domingo, 25 de junho de 2017

Pensatas de domingo... que semaninha!



Na Rússia, Temer foi recebido no aeroporto pelo vice do vice de algum vice qualquer. Na Noruega, para alem de ter levado um sabão da primeira ministra quanto ao corte das contribuições  daquele país à preservação da Amazônia devido ao avanço do desmatamento, ainda cometeu as gafes de agradecer ao seu encontro com o parlamento “brasileiro” e de sua satisfação em encontrar o rei da “Suécia”... Hehehe!
  
Enfim, o governante golpista conseguiu bater todos os recordes de péssima hospitalidade. Tanto na Rússia quanto na Noruega. Quem sabe conseguiria uma melhor recepção na Trans Silvânia?

domingo, 18 de junho de 2017

Pensatas de Domingo. A quadrilha e seu chefe definitivamente expostos



Estourou ontem mais esta bomba sobre Temer e seus asseclas. A revista Época entrevistou Joesley Batista em sua volta ao Brasil e este botou pra quebrar, bem às vésperas de uma viagem internacional colocou o presidente golpista em nova saia justa. E agora Michel? Bom, dizem por aí que o acusado vai processar o acusador... mas que a coisa foi feia, lá isso foi mesmo. Basta lar a entrevista abaixo.
  
ÉPOCA – Quando o senhor conheceu Temer?
Joesley Batista – Conheci Temer através do ministro Wagner Rossi, em 2009, 2010. Logo no segundo encontro ele já me deu o celular dele. Daí em diante passamos a falar. Eu mandava mensagem para ele, ele mandava para mim. De 2010 em diante. Sempre tive relação direta. Fui várias vezes ao escritório da Praça Pan-Americana, fui várias vezes ao escritório no Itaim, fui várias vezes à casa dele em São Paulo, fui alguma vezes ao Jaburu, ele já esteve aqui em casa, ele foi ao meu casamento. Foi inaugurar a fábrica da Eldorado.

ÉPOCA – Qual, afinal, a natureza da relação do senhor com o presidente Temer?
Joesley – Nunca foi uma relação de amizade. Sempre foi uma relação institucional, de um empresário que precisava resolver problemas e via nele a condição de resolver problemas. Acho que ele me via como um empresário que poderia financiar as campanhas dele – e fazer esquemas que renderiam propina. Toda a vida tive total acesso a ele. Ele por vezes me ligava para conversar, me chamava, e eu ia lá.

ÉPOCA – Conversar sobre política?
Joesley – Ele sempre tinha um assunto específico. Nunca me chamou lá para bater papo. Sempre que me chamava, eu sabia que ele ia me pedir alguma coisa ou ele queria alguma informação.

ÉPOCA – Segundo a colaboração, Temer pediu dinheiro ao senhor já em 2010. É isso?
Joesley – Isso. Logo no início. Conheci Temer, e esse negócio de dinheiro para campanha aconteceu logo no iniciozinho. O Temer não tem muita cerimônia para tratar desse assunto. Não é um cara cerimonioso com dinheiro.

ÉPOCA – Ele sempre pediu sem algo em troca?
Joesley – Sempre estava ligado a alguma coisa ou a algum favor. Raras vezes não. Uma delas foi quando ele pediu os R$ 300 mil para fazer campanha na internet antes do impeachment, preocupado com a imagem dele. Fazia pequenos pedidos. Quando o Wagner saiu, Temer pediu um dinheiro para ele se manter. Também pediu para um tal de Milton Ortolon, que está lá na nossa colaboração. Um sujeito que é ligado a ele. Pediu para fazermos um mensalinho. Fizemos. Volta e meia fazia pedidos assim. Uma vez ele me chamou para apresentar o Yunes. Disse que o Yunes era amigo dele e para ver se dava para ajudar o Yunes.

ÉPOCA – E ajudou?
Joesley – Não chegamos a contratar. Teve uma vez também que ele me pediu para ver se eu pagava o aluguel do escritório dele na praça [Pan-Americana, em São Paulo]. Eu desconversei, fiz de conta que não entendi, não ouvi. Ele nunca mais me cobrou.

