quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Um pouco mais de Guaíba

Pensei na Guaíba esses dias. Daí, resolvi escrever e postar alguns dos momentos e aventuras na minha segunda jornada à fazenda, lá pelos idos dos anos sessenta.

A segunda vez que fui à Guaíba, não foi de “vapor” (1). Utilizei outro meio de transporte. Fomos de carro, com tio João, até Cachoeira. Melhor dizendo, arredores de Cachoeira, onde deixamos o automóvel estacionado numa outra fazenda de conhecidos. Ali já estavam nos esperando os cavalos e burros para a jornada.
Montamos e começamos a longa jornada. Essa maneira de acessar a fazenda já existia desde os tempos de tio Prisco. Ele, na verdade abriu uma estrada para levar um Ford “Modelo T” à Guaíba. Até a última vez em que lá estive, encontravam-se os restos deste veículo, enferrujando ao tempo, lá embaixo, ao pé da montanha, junto a uma antiga e desativada plantação de cacau.
Mas foi uma viagem segura, atravessando uma densa floresta, a estrada também carcomida pelo tempo e o abandono, tornando-se apenas uma picada no meio do mato. Era, no entanto maravilhoso contemplar as árvores gigantescas a subir pelas encostas num terreno acidentado, repleto de paredões e ribanceiras.
Passadas cerca de três horas, chegamos finalmente à casa grande, que desta vez era avistada do alto em plano inferior, contrariamente à primeira visão que eu tivera na primeira viagem, quando subi da vila à beira rio até a sede da fazenda. Quando apeamos dos cavalos, eu estava quebrado, pois o terreno instável me obrigava a segurar nos cavalos com uma força muito grande, certamente pela inexperiência no trato com aqueles animais. Mas, a chegada foi gostosa, primeiro por rever a fazenda, segundo por chegar, que era o mais importante àquela altura.
Estava lá aquele séqüito de empregados, a servir tia Maria e sua família. Chico “Parraxé” (2), velho capataz estava também à espera dos patrões, e, à frente da turba com largo sorriso, dava as boas vindas ao povo da cidade que ali, mais uma vez chegava. Paramos, como de costume, nos fundos da casa, ao lado da cozinha, em uma espécie de copa que dava para alguns dos quartos, e onde ficava uma terrina de barro enorme, com uma grande concha de metal, que era um reservatório de água potável do qual nos servíamos, principalmente à noite quando a sede apertava.
Deviam ser umas três da tarde, mas mesmo assim estava preparado um farto almoço no qual nos deleitamos. Aquele final de dia foi de preguiça e descanso. Nada fizemos e fomos dormir relativamente cedo, pois, creio eu, os demais também estavam exaustos. Dormi como bebê, numa noite tranqüila em que ninguém se lembrou de fantasmas, sacis e mulas-sem-cabeça...
Manhã seguinte, após aquele lauto café da manhã cheio de delícias bahianas como cuz-cuz, beijú e bolo de milho, pusemo-nos a descer para a aldeia. Ali, além de assistirmos o povo local a catar caranguejos no mangue, ainda saímos de canoa com puçás nas mãos para pescar siris. Uma aventura inesquecível em que, além de ficarmos no meio do rio, ainda tínhamos a sensação incrível de puxar o puçá cheio de siris. E observar aquela quantidade de elétricos crustáceos a se agitarem sem parar nas sacolas em que eram colocados vivos e em grande quantidade.
À tarde fomos passear a cavalo pelas redondezas, como quase sempre o fazíamos, com tia Maria à frente e a turma toda – eu, meus primos e primas – atrás em fila indiana pelas picadas estreitas e tortuosas que levavam a lugares onde havia pessoas conhecidas. Deles, naturalmente. Eram em geral passeios longos que terminavam quase ao pôr do sol, mas ainda com claridade suficiente para assegurar uma chegada sem grandes riscos à casa grande.
Ainda neste fim de dia, após o banho e ao cair da noite, eu, minhas primas Lula e Regina, meus primos Chico, Tuca e Bebeto, fomos visitar uma senhora (da qual me esqueço o nome) que vivia em um casebre de taipa, não muito distante da sede da fazenda, e cuja especialidade era fazer uma “lavagem espiritual” com folhas de bananeira, charuto na boca e palavras balbuciadas de pouco ou nenhum entendimento, e que, segundo eles, tirava “mau olhado” e outras coisas afins. Tive que participar do ritual, já que ali estava. Um espetáculo curioso de misticismo primitivo; que culminou com um “agrado” dado por cada um de nós à ‘preta véia’.
Voltamos, e após o jantar, à base de crustáceos – muitos dos quais eu havia ajudado a pescar – o tradicional jogo de Palavras-Cruzadas e o desafio de enfrentar tio João e seu domínio do léxico português. E após tudo isso, o desligar das luzes da fazenda, o lampião a querosene e... as tradicionais e tenebrosas historinhas para não deixar ninguém dormir em paz.

(1) Ver o relato de minha primeira viagem à Guaíba, postado neste blogue em 12 de outubro de 2008.

(2) O “velho”Chico “Parraxé”, o prolífico administrador da Guaíba que teve tantos filhos quanto cabem os dedos das duas mãos. Uma de suas filhas, Helena ou “mãe Nena”, foi empregada de meus pais no Rio. Outro, conhecido como “Bacurau”, era o administrador na última vez que fui à fazenda, em 1982, com meu primo Tuca. “Bacurau”, como grande parte dos filhos de Chico, veio a morrer da doença de Chagas.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Saudades do carnaval

