sexta-feira, 26 de maio de 2017

Venezuela atolada em uma guerra civil



A situação atual da Venezuela e do povo venezuelano é muito grave. Devido aos constantes ataques terroristas da oposição de direita, antipatriótica e colonialista, contra o governo democrático do presidente Nicolás Maduro, o professor Jorge Vital de Brito Moreira realizou uma livre tradução ao português para o urgente e brilhante artigo do professor argentino Atilio A. Boron chamando a atenção do leitor para a atual Guerra civil na Venezuela.


Atilio A. Boron

Seguindo o roteiro programado por especialistas e estrategistas da CIA especializada em desestabilizar e derrubar governos, a contrarrevolução da direita na Venezuela produziu um "salto qualitativo": do aquecimento nas ruas, na fase inicial do processo, passou-se a uma guerra civil não declarada como tal, mas disparada com uma ferocidade assustadora. Já não se trata de guarimbas (lugares armados para protestar), de escaramuças ocasionais ou de distúrbios violentos de rua. Os ataques a escolas, a hospitais infantis e maternidades; a destruição de frotas inteiras de ônibus; os saques e ataques às forças de segurança que inutilmente respondem usando canhões de água e gás lacrimogêneo contra a ferocidade de mercenários da subversão; o linchamento de um jovem aos gritos de "chavista e ladrão", são sinais inconfundíveis que proclamam ruidosamente que na Venezuela o conflito se transformou em uma guerra civil que já afeta a várias cidades e regiões do país. Se algo faltava para nos darmos conta da gravidade da situação sem precedentes e da determinação das forças subversivas de direita para conduzir seus objetivos às ultimas consequências, o incêndio terrorista da casa de nascimento do Comandante Hugo Chávez Frias colocou um final doloroso a qualquer especulação sobre esta terrível situação.
Seria ingênuo e suicida pensar que a dinâmica desta luta, projetada para gerar uma devastadora crise humanitária, poderia ser algo diferente a um prólogo para uma "intervenção humanitária" do Comando Sul dos Estados Unidos. Esta ameaça exige do governo bolivariano uma resposta rápida e contundente, porque com o passar do tempo as coisas vão piorar. O chamado patriótico e democrático do presidente Nicolás Maduro para formar uma Constituinte só serviu para atiçar a violência e selvageria da contrarrevolução. A razão é clara: a direita não quer uma solução política para a crise que ela mesmo criou. O que a contrarrevolução pretende é aprofundar a dissolução da ordem social, acabar com o governo Chavista e aniquilar toda a sua liderança, impondo uma lição brutal ao povo venezuelano:  que não tenha a audácia, dentro dos próximos cem anos,  de querer ser novamente o dono do seu destino. As tentativas de concordar com um setor dialogável da oposição falhou completamente. Não por falta de vontade do governo, mas porque (e essa é uma realidade sinistra) a hegemonia da contrarrevolução, passou, na presente conjuntura, para as mãos de sua facção terrorista e esta facção é comandada a partir dos Estados Unidos.
Na Venezuela está se implementado, com frieza metódica e sob a monitorização permanente de Washington, o modelo que usaram na Líbia para a "mudança de regime" e seria fatal não tomar conhecimento de suas intenções e suas consequências. O governo bolivariano ofereceu inúmeras vezes o ramo de oliveira para pacificar o país. Não só a sua oferta foi rejeitada, mas a direita golpista escalou suas atividades terroristas. Diante disso, a única atitude sensata e racional que ainda existe para o governo do presidente Nicolás Maduro consiste em proceder a uma vigorosa defesa da ordem institucional atual, mobilizando sem demora a todas as suas forças armadas para esmagar a contrarrevolução e restaurar a normalidade da vida social.  A Venezuela é vítima não só de uma guerra econômica, de uma brutal ofensiva diplomática e da mídia, mas sobretudo de uma guerra não convencional que já custou mais de cinquenta mortos e causaram enormes danos materiais. "Plano contra o plano", dizia Martí. E se uma força social declara guerra contra o governo isso exige uma resposta militar. O tempo das palavras já passou e os resultados são evidentes.
E isso é assim porque o que está em jogo não é apenas a Revolução Bolivariana; é a mesma integridade nacional da Venezuela, que está ameaçada por uma liderança antipatriótica e colonial que se rasteja no esterco da história para implorar o chefe do Comando Sul e aos figurões de Washington que ajudem a contrarrevolução. Se isso chegasse  a triunfar, afogando em sangue o legado do Comandante Chávez, a Venezuela desapareceria como Estado-nação independente e se tornaria, de facto, no estado 51 dos Estados Unidos, apropriando-se, por esta conspiração, da maior riqueza de petróleo do planeta. Seria ocioso parar para elaborar sobre o tremendo retrocesso que tal eventualidade teria sobre toda a nossa América. Há pouco tempo, dias apenas, para erradicar esta ameaça mortal. A absoluta e criminal intransigência da oposição terrorista fechou qualquer outro caminho que não seja a de sua total e definitiva derrota militar. Infelizmente chegou a hora das armas falarem (como  em seu tempo dizia Simón Bolívar) para evitar que Chavismo tenha que reconhecer que ele também "semeou no oceano", e que toda a sua empresa esperançosa e corajosa de emancipação nacional e social foi explodida pelos  ares, desaparecendo  sem deixar rastro.
Nenhum esforço deve ser poupado para evitar um resultado tão desastroso.