ÉPOCA – Ele explicava a razão desses pedidos? Por que o senhor deveria pagar?
Joesley – O Temer tem esse jeito calmo, esse jeito dócil de tratar e coisa. Não falava.

ÉPOCA – Ele não deu nenhuma razão?
Joesley – Não, não ele. Há políticos que acreditam que pelo simples fato do cargo que ele está ocupando já o habilita a você ficar devendo favores a ele. Já o habilita a pedir algo a você de maneira que seja quase uma obrigação você fazer. Temer é assim.

ÉPOCA – O empréstimo do jatinho da JBS ao presidente também ocorreu dessa maneira?
Joesley – Não lembro direito. Mas é dentro desse contexto: “Eu preciso viajar, você tem um avião, me empresta aí”. Acha que o cargo já o habilita. Sempre pedindo dinheiro. Pediu para o Chalita em 2012, pediu para o grupo dele em 2014.

ÉPOCA – Houve uma briga por dinheiro dentro do PMDB na campanha de 2014, segundo o lobista Ricardo Saud, que está na colaboração da JBS.
Joesley – Ricardinho falava direto com Temer, além de mim. O PT mandou dar um dinheiro para os senadores do PMDB. Acho que R$ 35 milhões. O Temer e o Eduardo descobriram e deu uma briga danada. Pediram R$ 15 milhões, o Temer reclamou conosco. Demos o dinheiro. Foi aí que Temer voltou à Presidência do PMDB, da qual ele havia se ausentado. O Eduardo também participou ativamente disso.

ÉPOCA – Como era a relação entre Temer e Eduardo Cunha?
Joesley – A pessoa a qual o Eduardo se referia como seu superior hierárquico sempre foi o Temer. Sempre falando em nome do Temer. Tudo que o Eduardo conseguia resolver sozinho, ele resolvia. Quando ficava difícil, levava para o Temer. Essa era a hierarquia. Funcionava assim: primeiro vinha o Lúcio [o operador Lúcio Funaro]. O que ele não conseguia resolver pedia para o Eduardo. Se o Eduardo não conseguia resolver, envolvia o Michel.


ÉPOCA – Segundo as provas da delação da JBS e de outras investigações, o senhor pagava constantemente tanto para Eduardo Cunha quanto para Lúcio Funaro, seja por acertos na Câmara, seja por acertos na Caixa, entre outros. Quem ficava com o dinheiro?
Joesley – Em grande parte do período que convivemos, meu acerto era direto com o Lúcio. Eu não sei como era o acerto do Lúcio do Eduardo, tampouco do Eduardo com o Michel. Eu não sei como era a distribuição entre eles. Eu evitava falar de dinheiro de um com o outro. Não sabia como era o acerto entre eles. Depois, comecei a tratar uns negócios direto com o Eduardo. Em 2015, quando ele assumiu a presidência da Câmara. Não sei também quanto desses acertos iam para o Michel. E com o Michel mesmo eu também tratei várias doações. Quando eu ia falar de esquema mais estrutural com Michel, ele sempre pedia para falar com o Eduardo. “Presidente, o negócio do Ministério da Agricultura, o negócio dos acertos…” Ele dizia: “Joesley, essa parte financeira toca com o Eduardo e se acerta com o Eduardo”. Ele se envolvia somente nos pequenos favores pessoais ou em disputas internas, como a de 2014.

ÉPOCA – O senhor realmente precisava tanto assim desse grupo de Eduardo Cunha, Lúcio Funaro e Temer?
Joesley – Eles foram crescendo no FI-FGTS, na Caixa, na Agricultura – todos órgãos onde tínhamos interesses. Eu morria de medo de eles encamparem o Ministério da Agricultura. Eu sabia que o achaque ia ser grande. Eles tentaram. Graças a Deus, mudou o governo e eles saíram. O mais relevante foi quando Eduardo tomou a Câmara. Aí virou CPI para cá, achaque para lá. Tinha de tudo. Eduardo sempre deixava claro que o fortalecimento dele era o fortalecimento do grupo da Câmara e do próprio Michel. Aquele grupo tem o estilo de entrar na sua vida sem ser convidado.

