terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Internet. A livre manifestação ameaçada


Polônia, 27/01/2012: o protesto de milhares de pessoas, contra a ratificação
do ACTA pelo Parlamento
O ACTA (Anti-Counterfeiting Trade Agreement, ou “Acordo Comercial Anti-falsificação”) é uma ameaça ao futuro de uma internet livre e aberta. Alertou-se recentemente para a proliferação de textos imprecisos e alarmistas sobre o acordo. Muitos destes textos parecem estar baseados em dispositivos antigos, que foram diluídos ou removidos na versão final. Por exemplo, houve inicialmente tendência em favor de uma política de “três faltas e fora” (three strikes and you're out), que excluiria da internet pessoas que praticassem três infrações à propriedade intelectual.
Os outros temores imediatos podem estar relacionados a “piores interpretações possíveis” de cláusulas vagas no texto do acordo. Por exemplo, ele obriga as nações que o assinarem a “promover cooperação entre a comunidade empresarial, para punir efetivamente a infração do copyright ou de direitos relacionados”. Segundo algumas leituras, o trecho pode ter sido escrito para exigir que os provedores de acesso e hospedagem na internet desempenhem um papel ativo no policiamento de conteúdos – ao invés de apenas reagir a queixas dos detentores de propriedade intelectual. Uma interpretação neste sentido seria de fato muito grave, mas o tratado parece abrir espaço para que os países adotam práticas distintas – inclusive os sistemas de “notificação, retirada e contra notificação” já existente.
Porém, os alarmismos têm fundamento. O ACTA exige dos países signatários um sistema de apuração dos danos provocados por infrações à propriedade intelectual que é ridículo. O acordo inclui, entre os critérios usados para calcular supostos danos aos proprietários, uma fórmula que multiplica a “quantidade de bens produzidos em infração” pelo “lucro por unidade, (que teria sido obtido se estes tivessem sido) vendidos com respeito ao copyright”. Como qualquer aluno iniciante de Economia perceberia, o consumo de um bem gratuito será sempre imensamente maior que o consumo do mesmo bem, a qualquer outro preço. Assumir que cada download é uma venda perdida pela indústria de conteúdo é completamente absurdo. Definir os critérios de indenização por meio de tais cálculos pode levar a julgamentos bizarros...
Estes riscos são agravados porque o acordo TRIPS (sigla em inglês para “Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados a Comério” - Agreement on Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights) já autoriza as autoridades judiciárias a agir inaudita altera parte – ou seja, sem ouvir a defesa do acusado – para adotar medidas provisórias, a fim de interromper atividades, “quando eventual demora resulte em provável dano irreparável ao titular de direito, ou quando haja risco comprovável de que as evidências estejam sendo destruídas”.
O texto do ACTA relativo a medidas provisórias é baseado no TRIPS, com uma notável exceção. Ele fortalece a posição dos detentores de propriedade intelectual e pode ameaçar os direitos dos acusados. Ambos acordos dão às autoridades judiciárias o poder de adotar medidas provisórias. No ACTA, estas medidas incluem, mas não estão limitadas, à possibilidade de “determinar a apreensão de bens suspeitos, ou de materiais e implementos relevantes ao ato da infração”. Ou seja, o ACTA parece legitimar – ainda que não requeira – uma modalidade de apreensão dos domínios da internet tão sumária quanto as apreensões de mercadorias executadas pelas alfândegas, no caso de bens contrabandeados.
No entanto, o ACTA omite a garantia (presente no TRIPS) de que as partes afetadas por estas medidas provisórias serão notificadas imediatamente; e de que o acusado terá assegurada a revisão do ato judicial, e o direito de ser ouvido e contestar a decisão inicial. Neste aspecto, o ACTA parece ser um retrocesso, inclusive em relação aos procedimentos costumeiros nas leis de propriedade intelectual.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Pensatas de domingo... Muito alem das areias


A questão Síria e suas sutilezas... Como já referi anteriomente, o fator Israel pesa transformando toda e qualquer “oposição” em mera retórica. A lúcida análise de Immanuel Wallesrstein mostra isto claramente. Leiam!

O presidente sírio, Bachar al-Assad suporta o peso de ser um dos homens menos populares no mundo. É apontado como tirano – um tirano muito sangrento – por quase todos. Mesmo os governos que se recusam a denunciá-lo parecem aconselhá-lo a conter a repressão e fazer algum tipo de concessão política a seus oponentes internos.
Mas como ele pode ignorar todos estes conselhos e continuar a aplicar força máxima para manter o controle político de seu país? Por que não há nenhuma intervenção externa, para provocar sua derrubada? Para responder a estas questões, vamos começar reconhecendo suas forças. Primeiro, ele tem um exército razoavelmente poderoso; e até agora, com poucas exceções, o exército e outras estruturas de força na Síria permanecem leais ao regime. Além disso, ele ainda parece ter o apoio de ao menos metade da população, naquilo que está sendo descrito, cada vez mais, como uma guerra civil.
Os postos-chaves do governo e nos quadros do exército estão em mãos dos alawitas, uma ala do Islã xiita. São uma minoria entre a população e certamente temem o que pode lhes suceder se as forças de oposição, largamente sunitas, tomarem o poder. Além disso, as outras forças de minoria significativas – cristãos, drusos e curdos – também parecem temer um governo sunita. Por fim, a ampla burguesia mercantil ainda não se voltou contra o regime do Partido Baath.
Mas isso é suficiente? Se fosse tudo, duvido que Assad pudesse manter-se por muito tempo. O regime está sendo pressionado economicamente. O Exército Sírio Livre, na oposição, está sendo abastecido de armamentos pelos sunitas iraquianos e provavelmente pelo Qatar. O coro de denúncias na imprensa mundial, e em grupos políticos de múltiplas tendências, cresce a cada dia.
Ainda assim, não creio que encontremos, em um ano ou dois, Assad fora do poder, ou o regime substancialmente mudado. A razão é que aqueles que mais o denunciam não desejam de fato que ele vá. Vamos analisá-los um por um.
Arábia Saudita: o ministro do Exterior disse ao New York Times que “a violência tem de ser interrompida e o governo sírio não merece mais nenhuma chance”. Parece de fato duro, até que se leia o adendo: “a intervenção internacional deve ser descartada”. O fato é que a Arábia Saudita quer o crédito por se opor a Assad mas teme muito o que poderá sucedê-lo. Sabe que numa Síria pós-Assad (provavelmente, muito caótica), a Al Qaeda encontraria uma base; e que o objetivo número um da Al Qaeda é derrubar o regime saudita. Logo, “sem intervenção internacional”.
Israel: sim, os israelenses continuam obcecados com o Irã. E sim, a Síria baathista continua sendo um poder favorável ao Irã. Mas no frigir dos ovos, a Síria tem sido um vizinho árabe relativamente tranquilo, uma ilha de estabilidade para os israelenses. Sim, os sírios ajudam o Hezbollah, mas o Hezbollah também tem se mantido quieto. Por que os israelenses desejariam correr o risco de uma Síria pós-baathista turbulenta? Quem assumiria o poder? Seja quem for, não teria que reforçar suas credenciais ampliando a jihad contra Israel? E a queda de Assad não abalaria a estabilidade relativa que o Líbano parece agora desfrutar? Isso não terminaria reforçando e renovando o radicalismo do Hezbollah? Israel teria muito a perder, e não muito a ganhar, se Assad caísse.
Estados Unidos: a Casa Branca fala grosso. Mas você percebeu como ela é cautelosa, na prática? O Washington Post deu, a um artigo de 11/2, o título: “Massacre consuma-se, mas EUA não veem ‘nenhuma opção’ na Síria”. O texto frisa que Washington “não tem apetite para uma intervenção militar”. Nenhum apetite, apesar da pressão de intelectuais neocons como Charles Krauthammer – suficientemente honesto para admitir que “não se trata apenas de liberdade”. Trata-se, ele diz, de desconstruir o regime iraniano.
Mas não é exatamente por isso que Obama e seus conselheiros não veem alternativas? Eles foram pressionados para aderir à operação na Líbia. Os EUA não perderam muitas vidas, mas será que obtiveram alguma vantagem geopolítica? O novo regime líbio – se é que há um novo regime líbio – será melhor que o anterior? Ou é o começo de uma longa instabilidade interna, como a que abalou o Iraque?
Posso imaginar o suspiro de alívio em Washington, quando a Rússia vetou a resolução da ONU sobre a Síria. A pressão para iniciar uma intervenção de estilo líbio foi suspensa. Obama foi protegido, pelo veto russo, da pressão republicana em torno do tema. E Susan Rice, a embaixadora dos EUA junto à ONU, pôde jogar toda a culpa em Moscou. Eles foram “repugnantes”, disse ela, oh, tão diplomática.
França: Sempre nostálgico do papel outrora dominante de seu país na Síria, o ministro do Exterior, Alain Juppé, grita e denuncia. Mas tropas? Você só pode estar brincando. Há uma eleição à vista, e enviar soldados não renderia voto algum – especialmente porque, ao contrário da Líbia, não seria um passeio.
Turquia: o país ampliou de forma inacreditável suas relações com o mundo árabe, na última década. Ele está de fato descontente com uma guerra civil em suas fronteiras. Adoraria algum tipo de acordo político. Mas o ministro do Exterior, Ahmet Davutoglu teria garantido que “a Turquia não provê armas nem apoia desertores do exército”. Os turcos desejam, basicamente, ter boas relações com todas as partes. Além disso, a Turquia tem sua própria questão curda e a Síria poderia oferecer apoio ativo a esta minoria – o que, até agora, ela se absteve de fazer.
Portanto, quem quer intervir na Síria? Talvez, o Qatar. Mas o país, embora rico, está longe de ser uma potência militar. O ponto de partida é que, ainda que a retórica seja dura; e a guerra civil, feia, ninguém quer de fato que Assad vá. Por isso, tudo indica que ele ficará.

