sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Reais intenções golpistas

Simpatizantes do deputado Fernando Gabeira voltaram a invadir a internet com spams, blogues, e correntes de e-mails – ações estimuladas por ele durante a campanha –, desta feita para organizar um protesto, contra o resultado da eleição. É importante lembrar que Gabeira perdeu para Paes por uma diferença de 55 mil votos.
Fica evidente que o referido ex-candidato tem comportamentos e atitudes semelhantes às utilizadas pelos nazistas. Usando os pequeno-burgueses que formam a base de seu movimento o derrotado pretendente à prefeitura do Rio de Janeiro quer colocar em questão o voto eletrônico.
Claras as intenções golpistas deste ex-pretendente à prefeitura. Teria sido melhor se ele fosse se exibir na praia com seu biquinezinho de crochê...

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

O desastre Henry Ford

Este artigo foi publicado no antigo “Pensatas” em maio de 2007.

Quando vemos notícias de que os engarrafamentos em São Paulo atingiram mais de 200 quilômetros, ficamos assustados. Para além disso, quando sabemos que a mesma cidade ultrapassou a quantidade de seis milhões de veículos automotores chegamos à conclusão que é um número talvez exagerado para as possibilidades existentes de escoamento do trânsito. Agora então, com o grande “boom” na indústria automobilística a coisa tende a tomar proporções antes não imagináveis. Atualmente são mais de 50 milhões em todo o país.
Mas, pergunto eu, pra que tanto automóvel? Pra que tanta gente saindo de casa para se deslocar em seus veículos, sozinhas na maioria das vezes. Para conhecer melhor as razões desta conduta precisamos voltar no tempo... cerca de um século. E nos abstrairmos de algo que está incutido em nosso comportamento no dia-a-dia de tal forma que se torna muito difícil para a maioria das pessoas fazerem algum tipo de questionamento. Hoje, vemos o popularmente conhecido carro, quase como um fenômeno natural e inserido na paisagem das cidades e até do campo.
Bom, o negócio todo começou a tomar um formato gigantesco a partir de um sujeito que as classes dominantes costumam idolatrar chamado Henry Ford. Sei que o “pobre diabo” foi apenas o instrumento de uma etapa, e que se não fosse ele teria sido outro. Mas é preciso que o julguemos pelos seus atos a partir de uma simples premissa: o mundo tornou-se muito pior depois dele! Quando Ford lançou o “Model T” (1) – aqui conhecido como Ford de bigode – lá pelos idos de 1908, estava inaugurando, pela primeira vez, a produção em massa deste monstrinho de quatro rodas. E, claro, como “bom burguês” que era, estimulando e ajudando a consolidar o individualismo no comportamento social.
Sim, o transporte individual é um componente importantíssimo na escala de valores social-filosóficos da burguesia. Com ele, classes e camadas sociais se diferenciam através do status, gerando a competição, e por causa dele as pessoas se isolam cada vez mais daqueles que os cercam. Sempre fico a pensar o quanto uma sociedade justa não teria algo assim. O agravante é que, principalmente nos países do terceiro mundo (entre os quais nós estamos) deixou-se relegado a segundo plano o transporte de massas. As redes de metrô no Brasil são ridículas, inclusive a da cidade de São Paulo (2), que costumamos achar um “modelo”. Não restaram muitas alternativas para o cidadão comum se deslocar com conforto a não ser com o automóvel, na maioria das cidades
Ademais o veículo é um dos principais canais de poluição em nossos dias, tendo sido também o grande “culpado” pela desativação de importantes ferrovias no Brasil e em outros países chamados “emergentes”. A construção de rodovias e o uso inadequado de caminhões nesta malha que se deteriora facilmente é um “cancro” que o país enfrenta, e todos sabem disso. Graças ao “desastre Henry Ford”, o Mr. Hide que muitos proclamaram como Dr. Jekyll.

(1) A produção do “Model T” foi mantida até 1927. Pouco tempo após realizar uma cerimônia para apresentar o veículo de número 15 milhões, Henry Ford concluiu que era chegada a hora do Ford de bigode ceder o seu lugar a uma nova geração.
(2) O site UrbanRail.Net (
http://www.urbanrail.net/index.html) inicia o seu texto sobre o metrô paulistano da seguinte forma: “São Paulo's is among the younger metros in the world and it's considered one of the most modern although today's extension does not cover all areas of this populous city.”

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Cinema. Quem te viu, quem te vê

O Professor Setaro (1), além das excelentes matérias sobre cinema, tem publicado muitas observações pertinentes sobre as salas exibidoras de ontem e de hoje no seu blogue, cujo link se encontra aí ao lado.
Entre outras coisas, fica evidente nestes artigos, que as salas existentes são tão impessoais e estandartizadas, que dificilmente conseguimos nos lembrar onde vimos um determinado filme. Setaro cita exemplos de filmes que assistiu em outros tempos, quando os cinemas em que foram exibidos (2) ficaram gravados na sua memória. Isto porque cada sala tinha uma personalidade definida. Até comentei a propósito, citando casos semelhantes. Como “Os dez mandamentos”, que assisti no Ópera (hoje uma loja da Casa & Vídeo) ou “A volta ao mundo em 80 dias” no Vitória, que, em ruínas, virou um deplorável estacionamento.
Um outro aspecto importante abordado por Setaro é o do encolhimento das salas, e conseqüentemente do público. Em seu artigo Cinema, hoje, é entretenimento de uma elite ele diz: “...Na década de 50, o Brasil tinha perto de dez mil salas exibidoras. Em 1975, já se contavam apenas cinco mil. No ano passado, chegou a mil e novecentas...” Isso mostra como diminuiu o total de salas, e os lugares disponíveis, pois os cinemas também encolheram no tamanho.
Os números são assustadores e temos que nos lembrar que, se cinema um dia foi um entretenimento de massas e barato, hoje os preços das entradas quase se equiparam aos do teatro. Ademais, os cinemas de um modo geral eram grandes. O Olinda, na Praça Saens Pena chegou a acomodar 3.500 pessoas (3). Também era emocionante assistir ao espetáculo das luzes se apagando num jogo de cores e o gongo anunciando que a sessão ia começar. Eram geralmente três gongadas e aí começavam os trailers, os cine-jornais e os curtas que precediam o filme.
Cinema virou programa de rico. Pobre não vai mais, simplesmente porque não pode. E é duro admitir, mas esta diversão virou a simples extensão de um programa no shopping. Por isso mesmo a invasão de refrigerantes e hamburgueres, sem contar as pipocas. Existia o baleiro a circular nos corredores com sua lanterninha, e em outros as bomboniéres repletas de drops e outras guloseimas que têm muito mais a ver.
Outro exemplo eram os chamados “poeiras” e suas cadeiras de pau. Eu me lembro do Guanabara, que no verão, à noite abria seus janelões laterais para ajudar a ventilação, porque ar condicionado naquele tempo era artigo de luxo. E por falar em luxo, é importante lembrar que até nas salas mais sofisticadas os preços eram accessíveis.

(1) André Setaro é um dos maiores conhecedores da sétima arte no Brasil. Além de crítico em jornais e na internet, é professor de cinema na Universidade da Bahia.
(2) A propósito, escreve Setaro nos comentários de uma das suas matérias: “Associava, antes da avalanche multiplexada, do 'fast-food cinematográfico' imperante nas salas, sempre, o filme ao cinema, o cinema ao filme. Os grandes espetáculos hollwyoodianos, vi-os no majestoso Tupy: ‘Os dez mandamentos’, ‘Ben Hur’, ‘El Cid’, ‘A queda do império romano’, ‘Spartacus’, ‘Dr.Jivago’, ‘...E o vento levou’, etc.”
(3) O Olinda talvez tenha sido a maior sala do Rio de Janeiro. No entanto o Palácio, o São Luiz ou o Roxy tinham capacidades semelhantes.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Sinuca de bico

Durante muitos anos torci pelo declínio da Rede Globo. Afinal, o “produto mais bem acabado da ditadura”, a “vênus platinada”, e outras designações que surgiram para a líder absoluta da TV aberta, precisava ter alguma similar que a ela se emparelhasse e a ameaçasse como truste da comunicação. No capitalismo a concorrência é necessária, e sem ela as coisas tendem ao acomodamento e a se nivelar por baixo.
Hoje estamos assistindo – ao vivo e a cores – vários de seus programas caírem assustadoramente, perdendo posições anteriores, quase tidas como imbatíveis. Mas, o que parece o fim de um problema pode ser o embrião de um outro maior ainda.
A Record vem subindo e procurando disputar com ela o cetro de maior audiência. A grande questão é que esta rede é propriedade do famigerado bispo Macedo, e trás em seu encalço a Igreja Universal do Reino de Deus, uma fábrica de ludibriar almas inocentes e perdidas no “vale das sombras”. A verdade é que Macedo faz os Marinho parecerem santas criaturas.
Por muito tempo, o SBT chegou a ser o concorrente mais evidente. Juro que não acho o senhor Abravanel flor que se cheire, mas entre ele e o referido bispo... Ah, se fosse eleição poderia até fazer como na recente – pela prefeitura do Rio – e anular o meu voto. Mas não se trata disso. E, infelizmente, nessas horas tem-se que reconhecer que o povo brasileiro não tem muito para onde correr, pois pode escapar da toca da onça e cair nas garras de um tigre faminto. Uma verdadeira sinuca de bico...

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O passarinho do bico grande

Esta historinha é do tempo em que os bichos falavam. Qualquer semelhança com pessoas da vida real não é mera coincidência.