ÉPOCA – Pode dar um exemplo?
Joesley – O Eduardo, quando já era presidente da Câmara, um dia me disse assim: “Joesley, tão querendo abrir uma CPI contra a JBS para investigar o BNDES. É o seguinte: você me dá R$ 5 milhões que eu acabo com a CPI”. Falei: “Eduardo, pode abrir, não tem problema”. “Como não tem problema? Investigar o BNDES, vocês.” Falei: “Não, não tem problema”. “Você tá louco?” Depois de tanto insistir, ele virou bem sério: “É sério que não tem problema?”. Eu: “É sério”. Ele: “Não vai te prejudicar em nada?”. “Não, Eduardo.” Ele imediatamente falou assim: “Seu concorrente me paga R$ 5 milhões para abrir essa CPI. Se não vai te prejudicar, se não tem problema… Eu acho que eles me dão os R$ 5 milhões”. “Uai, Eduardo, vai sua consciência. Faz o que você achar melhor.” Esse é o Eduardo. Não paguei e não abriu. Não sei se ele foi atrás. Esse é o exemplo mais bem-acabado da lógica dessa Orcrim.

ÉPOCA – Algum outro?
Joesley – Lúcio fazia a mesma coisa. Virava para mim e dizia: “Tem um requerimento numa CPI para te convocar. Me dá R$ 1 milhão que eu barro”. Mas a gente ia ver e descobria que era algum deputado a mando dele que estava fazendo. É uma coisa de louco.

ÉPOCA – O senhor não pagou?
Joesley – Nesse tipo de coisa, não. Tinha alguns limites. Tinha que tomar cuidado. Essa é a maior e mais perigosa organização criminosa deste país. Liderada pelo presidente.

ÉPOCA – O chefe é o presidente Temer?
Joesley – O Temer é o chefe da Orcrim da Câmara. Temer, Eduardo, Geddel, Henrique, Padilha e Moreira. É o grupo deles. Quem não está preso está hoje no Planalto. Essa turma é muita perigosa. Não pode brigar com eles. Nunca tive coragem de brigar com eles. Por outro lado, se você baixar a guarda, eles não têm limites. Então meu convívio com eles foi sempre mantendo à meia distância: nem deixando eles aproximarem demais nem deixando eles longe demais. Para não armar alguma coisa contra mim. A realidade é que esse grupo é o de mais difícil convívio que já tive na minha vida. Daquele sujeito que nunca tive coragem de romper, mas também morria de medo de me abraçar com ele.

ÉPOCA – No decorrer de 2016, o senhor, segundo admite e as provas corroboram, estava pagando pelo silêncio de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro, ambos já presos na Lava Jato, com quem o senhor tivera acertos na Caixa e na Câmara. O custo de manter esse silêncio ficou alto demais? Muito arriscado?
Joesley – Virei refém de dois presidiários. Combinei quando já estava claro que eles seriam presos, no ano passado. O Eduardo me pediu R$ 5 milhões. Disse que eu devia a ele. Não devia, mas como ia brigar com ele? Dez dias depois ele foi preso. Eu tinha perguntado para ele: “Se você for preso, quem é a pessoa que posso considerar seu mensageiro?”. Ele disse: “O Altair procura vocês. Qualquer outra pessoa não atenda”.  Passou um mês, veio o Altair. Meu Deus, como vou dar esse dinheiro para o cara que está preso? Aí o Altair disse que a família do Eduardo precisava e que ele estaria solto logo, logo. E que o dinheiro duraria até março deste ano. Fui pagando, em dinheiro vivo, ao longo de 2016. E eu sabia que, quando ele não saísse da cadeia, ia mandar recados.