Por Immanuel Wallerstein
in http://www.outraspalavras.net/
 

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Pery Ribeiro. Uma homenagem

Acima, Pery Ribeiro no teatro Rival, Rio de Janeiro, no show Bossa Nova Legends

Pery Ribeiro, vocals
Leny Andrade, vocals
Kim Barth, saxes/flutes
Paulo Morello, guitar
João Carlos Coutinho, piano
Lucio Nascimento, bass
Adriano de Oliveira, drums

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Loucuras no oriente


Robert Fisk escreve: “um ataque a Teerã seria loucura. Por isso mesmo, não exclua a possibilidade”:

“Se Israel atacar o Irã esse ano, Israel – e os EUA – darão prova de serem ainda mais doidos do que seus inimigos acreditam que sejam. Sim, Mahmoud Ahmadinejad, o presidente iraniano, é doido, mas Avigdor Lieberman, que parece ser ministro dos Negócios Exteriores de Israel, também é. Talvez queiram fazer favores um ao outro.
Mas por que Israel bombardearia o Irã, e atrairia sobre a própria cabeça a fúria simultânea do Hezbollah libanês e do Hamás — sem falar na Síria? E, isso, também sem lembrar que Israel atrairia para o fundo do mesmo buraco e para o mesmo tiroteio o ocidente – a Europa e os EUA.
Talvez seja porque vivo no Oriente Médio há 36 anos, mas pressinto alguma tramóia no ar. Até Leon Panetta, nada menos que secretário de Defesa dos EUA, anda dizendo que Israel talvez ataque o Irã. E também a CNN – e seria difícil achar mais antiga criadora de tramóias –, e até o velho David Ignatius (1), que não está no Oriente Médio há uma ou duas décadas, repete que Israel talvez ataque o Irã, “informação” colhida, como sempre, de suas “fontes” israelenses.
Já esperava esse tipo de conversa, quando passava os olhos pelo The New York Times Magazine da semana passada – e não é propaganda, porque não quero que os leitores de The Independent percam tempo e energia lendo aquelas bobagens – e encontrei um alerta, escrito por um “analista” (nunca consegui entender o quê, exatamente, é um “analista”) israelense, Ronen Bergman, do jornal israelense Yedioth Ahronoth.
Eis aqui a isca de Bergman, bem no estilo da antiga toada da velha propaganda de guerra: ‘Depois de falar com muitos (sic) altos líderes israelenses e comandantes (outro sic) militares e da inteligência de Israel, estou convencido de que Israel realmente atacará o Irã em 2012. Talvez na pequena e cada vez menor janela de tempo que ainda resta, os EUA decidam, afinal, fazer alguma coisa, mas do ponto de vista de Israel, a esperança já é quase nenhuma. Em vez de esperança, o que se vê é a mesma combinação, tão típica dos israelenses, de medo e tenacidade, a feroz convicção, certa ou errada, de os israelenses sempre têm de se defender sozinhos.’
Ora essa! Primeiro, qualquer jornalista que preveja ataque de Israel contra o Irã põe o próprio pescoço na guilhotina. Segundo, jornalista que preste – e há muitos em Israel – perguntaria a si mesmo, antes de escrever: Para quem estou trabalhando? Para o meu jornal? Ou para o meu governo?
Panetta, que já mentiu aos soldados dos EUA no Iraque, quando lhes disse que estavam lá por causa do 11 de Setembro, deveria saber jogar o jogo com mais competência. A CNN também. E Ignatius é para ser esquecido. Mas… que conversa é essa, em geral? Nove anos depois de invadir o Iraque – aventura muitíssimo bem sucedida, como não se cansam de repetir até hoje –, porque Saddam Hussein tinha “armas de destruição em massa”, lá estamos nós, aplaudindo que Israel bombardeie o Irã, por causa de outras “armas de destruição em massa”, ainda mais improváveis.
Não duvido que, segundos depois de ouvir o noticiário, os redatores grotescos que redigem os discursos de Obama já estarão metendo mãos à obra para encontrar as palavras certas de apoio a um ataque israelense. Se Obama pode trocar a defesa da liberdade e dos direitos dos palestinos ao próprio Estado pela própria reeleição, não há dúvidas de que poderá apoiar a agressão israelense, na esperança de que o mantenha na Casa Branca.
Mas, se os mísseis iranianos começarem a chover sobre os navios de guerra dos EUA no Golfo – para não falar das bases norteamericanas no Afeganistão –, os redatores de discursos de Obama terão, aí sim, muito mais trabalho. Que, pelo menos, não deixemos que britânicos e franceses entrem nessa.”
  
1. David Ignatius é colunista estadunidense, muito conhecido por suas ligações com a inteligência israelense; aparece lembrado aí, por causa de matéria intitulada “Is Israel preparing to attack Iran?”, 2/2/2012, publicada no Washington Post, que foi comentada ontem em vários jornais do mundo, precisamente pelo tom de desabrida propaganda de guerra.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Professor Setaro, a entrevista

“Uma entrevista feita comigo pela bela entrevistadora Sophia Mídian Bagues para a TV Ufba há dois anos atrás. Bato sempre na mesma tecla, embora digite em teclas variadas. De qualquer forma e de qualquer maneira, o Carnaval acabou e, como sou ateu, gostaria de dizer: Graças a Deus! O Carnaval baiano não existe mais como era no passado. Quem tiver paciência, ouça-me no vídeo.”


Assim, André Setaro faz uma introdução à sua entrevista que reproduzo abaixo. É interessante conhecer o pensamento de um dos maiores conhecedores do assunto cinema neste país.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Trotsky, Breton e a Arte

André Breton, Diego Rivera e Leon Trotsky no histórico encontro
“Em matéria de criação artística, importa essencialmente que a imaginação escape a toda sujeição, não se deixe impor filiação sob nenhum pretexto. Àqueles que nos pressionam, hoje ou amanhã, para que consintamos que a arte seja submetida a uma disciplina que sustentamos radicalmente incompatível com seus meios, pomos uma recusa inapelável, e nossa deliberada vontade de nos manter no lema: todas as licenças em arte.”