Esta pensata foi postada no carnaval do ano passado. Ao reler, notei o quanto ainda vale recordar já que o outro blogue não existe mais.
Pode parecer papo de “velho saudosista”. Mas não apenas parece, como é saudosismo mesmo. O saudosismo de quem conheceu um carnaval que era verdadeiramente uma manifestação popular. Ou pelo menos, na sua simplicidade, mais autêntico. Por acaso testemunhei e vivi a festa, tanto aqui no Rio quanto na Bahia, dois pontos de referência do carnaval.
No Rio de Janeiro, escolas de samba desfilavam na avenida Rio Branco. As poucas arquibancadas ficavam na Cinelândia, e o povo assistia em pé ao longo da avenida. Avenida mesmo, como é chamado até hoje o “Sambódromo”. Anos depois o desfile passou para a Presidente Vargas. Já mais sofisticado, tinha várias arquibancadas, montadas e desmontadas todos os anos. O carnaval de rua existia mesmo. E também se concentrava em grande parte na mesma Cinelândia, estendendo-se pelas avenidas, ruas transversais, praças. Blocos invadiam esses logradouros contagiando e enchendo o povo de alegria. Os “Clóvis” (1) também se espalhavam pela cidade.
E na Bahia? O carnaval em Salvador era totalmente diferente daquele que assistimos hoje. Os trios elétricos, como diz o nome, eram trios de fato. Circulavam em pequenos caminhões e o povo – como diz a música de Caetano – corria atrás. Fiz muito isto nos carnavais que passei naquela cidade. Afinal, “...só não vai quem já morreu”. Além do mais saíamos de “careta” e mortalha, brincando com as pessoas conhecidas, falseando a voz para não sermos identificados. E havia também o curioso hábito das famílias levarem cadeiras para a avenida Sete. Sim, cadeiras da própria casa que ali eram dispostas para que os privilegiados apreciassem o desfile dos foliões, numa antevisão do que viriam a ser os camarotes. Coisas de um Brasil provinciano? Talvez. Certamente de um país bem mais ingênuo.
Falando assim, parece que o carnaval de então era pobre frente ao que vemos em nossos dias. Aquele carnaval que vivíamos realmente difere muito deste que aí está. O cerne da questão encontra-se no fato de que o evento tornou-se uma festa elitizada, principalmente ao perder algumas características de sua essência popular. Justiça seja feita, as escolas de samba tornaram-se um show grandioso, rico e majestoso, uma verdadeira atração internacional. E o povo? Onde ficou o povo? Este foi marginalizado. Não totalmente, porque seria impossível uma festa popular sem a sua participação (2). No entanto, hoje, para se assistir a um desfile das “milionárias” escolas de samba, tem-se que pagar a peso de ouro por um lugarzinho qualquer. Isso ao lado da exuberância exclusivista dos camarotes e o exibicionismo dos “famosos”. O marketing dominou a linguagem do carnaval com pesadas verbas publicitárias (que o financiam), transformando os desfiles em um canal de divulgação e venda de suas marcas. Aquela de ir para a avenida e ver, participar, ficou no passado. O espetáculo até ganhou em luxo e glamour, mas, por outro lado pasterizou-se em escala industrial.
Em Salvador o carnaval virou “axé”. As músicas são todas iguais e seus intérpretes têm, sem exceção as mesmas vozes, um gingado absolutamente igual. Da mesma maneira passou a ser uma festa estandartizada onde os foliões – embora aos milhares, numa das maiores concentrações de massa do mundo – são passivamente comandados por “trios”(?) elétricos gigantescos e barulhentos em sua forma monstruosa, amplificada, e também industrializada. Ali, grandes e luxuosos camarotes exibem o desfile esnobe e vazio de “celebridades” em busca de promoção na mídia.
Muitos dos que não presenciaram aqueles tempos, dificilmente vão entender um ponto de vista que defende o carnaval como uma festa feita pelo povo, para o povo. Irão até interpretá-lo como um posicionamento “reacionário” de quem não acompanhou as mudanças geradas com o passar de algumas décadas em que o país saiu da estrutura semi-feudal dominada pela oligarquia do campo e ancorada pelas classes médias tradicionais (formadas basicamente por funcionários públicos) para uma sociedade urbana e capitalista, com estratos sociais muito diversificados, onde sofisticados mecanismos ocuparam um lugar de destaque nas transações comerciais e humanas. De qualquer maneira continuo defendendo a tese que do carnaval restaram mesmo as cinzas. Saudosismos...

(1) Os “Clóvis” eram (ou são) mascarados que saiam pelas ruas a brincar com as pessoas. Surgiram nos subúrbios cariocas e o nome vem do inglês clown (palhaço).
(2) A questão central é que hoje, a participação popular é menos espontânea. Por um lado existem muitas dificuldades de acesso, por outro a opinião é manipulada pela grande mídia e os interesses dos grupos econômicos. Abro uma exceção para algumas bandas e blocos, que, de certa forma, ainda representam um tipo de expressão popular. Bandas invadem hoje as ruas em diversos bairros do Rio. E fenômenos como os que aconteciam na rua Miguel Lemos espalharam-se por toda a cidade. A famosa banda de Ipanema é um exemplo. Os blocos, alguns antigos – como o Bola Preta – também exibem a força do carnaval de rua em manifestações de fato populares em que o povo manifesta-se de forma original.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Castelos

Morei por três anos em Portugal. Lembro-me muito das viagens de fins de semana, quando pegava o carro, a família e virava um turista errante pelas estradas bucólicas do interior, a buscar castelos por paragens nunca d’antes navegadas. Pelo menos por mim...