ÉPOCA – E o Lúcio Funaro?
Joesley – Foi parecido. Perguntei para ele quem seria o mensageiro se ele fosse preso. Ele disse que seria um irmão dele, o Dante. Depois virou a irmã. Fomos pagando mesada. O Eduardo sempre dizia: “Joesley, estamos juntos, estamos juntos. Não te delato nunca. Eu confio em você. Sei que nunca vai me deixar na mão, vai cuidar da minha família”. Lúcio era a mesma coisa: “Confio em você, eu posso ir preso porque eu sei que você não vai deixar minha família mal. Não te delato”.

ÉPOCA – E eles cumpriram o acerto, não?
Joesley – Sim. Sempre me mandando recados: “Você está cumprindo tudo direitinho. Não vão te delatar. Podem delatar todo mundo menos você”. Mas não era sustentável. Não tinha fim. E toda hora o mensageiro do presidente me procurando para garantir que eu estava mantendo esse sistema.

ÉPOCA – Quem era o mensageiro?
Joesley – Geddel. De 15 em 15 dias era uma agonia terrível. Sempre querendo saber se estava tudo certo, se ia ter delação, se eu estava cuidando dos dois. O presidente estava preocupado. Quem estava incumbido de manter Eduardo e Lúcio calmos era eu.

ÉPOCA – O ministro Geddel falava em nome do presidente Temer?
Joesley – Sem dúvida. Depois que o Eduardo foi preso, mantive a interlocução desses assuntos via Geddel. O presidente sabia de tudo. Eu informava o presidente por meio do Geddel. E ele sabia que eu estava pagando o Lúcio e o Eduardo. Quando o Geddel caiu, deixei de ter interlocução com o Planalto por um tempo. Até por precaução.

sábado, 17 de junho de 2017

Amor, Catarse, Iatrogenia




Jorge Vital de Brito Moreira

Levantou mal humorado. Desceu as escadas do apartamento para ir à cozinha fazer café. No andar de baixo viu os jarros de plantas que bloqueavam as janelas da sala. Aproximou-se para ajeitar um jarro de flores que ameaçava cair no chão e notou que a base da janela estava suja de areia e de água que escapavam dos jarros.  Voltou a irritar-se. Lembrou-se que quase não tinha podido dormir a noite anterior por causa daquelas plantas. Enraiveceu-se ao lembrar-se da atitude da filha.
Enquanto as plantas se debilitavam pelo excesso de água, a raiva se fortalecia ao lembrar-se da falta de respeito.
O erro foi ter parido a menina. Foi ter posto a menina no mundo sem ter as mínimas condições psicológicas para criá-la. O erro da mãe foi deixar que a menina nascesse para conseguir um matrimônio seguro com ele.
Andava muito zangado. Tinha vontade de dar uma surra na menina.
Como era possível que decidisse fazer favores a terceiros sem perguntar nada a ninguém?  Como era possível que ela trouxesse as plantas dos outros para dentro de casa sem sua autorização? Aquilo era o cúmulo! Paciência tinha limites.
Ter trazido a menina de 14 anos para morar com ele nos Estados Unidos havia sido um erro terrível. Depois que ela chegou ele perdeu a paz e a tranquilidade. Tinha de  labutar dolorosamente com ela. Tinha de lutar contra seu egoísmo, sua incompreensão, sua desobediência. Além de tudo, ela o interrompia constantemente, por qualquer coisa que lhe ocorresse, por qualquer questão irrisória.
Que filha desorganizada, preguiçosa, irresponsável a que ele tinha!  Não queria estudar, não fazia exercícios físicos. E para completar não o deixava em paz. A cada momento o interrompia. Não o deixava fazer o que ele tinha  de fazer. Nem lhe deixava ser o que ele queria ser. O que devia ser. O que era. A menina o estava enlouquecendo.
Meu Deus, o que vou fazer com ela?