Fonte: https://www.rebelion.org/noticia.php?id=227040

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Adendo às Pensatas de Domingo


Brasil de Fato | São Paulo (SP)



Os vazamentos de áudios envolvendo o presidente golpista Michel Temer (PMDB) e Joesley Batista, um dos donos do frigorífico JBS, foram veiculados em primeira mão pelo jornalista Lauro Jardim, do jornal "O Globo", por volta das 19h da noite desta quarta-feira (17). A principal acusação era de que Temer teria autorizado a compra do silêncio de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na prisão. Em seguida, o Plantão da Globo anunciava o escândalo e prometia dar mais detalhes e informações no Jornal Nacional.
Durante a apresentação do jornal, os âncoras William Bonner e Renata Vasconcellos dividiam a escalada (abertura do jornal, elencando as principais notícias) destrinchando a denúncia do jornal impresso. Horas depois, o Jornal da Globo, que encerra a sequência de noticiários do dia da emissora, anunciou que teria duas edições por conta do furo de reportagem.
No dia seguinte, logo após Temer se pronunciar afirmando que não iria renunciar, os áudios das gravações foram liberadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e relator da operação Lava-Jato, Edson Fachin. Foi quando se percebeu que, ao fundo da gravação, Temer e Joesley ouviam CBN, emissora de rádio que também faz parte das Organizações Globo.
"A mesma emissora que apoiou o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff agora parece orquestrar a queda do presidente golpista Michel Temer", avalia o jornalista, sociólogo e professor aposentado da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), Laurindo Lalo Leal Filho:
"A linha editorial das Organizações Globo, jornal, rádio e televisão é a linha editorial de controle do poder. (…). Ela exerce o papel de partido político – ela e os outros grandes meios de comunicação no Brasil, como a Folha de S.Paulo, a Editora Abril e o Estadão formam um partido político aliado a setores do Judiciário. Nós temos um partido político que combina forças da mídia com forças do Judiciário, trabalhando articuladamente".
Na análise de Leal, a estratégia da Globo é derrubar Michel Temer e apoiar eleições indiretas, colocando a presidenta do STF, Cármen Lúcia, como próxima a assumir na linha sucessória da Constituição Federal.
Segundo o Datafolha, 61% da população avalia a gestão do governo Temer como ruim ou péssima, 28% consideram regular e 9% boa ou ótima. Frente a essa baixa popularidade e à crise econômica, Temer foi perdendo influência, como defende Lalo Leal Filho :
"Um governo com este tipo de popularidade tem muita dificuldade de implementar reformas, ainda mais reformas que foram contestadas nas ruas. A greve geral do dia 28 mostrou isso, levou talvez a Globo a perceber que este governo não tinha condições de levar essa política à frente".
O jornalista e fundador do site "Opera Mundi", Breno Altman, também acredita que a Globo está trabalhando pesado para derrubar Temer. No entanto, contrariando o clichê do "quarto poder", ele não a enxerga apenas como um partido. "A Globo atua como o principal partido das elites, mas ela também tem interesses comerciais e jornalísticos do ponto de vista de disputa de clientela. São suas contradições".
Para ele, a denúncia contra o presidente da República foi "um pacto político que surpreendeu em larga escala todas as forças políticas e sociais, econômicas e midiáticas, todos os campos políticos do país, a direita e a esquerda".
A história se repete como farsa
"Um exemplo foi o caso do ex-presidente Collor, que foi praticamente levado à Presidência [da República] pela Globo. Foi a Globo que criou o "caçador de Marajás" lá em Alagoas, o transformou em figura nacional e o colocou no poder (…) Passado algum tempo, como Collor não se mostrou tão alinhado aos interesses da Globo, ela apoiou a famosa campanha dos 'caras pintadas', e conseguiu seu impeachment", recorda o professor Lalo Leal Filho sobre um episódio recente da história.
Para Breno Altman, há três hipóteses dos próximos passos. A primeira divide os meios de comunicação para uma certa recomposição para manter Temer:
"O principal veículo a sustentar isso é o Estadão, ainda que aceite a gravidade das denúncias. Mas há setores empresariais, dos meios de comunicação, das forças armadas, que acham melhor preservar Temer mesmo que ele seja investigado pelo STF. Seria melhor carregar o mandato dele até o final do que reabrir a disputa pelo comando do Estado".
A segunda hipótese é um outro setor, que envolve a  Globo, querer se livrar do presidente golpista rapidamente. "Eles vão forçar sua denúncia e, imediatamente, encontrar uma saída por via indireta, pelo Congresso Nacional, para que essas reformas possam ter continuidade e para que o projeto político do golpe tenha seguimento".
A terceira é que a campanha de "Diretas Já" ganhe força, e a saída para restabelecer a democracia seja pelo campo popular. "É uma divisão, portanto, das classes dominantes e dos meios de comunicação e uma tentativa do meio popular de criar um clima de mobilização", conclui Altman.
Para o membro da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) Gilmar Mauro, a melhor saída também são as Diretas Já:
"A Globo está numa crise econômica há bastante tempo e perdendo audiência. Além de tudo, também está perdendo o debate político na sociedade. Por isso, eles estão desembarcando, mas querendo construir uma alternativa por via indireta – e nós não podemos admitir. Vamos conseguir superar o golpismo não só com a saída do Temer, mas com a derrota política da Globo e a convocação de eleições diretas".
Edição: Camila Rodrigues da Silva