Castelos. Nesse particular, Portugal é um país de uma riqueza incalculável. Não sei o número exato, mas passam dos duzentos. A cada nova cidade ou aldeia a gente esbarra com um desses fantásticos monumentos medievos. O país, com suas fronteiras sempre ameaçadas ao longo do tempo, seja pelos mouros ao sul, seja pelos espanhóis a leste, é um dos países com maior número e concentração de castelos/fortificações em todo o mundo.
Morando na cidade do Porto, o mais próximo e o primeiro que descobri foi o de Santa Maria da Feira, no Distrito de Aveiro. Pegando a auto-estrada que liga o Porto a Lisboa, chega-se lá em pouco mais de meia hora. Um castelo, cujos primórdios, a Torre de Menagem (hoje em ruínas), estima-se ter sido construída no ano de 1045. Mas uma construção grande e imponente, com muitas partes ainda inteiras. Foi emocionante a primeira vez que estive ali. Depois, voltamos algumas outras, inclusive com amigos e parentes que nos visitavam.
Mas foi também uma grande emoção conhecer o Castelo de Guimarães, cujas primeiras fundações datam de algo em torno de 950. Neste Dom Afonso Henriques fundou o Condado Portucalense em 1143, que viria a ser posteriormente o Reino de Portugal. Fica na bela cidade de Guimarães, e além do mais tem ao lado o Paço dos Duques de Bragança, uma construção mais recente (cerca de 1420), mas de uma importância histórica muito grande e que hoje é um museu com coleções de mobiliário, tapeçaria e porcelanas “Companhia das Índias”. O segundo piso do Paço é destinado ao uso do presidente da República Portuguesa, que tem ali hospedado autoridades do mundo inteiro, inclusive brasileiras.
Ainda no norte de Portugal encontram-se uma infinidade de castelos e construções similares como torres de igrejas ou mesmo igrejas (1) em estilo Românico ou gótico em profusão. É uma região muito habitada, e, nas estradas sucedem-se aldeias e cidades, cada uma delas exibindo os seus exemplares. Alguns maiores, outros menores. Alguns mais conservados, outros mais acabados. Mas, antes de tudo construções de uma beleza digna de ser exibida. Podem-se destacar os de Barcelos, Braga, Lanhoso, Celorico de Bastos, Melgaço, Vila Nova de Cerveira, Lindoso, Viseu ou o de Freixo-de-Espada-à-Cinta, que é exatamente o nome desta povoação. Isto só para citar alguns.
Não conheci todos os citados in loco. Por alguns, passei apenas ao largo. Em outros, tentei entrar e não consegui. Houve o caso de um deles em que brasileiros haviam roubado a chave que ficava com um casal responsável pelas visitas. E a vergonha que dá num momento desses? Lembro-me também de um, particularmente bonito e imponente, em Celorico da Beira, no distrito de Guarda em que batemos à grande porta e ninguém atendia. Já entediado de fazê-lo comecei a gritar: “Abram em nome d’El Rei!... Abram em nome d’El Rei!”.
Mais ao sul, encontramos o castelo de Leiria, famoso, bem ao alto, dominando a cidade do mesmo nome, que recebe mais de setenta mil visitantes por ano. Este castelo é muito antigo tendo feito parte de um plano para que o Condado Portucalense se expandisse para o sul, levando os Mouros a abandonarem a região. O de Óbidos, o de Pombal, o de Montemor-o-Velho. Ou o dos Mouros, em Sintra, onde também encontramos o Palácio da Pena, uma expressiva construção da arquitetura Romântica em Portugal. Ou o de São Jorge, dominando uma das colinas de Lisboa. Sem contar a monumental Catedral da Batalha, a meio do caminho para a capital. Ou o Mosteiro dos Jerônimos, em Belém, Lisboa, onde também encontra-se a Torre de Belém obra-prima do estilo Manoelino. Ah! O castelo de Tomar é imperdível! Cenário de vários estilos e épocas, foi também, segundo consta, uma fortaleza dos Templários.
Não posso deixar de me lembrar de Évora. A cidade alentejana, toda cercada por muralhas é impressionante. Naquela cidade, tomamos a melhor sangria que já tive a oportunidade de saborear. No seu distrito encontram-se também numerosos castelos como o de Valongo. Mas impressionante são as ruínas romanas do Templo de Diana, as mais conservadas de toda a Península Ibérica. Uma visão inesquecível. Ou como dizem os portugueses: “a não esquecer”.

(1) Se formos computar igrejas e torres, vamos ampliar o número de construções para alguns milhares.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Tá feia a coisa

Em matéria da BBC Brasil publicada na Folha de São Paulo, em 15/02/2009, Chris Field, membro do ‘Painel sobre Mudanças Climáticas’ da ONU, declarou que o aquecimento global no decorrer deste século será mais grave (e acelerado) do que se acreditava.
Field afirmou que as temperaturas “vão passar de qualquer valor que tenha sido previsto”, e fez o alerta durante uma Assembléia realizada em Chicago. Ele foi um dos autores do relatório divulgado em 2007, que estimava que as temperaturas iriam subir entre 1,1ºC e 6,4ºC até o fim deste século.
Ao afirmar que o citado relatório de 2007 subestimou a escala do problema, apresentou novos dados mostrando que as emissões dos chamados gases do efeito estufa aumentaram muito mais rapidamente que o esperado entre os anos de 2000 e 2007.
E ainda que o impacto nas temperaturas é desconhecido, mas o aquecimento tende a se acelerar em um ritmo muito mais rápido e a provocar maiores danos ambientais do que se previa.
As temperaturas mais altas também podem vir a acelerar o derretimento do solo da região do Ártico, aumentando dramaticamente a quantidade de carbono na atmosfera.
Trocando em miúdos, políticas baseadas em procedimentos errados por parte das classes dominantes no século passado, quando a queima de combustíveis fósseis, na geração de energia e no transporte individualizado multiplicaram-se de forma incontrolável, com o número de veículos a superar a marca de um bilhão, estão a gerar uma situação crítica e talvez irreversível.
E o pior, boa parte da população ainda não tem informação ou sequer está devidamente consciente do problema, não existindo campanhas eficientes no sentido de esclarecê-las. Além disso, diversos governos ainda não se ligaram de fato na gravidade da situação e continuam a estimular as causas. Por isso, podemos dizer que está feia, muito feia a coisa!

domingo, 15 de fevereiro de 2009

De ditadura, contradições e variantes

Falei em democracia, e senti necessidade de abordar ditadura. Este texto foi originalmente publicado no “Pensatas” em maio de 2007. No entanto, julguei oportuno aprimorá-lo, acrescentando algumas reflexões devido à sua polêmica complexidade.