Despertou mal humorada. Lembrou-se dos jarros de plantas e voltou a irritar-se e que quase não pôde dormir por causa daquelas plantas. Enraiveceu-se ao lembrar  da atitude do pai. Enquanto as plantas se debilitavam a raiva se fortalecia ao lembrar da falta de sensibilidade dele.
            Eu não pedi pra nascer. Que  culpa eu tenho se o sacana do meu pai e a puta da minha mãe me colocaram no mundo sem meu consentimento? Agora, eles que se fodam! Eu não estou nem ai pra essa conversa mole de menina irresponsável, preguiçosa,  desorganizada. Falta de respeito uma porra! Ele que se aguente! Quem mandou  me trazer para esse país frio, feio e desgraçado?
Ela andava enlouquecida. Tinha vontade de colocar veneno na comida dele.
Só porque eu trouxe cinco plantas pra dentro do apartamento sem pedir consentimento, o sacana anda todo revoltado. Anda retado da vida, está a ponto de me bater, de me dar porrada!
            O sacana do meu pai tem a cabeça dura: não quer entender que eu não podia deixar de me oferecer para cuidar das plantas da minha amiga. O imbecil não  entende que a minha amiga ia sair de férias; que eu não podia deixar as plantas dela sozinhas, sem oferecer  meu cuidado, para morrerem de sede.
            Sabe de uma coisa? Meu pai que se foda, com a raiva dele e tudo. Ele que meta o dedo no cu e lasque. E mais. Dessa vez, se o sacana me tocar a mão vou botar a boca no mundo. Vou fazer um escândalo desgraçado; vou gritar, vou chorar, vou  despertar todos os vizinhos. Vou forçar a barra até a policia chegar aqui pra prender o desgraçado; pra botar ele na prisão. Essa vai ser a minha vingança, o sacana me paga.
            Botou um batom nos lábios e se olhou no espelho de moldura vermelha.
 Todo o tempo ele  me enche o saco com essa conversa de que tenho de pedir consentimento para fazer as coisas. Porra! Todo dia ele me torra a paciência com essa história de que eu deveria estudar, fazer a minha cama, arrumar o meu quarto. Como se fosse pouco, ele ainda vem com esse papo furado de que eu não deveria me distrair tanto, que não deveria passar tanto tempo na frente da televisão, tanto tempo conversando no telefone, blá, blá, blá...
            Mas o pior mesmo é quando a namorada dele se queixa de mim; se queixa de que alguém usou o sabonete dela, a loção de banho dela,  o perfume dela, sem pedir consentimento.  Nessa hora, o sacana do meu pai toma as dores da namorada  e vem, indignado, me reclamar.  Diz que eu não tenho direito de usar os objetos dela sem pedir autorização e bam bam bam caixa de fósforo. É nessa hora que me dá vontade de colocar estricnina na comida deles e matar os dois de uma vez por todas.
            Retocou os lábios com o batom vermelho.
            Claro que ele me comprou um sabonete igualzinho ao da namorada. Comprou também uma loção e um perfume igualzinhos ao dela para que eu parasse  de usar as coisas dela. Mas isso não mudou nem vai mudar nada porque meu prazer está em usar as coisas dela; só para infernizar a vida dos dois filhos de uma égua.
            Deu uma longa espiada no espelho e sentou-se na cama.
            Naquele dia, depois que ele veio defender a namorada, dizendo que eu não tinha direito e coisa e tal, fiquei com tanta raiva que decidi me vingar: lavei o sanitário (outra exigência do sacana) esfregando a escova de dentes dele no chão do banheiro. É assim que o sacrista me paga! Meu Deus, o que vou fazer com ele?