Era uma vez um passarinho que tinha o bico comprido e resolveu apostar uma corrida. Só que os testes indicavam que o seu adversário tinha uma velocidade semelhante à dele, havendo assim um empate técnico.
Foi então procurado pela “bicharada” para dar uma opinião. Então ele disse: “Ah! Eu nem preciso correr muito, porque meu bico é muito comprido e vou ganhar por um nariz!”
Convencido de que isto era uma grande vantagem, começou a corrida crente que iria ganhar. Mas não contando com o chão escorregadio em que corria, pisou em falso e caiu. Levantou e tentou se recuperar, mas era tarde. Seu oponente ganhou.
Por um nariz. E dos pequenos...

domingo, 26 de outubro de 2008

Papo de cachimbeiro II

Postado anteriormente no Pensatas em fevereiro de 2007.

Estava a responder uma postagem de “Papo de cachimbeiro” e lembrei-me de quando comecei a fumar cachimbo.
Foi em 1966, em Salvador. Ganhei dois cachimbos de um primo. Um era um Compass do tipo apple, que eu tenho até hoje, passados quarenta anos, o outro, também inglês, um billiard com a famosa marca Dunhill. Um cachimbo excelente, que, infelizmente o tempo destruiu.
O certo é que comecei a achar que jovem fumando cachimbo era meio pedante. Julgava que tinham que haver uns cabelinhos brancos para justificar o hábito. Deixei de fumá-los, mas, guardei as preciosas peças.
Em 1981 a minha pressão foi parar nas alturas. Bom, na ocasião eu fumava uns sessenta cigarros por dia, quase que acendia um no outro. Se acordasse à noite, a primeira coisa que fazia era, ainda sonolento, esticar o braço ao criado-mudo e puxar um cigarro do maço.
O médico, então, me aconselhou a deixar o vício, sob pena de piorar mais ainda e até morrer. Mas ele foi incisivo. Fiquei impressionadíssimo e lembro que quando saí do consultório, joquei a carteira de cigarros no primeiro lixo que encontrei.
A decisão fôra súbita e radical, mas resolví mantê-la a todo o custo. Inicialmente, comecei a comprar balas em profusão. Recordo que entrava na Kopenhagen e saía com sacos e mais sacos de guloseimas. Comecei a ficar com medo de virar um hipopótamo, pois se já era gordinho, chupando balas daquele jeito, sabe-se lá onde eu ia parar.
Um belo dia, me lembrei dos “velhos” cachimbos. Onde estavam?, pensei com os meus botões. Chegando em casa, perguntei à minha mulher se os havia visto. Ela, imediatamente disse que o Gustavo, nosso filho (então com uns quatro anos) os guardava numa caixa de brinquedos velhos. Gelei! Puz-me rapidamente a vasculhar a caixa à cata das preciosidades. Depois de muito revirá-la, os encontrei inteiros entre playmobis e legos esfacelados. O que me deixou feliz.
E limpá-los! Como? Não tinha nada em casa. Era noite. Peguei o carro e fui á procura de um lugar para comprar tabacos. Recordava-me de dois locais onde poderia encontrar: o Mercadinho Azul em Copacabana, e o Lamas no Flamengo. Achei que a segunda opção seria melhor para estacionar e me mandei pra lá.
Na tabacaria comprei um pacotinho de Bulldog, um de Tilbury e outro de Irlandês*. Procurei um importado, tipo Prince Albert, London Dock ou Half & Half, mas, infelizmente não havia nenhum. Um limpador de metal e uma embalagem daquelas de limpadores descartáveis de algodão completaram a minha aquisição. Chegando em casa, limpei os dois cachimbos com uma expectativa e dedicação imensas.
Depois, foi acender e fumar. Importante, sem tragar. As primeiras baforadas foram difíceis, mas logo me acostumei. Finalmente, com trinta e seis anos, e, principalmente alguns fios de cabelos brancos, eu podia me entregar às delícias de um cachimbo.
Daí em diante... bom daí em diante fica para outra vez. Afinal, essa história é muito longa.

(*) Bulldog e Tilbury eram então fabricados pela Souza Cruz, e Irlamdês era, e ainda o é pela Wilder Finamore.

sábado, 25 de outubro de 2008

Um poema

Ontem estava a me lembrar de Zeca Afonso (José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos), que foi o autor de “Grândola Vila Morena”. Uma das músicas-senha* da Revolução dos Cravos, o movimento que derrubou Marcelo Caetano e o que restava do salazarismo em 1973. Minha singela homenagem a este poeta de nossa “fala”. Recordemos...

Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade
(...)
Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
(...)
Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
(...)
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O povo é quem mais ordena
(...)
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade

(*) A outra foi “E depois do adeus”, de Paulo de Carvalho, ouvida às 23h do dia 24. “Grândola”, a segunda, foi tocada no programa “Limite” da Rádio Renascença aos 20 minutos do dia 25. Foi o sinal para o arranque das tropas mais afastadas em Lisboa.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Será que era ele?

Proponho dar uma pausa no peso do dia-a-dia, da repugnância que tenho a Bushs, Obamas, McCains & Companhia, e das ânsias de vômito que me provocam os dois escroques candidatos a “alcaide” do Rio de Janeiro, e reler esta crônica, postada no “velho” Pensatas em março de 2007.

Fomos a Paris no verão de 1992. E estava realmente muito quente. A gente sempre pensa que o Brasil é quente e os países europeus não o são. Na verdade não fazem calor por tanto tempo quanto aqui, mas, durante os meses de verão as temperaturas sobem. E digo isso, porque na época morávamos no Porto, uma cidade fria e cinzenta durante boa parte do ano, mas que nos meses de julho e agosto fazia um calorzinho dos brabos.
Ficamos cerca de dez dias em Paris. O que é pouco, principalmente em se considerando a cidade que é. Andava-se o dia inteiro, Guia Michellin na mão, disposição para caminhar, pegar metrô, ônibus, mas, mesmo assim não deu para ir em todos os locais que queríamos. Graças ao Ronaldo Graça, um amigo que mora lá até hoje, tivemos uma ajuda muito grande, tendo sido nosso guia turístico. Com ele, passeamos um bocado. Principalmente nas áreas mais centrais. O Ronaldo nos levou aos Jardins de Luxembourg, à rue de Molfetta e seus famosos restaurantes, além de outras atrações no Quartier Latin, às ilhas do Sena, e tantos outros lugares inesquecíveis como a Saint Chapelle, o Hotel de Ville ou o Museu Pompidou.
Mas houve muitos dias em que andávamos sozinhos pelas ruas de Paris. Nosso hotel ficava no Boulevard Magenta, próximo à Place de Republique, e ao lado de uma estação do metrô, o que nos dava uma vantagem muito grande quanto à nossa movimentação pela cidade. Assim, sós, fomos ao Louvre e à Concorde. À torre Eifell, ao Arco do Triunfo, à Madelleine, um tour de barco pelo rio Sena, e até à EuroDisney, pois o Gustavo, ainda adolescente quis ir até àquele paraíso das crianças.
Era muito comum chegarmos no hotel, quase chorando de dor nos pés, e nos estatelarmos na cama após um banho quase frio, refrescando depois no ar condicionado. Num desses dias, perto do meio-dia, após muitas andanças, estávamos exauridos. O calor era tanto que víamos escandinavos jogados nos gramados, sem camisa e tomando uma cervejinha estupidamente gelada direto nas latas. Pois bem, chegamos à Notre Dame, local em que, aliás, já havíamos estado, mas que nos convidou a uma nova visita, pelo simples fato de termos os bancos da igreja para descansarmos.
Entramos e nos sentamos. Gustavo e eu ficamos nos bancos, os pés ardendo e latejando. Virgínia, assanhada, pôs-se a andar pela igreja mais uma vez. O que aliás, dado o seu tamanho, é perfeitamente compreensível. De repente ela volta apressadamente quase sem fôlego, afoita, cansada, mal conseguindo falar.
- O que foi? Perguntei eu...
- Vocês não vão acreditar. Pequena pausa, respirou fundo e apontou na direção de onde viera, continuando:
- Eu estava andando ali, e de repente, bem... de repente eu vi... juro que vi... um corcundinha entrando numa porta lateral!
Morremos de rir. Afinal, será que o tal corcundinha seria um descendente direto do famoso Quasimodus. Ou será que o clero de Paris sempre contrata um corcunda para ficar rodando pela igreja como atração turística? Um caso a pensar.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Invasão de privacidade

Em um dia que passei quase todo fora de casa, fiquei estupefato ao abrir minha caixa postal e encontrar nada menos que doze spams (1) enviados pelos correligionários do sr. Gabeira. E pensei com os meus botões... quanta perda de tempo! Cheguei a supor que automaticamente o outro candidato teria o meu voto. Se não fosse quem é, claro.
Em 2006, Jandira Feghali (PC do B) disputava com Francisco Dornelles (PP) uma vaga para a Câmara Federal e teria sido alvo de “spams eleitorais” (2). Segundo o TRE, Feghali foi prejudicada por adversários pelo envio de milhares de torpedos, que a apontavam como “a candidata do aborto”, para eleitores na véspera da eleição. Foi um trabalho profissional. Até hoje, a Polícia Federal não descobriu quem enviou as mensagens.
O fato é que a chamada “boca-de-urna eletrônica”, por intermédio de “spam eleitoral” passou a ter um peso maior nestas eleições. Muito embora, o coordenador estadual de fiscalização da propaganda do TRE, juiz Luiz Márcio Pereira, afirme que a ação é proibida por uma resolução do TSE, sendo sujeita a multas que vão de três a oito mil reais.
É tempo de ficarmos atentos ao abuso e à invasão de privacidade através de atos como este. Pelo menos, quanto mais acontecer, mais eu me convenço de que o voto nulo é a única opção viável nesta segunda volta das eleições municipais do Rio...