O “dictare” (do latim, ato de enunciar palavras que alguém escreve), deu origem ao verbo ditar, ato de prescrever, ordenar algum mandamento. Ditador é quem dita e ditadura é a ação de ditar, independentemente do regime político e da forma governativa em que esteja inserido. São ditaduras os governos presidencialistas, parlamentaristas, republicanos, monárquicos, despóticos, fascistas ou socialistas. Tenha o nome que tiver, origine-se em um único indivíduo ou em uma assembléia, esteja ou não distribuído por entre os chamados poderes legislativo e executivo, há, sempre, um órgão que emite determinações de cumprimento obrigatório por toda a sociedade, quer dizer: em todos há uma fonte do ordenamento jurídico.
Sua origem, a ditadura romana consistia em um governo temporário, previsto pelas normas “constitucionais” nos casos de emergência. Suspendia todas as magistraturas, com exceção da exercida pelo pretor, que administrava a justiça. Os poderes do ditador romano não se explicam fora de suas características populares. Gaios Julius Caesar foi um desses ditadores, cargo que exerceu após a guerra civil dirigida por Pompeu.
Na ditadura romana não havia parlamento, por outro lado, não havia também o despotismo. Ao invés de as leis serem feitas em assembléias, o eram com a participação de toda a sociedade. O ditador apresentava o projeto de lei à sociedade em geral, que se manifestava livremente, protestando contra ele, emendando-o ou enaltecendo-o. Após um prazo (em geral de três meses), o ditador avaliava as manifestações e retirava ou mantinha o projeto, tendo em vista o bem público. Em qualquer dos casos, submetia a sua decisão aos votos do eleitorado. Aprovado, o projeto convertia-se em lei. Havia nesta ditadura, uma democracia direta, muito mais ampla do que a dos regimes parlamentares.
Ditadura é, sem dúvida, uma palavra que em nossos dias tem uma grande extensão e, por isso, uma ainda mais difícil compreensão, mas poucas têm sofrido tantas variações em seu significado, gerando uma tão grande confusão terminológica. Tal circunstância propicia uma reflexão a respeito de como determinados interesses possam ter desvirtuado o seu sentido romano/primitivo. Os Jacobinos a utilizaram, para qualificar o governo voltado para a implantação da paz e a preparação da igualdade social. Antes disso, Voltaire a enalteceu.
Inspirado nos revolucionários franceses, Marx propôs a “ditadura do proletariado” (no socialismo) em substituição à “ditadura da burguesia” (no capitalismo), como fase preparatória (e temporária) da transformação do Estado rumo ao seu desaparecimento e como etapa transitória e necessária para extirpar séculos de exploração pelo lucro e a propriedade privada, preparando o advento do comunismo (1), uma sociedade sem exploração e sem classes. Não se deve confundir este conceito com as ditaduras fascistas (inclusive a nazista), ou ainda as reacionárias, como as de Franco e Salazar. Bem como as militares, bastante comuns na América, Ásia e África. Não se podem confundir também as “supostamente progressistas”, porque foram erradamente difundidas (2). As “comunistas” de Stalin, Mao-Tsé-Tung e as européias (dos países satélites da URSS), somam-se aos exemplos das distorções às origens romanas que surgiram e proliferaram em grande escala no século XX, alterando de forma completa e colocando o seu significado de ponta-cabeça ao igualá-lo à tirania.
Espero, com a explicação acima, ter contribuído para elucidar algumas dúvidas da razão pela qual Marx propôs a “ditadura do proletariado”, baseado no termo e no conceito temporário da ditadura romana, usual no século XIX (3). E também do porque com o passar dos anos e dos tempos históricos que sucederam, a expressão ficou em cheque quanto à sua origem e/ou interpretação, propiciando, inclusive, uma fonte oportuna para a contra-propaganda ao materialismo histórico por parte das classes dominantes, que muito bem souberam aproveitar a confusão causada com a proliferação de outras modalidades de regimes tirânicos e totalitários (ao serem classificadas como ditaduras), que se seguiram nas décadas subseqüentes.

(1) Houve uma divergência séria sobre esta questão da transição que originou uma ruptura na I Internacional entre os seguidores de Bakunin (anarquistas) e os de Marx (materialistas históricos). Os primeiros pregavam a transposição imediata para a fase comunista. Marx discordou disso em função dos séculos de exploração não poderem ser extirpados abruptamente. A primeira fase, também conhecida como socialismo, manteria o Estado em uma ditadura de classe (não de partido) que prepararia o advento da seguinte.

(2) Tão erradamente que nas propostas de Marx, o comunismo seria posterior à ditadura do proletariado e o Estado desapareceria. Pelo contrário, no conceito stalinista o Estado (dito comunista) assumiu proporções gigantescas comandado por um partido único. Uma antítese ao pensamento de Marx, no qual o comunismo somente poderia acontecer em uma etapa seguinte. Utopia? Talvez. Mas o correto é que o que foi implantado não tinha nada a ver com esta teoria.

(3) À época de Marx, não haviam ainda surgido ditaduras, tais como as conhecemos hoje, características e muito presentes no século passado. O seu conceito ao elaborar a tese estava assentado na visão clássica (romana) do regime.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