Nos EUA, a relação entre o pai e a filha deteriorava-se visivelmente. Era demasiado estressante para ser tolerada por muito tempo. Ele compartilhava a ideia do filosofo Jean Paul Sartre: o homem é aquele que faz alguma coisa do que fizeram dele. Assim, tinha consciência de que não nasceu pai de família, nem pai de criança. Tinha consciência de que era um animal que a repressão da sociedade tinha formado para atuar  de forma civilizada frente às demandas da mesma. Mas tinha a consciência de que já quase não podia suportar o comportamento da filha; que isso era exigir demasiado da humanidade dele. Compreendia  que continuar aguentando a relação com a filha estava acima e além de suas forças; que havia sido derrotado; que era necessário que ele fizesse alguma coisa urgente para resolver aquela situação nos EUA, antes que terminasse em tragédia.
            Alguns anos antes, quando os pais já estavam separados, ela veio do Brasil para o México para viver um tempo com o pai. Gostou tanto da experiência que não queria voltar para o Brasil. No dia de regressar, ela tratou de rasgar o passaporte para não embarcar no avião.
Quando, anos mais tarde, o pai deixou a cidade do México para estudar um doutorado no estado de  Minnesota, nos EUA, ela vivia no Brasil, junto à mãe e aos avós. Tinha a idade adequada para concluir seus estudos secundários porém não conseguiu finalizá-los satisfatoriamente. Por isso, a família materna, pensando que o pai podia impor disciplina e ordem à menina, mandou-lhe duas vezes para a América do Norte para morar com o pai e estudar inglês.
 Nos EUA, ela tratou de continuar seus estudos secundários. Da primeira vez, depois de um ano numa escola americana, voltou ao Brasil, sem gostar do país, sem concluir os estudos e sem se entender com o pai.  Da segunda, ficou onze meses numa escola estadunidense, mas repetiu tudo que aconteceu na primeira vez. Apesar dos esforços do pai que pagava a uma psicóloga conselheira para escutar, ajudar e orientar a menina, ela voltou pro Brasil para continuar vivendo a mesma vidinha que conhecia antes.  Entre outras coisas, a cidade de Salvador servia para continuar a relação de dependência com a mãe que era dependente dos avós que acreditavam no espiritismo de Alan Kardec como solução pra os problemas espirituais e psicológicos da humanidade.
            Para o pai esta era a realidade habitual e lamentável da sua filha: a mãe  era uma pessoa incapacitada para educar a menina de uma forma autônoma e independente. Sem a educação e os conhecimentos imprescindíveis para entender a sociedade moderna, a mãe encontrava-se despreparada para enfrentar o esquizofrênico  mundo capitalista. Nesse contexto, a mãe tinha sido e continuava sendo uma  pessoa estruturalmente dependente, sem muita lucidez e sem autonomia material, espiritual ou psicológica para enfrentar a criação da menina.
Fora  do período em que a mãe, já separada do pai (com quem estivera casada por quatro anos), trabalhava numa butique de roupas e vivia no apartamento que o pai tinha dado pra a filha, a mãe sempre viveu submetida a vontade dos avós: com mais de 45 anos, era uma mulher que continuava vivendo, comendo e dormindo, na casa deles.
            Mesmo com quase todo o ambiente adverso para obter uma boa educação moderna, a filha tinha concluído os estudos secundários na Bahia e com destacada inteligência tinha se convertido orgulhosamente numa professora de inglês para alunos das escolas particulares de língua inglesa da cidade de Salvador, Bahia, Brasil.
Depois do fracasso de uma relação amorosa que durou dez anos com um jovem amigo que não queria fazer nada na vida, ela decidiu  mudar-se da cidade de Salvador e morar no estado vizinho de Sergipe onde, tempo depois, decidiu casar-se e viver na cidade de Aracaju, a capital do Estado. Depois do fracasso de um matrimônio de quatro anos com um sujeito psicopata e sociopata, ela decidiu divorciar-se e voltar a ser professora de inglês. Mas  depois do sucessivo fracasso das suas relações afetivas com as pessoas que usavam e abusavam da sua generosidade, ela caiu numa depressão que durou por mais de um ano.