(1) O termo Spam, abreviação em inglês de “spiced ham” (presunto condimentado), é o termo usado para referir-se aos e-mails não solicitados, que geralmente são enviados para um grande número de pessoas.
(2) Matéria publicada no UOL em 25 de setembro, assinada por Diana Brito.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Um novo holocausto*

Mais de 650.000 civis iraquianos (2,5 por cento da população do país) morreram desde o início da ofensiva dos EUA no país (março de 2003), segundo cálculos levantados por especialistas da Universidade de Bagdad, publicados na segunda semana de Outubro pela revista médica britânica The Lancet. Uma trágica média de 130.000 vítimas por ano.
Apesar de em números absolutos os índices serem bem menores no Afeganistão, o número de civis assassinados em bombardeios no Afeganistão triplicou entre 2006 e 2007, segundo informe publicado pela organização Human Right Watch. Além disso, os erros nas operações que causam centenas de mortes de civis aumentam a repulsa da população quanto à presença de tropas estrangeiras no País.
A organização afirma que em 2007, mais de 1.700 civis foram mortos em ataques. A cifra foi divulgada no momento em que se discute o que ocorreu durante uma operação realizada no dia 22 de agosto, quando um bombardeio estadunidense matou dezenas de civis na localidade de Azizabad, a maior parte mulheres e crianças, enquanto o comando militar ianque alega ter matado de 30 a 35 talebãs, e apenas cinco ou sete civis.

(*) Holocausto: sm (gr holókauston) 1. Sacrifício entre os judeus e outros povos, em que a vítima era totalmente queimada. 2. A vítima assim sacrificada. 3. Sacrifício, imolação (fonte Michaelis).

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Caminhos do socialismo

Tenho falado sempre do livro “Marxismo, Modernidade, Utopia” e de seus autores Michael Löwy e Daniel Bensaid, principalmente no tocante à atualidade do pensamento de Marx nesta época de “barbárie” e de vigência do capitalismo “pós-moderno”.
Michael Löwy, nascido em São Paulo em 1938 é um pensador alinhado ao Materialismo Histórico, radicado na França, onde trabalha como diretor de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique, em Paris.
O francês Daniel Bensaid, natural de Toulouse (1946) é hoje professor de filosofia na Universidade de Paris. Fez parte do secretariado da IV Internacional, trabalhando também no Centre National de la Recherche Scientifique.
Procurei uma ponte de acesso ao livro na web e não consegui. Mas os links abaixo levam ao pensamento dos autores, o que, sem dúvida proporcionará aos leitores interessados um melhor contato com as suas idéias, sem dúvida importantíssimas em nosso momento histórico. Bom proveito...

Abaixo o endereço para uma entrevista de Michael Löwy:
http://www.socialismo.org.br/portal/filosofia/154-entrevista/352-marxismo-modernidade-e-utopia
E o de um artigo de Daniel Bensaid:
http://www.esquerda.net/index.php?option=com_content&task=view&id=4473&Itemid=121

domingo, 19 de outubro de 2008

Fábula

De vez em quando gosto de me aventurar no campo ficcional. Este conto foi escrito em 1996. E publicado anteriormente no “Pensatas” em fevereiro de 2007.

Um dia... um sapo

- Mas, sem dúvida você é um sapo.
- Eu estou sapo... apenas isto.
- ...Sei...
Olhou para o companheiro ao lado e falou entre os dentes:
- É mesmo um caso sério.
Voltou-se para o sapo.
- Conta um pouco do que você está sentindo. Fala.
O sapo coçou o queixo, olhou em torno, balbuciou uma palavra meio ininteligível.
- Está bem. Vou pensar. Quer dizer. Vou contar.
Parou por alguns instantes encarando os dois e continuou.
- Mas... vocês juram que não vão rir de mim?
- Claro.
Falou um deles.
Houve alguns instantes de silêncio. E o sapo sussurou novamente aquela palavra.
- O que você disse?
Perguntou o outro.
- O nome dela.
Respondeu o sapo.
- Ah... sei...
Completou o outro como se não entendesse nada. E continuou.
- Por que você diz que está sapo? Por que você não se diz um sapo?
O sapo riu.
- Ih. Mas isso é uma longa história.
- Tá bem. Começa a falar. A gente quer saber. Quem é ela? Como surgiu tudo isso? Conta pra gente, vai.
- Eu era um príncipe.
Disse o sapo ríspidamente.
Os dois se entreolharam desconfiados.
- Não me diga que é aquela historia da Carochinha. É você, afinal?
- Sim! Sim, sou eu.
O sapo tinha um olhar triste, distante, longínquo.
- Você está quase chorando.
- Penso na minha amada. Penso no meu encanto. Penso o quanto sou infeliz.
- Ah! Cara, também não é assim.
- Pimenta no dos outros...
- É, você é um sapo diferente mesmo. Nunca vi um sapo sofrer tanto. Como é que começou tudo isso?
- Ah! Não me diga que você nunca leu a historinha?
- Claro. Quem não conhece?!
- Então você sabe de tudo, né?
Os dois confabularam alguma coisa. Olharam o sapo atentamente.
- Mas como é que aconteceu? Porque você continua sapo?
O sapo parou por alguns instantes. Soluçou. Encarou os dois.
- É. Vou contar pra vocês... um dia, um dia desses, um dia como outro qualquer, eu estava no brejo e fui andando, andando e cheguei a um belo jardim. Eu juro... a condição de sapo já era pra mim uma coisa tão normal. Ih, já havia se passado tanto tempo... bom eu sei que isso já nem me importava tanto, mas...
- Mas?...
- Mas é que eu ouvi uma voz. Ela soava como mel para mim. Era doce, feminina. Indescritível. tem vozes e tem vozes, certo?
Os dois balançaram a cabeça uníssono.
O sapo continuou:
- Ai eu virei na sua direção e eu vi.
Pausa.
- Viu o que?
- Vi a donzela mais charmosa, mais encantadora da minha vida. Seus cabelos longos deslizavam suavemente sobre aqueles ombros sensuais num contorno harmonioso. Seu olhar era terno, seu corpo esguio, elegante. Seu sorriso, inebriante. A sua face. Ah, a sua face! Jamais havia visto uma beleza tão esplendorosa. E o seu andar!? Tocava o chão com a delicadeza de uma onça no cio. Fui acometido de uma súbita paixão. Meu coração disparou... foi amor à primeira vista.
Outra pausa. O sapo olhava fixo em frente, perdido em seus pensamentos.
- E ai... e ai?! Perguntou o outro ancioso.
- Hem! Hã... sei... onde é que eu estava mesmo?
- Você tinha visto uma mulher que balançou o seu coreto.
- Sim. Sabe a flor mais delicada de um jardim? Sabe a música mais suave aos seus ouvidos? Sabe o nascer do sol, o canto dos pássaros em revoada. Humm... nada disso era um centésimo da sua poesia. Eu, o sapo encantado estava finalmente, completamente encantaaaaado.
- Bom, mas na história tem o negócio do beijo... O que você fez?
- Olha, cara, eu passei algumas noites sem dormir direito. Balbuciava o seu nome, o seu doce nome. E pensava, pensava, pensava. Afinal, como é que um sapo pode conseguir o beijo de tão encantadora criatura?
- É mesmo uma situação braba!
- Eu tinha que chegar perto dela e dizer de alguma forma. E foi o que eu acabei fazendo. Mas, eu não sei se não esperei o momento certo, sabe como? Talvez eu tenha sido muito impetuoso, precipitado, voraz. Mas eu não podia mais. Estava possuido, completamente envolvido.
- E...?
- E... aconteceu o pior. Ela jamais iria amar um sapo feio como eu. Dar-me um beijo então, nem se fala. Daí... estou eu aqui... sapo, um simples sapo. Por quantas centenas de anos mais eu não sei, pois talvez nunca volte a amar nenhuma outra mulher. Triste, triste amar sem ser amado!
- Triste amar sem ser amado. Disse um.
- Triste.
Completou o outro.
O sapo olhou os dois. Virou-se, e, cabisbaixo retirou-se, balbuciando o nome de sua amada, o olhar perdido no infinito...

sábado, 18 de outubro de 2008

Um país em coma

Há uma grande diferença entre o “caso Isabella” e o “caso Eloá”, podemos chama-lo assim. No primeiro, foi construído (apesar de fortes evidências), o assassinato da menina. No segundo é evidente o quadro que aconteceu no teatro da vida. Não existem suposições pois todos os atores estavam em seus papéis.
Restam-nos, porém, algumas dúvidas acerca dos momentos finais de seu desfecho. Se os tiros foram dados pelo ex-namorado da vítima ou pelas forças policiais que adentraram o recinto. Isso em pouco tempo, creio eu, estará devidamente esclarecido.
De qualquer maneira, fica o trauma. Fica a brutalidade do fato em si. Fica a comoção nacional, até provocada pela mídia, mas essencialmente fica a dor, pois ao longo de mais de cem horas ficamos de alguma forma ligados aos acontecimentos dramáticos no ABC paulista. O país entrou em coma...