André Breton e Leon Trotsky

Trotsky e Breton escreveram, no ano de 1938, o manifesto “Por uma arte revolucionária independente”, quando o mundo encontrava-se às portas de mais uma guerra entre potências imperialistas, que nas armas queriam conquistar a hegemonia do mundo.
Para a arte, o Stalinismo elaborou o realismo socialista, fazendo da arte um mero objeto nas mãos dos burocratas que dirigiam o partido e a nação, transformando os artistas em meros paisagistas da construção de uma sociedade que era caricatura daquela que os Bolcheviques se propuseram a construir quando dirigiram os processos revolucionários de 1917.
Este é o momento em que Trotsky volta a se dedicar ao debate sobre os rumos da arte e sua relação com a revolução socialista. As idéias outrora defendidas em “Literatura e Revolução”  (1), 1924, eram não apenas resgatadas como eram reformuladas, seja pelo amadurecimento teórico e político do revolucionário russo ou pelas discussões com o poeta surrealista francês André Breton, que muito o admirava. Fruto dos encontros entre Trotsky e Breton é o manifesto de fundação da Federação Internacional da Arte Revolucionária Independente chamado “Por uma arte revolucionária independente”.
Nele, Trotsky e Breton denunciavam o movimento que faziam as potências imperialistas rumo à guerra mundial, ressaltando que o capitalismo seja em sua face “democrática”, seja em sua face totalitária, são lados diferentes da mesma moeda. Além disso, mostravam o que o capital fazia em relação à arte e comparavam às atrocidades que também fez o Stalinismo na URSS. Avançaram mais, defendendo como revolucionária toda a arte que seja independente.
O texto final foi assinado por Leon Trotski e André Breton na cidade do México no dia 25 de julho de 1938, e, em resumo suas principais propostas eram:
• Uma aliança em prol da civilização, da vida e do ser humano em sua plenitude de manifestações.
• Nenhuma barreira, nenhum tipo de controle, nenhum limite aos sonhos, à cultura ou à arte, que todos nascem no mesmo lugar.
• Um libelo pela mais plena e absoluta liberdade de expressão, sem qualquer tipo de amarras.
• O mais vigoroso repúdio a toda e qualquer forma de autoritarismo ou dirigismo.
• Os meios materiais devem ser postos sem limite ou controle de qualquer espécie a serviço do ser humano e da arte.
• Se destruir uma obra de arte é considerado por todas as pessoas sensíveis um gesto hediondo, como classificar o gesto de impedi-la de sequer existir...
• Repúdio à barbárie das guerras e do autoritarismo.

Mas, se, por um lado, o proletariado, até 1945, não conseguiu nenhuma vitória de fato (conforme Lênin e Trotsky esperavam), não pôde, por outro, criar, dentro da União Soviética, uma literatura e uma arte próprias. As obras do realismo socialista refletiram, pela sua mediocridade, não o desenvolvimento de uma cultura proletária, mas a degenerescência burocrática, que se cristalizou no Stalinismo, exatamente por causa do atraso da revolução mundial, a literatura e arte daquele período se formaram à imagem e semelhança da burocracia.

1. Leon Trotsky escreveu “Literatura e revolução” nos verões de 1922 e 1923, depois de um período de guerra civil intensa na Rússia para sedimentar o poder do socialismo. Nessa obra, embora concentrado na produção literária de seu país, Trotsky estende seu olhar crítico sobre as manifestações artísticas dominantes na Europa de seu tempo.
O partido revolucionário, no seu entender, não deveria interferir nas controvérsias e nas disputas entre as diversas escolas, assumir a posição de um circulo literário, concorrendo com outros, mas salvaguardar os interesses históricos do proletariado, no seu conjunto. Como que prevendo a degenerescência do Stalinismo, que, posteriormente, criou uma arte oficial, na verdade acadêmica e burocrática, sob o epíteto de realismo socialista, Trotsky proclamaria: “a arte não constitui um terreno onde o Partido possa mandar. O Partido pode e deve conceder um crédito de confiança aos diversos grupos que procurem, sinceramente, aproximar-se da revolução, afim de ajudá-los na sua realização artística”.
O livro, publicado pela primeira vez no Brasil em 1968, pela Zahar Editores, inclui os três ensaios de Trotsky sobre os poetas Maiakóvski e Iessênin, e um sobre Lunatchárski. A tradução foi assinada Luiz Alberto Moniz Bandeira, doutor em ciência política pela USP.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Pensatas de domingo. 2012: O ano da grande perturbação geopolítica mundial

Com este GEAB (1) Nº 61 completar-se-ão seis anos que a cada mês a equipe do LEAP/E2020 (2) compartilha com os seus assinantes e os leitores do seu comunicado público mensal suas antecipações sobre a evolução da crise sistêmica global. E pela primeira vez, por ocasião do número de janeiro que apresenta uma síntese das nossas antecipações para o ano que decorrerá, nossa equipe antecipa um ano que não se traduzirá unicamente por um agravamento da crise mundial mas que será também caracterizado pela emergência dos primeiros elementos construtivos do "mundo após a crise", para retomar a expressão de Franck Biancheri no seu livro "Crise mundial: A caminho do mundo de amanhã".

Segundo o LEAP/E2020, 2012 será com efeito o ano da grande perturbação geopolítica mundial: um fenômeno que será sem qualquer dúvida portador de graves dificuldades para grande parte do planeta mas que permitirá igualmente a emergência das condições geopolíticas propícias a uma melhoria da situação nos próximos anos. Ao contrário dos anos anteriores, 2012 não será um ano "perdido", preso ao "mundo de antes da crise", por falta de audácia, de iniciativa e de imaginação por parte dos dirigentes mundiais e pela grande passividade dos povos desde o princípio da crise.
Havíamos qualificado 2011 como o ano implacável pois fez explodir em estilhaços as ilusões de todos aqueles que pensavam que a crise estava sob controle e iam poder retomar seus "pequenos negócios quotidianos" como no passado. E 2011 foi implacável para numerosos dirigentes políticos, para o setor financeiro, para os investidores, para as dívidas ocidentais, para o crescimento mundial, para a economia dos EUA e para a ausência de governança da Eurolândia. Aqueles que se acreditavam intocáveis ou inamovíveis descobriram brutalmente que a crise não poupava nada nem ninguém. Esta tendência vai certamente prosseguir em 2012 pois a crise não respeita tão pouco o corte do calendário gregoriano. Os últimos "intocáveis" vão experimentar: Estados Unidos, Reino Unido, dólar, títulos do tesouro, dirigentes russos e chineses, etc... Mas 2012 verá igualmente afirmarem-se, sobretudo no seu segundo semestre, as forças e os atores que permitirão em 2013 e nos anos seguintes começar a reconstruir um novo sistema internacional, refletindo expectativas e relações de força do século XXI e não mais as dos meados do século XX. Quanto a isto, 2012 vai ser o ano da grande perturbação com a transição entre o mundo de ontem e o de amanhã. Como ano de transição, será uma mescla entre o pior e o melhor. Mas, ainda assim, segundo a nossa equipe, será o primeiro ano construtivo desde 2006.
Neste GEAB Nº 61 apresentamos igualmente os 35 temas/acontecimentos, que são também recomendações, que antecipamos caracterizarem o ano de 2012: 20 temas em alta e 15 temas em baixa. Esta lista pode muito concretamente ajudar o leitor do GEAB a preparar-se para o decorrer. Reduzir o tempo perdido em ler artigos sobre assuntos que já são secundários em termos de impacto sobre o rumo dos acontecimentos, ou ao contrário aproveitar o tempo para aprofundar temas que amanhã estarão no cerne das próximas evoluções, não se deixar apanhar de surpresa pelas grandes evoluções do ano que vem, é para isso que serve esta lista dos 35 "Up and Down" de 2012. Com uma percentagem de êxito que varia entre 75% e 85% nos últimos seis anos, esta antecipação anual é, portanto, uma ferramenta de ajuda à decisão particularmente concreta para os próximos doze meses.
Por outro lado, neste GEAB Nº 61 a nossa equipe analisa em profundidade a natureza e as consequências de uma possível QE3 que a Reserva Federal dos EUA lançasse em 2012. Esperada por uns, temida por outros, a QE3 geralmente é apresentada como a arma final para salvar a economia e o sistema financeiro dos EUA que, ao contrário do discurso dominante nestas últimas semanas, continuam a degradar-se. Que o Fed se lance ou não no QE3, isto será sem qualquer dúvida o grande acontecimento financeiro de 2012 cujas consequências marcarão definitivamente o sistema financeiro e monetário mundial. Este GEAB Nº 61 vos permitirá fazer uma ideia precisa acerca da questão.
O QE3 desempenhará um papel determinante na grande perturbação geopolítica mundial de 2012 pois este ano verá nomeadamente as últimas tentativas das potências dominante do “mundo anterior à crise” de manter o seu poder global, quer em matéria estratégica, econômica ou financeira. Quando utilizamos o termo "últimas" estamos a querer sublinhar que após 2012 a sua potência estará demasiado enfraquecida para ainda poderem pretender manter esta situação privilegiada. A recente degradação da maior parte dos países da Eurolândia pelo S&P é um exemplo típico destas tentativas de última instância: pressionados pela Wall Street e pela City, e devido às suas necessidades insaciáveis de financiamento, os Estados Unidos e o Reino Unido chegaram ao ponto de empreenderem uma guerra financeira aberta contra os seus últimos aliados, os europeus. Trata-se de suicídio político pois esta atitude obriga a Eurolândia a reforçar-se integrando-se cada vez mais e dissociando-se dos Estados Unidos e do Reino Unido; enquanto a imensa maioria dos dirigentes e das populações da zona euro compreenderam finalmente que havia uma transatlântica e trans Canal da Mancha contra si. A este respeito, o LEAP/E2020 apresentará suas antecipações "Europa 2012-2016" no GEAB Nº 62 que aparecerá em 15 de Fevereiro de 2012.
Num outro registro, as tentativas de criar uma "pequena guerra fria" com a China ou de estender uma armadilha ao Irã sobre a questão da livre circulação no Estreito de Ormuz decorrem do mesmo reflexo. Voltaremos ao assunto com mais pormenores neste GEAB Nº 61.
A grande perturbação de 2012 é também a dos povos. Pois 2012 também será o ano da cólera dos povos. É o ano em que eles vão entrar maciçamente na cena da crise sistêmica global. O ano de 2011 terá sido um "préaquecimento" em que pioneiros terão testado métodos e estratégias. Em 2012 os povos irão afirmar-se como as forças motivadoras das grandes perturbações que vão marcar este ano charneira. Eles o farão de maneira próativa porque criarão as condições para mudanças políticas decisivas via eleições (como será o caso em França com a expulsão de Nicolas Sarkozy) ou via manifestações maciças (Estados Unidos, Mundo Árabe, Reino Unido, Rússia). E também o farão de maneira mais passiva gerando o temor junto aos seus dirigentes, obrigando-os a uma atitude "preventiva" para evitar um grande choque político (como será o caso na China ou em vários países europeus). Em ambos os casos, seja o que for que pensem as elites dos países afetados, é um fenômeno construtivo pois nada de importante nem de duradouro pode emergir desta crise se os povos nela não se envolverem.
A grande perturbação de 2012 será ainda o colapso acelerado do poder dos bancos e das instituições financeiras ocidentais, uma realidade que descrevemos neste GEAB contrariando o discurso populista atual, o qual esquece que o céu estrelado que contemplamos é uma imagem de uma realidade desaparecida desde há muito. A crise é uma aceleração tal da História que muitos ainda não compreenderam que o poder dos bancos com que se inquietam é aquele que eles tinham antes de 2008. É um assunto que pormenorizamos neste número do GEAB. Ao mesmo tempo, continua-se a ver os investidores fugirem das bolsas e dos ativos financeiros, nomeadamente nos EUA.
E a grande comoção será também a chegada do BRICs à maturidade. Após cinco anos de ensaios e experimentações, em 2012 eles vão começar a pesar fortemente e próativamente nas decisões internacionais. Eles constituem sem qualquer dúvida um dos atores essenciais para a emergência do mundo pós crise. E um ator que, ao contrário dos Estados Unidos e do Reino Unido, sabe que o seu interesse é ajudar a Eurolândia a atravessar esta crise.
Com uma Eurolândia estabilizada e dotada de uma governabilidade sólida, o fim de 2012 apresentar-se-á portanto como uma primeira oportunidade de fundar as bases de um mundo cujas raízes já não mergulharão mais no pós Segunda Guerra Mundial. Ironicamente, é provavelmente a reunião de cúpula do G20 de Moscou, em 2013, a primeira a efetuar-se fora do campo ocidental, que concretizará as promessas da segunda metade de 2012.

