu decisivamente para aumentar o numero de brasileiros iludidos pela derrota da seleção de Espanha para o Brasil na Copa das Confederações.  A vitória da seleção brasileira e a conquista da Copa das Confederações foram propagadas pela mídia como garantias para a futura conquista da Copa do Mundo de 2014.  E no entanto certos brasileiros (técnicos, comentaristas, analistas esportivos e torcedores) sabiam que a vitória da  seleção brasileira sobre a seleção  espanhola não deveria ser tomada como indicador da competência (e/ou competitividade) da seleção brasileira para a copa do mundo de 2014, pois sabiam que o time do Barcelona  (cujos jogadores formavam a base da seleção espanhola campeã do mundo)  mostrava um evidente desgaste e uma acentuada decadência futebolística  na Europa.
Eles também sabiam que a história futebolística da seleção brasileira indicava claramente que a conquista da Copa das Confederações em 2013 pelo time de Filipe Scolari não era garantia para a conquista da Copa do Mundo por nossa seleção, pois no passado o time formado pelo técnico Carlos Alberto Parreira (que ganhou a Copa das Confederações  em 2005) foi eliminado pela França nas quartas de finais na Copa do Mundo FIFA de 2006 na Alemanha.  Esta história repetiu-se quando a seleção brasileira, formada pelo técnico Dunga, conquistou a Copa das Confederações na África do Sul em 2009, sendo, um anos depois,  eliminada pela seleção da Holanda nas quartas de finais do mundial de 2010 na África do Sul.
Assim nem as conquistas anteriores das Copas das Confederações pela seleção brasileira, nem as vitórias dos técnicos Filipe Scolari, Carlos A. Parreira e Carlos Caetano Bledorn Verri (conhecido como Dunga) no passado, eram garantias  para a conquista da Copa Mundial da FIFA 2014.
Vejamos por exemplo o caso do técnico Filipe Scolari. Pessoalmente não tenho nada contra a sua pessoa. Me parece um sujeito simpático, mas claramente incompetente e decadente como técnico de futebol. Devemos reconhecer que ele teve um grande momento futebolístico quando dirigiu a seleção brasileira em 2002 e ganhou a Copa do Mundo no Japão/Coreia. Depois disso, Filipão dedicou-se exclusivamente a ganhar dinheiro. Como diz o ditado: “cria fama e deita-te na cama”. E  foi o que o Scolari fez. Este é uma das razões do porque Filipe Scolari deixou que o time Palmeiras de São Paulo, um dos grandes times do Brasil, fosse rebaixado à segunda divisão.
O caso do técnico Carlos Alberto Parreira é equivalente ao caso de Scolari com uma pequena diferença: além de ser um técnico incompetente e decadente, Parreira é um sujeito antipático. Ainda me lembro quando o Parreira permitiu (por irresponsabilidade, incompetência e complacência) que a seleção brasileira (composta dos melhores craques brasileiros daquela geração) fosse desclassificada da copa do mundo pela seleção da França.
Tampouco acredito que Dunga seja uma resposta adequada  para enfrentar  os graves problemas da seleção nacional e do futebol brasileiro. Apesar dele ainda ser um técnico jovem, de ter conseguido importantes triunfos seja como capitão da seleção campeã do mundo em USA em 1984 seja como técnico vitorioso da seleção (ganhador da Copa América, da Copa das Confederações, e primeiro colocado nas eliminatórias), e de ser um dos poucos técnicos brasileiros com caráter e coragem para enfrentar e resistir a fúria demolidora dos comentaristas esportivos pagados pela mídia corporativa, atualmente, nem Dunga, nem Murici, nem Tite nem nenhum outro técnico da seleção terão condições objetivas para trabalhar em prol da seleção e do povo brasileiro dentro da estrutura corrupta e corruptora da CBF e da FIFA.
Enquanto, no decorrer desses últimos anos, as negociatas, as transas e a corrupção capitalista vão ocupando o primeiro plano do mundo desportivo, o futebol nacional e internacional vai sendo sistematicamente deslocado para um nebuloso segundo plano, para um verdadeiro banco de reservas. Neste contexto histórico, nenhum técnico esportivo (de futebol ou de outros esportes) terá condições, por exemplo, de escolher, com independência e autonomia, os jogadores (ou estrelas) que deverão ser incluídos ou excluídos da seleção brasileira ou de jogos importantes.
Atualmente, nenhum corpo técnico de uma instituição esportiva conseguirá  poder para vencer os ultimatos das corporações multinacionais que patrocinam (com milhões de euro-dólares), a vida milionária dos estrelas do futebol, ou seja, dos garotos propaganda dos seus produtos comerciais.
Resumo: sigo convencido de que os pensamentos e as palavras dos dois patriotas João Saldanha e Juca Chaves revelam não somente duas características centrais do povo e torcedor brasileiro como também estabelecem uma “meta” que todos os torcedores da seleção brasileira deveríamos defender, se queremos superar a decadência em que nos encontramos: Sou patriota mas não sou idiota: se macumba ganhasse jogo, campeonato baiano terminava empatado.