Ainda sobre a Internacional Capitalista

Acrescentando dados a comentários feitos na postagem “A Internacional Capitalista”, as multinacionais, hoje, poderiam perfeitamente ser sediadas em algum lugar do Atlântico, ou qualquer outro oceano. A verdade é que nação passou a ser um empecilho para as suas ações. Em águas internacionais, elas seriam isentas de impostos e outras cargas que lhes atrapalham os lucros e os planos de expansão dos negócios.
Falando assim parece uma coisa absurda, ou o roteiro para um filme de ficção científica. Porém no Michaelis o seu significado traduz esta realidade: “adj (multi+nacional) que é do interesse de mais de uma nação.”
Em nossos tempos, o capitalismo “pós-moderno” pode escolher um local para se desenvolver, independente de necessitar daquele país para sobreviver. Se desejar, pode simplesmente fechar suas fábricas ali e reabrir em qualquer outro ponto do planeta que mais se lhe apeteça, sem que isso provoque qualquer tipo de ameaça à sua existência.
O conceito de nação, portanto, já não é mais uma razão fundamental para a sua existência. E a Internacional Capitalista é uma realidade. Seu objetivo é perdurar o sistema, enquanto nele houver condições de existir.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Ações e reações

Desde o caso Isabella, as massas têm sido um tubo de ensaio para a mídia na manipulação de seus sentimentos. Cheguei a pensar, em alguns momentos do referido caso, que a população iria partir para o linchamento público. Juro que pensei.
Agora, acabamos de presenciar o seqüestro de uma jovem de apenas quinze anos pelo namorado em Santo André, o “A” do ABC paulista, o produto mais bem acabado do capitalismo selvagem no Brasil.
Mas o problema maior é a velha questão do “ao vivo e a cores”. E, neste caso, levanto a questão de até que ponto presenciar o passo-a-passo dos acontecimentos seja bom ou não. Com este questionamento, longe de mim estar a pretender estabelecer um cerceamento da ação jornalística, mas apenas propor regulamenta-la. Como? Sem dúvida está a existir um abuso da “imprensa marrom” em busca da audiência a qualquer custo, tendo como público-alvo o pequeno burguês fascistóide das grandes cidades brasileiras.
Reações da população em momentos assim são incontroláveis. No dia em que o povo resolver pela execução sumária e a justiça pelas próprias mãos de assassinos como o rapaz de Santo André ou o casal Nardoni, não se vai poder reclamar. Aliás, para certos setores do jornalismo, será a glória, pois essas são as suas intenções visíveis.

A Internacional Capitalista

Postagem originalmente publicada no “Pensatas” em 16 de outubro de 2007.

“Dentro da globalização tem-se a tendência a flexibilizar a produção, espalhando a produção por várias partes do globo. Dessa forma, uma das conseqüências da globalização é dar novo destino ao espaço, que pode se valorizar, revalorizar ou desvalorizar, mas em qualquer um dos casos criando um novo (referencial) simbólico".
(Heitor Ney Mathias, economista, em "As ruínas da cidade industrial).

A etapa globalizada do capitalismo “pós-moderno”, em plena “barbárie”, mostra uma coisa que de há muito se suspeitava: o capital não tem mais pátria.
Contraditoriamente, surgindo nos burgos (um burgo designa uma cidade comercial, que se desenvolvia fora das muralhas do núcleo urbano primitivo, senhorial), a burguesia organizou-se a partir da Idade Média, culminando na formação de países e nações, tais como os conhecemos hoje.
O feudalismo tinha uma composição muito distinta de nações (um feudo é uma porção de terra concedida por um senhor a um vassalo em troca de obrigações de fidelidade mútua). Os “países” eram aglomerados de feudos que se identificavam através de língua e costumes, muito mais do que por sentimentos patrióticos. As guerras eram muito mais religiosas, e, quando entre feudos, apenas para a ampliação daqueles que buscavam crescer. A partir da revolução burguesa, particularmente na Inglaterra e na França, o sentimento patriótico começou a se incorporar à ideologia burguesa e seus interesses econômicos mais imediatos. O conceito nação, tal e qual o conhecemos, começou a se consolidar então.
Mas, a burguesia, ao alcançar a sua etapa imperialista, iniciou uma transformação gradual em que ao capital, não havia mais o interesse em se manter aprisionado a fronteiras. Curiosamente, Karl Marx previa a necessidade de uma revolução proletária ser de cunho internacionalista, baseado no fato de que os interesses desta classe explorada não tinham fronteiras nacionais. Outrossim, naquela época, à burguesia era necessàrio manter pátrias para defender suas propriedades. Todavia, Marx não chegou a presenciar o desenvolvimento do capitalismo em sua etapa imperialista, tendo ele morrido antes deste acontecimento.
Coube aos pensadores do Materialismo Histórico entre finais do século XIX e início doXX viver este período. Vladimior Ilitch Ulianov (Lenin), escreveu em 1916 “Imperialismo, fase superior do capitalismo”, no qual já apontava distorções no comportamento da burguesia, como a do empresário Basil Zaharoff, que, numa guerra entre a Turquia e a Rússia czarista, armava simultaneamente os vasos de guerra de um dos países, e a defesa costeira da outra. Era um marco do capitalismo sem pátrias nem bandeiras. E uma nova forma de lucro incessante.
Hoje, Zaharoffs existem às centenas. A internacionalização do capital, retirou completamente da burguesia os interesses nacionais, o que pressupõe a existência de uma “Internacional Capitalista”. Por outro lado, a formação das elites operárias nos países mais desenvolvidos, criou um sentimento nacionalista no proletariado. Um nó górdio no pensamento de Marx. Um novo desafio aos caminhos das mudanças sócio-econômicas que podem propiciar o fim da exploração do homem pelo homem.
A atrofia da praxis, pós-Marx, gerado principalmente através do poder exercido pela burocracia soviética, também colaborou para que saídas para esta “arapuca” se tornassem mais difíceis. No século XX, alguns pensadores Materialistas Históricos independentes reposicionaram a questão, mas, suas palavras foram difíceis de ser ouvidas, abafadas tanto pela burguesia, quanto pela momenkatura na URSS. Sempre me refiro ao livro de Michael Lowy e Daniel Bensaid, intitulado: “Marxismo, modernidade, utopia”, uma publicação da Xamã Editora, que faz uma análise muito atual da situação. E que merece ser lido por quem tenha algum interesse pelo assunto.
Enquanto isso, temos que tentar sobreviver, na “barbárie” do sistema vigente, sabendo que os “capitalistas de todo o mundo estão unidos”. Se é que isto seja mesmo possível. E aí, a principal contradição de um internacionalismo impossível de se consolidar.

O texto de abertura foi extraído da coluna de Pedro Porfírio (15/10/2007) na Tribuna da Imprensa.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

O transtorno bipolar na economia

Uma crise econômica sistêmica, como a que está a suceder, não é simples, nem pode ser alterada por um momento de euforia de mercado. E aí a origem de toda a confusão; ela não é tão somente um abalo financeiro. A recessão já se instalou na economia estadunidense, e as bolsas vão subir e descer por muito tempo nessa maré sem rumo. Veja-se o que aconteceu ontem na Bovespa, quando as cotações despencaram mais de 11%, apenas dois dias após as ações terem alcançado patamares recordes.
A forma mais próxima de compreendê-la é fazendo uma comparação com o “Transtorno Bipolar”, que vem a ser uma enfermidade caracterizada pela alternância de episódios de euforia e de depressão, com épocas de relativa normalidade nos intervalos. Em geral, os episódios se repetem em períodos menores com o passar dos anos.
Ora, a euforia resultante de medidas da burguesia ao redor do mundo para tentar frear o quadro da atual instabilidade reinante nas bolsas de valores, é bastante comparável a esta doença, teorizada inicialmente por Emil Kraepelin, que a descreveu em seu Textbook of Psychiatry, publicado em 1899.
No entanto, antes disso Karl Marx já havia previsto toda a instabilidade do sistema econômico burguês há 150 anos atrás, quando o analisou. O capitalismo, em sua superestrutura mudou muito de lá para cá, mas a sua essência estrutural continua inalterada.
Marcello Musto (1), em brilhante resumo, disse durante uma entrevista que fez ao pensador e historiador Eric Hobsbawm: “... Ao longo de sua vida, Marx foi um agudo e incansável investigador, que percebeu e analisou melhor do que ninguém em seu tempo o desenvolvimento do capitalismo em escala mundial. Ele entendeu que o nascimento de uma economia internacional globalizada era inerente ao modo capitalista de produção e previu que este processo geraria não somente o crescimento e prosperidade alardeados por políticos e teóricos liberais, mas também violentos conflitos, crises econômicas e injustiça social generalizada.”
O que assistimos hoje, senão isto? E, para um eficiente efeito comparativo, à “Síndrome do Transtorno de Bipolaridade” aplicada na ordem econômica...

(1) Musto graduou-se em Nápoles (Filosofia e Política), tendo também estudado Filosofia em Nice. Após um período de pesquisas em Amsterdam, passou a viver em Berlim, onde, com outros estudiosos está a trabalhar na nova edição “histórico-crítica das obras de Marx e Engels”.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Saldos da guerra

Já está a se aproximar de cinco mil o número de soldados estadunidenses mortos no Iraque. Isto, naturalmente sem contar os de aluguel – aqueles das empresas de segurança – que naturalmente não são computados.
O Pentágono e a Casa Branca fazem o possível e o impossível para evitar a divulgação de imagens ou mesmo notícias sobre o fato. Isso porque as lições do Vietnam foram bem assimiladas. Naquela guerra, assistia-se tudo ao vivo. E as transmissões pesaram muito junto à opinião pública. É notório que a oposição à guerra na Ásia deveu-se muito a imagens e à permissividade noticiosa naquele período.
Ainda mais agora, às vésperas das eleições, com o curso da crise econômica (que insistem em classificar como apenas financeira), não lhes interessa de forma alguma que os números dos últimos cinco anos estejam no ar. O fato é que as estatísticas já superam a média de mortos em todo o período do conflito no Vietnam.
Enquanto ali tombaram 46.000 em mais de 16 anos (1959/75), no Iraque a coisa está um pouco mais feia. Por quê? Simplesmente pelo fato de que a evolução de décadas da tecnologia da guerra, evita que os combatentes entrem em combate. Dito assim parece uma contradição, mas não é. Hoje, tropas simplesmente não se envolvem em direto num conflito. Principalmente quando as forças oponentes não são convencionais. O apoio de helicópteros e mísseis, são estratégicos neste sentido.
No entanto, o saldo da guerra é catastrófico para os Estados Unidos. Após a derrota no Vietnam, a potência imperial encontra-se mais uma vez numa encruzilhada em uma guerra que, pensaram, seria um passeio. A população não quer mais os seus “rapazes” tombando no deserto, como aconteceu nas florestas da Indochina. Por outro lado, está difícil recuar.
Resta privatizar a guerra, por intermédio das empresas de segurança. Como a Blackwater e outras.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

E por falar em maniçoba

Enquanto a crise continua e os candidatos ao segundo turno se degladiam, a partir dos comentários na postagem “Guaíba”, um prato não saiu da minha cabeça. Comecei a pesquisar e cheguei à conclusão que pelo tempo que leva para ficar pronta, a maniçoba tem que ser um quitute de primeira. Segue a receita:

Ingredientes
3 kg de folha de mandioca moída;
1/2 kg de toucinho;
1/2 kg de carne seca;
1/2 kg de linguiça portuguesa;
1/2 kg de paio;
1/2 kg de lombo de porco;
1/2 kg de orelha de porco;
1/2 kg de rabo de porco;
Alho picado a gosto;
Pimenta de cheiro a gosto.