            Quando saiu da depressão entrou numa onda maníaca, num distúrbio mental que os psiquiatras atualmente identificam com o nome “bipolar”, sendo este o mesmo distúrbio que no passado era identificado com o nome “psicose maníaco depressiva” ou PMD. O distúrbio dela se manifestava  através de uma euforia incontrolável, da inflação do seu ego, da tirania do ego sobre a realidade, da imitação das vozes e gestos das cantoras pop que lhe impressionaram; através das intensas dramatizações de suas fantasias de onipotência que colocavam a sua pessoa sob perigo de vida. Assim, chegou o momento em  que só foi possível controlar o distúrbio mental através do seu “internamento numa clinica psiquiátrica” e do uso de muitos remédios, principalmente o "Depacote".
Naquele tempo, o pai tinha viajado para o Brasil, procurando ajudá-la. Deixou a esposa e a filha de quatro anos sozinhas nos USA, deixou o trabalho que tinha, deixou tudo que lhe era importante no país do norte para tratar de resgatar a filha de 24 anos da doença mental.
            Quando chegou ao Brasil, o pai fez o que podia para ajudar a solucionar a doença: levava a menina quatro dias na semana às consultas psicológicas com dois especialistas: uma psicanalista lacaniana e um médico psiquiatra que lhe receitava os remédios. O pai participou de todas as sessões em que os especialistas solicitaram a sua presença para interagir com a menina, mesmo que as sessões fossem difíceis, cheias de tensão, e extremamente dolorosas.  Comprava todas os medicamentos pra ela e semanalmente ele a convidava para comer nos bons restaurantes baianos, além de levá-la nos fins de semana para passear na Ilha de Itaparica. Dava-lhe roupas, vestidos, sapatos, Compact Disc Player, compact discs e fazia o quanto podia para satisfazer quase todos os desejos e necessidades possíveis.
            Enquanto o pai esteve em Salvador, não se lembrava que a menina tivesse sido capaz  de oferecer-lhe nenhum presente: nem um pequeno caramelo, nem uma simples lembrança. Na linguagem da oração bíblica, o negócio dela foi durante todo aquele tempo: "venha a nós", mas "ao vosso reino", porra nenhuma. E no entanto, o pai sabia que aquela alienação era provocada pela doença mental.
            Um ano depois, quando o pai trabalhava e morava com a nova família no estado de Wisconsin, a menina regressou aos EUA para viver pela última vez com ele. Como sempre, o pai pagou-lhe a passagem aérea e todas as despesas relacionadas com a viagem dela para um país estranho.
            Quando ela desembarcou em Chicago começou a demandar uma série de coisas razoáveis e não razoáveis. Quando chegou ao novo apartamento, comeu, assistiu TV e dormiu. Durante muitos dias, a única coisa que fazia era comer, assistir TV e dormir.
Antes da doença era uma menina esbelta, bonita, suave e comunicativa. Agora, mostrava um rosto inchado, pois tinha engordado muito devido ao uso dos medicamentos psiquiátricos.  Tinha se transformado numa pessoa quase que inteiramente oral com um discurso que raramente correspondia à realidade. Tinha a cabeça cheia de mitos e de fantasias esdrúxulas.  Usava as palavras que escutava, mas sem saber com precisão o que elas realmente significavam. Ela era uma máquina desejante que não tinha a mínima capacidade de criar os meios de realizar os desejos que tinha.
Diante da janela do apartamento, o pai continuava sofrendo aqueles desencontros. Estou velho pra cuidar dela. Tem 25 anos e não sabe cuidar de si mesma: comporta-se  como se ainda tivesse 14 anos.
Muitas vezes, ela era simplesmente insuportável. Era uma pessoa muito dependente e mal educada: uma figura neurótica,  complicada e cheia de desejos e caprichos tresloucados, totalmente incapaz de  construir ou imaginar os meios para realizar os desejos que tinha.
Vivia sempre a pedir ou a demandar favores solicitando as coisas das outras pessoas. Às vezes seus desejos eram simplesmente delirantes. Não sabia agradecer a ninguém, nem dizia obrigado. Atuava sempre como se as pessoas tivessem a obrigação de prover todas as coisas que ela necessitava sem ter que retribuir com nada, sem ter que dar nada em troca, sem ter que pagar preço nenhum. A menina era simplesmente alucinante.