NOTAS
1) Pelé, jogador de futebol brasileiro considerado pela maioria dos torcedores como o melhor de todos os tempos também  contribuiu direta e indiretamente (com seu talento, a popularidade, prestígio e seu discurso ) na justificação da ditadura militar no Brasil . Um dos mais infames discursos do "rei" Pelé naquele período (1964-1985) aconteceu quando ele tratou de legitimar a decisão dos militares de não permitir que existissem as eleições diretas e livres no Brasil, afirmando que "os brasileiros não deveriam ter eleições livres e diretas, porque o povo brasileiro era analfabeto e não sabia nem como escovar os dentes muito menos votar nas eleições. Logicamente, alguns anos após o término da ditadura militar, Pelé teve de pagar por seus muitos erros publicamente; por exemplo, quando a Câmara Legislativa do Distrito Federal negou-lhe o título Cidadão Honorário de Brasília.
Mas nem todos os "astros" do futebol nacional e internacional agiram dentro da acostumada alienação de Pelé: grande jogadores de futebol têm mostrado. Maradona (da Argentina), Sócrates e Romário (do Brasil), por exemplo, têm demonstrado que também existem inteligência, lucidez e sabedoria fora do campo de futebol.

domingo, 27 de julho de 2014

Drops dominicais


Nas duas últimas décadas, temos testemunhado uma barragem propagandística contra o Marxismo e sua herança revolucionária. Desde o colapso do stalinismo - não do socialismo, mas de sua deformada caricatura - de uma ponta a outra as correntes mais influentes da grande mídia corporativa ocidental, na tentativa de desacreditar o Marxismo.

Um dia após a queda do avião da Malaysia Airlines na Ucrânia, Obama cinicamente afirmou que o Boeing 777 foi abatido por “um míssil terra-ar lançado a partir de uma área controlada por rebeldes pró-Moscou”. Acusou que ataques desse tipo não são possíveis sem treinamento e equipe especializada, insinuando que foi com a ajuda da Rússia que a resistência separatista derrubou a aeronave. No mesmo tom, a embaixadora ianque na ONU, Samantha Power, declarou que “Devido à complexidade técnica, é improvável que os separatistas pudessem operá-lo (sem assistência técnica).  Obviamente declarações irresponsáveis e sem fundamento...

A reação do enclave sionista de Israel, muito distante de ser um país ou uma nação é na verdade a fortaleza militar (também habitada por civis) de ocupação imperialista na Palestina, a tímida posição da chancelaria do governo Dilma que convocou seu embaixador em Tel Aviv de volta ao Brasil a título de “consulta”, configura-se como uma verdadeira declaração de guerra a soberania de nosso povo. Os chacais genocidas de Israel, covardes e infames sob qualquer ângulo de visão da existência humana, reagiram com total ofensividade diante da posição do Itamaraty em declarar como “desproporcional” os ataques da máquina de guerra sionista contra o povo palestino.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, Yigal Palmor, afirmou que a decisão do Brasil de chamar seu embaixador para consultas é uma demonstração das razões que levam o Brasil, apesar de ser “um gigante econômico e cultural, permanecer um anão diplomático”. O documento emitido pela chancelaria sionista continua ainda com as provocações declarando que: “A atitude brasileira não contribui para promover a calma e a estabilidade no Oriente Médio e que dá vento favorável ao terrorismo, além de naturalmente afetar a capacidade do Brasil de exercer influência”.