Modo de preparar
A maniçoba leva quatro dias para ficar pronta.
No primeiro, coloque a folha da mandioca moída numa panela grande com muita água.
Deixe ferver durante todo o dia em fogo brando, observando para não deixar secar.
No dia seguinte, coloque o toucinho e deixe ferver novamente.
No terceiro dia, escalde todas as carnes e coloque na panela da folha de mandioca para ferver. Mexa de vez em quando.
No dia seguinte, acrescente o alho e a pimenta e deixe ferver por mais 6 horas, mexendo de vez em quando.
Sirva com arroz branco e farinha de mandioca crua.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Cara de um, focinho do outro

A campanha de Fernando Gabeira, o “candidato / factóide / exibilóide” (1) está comendo solta na web. Sim, porque recebi somente neste fim de semana mais de seis e-mails não somente em sua defesa, como a atacar seu adversário. Jamais pensaria em defender Eduardo Paes. Por isto mesmo já declarei a minha intenção de anular o voto.
Mas uma coisa tem que ficar muito clara: ambos são farinha do mesmo saco. O “candidato / factóide / exibilóide”, com a intenção de resgatar o seu passado mais distante, por vezes, faz-se passar por esquerdista. Muito de leve, obviamente – até para não perder seus apoios (2) –, mas a tentar abduzir os menos informados. Acontece que ninguém que eu considere de esquerda me enviou algum tipo de mensagem a seu favor.
Por seu lado, Paes tem origens no PFL (no tempo dele o nome do Dem ainda era este). E tenta esconder essa mancha no seu passado, este até recente. Seu histórico mostra passagem pelo PSDB, no qual, oposição ao governo federal, acusou o sr. da Silva de ter uma“quadrilha”no Planalto. Agora tenta o seu apoio, custe o que custar.

(1) A alcunha é uma alusão a “alcaide / factóide / debilóide” criação de Hélio Fernandes em sua coluna na Tribuna da Imprensa para o prefeito César Maia.
(2) Gabeira tem o apoio de César Maia e o seu candidato a vice é do PSDB.

domingo, 12 de outubro de 2008

Guaíba

Para dar uma pausa em crises econômicas e eleições mal resolvidas, republico no domingo este artigo, um ‘recuerdo’ postado em março de 2007 no Pensatas.

A primeira vez que fui à Guaíba, ainda era uma aventura. Antes de mais nada esclareço que Guaíba neste caso não é o rio gaúcho, e sim uma fazenda em pleno recôncavo baiano, dos meus primos de sobrenome Prisco Paraíso (1).
Uma aventura que começava na forma de se chegar até lá. A gente madrugava para ir até o “Cais do Mercado”, na cidade baixa de Salvador para pegar o “vapor”, aquele mesmo que o Caetano cantou, o de Cachoeira.
A embarcação singrava os mares, atravessando a Baía de Todos os Santos, e adentrava o rio Paraguassú numa viagem inesquecível. “Quando chegar no meio da baía, o navio vai balançar muito”, preveniu tia Edith, com o ar professoral que os seus cabelos brancos e um passado de muitas idas à fazenda lhe proporcionavam. Dito e feito, quando o paquete chegou ao meio da travessia, jogou pra dedéu.
Coisa mais linda! Quando chegamos ao rio Paraguassú, sua largura, sua grandiosidade. A beleza de uma natureza privilegiada às suas margens. Nunca posso me esquecer daquele primeiro encontro com uma verdadeira lenda familiar. Meu pai me contava, desde que eu era pequeno, as cavalgadas, os passeios que se faziam na Guaíba. E estava eu ali, a cada nó navegado me aproximando...
Finalmente chegamos ao lugar em que íamos desembarcar, a ilha dos Franceses, bem no meio do rio. Daquele ponto em diante, saíamos do vapor e passávamos para canoas que nos esperavam para conduzir à fazenda. E o medo? Eu, um bicho de cidade grande, ali numa piroga, as águas ao lado, na altura do peito. O corpo abaixo do nível delas. As mãos a tocar o caudaloso rio. A sensação entre a surpresa e o medo.
Dez, quinze minutos depois, outra escala. Chegamos numa vila à “beira mangue”, onde morava a população local. Palhoças, casinhas simples enfileiradas, dezenas de outras canoas quase encostadas umas às outras. E ao fundo cavalos nos esperando. Nunca havia andado a cavalo. Tudo para mim naquele dia era uma grande novidade. Montamos os animais e pusemo-nos vagarosamente, em fila indiana a seguir uma estrada, melhor dizendo uma trilha que nos levaria à sede da fazenda, à “casa grande”.
O caminho, aos poucos subia cada vez mais. A casa ficava no alto. Era uma vista deslumbrante. Abaixo um grande vale em que se via o rio, as ilhotas em seu meio, e, bem em frente uma cidadezinha chamada Santiago, justo na margem oposta. Mais ao longe, Maragogipe, cidade maior, mas que podia ser melhor vista à noite, pelas luzes. Naquele tempo, anterior à CHESF (2), a prefeitura desligava a iluminação lá pelas 10 da noite. E era um programa, todos ficarem na larga varanda da casa para assistir a esse espetáculo.
Os primeiros dias foram excitantes. Passeios a cavalo pela manhã ou à tarde. Passeios a pé, pelas imediações. O “poço” com o seu jacaré. Cheguei a vê-lo. Atiramos nele, eu e meus primos André, Bebeto e Tuca. Mas o filho da mãe mergulhou. E por falar em atirar, caçamos alguns “passarinhos”. Êta maldade! Somente meu primo Chico tinha a coragem de saboreá-los, devorando suas cochinhas assadas. “Coi” de lôco!
E saborear era a melhor coisa. Principalmente no almoço e no jantar. A criadagem preparava quitutes os mais variados, com requintes dos pratos típicos, como moquecas de sirí catado, xinxim de galinha, caudinho de sururú e por aí afora. Tudo sempre muito bem acompanhado de saborosíssima farofa de dendê.
À noite, sentávamos na varanda, antes do jantar, e tio João (3) comandava o espetáculo de comer ostras. Aprendi que ao abri-las, tirando do fogo, espremia-se o limão bem no meio da concha. Observava-se o seu movimento. Caso ficasse parada, podia jogar fora. Tinha que ser sorvida ainda viva, e para tal precisava contrair-se quando a acides do limão a atingisse. A princípio era estranho, mas como nunca tive preconceitos com comida, logo estava fazendo tudo conforme os conformes.
Depois do jantar, a fila para jogar com tia Maria e tio João partidas de “Palavras Cruzadas”. Aquele das pedrinhas, também conhecido como “Mexe-Mexe”. As partidas começavam lá pelas oito e terminavam quase sempre de madrugada.
Quem ganhasse ficava na mesa, o mesmo valendo para o dia seguinte. O problema era ganhar do tio João, cuja cultura e vocabulário iam muito além de nossos reles conhecimentos. Ao lado o dicionário da Língua Portuguesa. Não valia inventar palavras. Qualquer dúvida, um dos contendedores podia consultar o dicionário para comprovar se a dita palavra existia de fato. As regras eram respeitadíssimas. Não valiam nome próprio, nem verbos conjugados. Estes, só no infinitivo.
Tinha um detalhe. O tio César, marido de tia Edith, já falecido, havia construído com sua engenhosidade uma pequena hidrelétrica, apesar de ter se formado em direito e não em engenharia. Esta, lá pelas onze, onze e meia era desligada. Daí em diante o jogo continuava à luz de lampiões.
Hora de dormir. Hora de falar de fantasmas e aparições. Hora de falar de “mula-sem-cabeça”, de “curupira”. Hora de ficar com medo de adormecer, de se cobrir inteiro no quarto escuro, deixar só o nariz de fora das cobertas, apesar do calor reinante.
De manhã, galos cantando, tomava-se um lauto café da manhã, também regrado com quitutes bahianos, e mais ovos fritos, pães caseiros. Hummm, até lembrar dá água na boca. Em seguida começava tudo de novo.
Anos depois, morei em Salvador, no ano de 1982, quando fui trabalhar na DM9. Já casado, com meu filho à época com cinco anos. A Guaíba já não era mais a mesma. Para começar, a gente chegava lá de automóvel, parando-se entre a cozinha e a “casa grande”. Sinal dos tempos, tinha-se que implorar para alguém da aldeia ir fazer um “almoçozinho” pra gente. A peso de ouro. O progresso havia chegado, o sistema semi-feudal acabado. Era outra época. Por um lado, um tanto melhor. Mas, que ficava a saudade da fartura e dos quitutes de outrora, lá isso ficava.