            Por muito tempo, ela continuou sendo um  estorvo e apresentava características que não a ajudavam no convívio com as outras pessoas: mostrava-se preguiçosa,  desleixada e desorganizada. Tomava as coisas das outras pessoas sem pedir autorização e usava os objetos alheios  mas não devolvia ao lugar de onde retirava. Ela não lavava os pratos, nem lavava as roupas. Não fazia a cama, nem se responsabilizava por nada. Era um caos quase total. E ainda por cima, fumava incontrolavelmente e não limpava os cinzeiros sujos.
            Não parecia saber o preço de coisa nenhuma, nem queria saber. Atuava como uma praga local: onde chegava detonava tudo sem querer saber quem pagava a conta nem quanto custou nada. A todo momento estava abrindo o refrigerador do apartamento para devorar tudo o que tinha dentro.
            Assim, o pai começou a questionar a atitude alienada da menina. Um dia perguntou-lhe se se sentia deprimida, ela respondeu que não, mas que queria fazer alguma coisa para perder peso; queria que o pai comprasse Xenical, um remédio para combater a obesidade. O pai não comprou o remédio porque, devido aos  efeitos adversos, estava sendo duramente questionado pelos órgãos de saúde publica dos EUA. Mas o pai começou a exigir-lhe um comportamento mais ajustado à realidade. Começou a exigir-lhe que, além de comer, assistir TV e dormir obsessivamente, ela lavasse os pratos, limpasse os cinzeiros que sujava, tratasse de fazer alguma atividade física/mental produtiva.
            O pai comprou-lhe logo um cartão de usuário da piscina da cidade de Neenah e preparou uma bicicleta pra  ela fazer exercícios físicos quando o tempo estivesse favorável lá fora e procurasse deixar de fumar. Durante este período, o pai tratou de ensinar-lhe a usar o computador.
            O pai também  descobriu alguns traços perturbadores no caráter da menina: apresentava traços de uma pessoa mitômana, manipuladora, mentirosa. O pai se lembrava das mentiras que ela lhe contava. Lembrou-se da primeira vez que lhe pediu que caminhasse para fazer exercícios, para melhorar a sua condição física e a sua saúde mental. Nesta ocasião ela dramatizou  uma verdadeira impostura. Saiu de casa fingindo que obedecia ao pedido do pai, dizendo-lhe que ia caminhar na direção norte até chegar ao viaduto local. No entanto, tomou a direção oposta, caminhando na direção de uma banca de revistas, onde comprou uma carteira de cigarros Marlboro. Logo escondeu os cigarros e voltou ao apartamento, fingindo que tinha caminhado algumas milhas na direção que tinham combinado. Quando o pai questionou-lhe a direção que tinha tomado, ela disse-lhe, na maior cara de pau, que tinha feito o percurso que lhe tinha prometido anteriormente.
            Mas a filha também era capaz de manifestar coragem e sinceridade, pois quando  o pai esteve com ela pela última vez no Brasil, a menina confessou-lhe que toda vez que tinha raiva dele nos EUA, para vingar-se, lavava o chão do banheiro e a louça da privada do apartamento com a escova de dentes dele.
            Antes de voltar para o Brasil, a menina parecia que tinha progredido de muitas maneiras. Sua aparência física tinha melhorado e sua  saúde mental também. Ao chegar ao Brasil ela tinha começado a trabalhar numa companhia soteropolitana como secretária bilíngue e parecia que as coisas para ela estavam indo bem.
            Um dia, o pai recebeu um telefonema urgente do Brasil. Era sua irmã que lhe comunicava a  trágica noticia: sua filha, recém chegada dos EUA, tinha falecido algumas horas depois de  ter tido fortes diarreias e dores abdominais por ter ingerido Xenical, o remédio questionado pelos órgãos de saúde pública dos EUA.
A versão narrativa que o pai escutou ao desembarcar do avião na cidade do Salvador dizia o seguinte: “quando voltou dos EUA, a menina começou a trabalhar numa companhia privada como telefonista bilíngue. Com seu primeiro salário no novo trabalho, pediu à mãe que fosse à farmácia comprar Xenical, o questionado remédio para combater a sua obesidade”.
            Muitas horas depois, diante do caixão mortuário no Jardim da Saudade, o cemitério do Campo Santo do fim de linha de Brotas, o pai não parou de chorar a morte da filha inesquecível.