O fato é que, trocando em miúdos, o número de mortos na Faixa de Gaza já passa de mil, em sua maioria civis, e o de feridos chegou a cerca de 6 mil, informaram neste sábado (26) fontes médicas palestinas, 19 dias depois de Israel iniciar a ofensiva contra militantes do Hamas. Uma verdadeira carnificina!

Foi somente no século 17 que o vocábulo revolução assumiu um significado político, servindo para caracterizar acontecimentos que provocam mudanças na ordem social de um determinado país ou nação. Em sua origem, o uso político do termo revolução tinha o mesmo significado original, ou seja, serviu para indicar o "retorno a um estado antecedente de coisas, a uma ordem préestabelecida que havia sofrido abalos".
A Revolução Francesa de 1789, é considerado o movimento revolucionário mais significativo da história moderna. Na França revolucionária a ruptura política com as instituições do antigo regime (que representavam o poder da monarquia absolutista) foi um acontecimento tão intenso que contribuiu para modificar o significado do termo revolução.

domingo, 20 de julho de 2014

Pensatas de domingo – In memoriam



O mundo cultural brasileiro perdeu André Olivieri Setaro, crítico, ensaísta e conhecedor da 7ª arte. Aliás, seguramente uma das maiores expertises do assunto neste país. A noticia foi bombástica, e, apesar de que já esperada há algum tempo, fez-me calar e pensar muito sobre a vida... E a morte, obviamente.
Era tanta coisa para falar, que me acometeu um bloqueio, uma verdadeira paralisia quanto a/e “por onde” começar. Até finalmente concluir que o melhor mesmo seria abordar a falta que me fez a perda de um primo e amigo, deixando as informações mais completas para o link abaixo.
Ademais, acho interessante lembrar que conhecendo André desde criança, aprofundamos nossa amizade ainda na adolescência, quando ele já era um cinéfilo apaixonado, e que durante toda a sua vida dedicou-se ao tema com muito afinco. E acrescentar que publicou fazem poucos anos uma significativa obra – dividida em três volumes – sobre cinema.
E diria ainda que André foi a continuidade em Salvador da obra de seu inspirador, Walter da Silveira, o criador do Cineclube da Bahia, um importante instrumento de aquele estado ter-se atualizado na questão.
Fica aqui minha homenagem. E a saudade de seus inesgotáveis papos de cinema...