(1) Meu avô paterno tinha muitas irmãs. Estas, ao se casarem adotaram os sobrenomes de outras famílias na Bahia. Como o acima citado Prisco Paraíso, e também Valente, Gordilho, Tourinho...
(2) Companhia Hidro Elétrica do São Francisco.
(3) Tio João. Ou João Borges de Figueiredo, então deputado federal pelo PL, não confundir com o Partido Liberal, tratava-se do Partido Libertador. Depois, força da lei, transferiu-se para o MDB. Era casado com a prima a quem chamo “tia” Maria, irmã de tio César, este último casado com a prima dele e irmã de meu pai tia Edith. Tia esta que, aliás, em junho de 2007 completou um século de existência. Ufa!

sábado, 11 de outubro de 2008

Lições de 1929

Ao acompanhar medidas tomadas pela burguesia em busca de “soluções” coordenadas (1) para a crise econômica (que dizem ser apenas financeira), observo como a história prepara suas ironias, repetindo não somente “velhas” causas, como também “velhas” saídas. O fato é que nesta crise o neoliberalismo está em cheque. Na crise de 1929, o laissez-faire (2) também chegava ao seu ponto crítico. Se antes o Estado não interferia na economia, deixando tudo agir conforme o mercado, passava então a intervir (3). O resultado disso foi a criação de grandes obras de infra-estrutura, salário-desemprego, assistência aos trabalhadores, etc.
Mas quais os fatores que causaram aquela crise? As suas origens podem ser atribuídas a um período de grande prosperidade dos negócios nos Estados Unidos. Primordialmente, formou-se naquele país um excedente de produção agrícola, que não encontrava comprador, interna ou externamente. Segundo: a indústria estadunidense crescera muito, e, no entanto, o poder aquisitivo da população não conseguia acompanhar esse rítmo. Aumentava o número de indústrias e diminuía o de compradores. Em pouco tempo, várias delas começavam a falir. E finalmente, o capitalista fazia o que bem entendia e ninguém se metia.
A sua conseqüência? O crack da bolsa de Nova Iorque aconteceu quando se compraram ações das mais diversas empresas de forma desenfreada. Estas atingiram cotações altíssimas, muito maiores que o seu valor real. No instante em que uma delas faliu, percebeu-se que pagaram mais do que a realidade do mercado. Com isso, os investidores passaram a querer vender suas ações, provocando baixa no seu valor.
E a crise atual? Teve o seu estopim no mercado hipotecário dos EUA, e é uma decorrência da crise imobiliária pela qual passa o país, e deu origem a uma mais ampla, no setor de créditos de modo geral. O principal segmento afetado foi o das hipotecas chamadas de “subprime” (4) que embutem um risco maior. Em 2005, comprar uma casa (ou mais de uma) tornou-se um bom negócio, na expectativa de que a valorização dos imóveis fizesse da nova compra um investimento. Também cresceu a procura por novas hipotecas, a fim de usar o dinheiro do financiamento para quitar dívidas e, também, gastar mais.
Em 2006, os preços dos imóveis passaram a cair. Os juros do Federal Reserve (leia-se Banco Central), que vinham subindo desde 2004, encareceram o crédito e afastaram compradores. Com isso, a oferta começou a superar a demanda e desde então o que se viu foi uma espiral descendente no valor dos imóveis. Com a alta dos juros, aconteceu o que mais se temia: a inadimplência aumentou e o temor de novos calotes fez o crédito sofrer uma desaceleração em todo o país, desaquecendo a economia de forma mais ampla.
Trocando em miúdos, e repetindo palavras ditas no início desta matéria, somente se trocando algumas palavras: a atual crise “aconteceu quando se compraram imóveis de forma desenfreada. Estes atingiram cotações altíssimas, muito maiores que o seu valor real. No instante em que uma das financeiras faliu, percebeu-se que pagaram mais do que as propriedades valiam. Com isso, os investidores passaram a querer vender seus imóveis, provocando baixa no seu valor.” Outrossim, “o capitalista voltou a querer fazer o que bem entende e ninguém se mete.” O mais interessante é que as lições da história de pouco valeram. A busca do lucro a qualquer preço no cassino (5) do sistema tem lá as suas armadilhas. E o pior é que todos vamos pagar um preço muito alto por isto!

Nota ao pé da página: quando digo que as aventuras dos capitalistas vão ter um preço alto em sua ganância, é só dar uma olhadela do que está a acontecer com a economia no Brasil na última semana. Seqüelas vão ficar para o povo pagar, nem tanto pela queda da bolsa de valores, mas principalmente no tocante à alta do dólar (6).

(1) A reunião do G7 (os países ricos), anunciou ontem um pacote de ações econômicas conjuntas que serão tomadas pelos seus Bancos Centrais para enfrentar a crise em nível internacional.
(2) O termo em sua tradução literal significa: “deixai fazer”. A expressão refere-se a uma filosofia econômica que surgiu no século XVIII, e que defendia a existencia do mercado livre nas trocas comerciais.
(3) O New Deal (Nova Partilha) consistiu na substituição do liberalismo econômico clássico, no qual o Estado não pode intervir na economia, por um sistema misto com a intervenção nos assuntos econômicos, além de uma forte política social.
(4) O cliente "subprime" é um cliente de renda baixa, com dificuldade de comprovar renda e muitas vezes com histórico de inadimplência.
(5) O sr. da Silva utilizou a expressão “cassino” para definir a jogatina das bolsas e da especulação imobiliária no Estados Unidos. Não sei se a definição é dele mesmo, mas vai aqui o crédito.
(6) O dólar, que ontem fechou cotado a R$ 2,326 na venda, e com isso, acumula uma alta de 13,7% na semana, 22% no mês e 30,9% no ano.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Um profeta e a marcha da historia

A matéria que segue abaixo foi publicada no “Pensatas” em agosto de 2007 e contém trechos do discurso de Leon Trotsky (1) no Congresso da Internacional Comunista em 1921. Um texto que se aplica ao momento histórico que hoje vivemos à luz de uma interpretação materialista histórica.

“(...) Marx diz que um regime social deve desaparecer quando as forças produtivas (a técnica, o poder do homem sobre as forças naturais) não podem mais desenvolver-se no quadro deste regime. Do ponto de vista do marxismo, a sociedade histórica, tomada enquanto tal, constitui uma organização coletiva de homens que tem como objetivo o crescimento de seu poder sobre a natureza...
... No regime da servidão, por sua vez, nem sempre havia, no momento necessário, nova classe (a burguesia) pronta a abater os feudais e abrir a via à evolução histórica. Ocorreu mais de uma vez na história que uma certa sociedade, uma nação, um povo, uma tribo, vários povos ou nações que viviam em condições históricas análogas, se encontraram diante da impossibilidade de desenvolvimento posterior, nos quadros de um dado regime econômico (regime de escravismo ou da servidão).
Como nenhuma nova classe ainda existia que pudesse dirigir numa nova via, esses povos, essas nações, se decompuseram; uma civilização, um Estado, uma sociedade deixaram de existir. Assim, a humanidade nem sempre marchou de baixo para cima, seguindo uma linha sempre ascendente. Não, ela conheceu longos períodos de estagnação e recuo para a barbárie. Sociedades se elevaram, atingiram um certo nível, mas não puderam continuar nestes patamares... A humanidade não continua no seu lugar; seu equilíbrio, como resultado das lutas de classes e das nações, é instável. Se uma sociedade não pode ascender, ela cai, e se não existe nenhuma classe que possa levantá-la, ela se decompõe e abre a via para a barbárie...”

(1) O historiador Isaac Deutsher, escreveu uma biografia de Trotsky em três tomos e o chamava de “Profeta da História”.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Sonhos e pesadelos

Em 28 de agosto de 1963, Martin Luther King realizou o seu famoso discurso em que dizia “ter um sonho”. Um sonho de que um dia os negros ocupariam um lugar na sociedade estadunidense. Um sonho em que a discriminação racial chegaria ao fim naquele país. Um sonho que, na época em que foi revelado, parecia impossível de se alcançar um dia. Assistindo ao debate televisivo entre Obama e McCain, pensei o quanto este sonho pode não estar tão longe de se tornar uma realidade.
O assassinato de Kennedy pode ser considerado um marco do fim do chamado “american dream”. Até então, no rastro da II Grande Guerra, os Estados Unidos ainda tentavam conservar a imagem de um país voltado para “causas justas”. A Guerra da Coréia não conseguira derrubar este mito, muito embora o tenha abalado. Mas, o próprio J. F. Kennedy foi quem acirrou o conflito no Vietnam, concentrando tropas naquele país e aumentando o poderio de fogo ianque na contenda. Começava assim o “american nightmare”. Um pesadelo que perdura até os nossos dias.
Passados mais de quarenta anos, encontramos os EUA como potência hegemônica e uma série de “ocupações e guerras injustas” ao redor do planeta. Num país dominado pelo pensamento único, por um partido único (1), dividido em duas correntes – uma mais aberta ao mundo, a outra voltada para o seu próprio umbigo – ficou evidente que o governo Bush faliu em suas propostas político-ideológicas com o cheque-mate ao neoliberalismo, após os massacres na guerra do Iraque.
Ambos os debatedores que se habilitam à sucessão posicionaram-se como opositores. Mas há um dado importante em tudo isto, porque simplesmente um deles é negro. Assisti aos dois debates, pois acho importante que todos nós saibamos o que está a acontecer na sede do império. Afinal de contas, o que acontece ali, reflete-se em todo o mundo, principalmente no mundo de hoje, em que as distâncias ficaram muito pequenas. A crise, que era financeira, mas virou econômica, que o diga.

(1) Defendo a tese de que nos Estados Unidos, os dois partidos políticos mais representativos são apenas facções de uma idéia central, e que diferem em algumas questões.