domingo, 21 de maio de 2017

Pensatas de Domingo. Uma tragicomédia em três atos



1º Ato
O primeiro ato abre-se com a notícia a estourar por todos os lados, todos os canais... uma verdadeira bomba, uma mudança radical quanto ao foco inicial da operação. Uma virada em que os tão decantados “salvadores da pátria”revelam sua face de vilões; uma verdadeira e perplexa surpresa para aqueles que não os enxergavam assim.
Na realidade aquele início da noite daquela quarta-feira, dia 17 de maio de 2017 desmascarou Aécio Neves, Michel Temer, e por trás desses a corrupção inerente ao poder. E aonde foram parar aqueles batedores de panelas, aonde foram parar os pequenos burgueses que se opuseram ao governo de Dilma Roussef e do PT; para quem a Lava Jato foi instalada? O silêncio e a decepção instalaram-se naqueles núcleos e naqueles candidatos que apoiaram aquele movimento explicitamente de direita.

2º Ato
Obviamente quem se opôs a tudo aquilo foi reforçado em suas teses de um golpe de estado das classes dominantes contra as conquistas populares que se implantaram neste país a partir do impeachment em 2016. Outra prova foram as reformas da previdência e trabalhista que foram articuladas por um dos principais representantes, claro, da burguesia, que iniciaram um retrocesso àquelas conquistas anteriormente alcançadas.
Os governos do PT não foram revolucionários, mas o fato é que nem o reformismo que os caracterizou foi aceito pelo fato de proporcionarem uma melhor distribuição de renda.
O fato é que, apesar de Temer haver negado a sua renúncia, estamos a presenciar uma debandada do governo por parte dos partidos que o apoiavam. E esta semana que se inicia vai, sem dúvida presenciar muitos fatos novos. Ah, ainda falta saber o porquê do apoio ostensivo das organizações Globo. É de se suspeitar algo a mais do que o visível.