A grande Utopia

Existe um abismo entre o conceito de democracia grega (ateniense) e o que temos atualmente. Para fazermos uma análise disto, precisamos voltar às suas origens e depois compará-las ao que temos no presente.
Os cidadãos gregos adultos masculinos nascidos em Atenas, passaram a decidir os destinos da cidade na Ágora (a praça pública). Era a “democracia direta”. Demokratia: os cidadãos (demos) detinham o poder político (kratos) do Estado. Segundo Péricles: “o regime ateniense se chama democracia, pois o governo do estado não está nas mãos de poucos, mas de muitos”.
Durante séculos a democracia foi jogada ao ostracismo, esquecida. O poder imperial romano a enterrou, a Idade Média a execrou e ela só veio ressurgir com mais força no século XVIII, através da Revolução Americana, dos Iluministas e da Revolução Francesa. Desta época em diante foi crescendo em termos de presença e diversas formas, reincorporando-se ao dicionário político.
Vivemos um período histórico em que o significado da palavra sofreu uma imensa vulgarização e deturpação. Por outro lado, nunca foi tão mal interpretada, e de forma tão extensa. A democracia atrelada ao poder econômico não é democracia. Por que? Antes de mais nada, a confusão gerada entre democracia e o simples ato de votar em alguém caiu no jargão popular. E democracia não é apenas votar. Democracia é um estado de coisas que deve gerir a liberdade de expressão, e tantas outras. E não somente liberdade de expressão daquilo que não incomoda de fato o estado vingente, mas teoricamente, de tudo. Atingi-la é uma tarefa árdua. Impossível na forma em que a conhecemos.
Por que? Hoje, vota-se em parlamentares, que julgamos representantes. Mas representantes de quem? O povo pode considerar seu representante o eleito por ele, mas que antes de mais nada está atrelado aos seus compromissos com quem o financiou. Pode um parlamentar, eleito com as verbas de uma empresa ou um grupo de empresas votar contra os interesses desta ou destas? Este é o “calcanhar de Aquiles” da “democracia” nos estados modernos dominados pelo capital. Os eleitos são apenas fantoches daqueles que realmente os elegeram. E este alguém não é o povo, que foi apenas um instrumento adequado para a concretização da ação pelo voto através de uma grande farsa montada. Os interesses que elegeram estes “representantes”, é que, na verdade manipulam os seus atos.
Democracia passou a ser uma forma do sistema influenciar a opinião pública em defesa da propriedade. Por outro lado, é a grande propriedade a forma menos democrática de distribuição de renda, a maior geradora das desigualdades. A partir do momento em que a humanidade estabeleceu-se, cultivou terras, apoderou-se delas, as injustiças começaram a surgir e se aprofundar em escala sempre progressiva. Surgiram o senhor e o escravo, as religiões e seus sacerdotes defendendo a propriedade. E culminamos com o domínio do grande capital. Vivemos a época dos impérios econômicos em que alguns poucos concentram a fortuna e o poder. Em que estes mesmos poucos se aproveitam do uso indevido do que chamamos de democracia como forma de defesa de seus interesses.
Outrossim, “pensamento único” é uma forma de comportamento anti-democrático por excelência, pois marginaliza aqueles que estão em desacordo com os parâmetros estabelecidos e impostos como “verdadeiros”. Foi assim na Idade Média, através do Sacro Santo Império, que provocou com a Inquisição a maior carnificina até hoje conhecida. Também foi assim na Alemanha do III Reich e na Rússia stalinista. E continua assim no capitalismo pós-moderno, com sua muralha de conceitos estabelecidos e “inquestionáveis”.
Enquanto isso, a democracia continua sendo a grande Utopia inatingível...

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Coincidências

Pode até parecer besteira, mas quando Obama candidatou-se, postei na época uma gozação quanto à coincidência do nome dele com o de Osama. Sim, como este mundo é pequeno! A gente até fica a pensar se poderiam ser Barack Osama e Obama bin Laden...
Agora, para agravar existe também Ehud Barak, ex-primeiro-ministro de Israel entre 1999 e 2002. Para finalizar, Barack, o Obama ainda é Hussein, igualzinho ao Sadam.
Com tantos nomes parecidos, fica difícil saber quem é quem na vida política deste mundo pós-moderno, porque de lambuja ainda tem o Obina, que é um jogador, atualmente no Flamengo. Mas aí são coisas do futebol!

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Esses ingleses e seus tabacos maravilhosos

Publicado no “Pensatas” em julho de 2007 com o título “Papo de cachimbeiro VI”.

Não é apenas uma lenda, os tabacos para cachimbo ingleses são realmente os melhores do mundo. Pelo menos na minha opinião. Não é à toa que o Irlandês, hoje uma das minhas preferidas entre as marcas brasileiras, tem escrito logo abaixo do seu nome: “Tipo Inglês”. Só que eu discordo e não acho que realmente o seja. Muito embora venha a ser um bom fumo, apenas tenta pegar uma carona na fama.
Mas, voltando aos verdadeiramente ingleses, podemos começar pela linha Dunhill. Já falei dela anteriormente, mas sua deliciosa coleção de latas hermeticamente fechadas (1) é algo que deve ser sempre citado como exemplos de qualidade. Podemos começar pelo Early Morning. Continuar com o Elizabethan Mixture, o Nightcap, o Royal Yacht, ou os Standard Mixture em suas várias opções. E finalizar com o sempre raríssimo (pelo menos aqui no Brasil) e delicioso Three Years Matured, que só tive oportunidade de encontrar uma única vez. Tenho há alguns anos uma lata de um London Mixture que uso para guardar clipes. O curioso é que até hoje, quando abro, sinto o cheirinho do fumo.
Até os tabacos ingleses mais populares são excelentes. Uma ocasião, em Londres, comprei em uma banca de jornais dois pacotes de um fumo chamado Condor. Um era azul e o outro de cor vermelha. E eram ambos excelentes, encorpados, maravilhosos. Adquirí diversos, e até cheguei a pensar que ia ter problemas na Alfândega, o que ainda bem não aconteceu. A questão é que um belo dia acabou o meu estoque, e nunca mais os encontrei em lugar nenhum.
O certo é que tive a oportunidade de conhecer alguns outros tabacos ingleses que já nem me lembro dos nomes, o que faz ter um profundo arrependimento de ter jogado fora a coleção de embalagens que possuía. E todos eram excelentes. Não me esqueço, no entanto, de um chamado Golden Block que era simplesmente fora de série. Fumei logo que voltei ao hábito do cachimbo por volta de 1982. Nos anos seguintes ainda o encontrava, vez por outra, nas boas casas do ramo.
Havia, porém, um fumo inglês – que infelizmente deixou de ser fabricado – que é inesquecível. Trata-se do Balkan Sobraine Original Smoking Mixture. Na década de 1980 eu encontrava facilmente em muitas tabacarias aqui do Rio. Eram latas (como as dos Dunhill). O blend era composto de tabacos Virgínia claro e escuro e enriquecido com folhas do oriental Latakia. Fabricado pela Sobraine de Londres, encontrei também outras qualidades como Mixture 759, Scotish 3 e Aromatic 7 do mesmo fabricante. Mas nenhuma delas como a Original Smoking Mixture. Era indescritível, chegando a bater os Dunhill em seu aroma e sabor. Um tabaco maduro, consistente, envolvente. Uma preciosidade mesmo.
O drama é que, atualmente os Dunhill também não são mais encontrados no mercado. Já perguntei em várias tabacarias e a explicação é que os importadores suspenderam o negócio com os fabricantes dos tão preciosos tabacos. E a gente fica a ver navios... órfãos saudosos de fumos que não podemos esquecer. É preciso que alguém viaje para que possamos encomendar. E isso é algo muito chato. Eu detesto ficar pedindo para as pessoas me trazerem alguma coisa, porque sei o quanto é difícil arranjar um tempinho em viagens, na maioria das vezes corridas.