Quem avisa, amigo é

Gabeira chegou ao segundo turno. O lobo ainda não tirou sua pele de cordeiro, e, acredito ainda vai enganar muita gente. Por isso mesmo aviso mais uma vez: pensem bem no segundo turno. Até porque agora nos deixaram naquela situação de que “se ficar o bicho come, se correr o bicho pega”. Em outras palavras não nos restam opções de um voto consciente e saudável.
Os dois que restaram não me apresentam nenhuma possibilidade. Paes x Gabeira representam a direita disfarçada de “união” enfrentando a direita fantasiada de “renovação”. O primeiro com um discurso populista e – pasmem – pregando a unidade entre os governos municipal, estadual e federal (1). E o segundo, a tentar ampliar seu discurso pequeno-burguês moralista, que fisgou a classe média da zona sul.
O “alcaide-factóide-debilóide” (2) já demonstrou seu desejo em apoiar Gabeira no segundo turno (3). Coisa que não surpreende, pois grande parte dos votos de sua candidata já haviam migrado para o “candidato-factóide-exibilóide” na reta final, que, para além de ter um vice tucano, agora tem o apoio (finalmente declarado) do Dem (leia-se ex-PFL, ou PDS, ou ainda Arena), tradicionalmente aliado do PSDB.
Para mim a única saída será o voto nulo... e eles que se degladiem.

(1) Paes, quando no PSDB (há muito pouco tempo), foi um crítico contumaz ao governo do sr. da Silva no Congresso.
(2) Alcunha dada a CésarMaia pelo jornalista Helio Fernandes.
(3) Ontem, após esta matéria estar concluída foi anunciado o apoio oficial do Dem à candidatura de Gabeira.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Segunda-feira negra

Tenho enfatizado desde o início desta crise que o capitalismo está a atravessar, que ela é muito mais profunda e devastadora do quê queriam que a princípio acreditássemos.
O desabamento dos mercados mundiais ontem, segunda-feira, 6 de outubro de 2008, refletiu o temor de que a recessão ultrapasse as fronteiras estadunidenses. A reação desencadeada pela operação milionária de resgate do Hypo (banco hipotecário da Alemanha) provocou o estrondoso desabamento das bolsas de valores em todo o mundo, receosas de um “efeito dominó”.
Como exemplo, o indicadores da bolsa de valores russa registrou a maior queda de sua história, ao chegar a 19% devido ao pânico generalizado. Mas, além das asiáticas terem afundado uma média de 7%, em Paris o índice foi de menos 9,4%, enquanto Londres e Frankfurt chegaram perto dos 6% negativos. Em Nova Iorque o índice Dow Jones também fechou com sua maior baixa nos últimos quatro anos.
Segundo matérias divulgadas pela própria imprensa ianque, uma grande parte dos economistas procurados pela “Associação Nacional de Economia Empresarial”, concordam e admitem que a economia daquele país pode estar a entrar em uma grave recessão econômica (fonte: Folha Online).
Aqui, por terras tupiniquins, as ações caíram tanto que o pregão da bolsa de São Paulo foi interrompido duas vezes em pouco mais de uma hora. A primeira delas, deu-se quando a Bolsa recuou mais de 10% (entre 10h18 e 10h48). A segunda, das 11h44 às 12h44, aconteceu após outra queda alcançar um índice de 15%, que ficou no patamar de menos 5,43% ao final das operações. Ações no buraco e dólar nas alturas. A moeda chegou a R$ 2,20 numa alta recorde de 7% em um só dia.
Enquanto isso, o ministro Guido Mantega reconheceu ser esta a pior crise desde 1929 e que o Brasil não está imune a ela. Quase simultaneamente tornava-se pública a restrição de empréstimos pessoais e do crédito ao consumidor por parte de grandes bancos e financeiras como o Itaú, o Bradesco e o Unibanco. É... tá feia a coisa!

Nota ao pé da página. O título acima é uma alusão à “quinta-feira negra”, expressão utilizada para definir o dia 24 de outubro de 1929, quando a bolsa de valores de Nova Iorque quebrou, dando origem ao crack econômico que se seguiu.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Uma exceção à regra

A Jovem Guarda foi um movimento que passou batido em minha vida. Aliás, batido não, à época era extremamente crítico acerca de sua existência. Isto porque nos idos dos 1960, ela representava a alienação e era acobertada pelo regime militar, como canal de escape para a juventude.
Existia um embate entre a Música Popular Brasileira e ela. A MPB era composta de músicos que se opunham à ditadura. Em fins dos 60 e início dos anos 70, boa parte deles foi obrigada a sair do Brasil e refugiar-se em outros países. Enquanto a turma da Jovem Guarda rodava com seus “calhambeques” e pulseirões pela Paulista e arredores. Lembro-me que, naquela época em São Paulo, ia sempre a um bar na rua Augusta em que a Vanusa sempre estava.
Roberto Carlos, o líder inconteste do movimento, sempre considerei um chato. No entanto, seu carisma fez com que viesse a ser chamado de “rei”. Bom, cada público tem o rei que merece... O restante do grupo era formado por figuras do mesmo naipe dele. Mas, curioso, Erasmo Carlos sempre foi um pouco diferente naquele contexto. Era, e continua a ser um rebelde, no melhor sentido da palavra.
O “Tremendão”, nascido Erasmo Esteves e que ficou conhecido como Erasmo Carlos, compôs mais de 500 músicas ao longo de sua trajetória e tomou caminhos alternativos a partir da década de 1970, quando gravou com intérpretes da MPB, como Nara Leão, Maria Betânia ou Gal Costa. E autores como Caetano Veloso e Jorge Ben. Rompeu assim com as origens da Jovem Guarda, partindo para caminhos mais ousados.
Posteriormente lançou discos “solo” com músicas somente de sua autoria e voltou a gravar com intérpretes do porte de uma Marisa Monte, entre outros. Sem dúvida, podemos considerar Erasmo uma exceção à regra.

domingo, 5 de outubro de 2008

Mercenários no Iraque

Vou iniciar a postagem de artigos publicados no “Pensatas”, nos domingos (em que não houver “Domingueiras”). Este (1) foi publicado em outubro de 2007.

Existem hoje entre 100 mil e 130 mil (2) “soldados privados” (termo preferido pelas companhias que os empregam), a maioria em atividades ligadas à segurança e à defesa. O total é quase o equivalente aos 145 mil soldados estadunidenses atualmente no país. Esses assassinos profissionais agem totalmente sem regras. Diferentemente dos soldados, que têm que responder a um código de conduta, os “privados” se encontram numa zona juridicamente “cinzenta”. Até 2007, eram regulamentados pela “Ordem 17”, assinada em junho de 2004. Pela disposição, nunca revogada, “os privados devem ser imunes ao processo legal iraquiano em relação às ações realizadas por eles enquanto a serviço de empresas.”
Essas sociedades comerciais, chamadas de Private Military Companies (PMC), não fossem as formalidades e as cláusulas dos contratos sociais de constituição - que as colocam na legalidade como pessoas jurídicas -, poderiam ser confundidas e passar por associações hierarquizadas de mercenários. As PMC’s são muito requisitadas pelos grupos econômicos que exploram, em todo o Terceiro Mundo, rendosas atividades. Os referidos grupos sentem a necessidade de proteger a posse de áreas e os seus prepostos. Entre outros casos de empresas de violentos mercenários, a Military Professional Resources Inc., que treinou e monitorou os bandos armados de separatistas da ex-Iugoslávia e que atua até hoje no combate à guerrilha na Colômbia.
Com base em dados do próprio governo do Iraque, existem 236 companhias de segurança privada, estrangeiras e iraquianas, atuando no país. Destas, cerca de 200 são consideradas ilegais, por não terem registro e assumirem “funções” desconhecidas. A maioria está implicada em ações terroristas que são colocadas na conta da resistência iraquiana.
Não importa sua origem; são mais de 100 mil homens bem adestrados no ofício de matar por dinheiro... Suas obrigações laborais estão focadas na segurança pessoal de políticos iraquianos e ianques, de homens de negócio e na segurança de instalações petroleiras e militares. Muitos destes serviços, de que pouco se fala, estão ligados à construção de bases, interrogatórios e combates diretos. Eles são acusados de intervir em operações secretas dos organismos de inteligência dos EUA e em outros trabalhos sujos destinados a promover o terror, o medo, as diferenças religiosas e, inclusive, a organização de esquadrões da morte para semear o caos... São elementos especializados nas tenebrosas artes da subversão.
Todas estas “empresas privadas” são orientadas pela CIA. Em 2005, oficiais da referida agência revelaram que cerca de 50% do seu orçamento (quase US$ 20 bilhões), foram destinados para pagar os “contratistas”. A própria CIA estima que as despesas com estes serviços dobrem até 2010.
O uso destes “serviços” cresceu a partir das dificuldades encontradas pelos militares dos EUA no Iraque. O número de mercenários pulou de 48 mil “soldados privados”’, em 2003, para os mais de 100 mil nos dias atuais. A utilização destes grupos serve ainda para reduzir as estatísticas oficiais de baixas desde a invasão do país. O Departamento do Trabalho dos EUA estima que mais de 650 “funcionários” foram mortos pela resistência iraquiana. Para o Exército e o governo dos EUA o negócio é muito vantajoso. Os mercenários são simples assalariados em busca de fortuna, quando morrem não engrossam a lista oficial de baixas na guerra, não estão envolvidos em discussões legais e nem são alvo da pressão pública.

1. Este artigo originou uma série de ameaças por parte de grupos de direita ao bloguista.
2. Dados extraídos de matéria da Folha Online, também de outubro de 2007.

sábado, 4 de outubro de 2008

Manipulação da opinião pública

A TV Globo, foi, sem dúvida o “produto mais bem acabado da ditadura”. Mas, o pior, a Rede Globo continua a ser porta-voz oficial do pensamento mais reacionário no Brasil.
Assisti ao Jornal Nacional hoje, só para ver ao vivo e a cores a sua estratégia na atual conjuntura. O referido “tablóide” televisivo deixou para o final a divulgação das pesquisas eleitorais no Rio de Janeiro. Por quê? Simplesmente porque a sua finalidade é consolidar a direita na disputa pela prefeitura desta cidade.
E quem é hoje a direita no Rio de Janeiro? Em termos de possibilidades ela está entre Paes e Gabeira. Querem influenciar a opinião pública de que eles são os finalistas nesta disputa.
Sou da opinião que pesquisas têm que parar em determinada etapa do processo eleitoral. Não poderiam ser divulgadas na última semana. Cerceamento da liberdade de imprensa? Não, pelo simples motivo de que muitos eleitores votam nos candidatos que estão com chances. Não eu, nem você, leitor deste blogue, mas é um fenômeno comum em um país em que o voto não tem nenhuma fidelidade a pensamentos ou programas.
Um novo “Proconsult” (1) está sendo montado no Rio de Janeiro. E o pior, não temos mais um Leonel Brizola pra denunciar isto!