Reproduzido de Boletim 61 Controvérsia

1. GEAB – Globe Europe Antecipation Bulletin.

2. LEAP/Europe 2020 (Laboratório Europeu de Antecipação Política) foi criado para analisar e antecipar desenvolvimentos econômicos globais a partir de uma perspectiva européia e publicar um boletim com previsões mensais de economia . Foi fundado em 1997. O LEAP/E2020 afirma ser o primeiro site europeu de antecipação, independente de qualquer governo ou lobby. http://www.leap2020.eu/English_r25.html

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Estatísticas


Consegui alguns números de acessos e estatísticas no Blogger sobre os meus blogues. Abaixo algumas informações e números sobre acessos e países de origem em "Novas Pensatas":
1. Vizualizações:
Vizualizações de página de hoje: 27 (16/02/2012 às 10 AM)
Vizualizações de página de ontem: 105 (15/02/2012)
Vizualizações de página do mês passado: 3.141 ((janeiro/2012)
Histórico de todas as vizualizações de página: 32.811


2. Público por países:
Brasil 23.446
Estados Unidos 4.004
Portugal 1.539
Alemanha 600
Rússia 462

Espanha 280
Japão 241
França 176
Holanda 138
Angola 136
  

Midiotices

 
A crítica à manipulação da sociedade feita pelos grandes meios de comunicação e o papel democrático que cumpre o jornalismo alternativo. Com o debate sobre essa dupla face da mídia, o jornalista Leonardo Wexell Severo lançou seu novo livro Latifúndio midiota: crise$, crime$ e trapaça$, que traz artigos e matérias (nacionais e internacionais) sobre temas da luta dos trabalhadores e dos movimentos sociais.Com marcante trajetória no jornalismo de resistência, Leonardo é redator do jornal Hora do Povo, assessor na área de comunicação da CUT (Central Única dos Trabalhadores), e colaborador do jornal Brasil de Fato. O lançamento ocorreu em 27 de janeiro durante o Fórum Social Temático, em Porto Alegre. O livro pode ser adquirido nas livrarias ou pela internet. Como Leonardo salienta, seu livro é, acima de tudo, militante, comprometido com a defesa do Brasil e da classe trabalhadora.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Saudades do Carnaval

“Bate Bolas” e “Clóvis”... Tradições do Carnaval carioca...
Esta pensata foi postada neste blogue em carnavais de anos passados. Às vésperas da Festa Maior, achei por bem manter a tradição e a republico aqui...
  
Pode parecer papo de “velho saudosista”. Mas não apenas parece, como é saudosismo mesmo. O saudosismo de quem conheceu um carnaval que era verdadeiramente uma manifestação popular. Ou pelo menos, na sua simplicidade, mais autêntico. Por acaso testemunhei e vivi a festa, tanto aqui no Rio quanto na Bahia, dois pontos de referência do evento.
No Rio de Janeiro, escolas de samba desfilavam na avenida Rio Branco. As poucas arquibancadas ficavam na Cinelândia, e o povo assistia em pé ao longo da avenida. Avenida mesmo, como é chamado até hoje o “Sambódromo”. Anos depois o desfile passou para a Presidente Vargas. Já mais sofisticado, tinha várias arquibancadas, montadas e desmontadas todos os anos. O carnaval de rua existia mesmo. E também se concentrava em grande parte na mesma Cinelândia, estendendo-se pelas avenidas, ruas transversais, praças. Blocos invadiam esses logradouros contagiando e enchendo o povo de alegria. Os “Clóvis” (1) também se espalhavam pela cidade.
E na Bahia? O carnaval em Salvador era totalmente diferente daquele que assistimos hoje. Os trios elétricos, como diz o nome, eram trios de fato. Circulavam em pequenos caminhões e o povo – como diz a música de Caetano – corria atrás. Fiz muito isto nos carnavais que passei naquela cidade. Afinal, “...só não vai quem já morreu”. Além do mais saíamos de “careta” e mortalha, brincando com as pessoas conhecidas, falseando a voz para não sermos identificados. E havia também o curioso hábito das famílias levarem cadeiras para a Avenida Sete. Sim, cadeiras da própria casa que ali eram dispostas para que os privilegiados apreciassem o desfile dos foliões, numa antevisão do que viriam a ser os camarotes. Coisas de um Brasil provinciano? Talvez. Certamente de um país bem mais “feudal”... E ingênuo.
Falando assim, parece que o carnaval de então era pobre frente ao que vemos em nossos dias. Aquele carnaval que vivíamos realmente difere muito deste que aí está. O cerne da questão encontra-se no fato de que o evento tornou-se uma festa elitizada, principalmente ao perder algumas características de sua essência popular. Justiça seja feita, as escolas de samba tornaram-se um show grandioso, rico e majestoso, uma verdadeira atração internacional.
E o povo? Onde ficou o povo? Este foi marginalizado. Não totalmente, porque seria impossível uma festa popular sem a sua participação (2). No entanto, hoje, para se assistir a um desfile das “milionárias” escolas de samba, tem-se que pagar a peso de ouro por um lugarzinho qualquer. Isso ao lado da exuberância exclusivista dos camarotes e o exibicionismo dos “famosos”. O marketing dominou a linguagem do carnaval com pesadas verbas publicitárias (que o financiam), transformando os desfiles em um canal de divulgação e venda de suas marcas. Aquela de ir para a avenida e ver, participar, ficou no passado. O espetáculo até ganhou em luxo e glamour, mas, por outro lado pasterizou-se em escala industrial.
Em Salvador o carnaval virou “Axé”. As músicas são todas iguais e seus intérpretes têm, sem exceção as mesmas vozes, um gingado absolutamente igual. Da mesma maneira passou a ser uma festa estandartizada onde os foliões – embora aos milhares, numa das maiores concentrações de massa do mundo – são passivamente comandados por “trios”(?) elétricos gigantescos e barulhentos em sua forma monstruosa, amplificada, e também industrializada. Ali, grandes e luxuosos camarotes exibem o desfile esnobe e vazio de “celebridades” em busca de promoção na mídia.
Muitos dos que não presenciaram aqueles tempos, dificilmente vão entender um ponto de vista que defende o carnaval como uma festa feita pelo povo, para o povo. Irão até interpretá-lo como um posicionamento “reacionário” de quem não acompanhou as mudanças geradas com o passar de algumas décadas em que o país saiu da estrutura semi feudal dominada pela oligarquia do campo e ancorada pelas classes médias tradicionais (formadas basicamente por funcionários públicos) para uma sociedade urbana e capitalista, com estratos sociais muito diversificados, onde sofisticados mecanismos ocuparam um lugar de destaque nas transações comerciais e humanas. De qualquer maneira continuo defendendo a tese que do carnaval restaram apenas as cinzas. Saudosismo? Sim...
  