3º Ato
Cai o pano. Ou melhor, caem as máscaras dos golpistas no poder. Até quando no poder?

domingo, 14 de maio de 2017

Pensatas de Domingo. Novidade Editorial: Sete histórias Lógicas e um conto breve




O livro de Salvador López Arnal (1), “Sete histórias lógicas e um conto breve. Sobre a obra lógica (e epistemológica) de Manuel Sacristán Luzon”, foi publicado em 2017 pela Editora Bellaterra com um prefácio de Luis Vega Reñon. Com o propósito de divulgar este importante trabalho sobre a obra lógica e epistemológica do notável filósofo-professor marxista espanhol Manuel Sacristán Luzón para os leitores brasileiros, o critico cultural Jorge Vital de Brito Moreira fez a tradução para o português de grande parte do prefácio do novo livro do professor Salvador Lopez Arnal.

 Prefácio a Sete histórias Lógicas e um conto breve

Autoria de Luis Vega Reñon. Tradução de Jorge Vital de Brito Moreira.

      Como bem sabem todos aqueles interessados na obra de Manuel Sacristán, Salvador López Arnal é por dedicação (diríamos quase por destino) um dos seus executores mais sólidos e credenciados. Salvador tem a seu crédito numerosas edições -mais de uma dezena- de textos de Sacristán de vários tipos (notas manuscritas, anotações de aula, palestras, entrevistas, correspondências, etc.), todas elas repletas de materiais inéditos. Um dos seus trabalhos editoriais que pode ser considerado um precedente deste presente livro se intitula "Amables cartas lógicas", que foi incluído no livro, “Donde no habita el olvido” (Barcelona: Montesinos, 2005), pp. 161-191: um livro concebido em memória e celebração do 40º aniversário da publicação do manual Introdução à Lógica e análise formal de Sacristán (1964). O texto "Amables carta lógicas" reunia a correspondência mantida por Sacristán, a respeito do lançamento deste seu conhecido e reconhecido manual, com José Ferrater Mora, Miguel Sánchez Mazas e Víctor Sánchez de Zavala. Desde então, Salvador Lopez Arnal expandiu este tipo de interrelação de Sacristán (para além de suas origens epistolares) a personalidades tão diversas e importantes da nossa cultura filosófica como Lukács (Sacristán e o trabalho político-filosófico de György Lukàcs, Madrid: La Oveja Roja/FIM, 2012) e Quine (Manuel Sacristán e obra do filósofo americano e lógico Willard van Orman Quine, edições Málaga Geral, 2015). Este novo livro de Salvador é a consequência natural desta linha de pesquisa e recuperação de Sacristán através do seu emparelhamento e comunicação com seus contemporâneos. Assim, as histórias lógicas Salvador podiam lembrar de alguma forma as vidas paralelas de Plutarco, mas esta referência conduziria ao erro: as histórias de Salvador não são histórias paralelas, mas vividas e entrecruzadas. O próprio autor dialoga por sua própria conta com outros próximos, como Francisco Fernández Buey, às vezes de forma explícita, às vezes tacitamente. Em qualquer caso, há uma impressão saudável que ninguém que lê este livro pode escapar: a lógica não é um vício solitário.
Esta compilação de histórias por correspondência adiciona às cartas dos autores antes convocados as amáveis cartas também do filósofo e historiador da ciência italiana, Ludovico Geymonat. Porém não deixam de existir novos aparecimentos. Um deles é a de um convidado, o grande Salvador Espriu, que poderia ser considerado inesperado neste contexto, na ausência de qualquer experiência dolorosa da vida de Sacristán sentida por seus amigos, como a sua expulsão da universidade pelo expediente de não renovação de contrato ou o falecimento de Giulia Adinolfi para não trazer o evento mais notório nos meios  acadêmicos, sua falida oposição à cadeira da lógica da Universidade de Valência. Outra é a figura multifacetada de mestre, o que já permitia a Sacristán contrapor o mestre escritor ao mestre universitário do puro Pensar, e agora dá as bases a Salvador para evocar a qualidade do Sacristán como mestre "socrático" e sugerir um novo emparelhamento com o Juan Mairena machadiano. Um terceiro comparecimento é o de Heidegger relacionado a tese de doutoramento de Sacristán sobre as ideias gnosiológicas de Heidegger e sua atitude cada vez mais crítica a esta dimensão do pensamento de Heidegger, desde sua primeira abordagem em 1953 até as suas reflexões posteriores de 1981 em Guanajuato, passando pela tese de 1959. Desde o ponto de vista da consistência intelectual de Sacristán em seus anos de intensa dedicação à lógica, é importante reconstruir o sentido deste tipo de "digressão" acadêmica heideggeriana, representada pelo seu doutorado. Este livro tem, finalmente, o culminar de um conto onde aparece um novo convidado,  talvez mais pressentido que presente nas relações de Sacristán: Juan David García Bacca. Embora, permanecendo fiel às suas inclinações editoriais, Salvador ainda nos reserva o presente adicional de um comentário detalhado de um novo texto Sacristaniano inédito.