(1) Aliás, característica de muitos tabacos ingleses, as latas são abertas apenas quando se coloca uma moeda em sua lateral e torcendo-a, possibilita-se a entrada de ar. Ouve-se um barulhinho (tipo tshiii) e daí é só torcer a tampa e abrir os fumos, geralmente muito bem conservados.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Crise e xenofobia

Uma onda de comportamento xenófobo invade mercados que se sentem ameaçados pelo desemprego. Na Itália, um Decreto de Segurança dá aval até para que médicos do sistema público de saúde se tornem delatores de imigrantes ilegais. Na Espanha, onde o desemprego chega a quase 16%, os estrangeiros têm sofrido muito.
“Empregos britânicos para trabalhadores britânicos”. A frase, do primeiro ministro Gordon Brown, vem sendo repetida por aqueles que apóiam medidas restritivo/nacionalistas com relação ao mercado de trabalho. Espera-se que o desemprego (hoje em torno de 6%) continuará crescendo até 2010, segundo previsões do próprio governo. O Reino Unido ao ser afetado pela onda de xenofobia que atinge a Europa, culpa os imigrantes pela grave situação do emprego no país.
Nos Estados Unidos o senador republicano Chuck Grassley, escreveu uma carta à Microsoft pedindo que seu executivo-chefe dispensasse primeiro trabalhadores estrangeiros com visto de trabalho temporário. E há antecedentes no passado. No bojo da crise de 1929, grupos étnicos minoritários (imigrantes) dos países mais atingidos passaram a ser discriminados por grande parte da população, porque, na visão de muitas pessoas, estes grupos étnicos competiam com as “populações nativas” atingidas pelo desemprego. Isto, aliado à forte recessão econômica da década de 1930, fez com que as taxas de imigração caíssem no Canadá e nos Estados Unidos.
Por outro lado, a situação tende a se agravar com os anúncios constantes de multinacionais divulgando que vão despedir milhares de empregados em diversos países. Medidas protecionistas, tanto nos EUA através da política “Buy America”, criada por Obama (1), que está a gerar polêmicas com diversos países, inclusive o Brasil no tocante à indústria do aço, quanto na França de Sarkozy, mostram um outro lado dessa xenofobia. Um fenômeno que, parece, está novamente a crescer em grande escala.

(1) O governo Obama está a tomar medidas que fazem lembrar a “velha” política dos Estados Unidos, quando este protegia-se do mundo através do “isolacionismo”. As medidas protecionistas quanto às siderúrgicas vão quebrar muitas empresas que hoje exportam para aquele país.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Palavras

Outro dia, conversando com meu filho sobre “O rato que ruge” (The Mouse That Roared – 1959) de Jack Arnold, um excelente filme em que Peter Sellers interpreta três papéis, cada um melhor do que o outro, evoluímos o nosso papo e acabamos falando também sobre “A dança dos vampiros” (The fearless vampire killers – 1967) de Roman Polanski, outra excepcional comédia.
A questão é que eu comecei a achar muito engraçado que a língua bretã tenha algumas características interessantes, como tratar “corajosos” como “não medrosos”. Posto que a tradução ao pé da letra seria mais ou menos “os corajosos caçadores de vampiros”.
“Forma complicada de pensar”, disse-lhe eu.
Meu filho, que, para além de formado na língua inglesa, também se graduou em latim clássico na UFRJ e conhece bastante de português e de lingüística, retrucou dizendo que em nossa língua o filme poderia perfeitamente ter-se chamado “os destemidos caçadores de vampiros” ao invés de “os corajosos...”. Parei para pensar o quanto destemido era semelhante a fearless. Ou seja, o sufixo “des” é a negação (ou a ausência), no caso específico, de temor. Em outras palavras: ausência de temor. Algo semelhante à expressão inglesa. Daí vem des-acreditar, des-ligar e tantas outras. Senti-me o torto a falar do aleijado.
Às vezes, ou grande parte das vezes, dizemos palavras sem sentir, ou sem nos preocuparmos com a sua morfologia. Falamos por falar e esquecemos o que há por detrás dela.
Palavras, leva-as o vento... mas nem tanto. Prestemos atenção. Vale a pena.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Existe luz no fim da tela