https://www.google.com.br/?gws_rd=ssl#q=andr%C3%A9+setaro

domingo, 6 de julho de 2014

Pensatas de domingo




Dez teses sobre a ascensão da extrema direita europeia

O novo fascismo espreita o Velho Continente

MICHAEL LÖWY


O resultado das eleições para o Parlamento Europeu, no fim de maio, registrou na prática o fortalecimento dos partidos de extrema direita no continente. Para sociólogo, discurso com que esquerda explica o crescimento do fascismo pela via da crise econômica reduz fenômeno e deixa de lado suas raízes históricas.
1. As eleições europeias confirmaram uma tendência observada já há alguns anos na maior parte dos países do continente: o crescimento espetacular da extrema direita. Esse é um fenômeno sem precedente desde os anos 1930. Em muitos países, essa corrente obtinha entre 10 e 20%. Hoje, em três países (França, Inglaterra e Dinamarca), ela já atinge entre 25 e 30% dos votos. Na verdade, sua influência é mais vasta do que seu eleitorado: ela contamina com suas ideias a direita "clássica" e até mesmo uma parte da esquerda social-liberal. O caso francês é o mais grave; o avanço da Frente Nacional ultrapassa todas as previsões, mesmo as mais pessimistas. Como escreveu o site Mediapart em um editorial recente: "São cinco para meia-noite".
2. Essa extrema direita é muito diversa, podendo-se observar uma vasta gama que vai desde os partidos abertamente neonazistas --como o Aurora Dourada grego-- até as forças burguesas perfeitamente integradas no jogo político institucional, como a suíça UDC (União Democrática de Centro). O que eles teem em comum é o nacionalismo excessivo, a xenofobia, o racismo, o ódio contra imigrantes --principalmente "extraeuropeus"-- e contra ciganos (o mais velho povo do continente), a islamofobia e o anticomunismo. A isso pode-se acrescentar, em muitos casos, o antissemitismo, a homofobia, a misoginia, o autoritarismo, o desprezo pela democracia e a eurofobia. Quanto a outras questões --por exemplo, ser a favor ou contra o neoliberalismo ou a laicidade-- a corrente se mostra mais dividida.
3. Seria um erro acreditar que o fascismo e o antifascismo são fenômenos do passado. É evidente que hoje não se encontram mais partidos de massa fascistas comparáveis ao NSDAP (Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães) dos anos 1930, mas já nessa época o fascismo não se resumia a um único modelo: o franquismo espanhol e o salazarismo português eram bem diferentes do modelo italiano ou do alemão.
Parte importante da extrema direita europeia hoje tem matriz diretamente fascista e/ou neonazista: é o caso do grego Aurora Dourada, do húngaro Jobbik, dos ucranianos Svoboda e Pravy Sektor etc.; mas isso vale também, sob outro aspecto, para a Frente Nacional, o FPÖ (Partido da Liberdade Austríaca), o belga Vlaams Belang (Interesse Flamengo) e outros, cujos quadros fundadores tiveram ligações estreitas com o fascismo histórico e com as forças de colaboração com o Terceiro Reich. Em outros países --Holanda, Suíça, Inglaterra, Dinamarca-- os partidos de extrema direita não têm origem fascista, mas partilham com os primeiros o racismo, a xenofobia e a islamofobia.
Um dos argumentos que demonstrariam que a extrema direita mudou e não teria mais muito a ver com o fascismo é sua aceitação da democracia parlamentar e da via eleitoral para chegar ao poder. Lembremos que um certo Adolf Hitler chegou à Chancelaria por uma votação legal do Reichstag (Parlamento alemão) e que o marechal Pétain foi eleito chefe de Estado pelo Parlamento francês. Se a Frente Nacional chegasse ao poder por meio de eleições --uma hipótese que infelizmente não se pode descartar-- o que restaria da democracia na França?
4. A crise econômica que castiga a Europa desde 2008 favoreceu, portanto, de maneira predominante (com exceção do caso da Grécia), mais a extrema direita do que a esquerda radical. A proporção entre as duas forças está totalmente desequilibrada, contrariamente à situação europeia dos anos 1930, que via, em diversos países, um crescimento paralelo do fascismo e da esquerda antifascista.
A extrema direita atual, sem dúvida, se aproveitou da crise, mas isso não explica tudo: na Espanha e em Portugal, dois dos países mais atingidos pela crise, a extrema direita continua marginal. E na Grécia, ainda que o Aurora Dourada tenha crescido exponencialmente, segue retumbantemente derrotado pelo Syriza, coalizão da esquerda radical. Na Suíça e na Áustria, países poupados pela crise, a extrema direita racista ultrapassa com frequência os 20%. É preciso, então, evitar as explicações economicistas que a esquerda vem propondo.