(1) Os “Clóvis” eram (e ainda são) mascarados originalmente da "gema" dos subúrbios cariocas que saiam pelas ruas a brincar com as pessoas. O nome vem do inglês clown (palhaço).

(2) A questão central é que hoje, a participação popular é menos espontânea. Por um lado existem muitas dificuldades de acesso, por outro a opinião é manipulada pela grande mídia e os interesses dos grupos econômicos. Abro uma exceção para algumas bandas e blocos, que, de certa forma, ainda representam um tipo de expressão popular. Bandas invadem hoje as ruas em diversos bairros do Rio. E fenômenos como os que aconteciam na Rua Miguel Lemos espalharam-se por toda a cidade. A famosa "Banda de Ipanema", "Suvaco de Cristo" ou a "Simpatia, quase amor" são exemplos disso. Os blocos, alguns antigos – como o "Bola Preta" – também exibem a força do carnaval de rua em manifestações de fato populares em que o povo manifesta-se de forma original.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

“A causa da crise financeira é a lógica do próprio capitalismo”

Para o professor François Houtart, somos confrontados com uma lógica que corre ao longo da história econômica do século passado. Leia abaixo esta sua excelente entrevista ao Brasil de Fato.
 
Brasil de Fato – O mundo vive hoje uma crise mundial, que tem afetado principalmente os Estados Unidos e a Europa. Como o senhor avalia esse cenário?
François Houtart – Eu penso que, primeiro, se trata de uma crise do sistema econômico capitalista, que é muito similar à crise dos anos de 1929/1930 e também a muitas outras crises cíclicas do sistema capitalista onde há sub produção, sub consumo e eventualmente crises financeiras.
A crise que vivemos hoje me parece mais profunda e bastante diferente da que conhecemos nos anos 1929 e 1930, porque, primeiro, sua dimensão evidentemente está vinculada ao fenômeno da globalização. Isso significa que hoje há um efeito muito mais global do que nos anos de 1929-1930 e que evidentemente afeta o conjunto da economia. Já está afetando os países emergentes e de uma maneira ou outra afetará outros países do mundo. Porém, o mais importante, e isso é diferente dos anos 1929 e 1930, é essa combinação com vários tipos de crises. Por exemplo, a crise alimentar, que foi conjuntural nos anos 2008-2009 e que correspondeu à crise do capital financeiro. Porque o capital financeiro tem buscado novos lugares de especulação e o lugar foi a alimentação, com conseqüências terríveis. E a crise alimentar é também estrutural e não somente conjuntural, porque precisamente afeta toda a maneira de fazer a agricultura. E a introdução cada vez mais forte do capital dentro da agricultura, com a concentração de terras, gera uma contrarreforma agrária mundial e o desenvolvimento de monocultivos, com todas as consequências ecológicas de destruição de ambiente e também de destruição humana; por exemplo, a exclusão dos camponeses de suas terras.
A combinação da crise econômica com a alimentar é algo novo. Porém, são vinculadas. Na verdade, a crise financeira é devida à lógica do capital, que tenta buscar mais lucros para acumular capital, que é, dentro dessa teoria, o motor da economia. Se o capital financeiro é mais proveitoso do que o produtivo, ele faz a lei da economia mundial como é hoje. Assim, essa é evidentemente a lógica do capitalismo que provoca a crise financeira, que tem efeitos econômicos, porque tem efeitos sobre emprego, crédito e toda a economia. Porém, é essa mesma lógica que está provocando a crise alimentar, porque, por uma parte, há uma especulação – o preço do trigo, por exemplo, tem dobrado 100% em um ano, menos de um ano, por razões puramente especulativas.
E quais são as conseqüências sociais dessa crise?
Na verdade, as consequências sociais da crise financeira são sentidas além das fronteiras da sua própria origem e afetam os fundamentos da economia. Desemprego, custo de vida crescente, a exclusão dos mais pobres, a vulnerabilidade das classes médias, expandindo a lista de vítimas no mundo. Não é apenas um acidente no percurso, ou apenas de abusos cometidos por alguns atores econômicos que precisam ser punidos. Somos confrontados com uma lógica que corre ao longo da história econômica do século passado. O desenrolar dos acontecimentos sempre responde à pressão das taxas de lucro. A crise que vivemos hoje não é nova. Não é a primeira crise do sistema financeiro e muitos dizem que não será a última.
A seu ver, qual é a principal causa dessa crise mundial?
A causa fundamental da crise financeira é a lógica do próprio capitalismo, que torna o capital motor da economia. E seu desenvolvimento – essencialmente, a acumulação – leva à maximização do lucro. Se a financeirização da economia favorece a taxa de lucro e se a especulação acelerou o fenômeno, a organização da economia como um todo continua dessa forma. Mas um mercado não regulamentado capitalista conduz inevitavelmente à crise. E, como indicado no relatório da Comissão das Nações Unidas, é uma crise macroeconômica.
Um dos graves problemas da humanidade hoje é a fome. Como fica essa questão frente a esse cenário de crise?
A crise alimentar tem dois aspectos, um cíclico e um estrutural. O primeiro manifestou-se com o aumento dos preços dos alimentos em 2007 e 2008. Sim, para explicar o fenômeno, houve alguma base eficiente, como alguma diminuição fraca em reservas de alimentos, mas a principal razão foi de natureza especulativa, em que a produção de agrocombustíveis não ficou imune (etanol de milho nos Estados Unidos). Assim, o preço do trigo na Chicago Board (Bolsa de Chicago) aumentou para 100%, do milho 98% e do etanol, 80%. Durante esses anos, uma parte do capital especulativo passou de outros setores para investir na produção de alimentos, na busca por lucros rápidos e significativos. Consequentemente, segundo o diretor da FAO, em geral, a cada ano, em 2008 e 2009, mais de 50 milhões de pessoas ficaram abaixo da linha da pobreza e o total de pessoas que viviam nessa situação em 2008 atingiu um valor nunca antes conhecido – de mais de um bilhão de pessoas. Essa situação foi claramente o resultado da lógica do lucro, a lei capitalista do valor.
O segundo aspecto é estrutural. É a expansão durante os últimos anos da monocultura, resultando na concentração da terra, ou seja, uma verdadeira contrarreforma. A agricultura familiar foi destruída em todo o mundo sob o pretexto de sua baixa produtividade. Na verdade, as monoculturas têm uma produção que às vezes pode ir até 500% ou mais de 1000%. No entanto, dois fatores devem ser levados em conta. A primeira é a destruição ecológica dessa forma de produzir. Florestas são removidas, solo e água contaminados pelo uso maciço de produtos químicos. Agricultores são forçados a deixar suas terras e há milhões que têm de migrar para as favelas das cidades, aumentando a crise urbana, e a pressão da migração interna, como no Brasil, ou externa, como em muitos outros países.
Então a fome no mundo não tem nada a ver com a produção de alimentos, com a capacidade de produzir?
Não. Não tem nada a ver com a produção. A questão é somente especulativa. É a Bolsa de Chicago que fixa os preços internacionais dos grãos.
E como o senhor vê as afirmações de alguns estudiosos de que o planeta, com uma população na casa dos 7 bilhões de pessoas, se torna incapaz de produzir alimentos para nutrir tanta gente?