Desgraça 1: um assalto. Desgraça 2: um seqüestro. Desgraça 3: um arrastão. Desgraça 4: uma menina é esfaqueada pelo pai. Desgraça 5: uma outra menina cai da janela do prédio. E de desgraça em desgraça, os jornais televisivos vão aprimorando a sua marcha irreversível rumo à sua característica de imprensa marrom.
É impossível se assistir um noticiário na televisão aberta e não se deparar com este quadro sinistro. Uma desgraça se somando à outra numa escalada alucinante. Parece que não se consegue dar uma linha, uma “noticiazinha” boa. Não que o mundo seja cor de rosa. Sabemos da dureza da vida e não estamos a fim de uma saída alienada e “escapista” da realidade que nos cerca. Mas...
Fora as distorções impostas pela mídia na construção de mitos. A paulicéia é tão ou mais violenta que o Rio de Janeiro. Eu não assisti, porém me contaram um dia desses que um jornalista de uma rede paulista teria dito abertamente que em São Paulo, as favelas não são (como no Rio), dominadas pelo tráfico. E as ações do PCC? E a guerra de facções criminosas ligadas à distribuição das drogas que pararam a capital daquele estado – a maior cidade do país – por inteiro durante mais de três dias, cerca de dois anos atrás? Existe um esforço destes setores da mídia para classificar a terra carioca como o único fenômeno da violência em todo o país.
O que aconteceu em Paraisópolis, favelão com 100 mil moradores incrustrado em pleno Morumbi, foi conseqüência de uma ação da polícia contra setores do tráfico. Uma resposta direta a essas ações. Acontece que em Sampa, a maioria dos bairros paupérrimos estão no entorno da cidade, na chamada periferia. O que acontece ali, pouca repercussão tem sobre o que as classes mais privilegiadas presenciam no seu dia a dia. No caso de Paraisópolis (o nome diz tudo), os acontecimentos assumiram características de uma revolta popular liderada por “excluídos”, como as que vimos em anos recentes nos subúrbios de Paris. Até porque esta comunidade está no meio da cidade, vizinha a bairros “chics”.
Mas existe um telejornal que se diferencia de tudo isto. É o “Repórter Brasil” da TV Brasil, ex-TVE do Rio de Janeiro (1). Este programa jornalístico esmera-se em dar notícias variadas, aborda as questões citadas acima, mas também nos ilustra com análises sobre elas com entrevistas e depoimentos de especialistas, tais como sociólogos, psicólogos e outros. Para além disso, nos informa outras atividades mais construtivas da sociedade civil e seu empenho em superar problemas sociais que vivemos neste mundo cão de um país terceiromundista que somos.
Quando vejo um informativo como aquele, penso sempre o quanto podem ser mescladas boas e más notícias. Não como “fuga”, mas como conhecimento do que possa estar acontecendo. Para um lado e para o outro. E chego à conclusão que nem tudo está perdido. Que existe a possibilidade de se informar com isenção e em todos os níveis. Uma esperança de que um dia possam haver noticiários que mostrem o que o país é como um todo. O que se destrói, mas muito importante, também o que pode ou está a ser construído por nós, o povo brasileiro, em ações de cidadania visando o equilíbrio e uma melhoria das condições de todos que habitam este país.

(1) Não sei em quantos estados está funcionando a TV Brasil, que começou como Canal Brasil. Sabe-se, no entanto que ela é transmitida em vários locais dentro das programações das TVs Educaticas ou Universitárias locais, sendo emissoras abertas e de fácil acesso a todos.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Corrientes, 348...

Publicado em abril de 2008 no Pensatas...

Estivemos em Buenos Aires no ano de 1985. Até então, eu nunca saíra do Brasil (1). E o contato com uma cidade “quase” européia foi simplesmente deslumbrante, apesar de termos chegado durante a implantação do “Plano Austral”, coisa que bagunçou todo o câmbio e deixava a gente “mais perdido do que cego em tiroteio”.
Buenos Aires é uma cidade fantástica. Andar pela Calle Florida, descobrir as Confiterias e suas delícias na hora do chá. Percorrer os bares da Ricoleta, devorar um bife de chorizo numa casa de Parrillas, passear pela maravilhosa “Feira de Santelmo”, ou pegar a “Linha 1” do metrô com seus “bondes” velhos mas poéticos (2), são programas que não se podem deixar de fazer. Isto sem contar a “visita obrigatória” à casa de tango.
Como em Madri ou Barcelona, é comum verem-se casais adentrar a madrugada, com seus bebês dormindo a tiracolo, catando lugares em algum barzinho da vida para saborear um bom vinho. Aliás, também como na maioria das cidades espanholas, Buenos Aires parece que morre entre as seis e nove da noite. Aí então começa o burburinho, a grande invasão dos amantes da noite. Acho isso fora de série. Costumo dizer que se não fosse a violência, o Rio de janeiro seria sempre assim. E até, em certo sentido, já é. Está aí a Lapa que não me deixa mentir.
Cinco anos depois eu estava morando na Europa. E me lembrava que Buenos Aires fora uma espécie de estágio para aqueles momentos. A emoção que tive quando percorrí a avenida dos Champs Elisées com o “Arco do Triunfo” ao fundo não foi muito diferente daquela na noite em que cheguei na avenida Corrientes (3), cheia de gente alegre, e lembrei daquele número 348, que a imortalizou.

(1) Minha mulher já havia saído do Brasil, pois, trabalhara em turismo. Em determinada ocasião a PanAm, financiou uma verdadeira volta ao mundo para ela e outros agentes de viagem. No início de 1972, ela simplesmente conheceu Caracas, Nova Iorque, Tóquio, Hong Kong, Honolulu e Los Angeles, numa viagem de quase um mês de duração.

(2) O metrô de Buenos Aires, conhecido como “el subte” foi um dos primeiros do mundo. Inaugurada em 1913, a “Linha 1”, até hoje conserva seus carros originais. Por acaso, a estação dela ficava ao lado do nosso hotel, na esquina de Florida com 9 de Julho, quase em frente ao Teatro Colón.