5. Fatores históricos têm sem dúvida o seu papel: uma grande e antiga tradição antissemita em certos países; a persistência de correntes colaboracionistas desde a Segunda Guerra Mundial; a cultura colonial, que impregna as atitudes e os comportamentos muito depois da descolonização --não somente nos antigos impérios, mas em quase todos os países da Europa. Todos esses fatores estão presentes na França e contribuem para explicar o sucesso do lepenismo.
6. O conceito de "populismo", empregado por alguns cientistas políticos, pela mídia e mesmo por uma parte da esquerda, não é de modo algum capaz de dar conta do fenômeno em questão, servindo apenas a semear a confusão. Se na América Latina, desde os anos 1930 até os 1960, o termo correspondia a algo relativamente preciso --o varguismo, o peronismo etc.--, seu uso na Europa a partir dos anos 1990 é cada vez mais vago e impreciso.
O populismo é definido como "uma posição política que está do lado do povo contra as elites", o que é válido para quase qualquer movimento ou partido político. Esse pseudoconceito, aplicado aos partidos de extrema direita, leva, voluntariamente ou não, a legitimá-los, a torná-los mais aceitáveis, e até mesmo simpáticos --quem não é a favor do povo contra as elites?--, evitando cuidadosamente os termos que contrariam: racismo, xenofobia, fascismo, extrema direita. "Populismo" também é utilizado de maneira deliberadamente mistificadora por ideólogos neoliberais para amalgamar a extrema direita e a esquerda radical, caracterizadas como "populismo de direita" e "populismo de esquerda", opondo-as aos políticos liberais, à Europa etc.
7. A esquerda, todas as tendências reunidas --com poucas exceções--, tem subestimado cruelmente o perigo. Ela não viu chegar a "vague brune"1 e, por isso, não achou necessário tomar a iniciativa de uma mobilização antifascista. Para algumas correntes da esquerda, a extrema direita é apenas um subproduto da crise e do desemprego, e é contra essas causas que é preciso lutar, e não contra o fenômeno fascista em si. Esses argumentos tipicamente economicistas desarmaram a esquerda diante da ofensiva ideológica racista, xenófoba e nacionalista da extrema direita.
8. Nenhum grupo social está imune à "peste brune". As ideias da extrema direita, em particular o racismo, contaminaram um bom contingente, não só de pequenos-burgueses e desempregados como também da classe trabalhadora e da juventude. No caso francês, isso é particularmente chocante. Essas ideias não têm nenhuma ligação com a realidade da imigração: o índice de votação na Frente Nacional, por exemplo, é especialmente alto em algumas regiões rurais em que nunca se viu um só imigrante. E os imigrantes ciganos, que foram recentemente objeto de uma onda de histeria racista bastante impressionante --com a indulgente participação do então ministro "socialista" do Interior, Manuel Valls--, são menos de 20 mil em todo o território francês.
9. Outra análise "clássica" da esquerda sobre o fascismo é a que o explica como um instrumento do grande capital para esmagar a revolução e o movimento trabalhador. Bom, como hoje o movimento trabalhador está muito enfraquecido e o perigo revolucionário inexiste, o grande capital não tem interesse em sustentar movimentos de extrema direita, então a ameaça de uma ofensiva "brune" não existe. Trata-se, mais uma vez, de uma visão economicista, que não abarca a autonomia própria aos fenômenos políticos --os eleitores podem escolher um partido que não tem a simpatia da grande burguesia-- e que parece ignorar que o grande capital pode se acomodar em todos os tipos de regimes políticos, sem muitas preocupações.
10. Não há receita mágica para combater a extrema direita. É preciso se inspirar, mantendo certa distância crítica, nas tradições antifascistas do passado; mas é preciso também saber inovar para responder às formas atuais do fenômeno. Há que saber combinar iniciativas locais com movimentos sociopolíticos e culturais individuais solidamente organizados e estruturados, em escala nacional e continental. É possível chegar a uma unidade pontual de todo o espectro "republicano", mas um movimento antifascista organizado só será eficaz e confiável se impelido por forças externas ao consenso neoliberal dominante. Trata-se de uma luta que não pode se limitar às fronteiras de um país, mas deve se organizar em escala europeia. O combate ao racismo, e a solidariedade a suas vítimas, é um dos componentes essenciais dessa resistência.

1. "Vague brune", onda marrom, é como vem sendo chamada, na França, a expansão fascista. A expressão deriva de "peste brune", praga marrom, nome dado pelos franceses ao nazismo durante a Segunda Guerra, em referência à cor do uniforme dos soldados do Reich.