Isso é totalmente falso. Segundo a FAO, teoricamente a Terra pode facilmente nutrir 10 ou 12 bilhões de habitantes.
E a questão energética, também faz parte desse cenário de crise?
A crise de energia vai além da explosão conjuntural dos preços do petróleo e faz parte do esgotamento dos recursos naturais explorados pelo modelo de desenvolvimento capitalista. Uma coisa é clara: a humanidade vai ter que mudar a fonte de sua energia nos próximos 50 anos. Os picos de petróleo, urânio e gás podem ser discutidos em termos de anos precisos, mas ainda assim sabemos que esses recursos não são inesgotáveis e que as datas não estão longe. Com o esgotamento, inevitavelmente vem o aumento dos preços das commodities, com todas as consequências sociais e políticas. Além disso, o controle internacional de fontes de energia fósseis e outros materiais estratégicos é cada vez mais importante para as potências industriais, que não hesitam em usar a força militar para se apropriar deles. É no contexto de escassez de energia no futuro que se insere parte do problema dos agrocombustíveis. Diante da expansão da demanda e da redução esperada em recursos energéticos fósseis, há uma certa urgência de se encontrar soluções. Como novas fontes de energia exigem o desenvolvimento de tecnologias ainda não muito avançadas (como a solar ou à base de hidrogênio) e outras soluções são interessantes, mas economicamente marginais ou não rentáveis (mais uma vez, a solar e a eólica), a dos agrocombustíveis pareceu interessante.
Mas a produção dos agrocombustíveis traz também graves consequências.
A produção de agrocombustível é feita na forma de monocultura. Em muitos casos, isso envolve a remoção de grandes florestas. Na Malásia e na Indonésia, em menos de 20 anos 80% da floresta original foi destruída pelas plantações da palma e eucalipto. A biodiversidade é removida, com todas as consequências sobre a reprodução da vida. Para produzir é usado não só muita água, mas um monte de produtos químicos, como fertilizantes ou pesticidas. O resultado é uma poluição intensiva de água subterrânea, dos rios que desembocam no mar, e um perigo real de falta de água potável para as populações. Além disso, os pequenos agricultores são expulsos e muitas comunidades indígenas perdem suas terras ancestrais, causando uma série de conflitos sociais, até mesmo violentos. O desenvolvimento de agrocombustíveis corresponde à negligência das externalidades ambientais e sociais, típicas da lógica do capitalismo.
E como o senhor vê a questão climática nesse cenário atual?
A crise climática é bem conhecida e as informações estão se tornando mais precisas, graças a várias conferências da ONU sobre clima, biodiversidade, geleiras etc. Enquanto o atual modelo de desenvolvimento continuar emitindo gases de efeito-estufa (especialmente CO2), destruindo os sumidouros de carbono, ou seja, sítios naturais de absorção desses gases, especialmente florestas e os oceanos, a crise continuará. A pegada ecológica é de tal ordem que, de acordo com estimativas, em 2010 (meados de agosto), o planeta tinha esgotado a sua reprodução natural. Além disso, de acordo com o relatório do Dr. Nicholas Stern para o governo britânico, em 2006, se as tendências atuais continuarem, na metade do século existirão entre 150 e 200 milhões de migrantes climáticos, e os mais recentes números são ainda mais elevados.
E como o senhor avalia as medidas adotadas pelas elites e governos para tentar superar essas crises? E quais são as soluções?
A primeira solução é a do sistema. Alguns, principalmente preocupados com a crise financeira, propuseram mudar e punir os responsáveis. Essa é a teoria do capitalismo (teoria neoclássica em economia), que vê elementos positivos na crise, porque eles permitem a liberação de elementos fracos ou corruptos para retomar o processo de acumulação em bases saudáveis. Atores são alterados, e não se muda o sistema. Evidentemente não é solução. A segunda visão é propor regulamentos. É reconhecido que o mercado regula a si mesmo e que os organismos nacionais e internacionais têm necessidade de executar essa tarefa. Os Estados e organizações internacionais devem ser envolvidos. O G8, por exemplo, propôs certos regulamentos do sistema econômico global, mas ligeiros e temporários. Em vez disso, a ONU apresentou uma série de regulamentações muito mais avançadas. Propôs a criação de um Conselho de Coordenação Econômica Global, em pé de igualdade com o Conselho de Segurança, e também um painel internacional de especialistas para acompanhar permanentemente a situação econômica global. Outras recomendações tratadas foram a abolição dos paraísos fiscais e do sigilo bancário e, também, maiores requisitos de reservas bancárias e um controle mais rígido das agências de notação de crédito. A profunda reforma das instituições de Bretton Woods foi incluída, bem como a possibilidade de se criar moedas regionais em vez de ter como referência única o dólar. Os regulamentos propostos pela Comissão Stiglitz para reconstruir o sistema financeiro e monetário, apesar de algumas referências a outros aspectos da crise, tais como clima, energia, alimentos – e apesar do uso da palavra sustentável para qualificar o crescimento – não têm a profundidade suficiente para fazer a pergunta: para que reparar o sistema econômico? Para desenvolver, como antes, um modelo que destrói a natureza e é socialmente desequilibrado? É provável que as propostas para reformar o sistema monetário e financeiro serão eficazes para superar a crise financeira, e muito mais do que o que foi feito até agora, mas é suficiente para responder a desafios globais contemporâneos? A solução é dentro do capitalismo, um sistema historicamente esgotado, mesmo que tenha ainda muitos meios de adaptação. A gravidade da crise é tal que devemos pensar em alternativas, não somente em regulações.
E, quais seriam, por exemplo, essas outras alternativas?
Questionar o próprio modelo de desenvolvimento. A multiplicidade de crises que foram exacerbadas nos últimos tempos é resultado da lógica de mesmo fundo: uma concepção de desenvolvimento que ignora as “externalidades” (danos naturais e sociais); a ideia de um planeta inesgotável; o foco no valor de troca em detrimento do valor de uso; e a identificação da economia com a taxa de acumulação de lucro e do capital que cria, consequentemente, enormes desigualdades econômicas e sociais. Esse modelo resultou em um crescimento espetacular da riqueza global, mas seu papel histórico se perdeu, devido à sua natureza destrutiva e da desigualdade social que resultou. A racionalidade econômica do capitalismo, escreve Wim Dierckxsens, não apenas tende a negar a vida da maioria da população mundial como também destrói a vida natural.
Temos que discutir alternativas ao modelo econômico capitalista prevalecente hoje e os meios para rever o próprio paradigma (orientação básica) da vida coletiva da humanidade sobre o planeta, conforme definido pela lógica do capitalismo, que hoje é global. A vida coletiva é composta por quatro elementos que chamamos de base, porque as exigências são parte da vida de toda sociedade, desde as mais antigas até as mais contemporâneas: a relação com a natureza; a produção da base material da vida física, cultural e espiritual; a organização social e política coletiva; e a leitura do real e autoenvolvimento dos atores na sua construção da cultura. Ou seja, cada sociedade tem essa tarefa para realizar.
Mas as alternativas necessariamente passam pelo envolvimento do conjunto da sociedade organizada, dos movimentos sociais.
Exatamente. As alternativas são tão importantes que não vão chegar por si só. É somente pela pressão dos movimentos sociais, movimentos políticos também, que podemos esperar chegar a redefinir os objetivos fundamentais da presença humana no planeta e o desenvolvimento humano no planeta. E isso significa transformar a relação com a natureza. Passar da exploração ao respeito. Significa outra definição da economia. Não somente produzir um valor agregado senão produzir as bases da vida. Da vida física, cultural, espiritual de todos os seres humanos no planeta. Isso é a economia. Porém, isso não corresponde à definição do capitalismo. Também é preciso generalizar a democracia a todas as instituições, não somente políticas e econômicas mas também na relações humanas, relações entre homens e mulheres etc. É necessário também não identificar desenvolvimento com civilização ocidental e dar a possibilidade a todas as culturas, religiões, filosofias de participar dessa construção. Isso é o que chamo de construir o bem comum da humanidade, que é a vida; assegurar a vida, a vida do planeta e a vida da humanidade. Isso é um projeto alternativo, que pode parecer utópico. Porém não é utópico porque existem milhares de organizações e movimentos sociais que já trabalham para transformar esses aspectos da vida comum da humanidade, para melhorar a relação com a natureza, para ter outro tipo de economia, para ter uma participação, uma democracia que seja participativa e para renovar a cultura. Existem muitas iniciativas. Isso posso chamar de construção do socialismo. Porque socialismo não é uma palavra. É um conteúdo. E eu penso que devemos redefinir o conteúdo do socialismo.
Como o senhor analisa a América Latina neste contexto da crise e qual é o papel dos movimentos sociais?
É muito interessante porque a América Latina é o único continente do mundo onde temos tido alguns avanços. Não ainda na opção de novo paradigma, nova orientação fundamental, porém, pelo menos avanços, que não existem em outros continentes até agora. Mas não é algo generalizado na América Latina. Há alguns países que só reproduzem o sistema, com sua dependência ao capital internacional, particularmente do norte do continente americano. São países como México, Colômbia, Chile, Panamá, Costa Rica, Honduras etc. São países onde a burguesia local está totalmente vinculada com o sistema internacional e, nesse sentido, não tem outro projeto senão um projeto muito repressivo contra as populações.
Subordinação total.
Exatamente. Há uma segunda realidade, que são os países que podemos chamar de “adaptações ao sistema”. E aí existem dois tipos de países. Há os que dizem: sim, o sistema necessita de mudanças fundamentais e devemos nos adaptar à lógica do capitalismo. E para se ter mais justiça social e repartir parte do lucro, como já dizia Marx, com o rápido avanço das forças produtivas, temos um aumento dos lucros e da destruição da natureza. Nesse tipo de desenvolvimento se inserem Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, que possuem programas sociais eficazes. Com resultados indubitáveis porque milhões de pessoas saíram da pobreza, o que não podemos desprezar, porém, esse modelo não transforma profundamente a sociedade; isso representa apenas uma redistribuição de parte do lucro. Não podemos dizer que é uma mudança de paradigma. Entretanto, há países como Venezuela, Equador e a Bolívia, que têm outro discurso, o do socialismo do século 21, que pelo menos faz uma alusão a uma transformação fundamental. Pelo menos no Equador e na Bolívia, entre o discurso e a prática eu vejo grande avanços, em que as práticas dos governos seguem uma orientação das demandas sociais apresentadas pelos movimentos sociais.
Então, neste contexto de crise, os países que estão mais vulneráveis sofrem mais as consequências?
Não estou seguro. Teoricamente pode-se dizer que sim, esses países serão mais afetados em médio prazo. Porém, no momento é igual em todas as partes. Mas, evidentemente, os países mais vinculados ao sistema serão mais afetados em médio prazo. Entretanto, desgraçadamente, países como Venezuela e Bolívia também são indiretamente dependentes do sistema global e sofrerão as consequências. O que eu acho que é cedo demais pra se dizer, com diz Samir Amin, que eles conseguiram fazer uma desconexão. Não, não conseguiram. Mas é óbvio que as economias mais vinculadas à economia do Norte sofrerão as consequências a curto prazo.
No caso da América Latina, uma maior integração dos países seria uma alternativa frente a esse cenário mundial? O papel do Estado é fundamental neste contexto?
Absolutamente. Mas, para encerrar a tipologia, eu penso que a Venezuela é um país que avança para um novo modelo, onde as mudanças são mais aprofundadas. O papel do Estado não pode ser concebido sem levar em conta a situação dos grupos mais marginalizados socialmente, os sem-terra, as castas mais baixas ignoradas por milênios, os povos indígenas da América e os excluídos de ascendência africana; e, nesses grupos, as mulheres são muitas vezes duplamente marginalizadas. A expansão da democracia também se aplica para o diálogo entre os movimentos políticos e sociais. A organização de instâncias de consulta e diálogo pertence ao mesmo conceito, respeitando a autonomia mútua. O projeto de um conselho de movimentos sociais na arquitetura geral da Alba é uma tentativa original nessa direção. O conceito de sociedade civil muitas vezes utilizados para esse fim ainda é ambíguo, porque ela é também o lugar da luta de classes: há realmente uma sociedade civil de baixo e de cima e o uso do termo de forma não qualificada permite muitas vezes a criação de uma confusão e a apresentação de soluções que ignoram as diferenças sociais. Por outro lado, as formas de democracia participativa, como os encontrados em vários países latino-americanos, também entram na mesma lógica da democracia em geral. Todas as novas instituições regionais latino-americanas, como o Banco do Sul, a moeda regional (o sucre) e a Alba, serão objeto de atenção especial na direção de propagação da democracia. E o mesmo vale para os outros continentes.