(3) Este endereço da Avenida Corrientes foi imortalizado pelo tango “A media luz”, cuja letra narra os encontros amorosos entre jovens de classe alta e as mulheres da noite, “La Cumparsita” e outros.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Convergências e divergências em Davos e Belém

Os dois fóruns, o Social Mundial em Belém e o Econômico Mundial em Davos, mais uma vez aconteceram. O primeiro a defender as posições dos países pobres, a ecologia e as preocupações sociais, com base em sua “Carta de princípios”. O segundo com o objetivo de reunir e congregar os abastados da economia mundial.
Desta feita, porém, em Davos aconteceu uma programação pobre em comparação com as edições anteriores, suprimindo champanhes, caviares e outras superficialidades como a presença de estrelas da música e do cinema na cidade suíça. “Definindo o mundo pós-crise”, o seu tema central já resume um pouco de suas preocupações, que sucedem à orgia neoliberal que assolou o capitalismo. As estrelas da edição de 2009 do encontro em Davos, foram estadistas e políticos. E a razão disso reside no clima recessivo e no colapso do modo de funcionamento do sistema financeiro.
Um dos incidentes que marcou o fórum, foi o protesto do primeiro-ministro turco, Tayyip Erdogan, quanto aos ataques de Israel à Faixa de Gaza, que provocou uma discussão acirrada com Shimon Peres e fez Erdogan ser aclamado como herói em sua volta a Istambul. Outro foi a manifestação em Genebra contra a proibição a ela mesma, ou seja à sua realização como desagravo à globalização, bem como à realização do encontro na Suíça.
“Um outro mundo é possível” (1) foi o tema central em Belém do Fórum Social Mundial. Para os organizadores, após a “crise do sistema capitalista”, o desafio dos participantes da edição deste ano foi tentar mostrar que mundo é este. Ou que mundos são estes, já que a pluralidade foi uma marca do fórum.
É importante ressaltar que hoje são realizados fóruns sociais locais, regionais, nacionais e temáticos em várias partes do mundo. As realizações dos fóruns sociais das Américas, cuja última edição foi na Guatemala em 2008 foi uma demonstração deste esforço.
Além do presidente brasileiro, outros quatro chefes de Estado americanos marcaram presença neste Fórum Social Mundial. Evo Morales (Bolívia), Hugo Chavez (Venezuela), Rafael Correa (Equador) e Fernando Lugo (Paraguai) participaram de um debate na quinta-feira (29) focados no tema a “América Latina e a crise financeira internacional”.
Chávez mais uma vez levantou a bandeira da independência da América ao sul do Rio Bravo atacando os Estados Unidos e sua política dominadora. Duvidou das possibilidades de Obama alterar substancialmente as relações daquele país com o mundo, o latino-americano em particular, e afirmou que Bush passou para a história como terrorista e torturador.
Grupos manifestaram-se publicamente a favor da união dos países americanos do sul durante a presença destes presidentes no fórum.
Como um dos destaques, 28 de janeiro foi o “Dia da Pan-Amazônia”, englobando os 500 anos de resistência, conquistas e perspectivas afro-indígena e popular, com a participação de tribos amazônicas, e várias manifestações e debates.Este fórum dedicou-se a levar ao mundo as vozes da Amazônia (até por acontecer nela) e se constituiu de diversas atividades neste sentido, como testemunhos de habitantes da vasta região que engloba diversos países do continente, conferências e homenagens, celebrações e mostras culturais.
O Fórum Social Mundial em Belém não alterou o seu objetivo, que foi sempre o de congregar os países e povos carentes ao redor do planeta em ações de co-responsabilidade e a luta pelo equilíbrio ecológico, e, propôs inclusive uma economia “solidária”, que não promova o “consumismo”.Já o Fórum Econômico Mundial, em Davos, pela primeira vez estendeu suas preocupações para a presença do Estado como regulador dos excessos do capital “desatinado”, volátil e especulativo. Um fórum, pode-se dizer, de auto-críticas, que aconteceu em momento de fragilidade nos conceitos que lhe deram origem. De alguma forma, uma convergência para a crise que se estende pelo mundo a partir dos EUA, originada pela “bolha” do mercado imobiliário naquele país. Obviamente com óticas bastante divergentes.

(1) Um tema que surgiu em Porto Alegre durante o I Fórum, e continua sendo o mote para as lutas e desafios a que se propõe o movimento.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

D’Ouro que não te esqueço...

Publiquei este post no Pensatas, um domingo em janeiro de 2008. Estou a republicá-lo neste Novas Pensatas, também num domingo, pouco mais de um ano depois.

Num domingo qualquer, qualquer hora... pegávamos o carro e subíamos o D’Ouro. Este passeio foi um prazer que se repetiu, sei lá eu quantas ocasiões, nos anos em que moramos em Portugal. Às vezes fazíamos uma viagem rápida. Outras adentrávamos rio acima e o destino era Peso da Régua. Um programa de um dia inteiro, que incluía o almoço naquela cidade. Sempre me recordo de alguns embutidos e um Arroz de Mariscos impecável que lá comi em determinada ocasião.
Mas, qualquer que fosse o passeio, o agradável clima mediterrâneo daquela terra ajudava uma viagem cuja paisagem era sempre exuberante e variada. O D’Ouro tem às suas margens bosques, vinhedos, e constantemente montanhas. No inverno, a névoa fria encobre muitas de suas curvas, mas lhe acrescenta um charme poético e misterioso. Nas temporadas de caça, era muito comum vermos caçadores com suas armas a tiracolo e algumas lebres ou aves penduradas no alforje. Em muitas ocasiões, seguíamos o curso do rio por pouco mais de uma hora e retornávamos logo acima de Rio Bravo, uma aldeia que eu sempre dizia, mais parecia estar num filme de John Ford.
Mesmo no Porto, o rio visto do Cais da Ribeira, ou da margem oposta, em Vila Nova de Gaia, é deslumbrante e inesquecível. Gostávamos de almoçar aos domingos naquele bairro ribeirinho, onde proliferam excelentes restaurantes rodeados de vetustas construções com centenas de roupas penduradas em suas sacadas, tendo como pano de fundo os barcos Rabelos e a ponte Dom Luiz. Por vezes, após as refeições, descíamos em direção à foz para ter a emoção de encontrar o mar, de forte significado para um povo que dele fez a sua grande razão de ser.
O por do sol no D’Ouro é uma das visões mais impressionantes que jamais assisti. Daí se compreende o nome do rio, porque o dourado que dele emana reflete e contagia tudo em torno, transformando e tornando mágica a sua existência. D’Ouro. Nem mesmo o tempo pode apagar todas as belezas que se revelaram ao contemplá-lo. Como dizem os portugueses: “algo a não esquecer!”.