As sete histórias, mais o adicionado conto, se desenvolvem em capítulos independentes. A escritura de Salvador é vívida e direta, e gosta de se debruçar sobre os detalhes contextuais para situar o momento vital e intelectual do próprio Sacristán e mostrar o sentido da sua relação com seus correspondentes. Não se deve estranhar que, por vezes, se reiterem algumas referências de especial significado ou repercussão. A repetição nem sempre é ruim; e não em absoluto quando se trata de circunstâncias e opressões que deveriam ser lembradas, para não voltar a vivê-las. Este é um legado de Sacristán que nos vem lembrar o final (entre desiderativa e imperativa) da nota necrológica, "Em memória de Manuel Sacristán", de V. Sanchez de Zavala (1985), nota que constitui o epílogo desta compilação: "impossibilitar permanentemente que discrepâncias de ideias, de avaliações, de perspectiva das coisas nos possam separar de uma pessoa de valor comprovado, qualquer que sejam, não nos conduzam jamais, se temos algum poder de decisão pública nas mãos, de obstruir-lhe o passo. Isto é o que foi feito com Sacristán repetidamente; que a todos nos seja já  invencível a repugnância se a ocasião fosse fazer algo assim parecido."
A compilação de Salvador não é um mero trabalho de erudição e salvamento editorial, convencionalmente acadêmico, ainda que não deixe de ser mais rigoroso e excelente neste sentido. Tem o valor do testemunho que declara o desagarro pessoal de Sacristán entre o "vício lógico" por um lado e, por outro, os esforços, as responsabilidades e práticas, como diria Pablo Ródenas, poli éticas. Como é sabido, a fixação de Sacristán à logica como uma disciplina formal é um caso um tanto curioso: segue, desde o seu nascimento na década de 50, uma espécie de curso Guadiana com reaparições cada vez mais esporádicas mas persistente até os anos 80. E o próprio Sacristán, ainda que não poupe observações e confissões sobre as vicissitudes da sua dedicação a lógica, tende a fazê-las de uma forma mais descritivas do que explicativas. O que Salvador oferece-nos a este respeito são muitas referências contextuais que, no conjunto, pintam um quadro impressionista da circunstância nacional-escolástica-católica em que se viu asfixiada a possibilidade de dedicação e pesquisa lógica de Sacristán, ainda que não pudesse com seus hábitos arraigados de precisão conceitual, rigor metodológico e sentido lógico fino. Salvador não reconstrói um quadro sistemático, nem realiza uma história linear: como eu disse antes, o seu trabalho não é um exercício meramente acadêmico, erudito. Tem interesses e compromissos mais diretos e vivos, e a eles respondem a composição do livro. Trata-se de um florescimento por rizomas: sete histórias centrais que, em seguida, cada uma delas por conta própria, crescem germinando em outras histórias, às vezes acidentais, mas não menos determinantes  e instrutivas.
Assim, esta composição rizomática dá à compilação de Salvador o valor inestimável de um documentário histórico sobre as atividades intelectuais e os males culturais e intelectuais da era de Francisco Franco, o valor de um No Do (2) - subversivo em que umas poucas palavras valem milhares de imagens de frustrações e misérias. Desta maneira, o testemunho de uma vida de aventuras torna-se testemunha de uma época. São óbvias as dificuldades de aculturação e modernização do país nos estudos da Lógica formal, a impossibilidade de formar um "colégio invisível" neste campo, apesar dos contatos epistolares entre os pioneiros interessados e, em última análise, as limitações do conhecimento público nesta área...
...Este precioso móvel, esta secretária de historias, cartas e pedaços de relações pessoais que esculpiu Salvador, com rigor e sabedoria de mestre artesão, pode ajudar à leitora e leitor do livro não só a entender, mas a sentir e compartilhar a força, a frustração e o desgarro da adição à Lógica de um Manuel Sacristán ao qual foi imposto, como dizia Jorge Luís Borges, "tempos ruins para viver".