Nilton Viana (da Redação do Brasil de Fato)

François Houtart é sociólogo e professor da Universidade Católica de Louvain (Bélgica). É diretor do Centro Tricontinental, entidade que desenvolve trabalho na Ásia, África e América Latina.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Pensatas de domingo, cachimbadas e outros papos


Fico pensando como o cachimbo foi desaparecendo da mídia! Até porque o anti tabagismo tornou-se uma verdadeira obsessão.
Antigamente, era comum assistir filmes e encontrar um Gary Cooper, ou um Cary Grant com um belo e charmoso cachimbo pendurado na boca. Naquela época era charme. Hoje em dia... Só em filmes de Sherlock Holmes. Ou do Inspetor Maigret. Mas até estes heróis estão meio fora de moda. E o Sherlock de Downey Jr., eu nem lembro se fuma!
Outro dia estava assistindo um documentário no History Channel sobre Fórmula 1 dos tempos de Fangio, quer dizer, das décadas de 1950 e 1960. E lá estavam eles. Técnicos, donos de escuderias, até mecânicos, às dezenas fumando uma “pipa”. Era rara a cena em que não aparecesse um cachimbeiro. Nem que fosse como pano de fundo.
Tinha anúncio de cachimbos Dr. Plumb em revistas estadunidenses. E, aqui no Brasil vi muitos anúncios da Souza Cruz anunciando os seus fumos “Royal Club”, “Timoneiro”, “Tilbury” e Buldog”. O Jacinto de Thormes, que era o colunista social mais “chic” da época, aparecia em propagandas de cachimbos.
O negócio é que, de repente começou a ficar meio fora de moda mesmo.
E isso se reflete em várias vertentes. A começar pelas tabacarias. Houve um tempo em que cada esquina do centro do Rio tinha uma “biboca” expondo cachimbos e cheias de tabacos importados. Pode parecer exagero, mas era isso mesmo. Eram dezenas de pequenas lojinhas espalhadas da Cinelândia à Praça Mauá.
Sobraram algumas. Mas somente as grandes, como a Tabacaria Africana na Praça XV, aberta ao público desde os tempos do império. E algumas outras tradicionais, como uma na Senhor dos Passos, claro que de “turcos”, ou aquela da galeria na rua 13 de Maio. E finalmente a do subsolo do Edifício Avenida Central.
Resquícios.
Daí, concluo que sou um animal em vias de extinção. Pelo cachimbo, e, claro, também pelos meus “36” quase “37” aninhos .

Recordando a história, Bashar al-Assad herdou o poder de seu pai, Hafez al Assad, que por sua vez, era um dos herdeiros da principal corrente política árabe dos anos 1940/50, o nacionalismo panarabista. O nome de seu partido, que até hoje governa o país, é Baath.
Coincidentemente na queda de Saddam Hussein ficou-se a saber que o partido que até então governava o Iraque tambem chamava-se Baath.
Pois havia um Baath iraquiano e um Baath sírio – melhor dizendo, ainda há um Baath sírio.
Considerados partidos irmãos, sua ideologia comum se baseava no conceito do panarabismo, segundo o qual todos os árabes constituem um só povo, divididos aleatoriamente, primeiro pelo Império Otomano e depois pelos britânicos e franceses.
Hoje, Bashar al-Assad continua no poder, apesar da carnificina que já dizimou milhares de sírios porque os EUA apenas o ameaçam na retórica... Por que? O que realmente determina a invasão e/ou deposição de governantes na região é a postura frente ao estado nazi sionista de Israel. Quem não se opor fica, quem se coloca contra... Samba!

Não quero fazer algum juízo de valor quanto à greve dos policiais militares no Rio de Janeiro, muito embora ache que eles têm todas as razões em fazer suas justas reivindicações. Mas aproveito o espaço para dizer que andei pela cidade nesses dois dias e não senti a menor falta das chamadas forças da “ordem pública”.
Só de saltar no ponto de ônibus aqui perto de casa e não ter que passar pela piscativa (parece um OVNI) viatura estacionada pouco adiante da saída do túnel com suas “arminhas” ostensivamente projetadas pra fora das janelas deu-me, pelo contrário, uma enorme sensação de alívio e leveza.
Sim, porque sempre digo que entre os marginais paisanos e os uniformizados, prefiro ver os primeiros... Os segundos são “otoridade” e arvoram-se na condição de forças da repressão para intimidar seja lá quem for, mas principalmente o povo ordeiro e trabalhador, suas principais –até porque fáceis– vítimas... Haja vista o que fazem contra o povo nas comunidades ocupadas.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Roma me T em amoR


O Professor Jorge Moreira (currículo ao lado) nos enviou este texto dele para uma música, que, talvez ainda venha a ser possível postar.
   
