domingo, 29 de abril de 2012

Pensatas de domingo, democracia e utopia


Já falei aqui sobre o embuste da “democracia” ocidental. Principalmente nos Estados Unidos, cuja intenção igualitária à época de sua independência em fins do século XVIII – comandada pela então revolucionária burguesia – com o passar do tempo transformou-se num reacionário poder da máquina industrial financeira, manipulada pela grande mídia. O que existe hoje e de fato é uma “ditadura da burguesia”. Com vícios e contradições semelhantes aos que a história propiciou às distorções das teses de Marx (1) através da burocracia soviética.
Na verdade a livre manifestação de opinião, tão decantada pelo sistema, só existe enquanto essas opiniões não ameaçam verdadeiramente a manutenção do status quo. Tudo é aparência, tudo um jogo de propaganda que visa enganar o cidadão comum, dando-lhe a sensação de estar vivendo uma situação democrática.
A origem da definição de demokratia (democracia) é encontrada em Aristóteles no seu livro Politica. Na Grécia antiga talvez tenha funcionado, mas daí em diante as tentativas foram desastrosas. Tanto na França pós queda da Bastilha quanto nos EUA e outros países da Europa, as “aventuras” redundaram em fracassos, que, em grande parte das vezes culminaram em regimes totalitários, como foram os exemplos da própria França revolucionária a qual sucedeu o império napoleônico, quanto posteriormente o da República de Weimar na Alemanha, em que uma constituição considerada das mais democráticas de todos os tempos deu lugar ao governo nazista.
No entanto a grande maioria dos países nunca conseguiu alcançar nem mesmo a farsa democrática. Na América ibérica, não indo muito longe, no Brasil, democracia (mesmo em arremedo) é uma realidade que jamais conhecemos. Falam em prosa e verso que vivemos um período democrático, mas, na verdade nossa tradição de excessões vem desde os tempos da colônia (2) e impede que alcancemos ao menos uma encenação (como a estadunidense). No império ela era um “teatro mambembe” em que somente votavam a nobreza e as classes dominantes em partidos que também as defendiam. A história de república é uma sucessão de votos de “bico de pena”, levantes e golpes militares, além de longos períodos de ditadura explícita.
Enquanto isso, os estadunidenses tentam impor à força das armas o que “pensam” ser um pensamento democrático em países como o Iraque ou o Afeganistão, que nem sabem o seu significado e teriam que procurar seus próprios caminhos para alcança-lo. Na realidade, a democracia ainda é um sonho a ser alcançado pela humanidade. Talvez um dia, se resistirmos à destruição do planeta, que nós mesmos estamos ajudando, conseguiremos chegar lá. E digo isso porque democracia e socialismo são metas a serem alcançadas em um conjunto de “liberdade, igualdade e fraternidade”. Um conceito inexiste sem o outro.

 (1) O termo “ditadura do proletariado” não significava em suas origens a ditadura de um só partido, mas uma forte presença revolucionária para extinguir o poder das diferenças sociais geradas pela exploração ao longo de séculos. O que aconteceu na URSS foi a instalação de uma ditadura de partido único que burocratizou, corrompeu e apodreceu o regime.

(2) No Brasil Colônia eram proibidos tanto o ensino universitário quanto a imprensa. Somente a vinda da família real portuguesa – que transformou este país tropical na sede do reino – possibilitou uma abertura para o ensino e a publicação de livros e jornais.

domingo, 22 de abril de 2012

Pensatas de domingo... Ainda sobre Glauber

Postei recentemente neste blogue depoimento de Martin Scorsese sobre Glauber e lembrei-me de traçar algumas palavras sobre ele, relembrando sua criatividade e análise crítica sobre o Brasil e a América “esquecida” e subdesenvolvida que habitamos.
Considero “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1963), “Terra em Transe” (1967) e “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro” (1968), as mais importantes e emblemáticas realizações de Glauber Rocha. Não que as outras não tenham o seu valor.
Mas é difícil determinar qual deles é o melhor. Sempre considerei “Deus  e o Diabo...” em “primeiríssimo lugar” e de forma imbatível, aquela verdadeira “Ópera de Cordel” que ele compôs com um “Corisco” brechtiano construído no sertão. No entanto, ao vê-los em tão pouco espaço de tempo em excelentes cópias remasterizadas, perfeitas, ficou, não a dúvida, mas a certeza de que são, não apenas importantes, como tambem têm uma interação muito maior do que se possa imaginar.
Glauber, na sua genialidade constrói retratos de um Brasil que parou no tempo. Um Brasil que a grande mídia e os “pelegos” do PT (a UDN de tamancos) querem negar, mas está aí na nossa frente. O “quarto mundo” das massas, da corrupção deslavada, do feudalismo, que continua no campo, independente do avanço do capitalismo nas cidades.
Recentemente foi anunciado de forma “xenobófica” pela burguesia o fato de o país ter ultrapassado a Grã Bretanha e ocupar a sexta colocação entre os PIBs do mundo... Mas eles se esqueceram de olhar para o outro lado: o da distribuição de renda. No mesmo dia vim a tomar conhecimento que estamos quase em centésimo lugar no quesito “qualidade de vida” entre todos os países do mundo, à frente apenas de alguns miseráveis africanos sub saarianos e aqui na América, do Haiti e outras “republiquetas” congêneres.
Outrossim, quando assisto “Terra em Transe” parece que estou presenciando a mesma nojeira que rola no “poder” até os nossos dias. Há poucas nuances de diferença. Talvez la ”Santa Madre Iglesia”  tenha perdido um pouco de sua força (até então descomunal), porque o crescimento dos evangélicos foi surpreendente com a consolidação do capitalismo nas cidades. Ou a Oligarquia limita-se aos cantos perdidos do sertão, como em “Deus e o Diabo...”, este uma abordagem do Messianismo e do Cangaço. Mas a realidade é que estão nos dois filmes os elementos que predominam em nosso “kanzer” (1) social e econômico.
Brilhantes as locações “tropicalistas” e  luxuriantes de “Terra em Transe”, em sua maior parte filmado no “palacete”, então abandonado do Parque Lage ou no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. E o grande suporte de atores que lhe dá um certo ar de “superprodução”, a começar por Jardel Filho, José Lewgoy, Glauce Rocha e Paulo Autran. Passando por Danusa Leão, Hugo Carvana e a terminar com a participação em pontas de Paulo Cesar Peréio, outros & outras...
Já em “Deus e o Diabo...”, as presenças de Geraldo Del Rey, Yoná Magalhães e Othon Bastos, todos excelentes, dão um toque todo especial ao filme.
Tudo isso para nos revelar que Glauber, para além do maravilhoso diretor que foi, revelou-se o “Profeta da Fome” neste país até hoje assolado pela miséria e o Paternalismo político; apesar de se decantar em prosa e verso que há uma nova “classe média” nesta “Eldorado” não oriunda da pequena burguesia. Até existe, é inegável, mas... Essa "terra do sol" continua entre a cruz e a espada num "transe" sem fim!

1. Glauber usou muito essa expressão quando começou sua “doença terminal” ainda em Lisboa.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Scorcese e Glauber – 2

Continuo a exibir o importante depoimento de Martin Scorcese sobre Glauber Rocha e “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guereiro”, postando hoje a sua segunda parte.