1. O escândalo do Proconsult aconteceu nas eleições de 1982, quando este instituto tentou induzir (por intermédio da mesma Rede Globo), à opinião pública a derrota de Brizola. Na época, o Jornal do Brasil (ainda expressivo) ajudou o candidato a denunciar o complô.

Mas como rir é difícil

Há alguns anos atrás, um amigo falou uma coisa que nunca me saiu da mente. Referia-se a programas cômicos, e dizia que o problema é que as pessoas riem da mesma piada de que riram na semana passada. O que, aliás, é uma verdade quase absoluta.
Fora o incrível desfile de nomes exóticos do melhor programa cômico de todos os tempos, que é o horário eleitoral gratuito para vereadores, os outros são assim mesmo. Semanais, repetem na próxima edição as mesmas situações o mesmo blá-blá-blá...
Recentemente comecei a ver “Toma lá dá cá”. Assisti uns cinco episódios e aí caiu a ficha: era sempre a mesma ladainha.
O mesmo fenômeno já havia acontecido com “Casseta & Planeta”, “A grande família” e “Sai de baixo”. Anteriormente sucedera o mesmo com os programas do Jô ou mesmo do Chico Anysio. Este, por sinal, em determinada época ficou com o seu “Chico City” mensal, o que resultou numa melhoria. Pelo menos a gente ria da mesma piada de que rira um mês antes.
“Zorra total” e “A praça é nossa” eu sempre me recusei terminantemente a assistir, tal a sua mediocridade. Neste caso, é rir de piadas de que se ria na infância, nos velhos programas da TV Tupi em priscas eras. Do tipo “Praça da alegria”.
Mas agora é a vez do “Pânico na TV”. Que até durou um certo tempo, mas está começando a se repetir em demasia. No início, precisavam de audiência e patrocinadores numa emissora nanica. Hoje, consolidados, são cada vez mais uma mesmice. E o pior, agora cheios de patrocínios põe-se a fazer comerciais não somente nos intervalos, como também durante a programação.
Concluo que a melhor forma de rir é esperar de quatro em quatro anos as eleições municipais para vereador. Ou pegar um filme do Wood Allen numa locadora. Ou ainda ler um bom livro do Veríssimo, já que sou alérgico à leitura d’O Globo, o maior pasquim do Brasil, no qual ele tem uma coluna.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Lucros desenfreados

“Ontem, revelei aqui o que ninguém ainda havia publicado: o secretário do Tesouro dos EUA, Henry Paulson, antes de ocupar esse alto cargo, foi executivo do Goldman Sachs, onde ganhava fortunas. A legislação PROIBIA que deixasse a Goldman para ser secretário do Tesouro. Não houve problema, modificaram a lei, ele assumiu. Perguntinha inútil, inócua, ingênua: por que deixaria uma empresa que lhe pagava muito para ganhar um simples salário?”
Hélio Fernandes na Tribuna da Imprensa de 02/10/2008
(os negritos são do autor)

E nas conclusões do seu artigo, acrescenta: “(...) Todos viam, menos os responsáveis (?), que se alguém vendesse a pirâmide despencaria. Aconteceu em 1929, repetido em 2008. A crise logicamente é FINANCEIRA. Mas terá enorme repercussão ECONÔMICA. Os que ganharam fortunas FÁCEIS, comprometem os que ganham (é o capitalismo) TRABALHANDO.”

Trocando em miúdos, e repetindo aquilo que tenho escrito frequentemente neste blogue: é o povo estadunidense quem está arcando com os custos aventureiros da jogatina furiosa dos corsários do capital em busca de seus lucros desmedidos.
E digo mais, as medidas paliativas do “pacote” ora em curso não surtirão o efeito desejado. E então os países do terceiro mundo (o proletariado para as nações desenvolvidas) pagarão pelos próximos passos da irresponsabilidade do grande capital.
Nós brasileiros – como latinos que somos – questionamos a nossa própria moral, e temos por hábito achar que a corrupção é uma característica de nossa política, quando ela é o motor da farsa democrática em todo o mundo ocidental. Ficam claras as evidências disto quando lá como cá, modificam-se leis de acordo com interesses particulares.
É preciso lembrar que o lobby surgiu nos salões do congresso estadunidense. E existe algo mais podre do que esta ação da compra de políticos? Certamente que sim. Os títulos (também podres) que são vendidos indiscriminadamente nos pregões em Wall Street.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Cenas & choros

Estava outro dia a trocar e-mails com meu primo em Salvador, o Professor Setaro; certamente um dos maiores conneisseurs de cinema neste país, sobre as cenas finais de The Searchers (1956) de Jonh Ford, que aqui passou com o título de “Rastros de ódio”, sem dúvida um dos melhores filmes a que assisti ao longo dos meus 63 anos de praia.
As cenas? Sim as cenas. Na primeira delas Tio Ethan (interpretado por Jonh Wayne) se aproxima de sua sobrinha Debbie (Natalie Wood). Atrás dele, corre Martin Pawley (Jeffrey Hunter), temeroso porque Ethan queria matar a jovem, seqüestrada alguns anos antes – quando ainda criança – pelo cacique Scar (Henry Brandon), um guerreiro comanche, alegando que já não era mais a sua sobrinha, mas uma índia (1).
Resumo da ópera: Ethan alcança Debbie. Ela cai ao chão empoeirado da pradaria. Seu olhar é de pavor frente àquele que pode ser o seu algoz. Pawley, atrás, estendido ao chão grita em desespero para Ethan, a tentar detê-lo. Repentinamente, entra a bela música tema do filme, de Max Steiner. Ele se abaixa a coloca no colo, aconchegando-a e diz carinhosamente: “Let’s gonna home, Debbie!”. A menina chora em seu ombro. E eu choro do lado de cá. Aliás, sempre chorei nas dezenas de vezes a que assisti.
A razão de ter passado o e-mail para meu primo era essa. Como choro quando assisto esta cena, me pergunto se ela será piegas. Não creio que Jonh Ford tenha feito algo piegas. A emoção ali é decorrente da intensa densidade da narrativa e do exímio domínio da linguagem cinematográfica por parte do irish-american que foi um dos maiores diretores do cinema de todos os tempos.
O pior de tudo é que a cena final propriamente dita, aquela em que Ethan entrega a sobrinha à família Jorgensen, dá a volta, e, no seu velho e característico estilo de andar, Jonh Wayne se afasta, a música sobe, a porta se fecha e aparece o letreiro The End. Uma cena perfeita nos mínimos detalhes. No dia em que o velho “reaça” (2) – mas que foi o herói da minha infância / juventude – morreu foi este final que pontuou em noticiário da TV uma reportagem sobre o seu desaparecimento. Naquela ocasião, entrou, depois do letreiro o ano em que nasceu e o ano em que ele morreu. Pergunta se naquele dia eu não me debulhei em lágrimas?

(1) Há toda uma dose de preconceito e intransigência por detrás da cena, mas retrata a realidade e aspectos visíveis na cultura estadunidense.
(2) Jonh Wayne, Duke para os íntimos, ou Marion Morrison (seu nome de nascença) foi dos atores mais alinhados com a direita em Hollywood. Dirigiu “Os boina verdes”, filme que lhe trouxe algumas dores de cabeça, por ter um roteiro pró-guerra do Vietnã, o que causou vários protestos em periodo de questionamento nos EUA.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Nau sem rumo

“Estamos em meio a uma das piores crises e enquanto não tocarmos o fundo não poderemos vir à tona”, afirmou o conhecido economista estadunidense Joseph Stiglitz (Prêmio Nobel de Economia) em entrevista ao jornal italiano “La Stampa”, admitindo de forma clara que a economia estadunidense está numa encruzilhada.
A realidade é que a referida crise, já reconhecida pela própria classe dominante como a pior desde 1929, se expande na Europa com força globalizada e velocidade galopante. A intervenção dos governos britânico, francês e belga para manter alguns de seus bancos de pé, injetando mais de oito bilhões de Euros em um só dia (29/09) com tal finalidade são a prova deste fato. A Rússia e a Dinamarca também já estão a criar os seus planos de emergência para tentar segurar o capital financeiro em crise.
Aparentemente desesperado (1) Bush foi à televisão pedir socorro nesse mesmo dia para dizer que a cada momento que se passa a crise pode se agravar. O que não é mentira. O cerne da questão é que sem o pacote a recessão tende a se alastrar vertiginosamente ao redor do mundo. Pacote que não foi aprovado por mera politicagem. Pelo fato de a “socialização” do prejuízo recair sobre os ombros de congressistas em ano de eleições majoritárias.
Ontem (30/09), durante encontro de presidentes em Manaus, Hugo Chávez declarou: “O modelo econômico desenvolvido pelos Estados Unidos está terminalmente doente. Tudo isso é culpa do neoliberalismo. Nenhum país poderá dizer que não será atingido. A integração entre os países latino-americanos irá fortalecer nossas economias para salvaguardar a vida de nosso povo.” Palavras que certamente refletem a situação real no mundo unidimencional em que vivemos. Chávez propôs, na ocasião, a criação de um banco integrado pelos países da América do Sul.
Porque afinal de contas o capitalismo é hoje uma nau à deriva em meio a um gigantesco tsunami.

(1) Bush assume uma persona de vítima na tentativa de culpar o Congresso e passar a imagem de “bonzinho”, garantindo assim a continuidade através de McCain na presidência.