O poema "Roma me T em amoR"  é uma das minhas respostas contra o abuso sexual às crianças pelo clero católico (padres, bispos, etc.); contra a constante negativa da Igreja Católica para reconhecer e punir os crimes que seus religiosos vêm cometendo regularmente contra  as crianças da América Latina (incluindo Brasil), dos EUA, da Europa, Ásia, África e Oceania.
Ele foi escrito em 2009 porém nunca foi publicado antes. Dado a  recente admissão oficial  do Vaticano dos crimes sexuais por pedófilia dos seus membros (é a primeira vez); e dado a recente  violência jurídica dos franquistas espanhóis contra o juiz Baltasar Garzón surgiu a idéia de editá-lo para os leitores de "Novas Pensatas".
Jorge Moreira

O padre papou Pedrinho
O Papa o padre Papou
Então pergunte pro Papa se
Roma me t em amoR

Quem crê no seu “santo” Papa
E tem os fundos pra dar
Aguente os fundos da calça
Depois que o padre papar.

Aguente os fundos da crença
E cobre a quem lhe papou
Não  peça ajuda prá Deus ou
Pr’ um “santo” Salvador.

Somente pergunte pro Papa se
Roma me T em amoR.

                 Quem crê em conversa fiada
Refrão       O Papedófilo papa
                 Quem crê em conversa fiada
                 O Papedófilo papa

No reino dos céus na terra
aquele que acreditou
está engulindo papo
do senhor dominador

Mito do pai-senhor-patrão
Que mantem o povo nú
Arrancando a couro crú
A dor do bem/maldito cu-lto

O padre papou Pedrinho
O padre o Papa papou
Agora pergunte pro Papa se
Roma me t em amoR

Per..per… pergunte pro papa (o cara gago depois que recebeu mandioca)
Se Roma me t em amoR?


sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Tears for you are difficult to dry, Amy...

Achei o clipe acima de “Our Day Will Come: Um Tributo a Amy Winehouse”, catando no YouTube (1) a especialíssima “Tears Dry OnTheir Own” para assistir pela enésima vez...
Bom, quem gosta, quem admira a sua postura crítico social que reveja este tambem muito especial número de um tributo a ela... Suas expressões, seus Olhares Matreiros & Brejeiros S.A., sua versatilidade, aquele seu jeitinho todo especial de ser mulher.
Por tudo isso, as lágrimas por você são difíceis de secar, Amy!

1. Ela veio em sequência, imediatamente após “Tears Dry...” e resolvi postá-la. Aliás, depois vêm tambem outras como “Love is a Losing Game”, “Just Friends”, “In My Bad”, e depois doutras, Fuck Me Pumps”, “Rehab”, “You Know I’m no good”, “Back to Black”, enfim... Um “canal” completo para quem ama a Amy!

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Explicando “Ocupar Wall Street”

A capa da revista
Editada em Vancouver, no Canadá, a revista Adbusters, tem como objetivo desestabilizar as estruturas de poder existentes no mundo e forjar uma mudança na forma como as pessoas viverão neste século. O seu editor chefe, Kalle Lasn, garante que foi com essa certeza que a revista iniciou um movimento que promete abalar as estruturas do sistema politico estadunidense neste ano eleitoral.  
Inspirado pelos acontecimentos da Primavera Árabe, Lasn e sua equipe criaram uma peça publicitária em que uma bailarina pairava sobre o touro símbolo de Wall Street. O texto fazia apenas uma pergunta: “Qual a sua exigência?” e pedia para as pessoas levarem uma barraca para o centro financeiro de Nova Iorque no dia 17 de setembro do ano passado.
A chamada catalizou a insatisfação, em especial dos jovens, com a crise econômica internacional, com a concentração de riquezas e com a influência cada vez maior das corporações sobre governos em todo o mundo. Milhares de pessoas atenderam ao pedido e ocuparam praças e outros espaços públicos nas principais capitais dos Estados Unidos e em mais de 1.500 cidades em 83 países. Lasn, um estoniano de 69 anos radicado no Canadá desde a década de 1980, ainda se surpreende ao analisar a dimensão do movimento.
Somente para complementar, alguns pequenos trechos reproduzidos abaixo, da longa entrevista exclusiva ao Opera Mundi e à Carta Maior, ele fala da decepção com o governo de Barack Obama, explica as origens do movimento, por que é contra as grandes corporações e como trabalha para criar um terceiro partido nos Estados Unidos.

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Como surgiu a ideia do Occupy Wall Street?
Quando começou a acontecer a mudança de regime na Tunísia, um momento muito excitante para o ativismo em todo o mundo e especialmente para nós, que vínhamos pedindo por esse tipo de revolução há 20 anos. Depois houve no Egito uma mudança de um regime duro instigada por jovens a partir do uso das mídias sociais e que levou as pessoas às ruas para exigir mudanças. Tudo isso nos fez pensar que nos Estados Unidos também há um tipo de regime. Não é como o do Egito, mas ainda assim é um regime que tem o poder, em que as megacorporações têm o poder de controlar Washington, o coração da democracia americana (sic), e Wall Street, que têm o poder de controlar o destino econômico da América (sic). Muitos jovens nos EUA sentem que todos os aspectos de suas vidas, como o tipo de sapato que compram, a música que escutam, ou a comida que comem, são de alguma forma controladas por poucas e poderosas megacorporações. Foi assim que começamos: precisamos de uma mudança de regime suave na América (sic) e como podemos realizá-la.

O senhor se surpreendeu com a força do movimento?
Sabíamos que em Nova York seria uma grande explosão, um big bang. As pessoas estavam se organizando e bastante excitadas. O movimento chegou a Chicago e depois a Los Angeles, começou a cruzar fronteiras aqui no Canadá e, em meados de outubro, de repente havia mais de mil ocupações em todo o mundo. Nós apenas ficamos boquiabertos assistindo a tudo isso na Al Jazeera.

Qual sua avaliação do governo do presidente Barack Obama?
Todos acreditamos em Obama e na visão que ele apresentava. Mas assim que assumiu o poder ele começou a recuar em todas as decisões importantes que precisavam ser tomadas, como a questão dos presos em Guantánamo, a regulamentação do mercado financeiro e mesmo em relação à guerra no Afeganistão. Obama sempre ficou em cima do muro e não mostrou a ousadia que parecia ter. Ele deve ser reeleito, mas sem o apoio entusiasmado dos jovens americanos (sic). E também porque os candidatos republicanos não têm carisma, visão e parecem um bando de perdedores.

Adbusters pretende apoiar Obama, como na eleição anterior?
Nós o apoiamos no passado. Ficamos tão impressionados com a visão dele sobre a direção que os EUA deveriam seguir, da política externa, mas estamos desiludidos. Este ano lutaremos pela criação de um terceiro partido nos EUA. Por muito tempo as opções políticas no país eram a Pepsi-Cola ou a Coca-Cola, os Republicanos ou os Democratas. As garrafas parecem diferentes, mas o conteúdo e o sabor são parecidos. A discussão sobre a plataforma do partido começará na Internet e se conseguirmos alguns milhões de pessoas para apoiar o novo partido faremos uma convenção. Não há qualquer chance de vencermos as próximas eleições, mas acho que podemos fazer o papel do desmancha prazer e, em quatro ou cinco anos, teríamos possibilidades reais de nos tornarmos uma nova e poderosa voz política nos EUA.

O que leva alguém que nasceu na Estônia, viveu na Austrália, Japão e se radicou no Canadá a fazer política nos Estados Unidos?

Viajei muito quando tinha 20 e poucos anos. Fui à Índia, Afeganistão, Panamá e, para mim, o mundo é o mundo. Tudo está conectado e pude ver como as pessoas em alguns dos países mais pobres do mundo estavam sofrendo e levando uma vida terrível por causa da forma como o primeiro mundo tratava o terceiro mundo. Todos vivemos no mesmo mundo, e o que acontece com o Goldman Sachs ou o que algumas pessoas fazem em Wall Street pode me fazer sofrer aqui no Canadá, podem te fazer sofrer no Brasil, na Índia. Vivemos num mundo globalizado e temos que nos acostumar a isso. Não há nada estranho nem engraçado sobre uma pessoa que nasceu na Estônia e vive no Canadá lutar por um sistema diferente nos Estados Unidos.