Nota do tradutor:

1) Salvador López Arnal é Professor-tutor de Matemáticas na UNED e instrutor de informática dos ciclos formativos no IES Puig Castellar de Santa Coloma de Gramenet (Barcelona). Colabora normalmente na revista "El Viejo Topo", Rebelion.org e é co-roteirista e co-editor, junto con Joan Benach y Xavier Juncosa, do filme documentário "Integral Sacristán" (El Viejo Topo, Barcelona). Salvador tem sido um dos mais destacados discípulos do filósofo, lógico, tradutor, professor e escritor Manuel Sacristán Luzón e é, atualmente, um dos mais proeminentes e constantes divulgadores da sua obra: sua produção de diversos livros e de mais de três dezenas de artigos sobre Sacristán dão testemunho veemente da importância dos seus textos para o conhecimento da obra do brilhante filósofo marxista espanhol.

2) NO-DO (acrônimo para Noticiários e Documentais) era um noticiário que se projetava obrigatoriamente nos cinemas espanhóis antes do filme principal.
O regime franquista (do ditador Francisco Franco) usava o NO-DO para apresentar uma visão peculiar da Espanha e do resto do mundo, com pouca chance de contraste pelos telespectadores pois a imprensa, e o rádio estavam censurados e controlados pela ditadura.

domingo, 7 de maio de 2017

Pensatas de Domingo. O golpe dentro do golpe, ou o golpe 2.0



O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), mandou instalar, na tarde desta quinta-feira, uma comissão especial para analisar uma proposta de emenda constitucional, apresentada pelo deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), que estabelece a simultaneidade nas eleições para todos os cargos majoritários.
Com isso, abre-se o caminho para a anulação das eleições presidenciais de 2018 e a disputa poderia ocorrer apenas em 2020, quando haverá eleição para as prefeituras. "Pode ser o golpe dentro do golpe", diz o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), que vê risco de cancelamento da disputa presidencial. Seu colega Vicente Cândido (PT-SP) discorda e afirma que não há esse risco. "Apresentaremos um substitutivo que institui, entre outras medidas, a descoincidência das eleições a partir de 2022 (em anos separados para executivo e legislativo), fim dos cargos de vice, mandato de dez anos para representantes das Côrtes e adoção do sistema distrital misto nas eleições a partir de 2026", diz ele.
No último domingo, o Datafolha revelou que o ex-presidente Lula lidera em todos os cenários, com 29% a 31% das intenções de voto, e que 85% dos brasileiros exigem a saída imediata de Michel Temer e a convocação de diretas já.
No entanto, o eventual adiamento das eleições ajudaria a direita, que já derrubou a presidente Dilma Rousseff por meio de um golpe parlamentar, a tentar inabilitar Lula no tapetão.
Esta proposta de emenda constitucional estava parada desde 2003, mas acaba de ganhar tramitação urgente na Câmara, segundo aponta o deputado Pimenta. Em suas falas posteriores ao golpe, a presidente deposta Dilma Rousseff sempre alertou para o risco de anulação das eleições de 2018.