domingo, 30 de novembro de 2008

Países imaginários

Aproveito o domingo para republicar mais uma pensata, esta originalmente postada há pouco mais de um ano, em outubro de 2007.

Ao final da Primeira Guerra Mundial, desfeito o Império Turco-Otomano, as potências européias apossaram-se de regiões até então quase que desconhecidas para elas. Nesta ocasião foi necessário criar fronteiras para determinar as “colônias” nas áreas recém conquistadas.
Por extrema ignorância histórica, preconceito e prepotência raciais, tais fronteiras foram estabelecidas sem o menor conhecimento de quem as habitavam, seus costumes, etnias e religiões. Anteriormente, os mesmos colonizadores já haviam feito na África subsaariana divisões do gênero, sem o menor estudo de suas tradições, e até suas diversidades culturais e antagonismos. Ao final, juntavam-se povos que anteriormente eram inimigos entre si dentro de uma fronteira criada ao sabor de interesses dos conquistadores. Guerras civis prolongadas e sangrentas, foram a conseqüência mais notada após a independência destes territórios, principalmente a partir da segunda metade do século XX. Angola é um dos exemplos mais evidentes disso.
Conta a lenda que o mapa do Iraque foi traçado em um gabinete na cinzenta, sisuda e distante Londres, usando-se réguas e lápis coloridos, sem a menor compreensão de quem ou porque estava dentro daquelas linhas. E neste caso, três etnias e religiões foram ali colocadas sem a menor possibilidade de permanecerem juntas. Se formos fazer uma análise não tão profunda, o Iraque deveria ser constituido de pelo menos três países. Um xiita, um sunita e um terceiro curdo.
Para nós brasileiros, habituados a uma visão multiracial e multireligiosa, este tipo de pensamento pode parecer absurdo. O problema, no entanto é mais complexo em locais onde as diferenças são milenares e muito mais complexas. Agravando-se o fato de que tenham sido impostas de fora para dentro, ou seja pelos poderes colonialistas.
Por isso, estamos assistindo à invasão pelos turcos (1) do território iraquiano. No caso aos curdos do Iraque, que fazem parte de um grupo étnico que se considera como sendo nativo de uma região referida como Curdistão, e que inclui partes do Irã, Iraque, Síria e Turquia. Além disso, comunidades curdas também podem ser encontradas no Líbano, Armênia e Azerbaijão. Como os Bascos (da Espanha), eles desejam formar o seu país em definitivo. Com fronteiras demarcadas, hino e bandeira. A Turquia, sentindo-se pressionada, chegou ao ponto desta intervenção armada.
Tudo herança direta da imaginação de ingleses, franceses, espanhóis, portugueses e outros povos europeus que acharam que brincar de fazer mapinhas com “inocentes” réguas de madeira não teriam efeitos no futuro.

(1) Esta postagem foi escrita durante uma invasão da Turquia à região curda no Iraque.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Prato feito

A grande imprensa, mormente a televisiva, tem chamado a atenção pelo sensacionalismo. Primeiro foi o “caso Isabela”. Recentemente o seqüestro no ABC paulista. E agora caíram de sola nas inundações em Santa Catarina.
Aí há de se dizer que a função da imprensa é informar. Mas não se trata disso, e sim do teor que dá a essa informação. Vira um assunto quase que único nos telejornais... uma obsessão. Um verdadeiro prato feito para o lado marrom da notícia.
Sente-se no ar um quê de sadismo, de busca do “furo” a qualquer custo, no melhor estilo dos tablóides ingleses. Acho que a imprensa deve ser livre, tem que ser livre. O problema é que ela não nos proporciona liberdade no jogo sujo do sensacionalismo barato.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Mais uma do Groucho

Continuando a falar de Marx, o Groucho, republico este artigo que foi anteriormente postado em 3 de agosto de 2007 no antigo “Pensatas”.

Lembrei-me de um livro chamado “Memórias de um pinga-amor”. Um título bem lusitano para um livro também muito engraçado, com ótimas ilustrações a traço em p&b do conceituado cartunista Leo Hershfield. Trata-se de uma publicação da Assírio e Alvim. O original é “Memoirs of a mangy lover”, que em português brasileiro seria algo no gênero de “Memórias de um galinha”.
São cerca de trinta casos curtos, e tem uma nota de introdução bem no espírito sarcástico de Groucho: “Este livro foi escrito durante as horas em que esperei que a minha mulher se vestisse para sairmos. E se ela nunca se tivesse vestido, este livro não teria sido escrito”.Groucho era um individualista ferrenho. Fruto da cultura estadunidense e capitalista, o “bem sucedido” noveau riche, desenvolveu uma filosofia de vida típica de seu tempo. É perdoável, porque a sua contribuição ao lado galhofeiro da vida suplanta tudo isso. O referido livro é composto de cinco partes, mais o prefácio e o epílogo. Os capítulos são: “L’amour, esse folião”, “A história não natural do amor”, “Notas sociais de um pária social”, “Aconteceu a outros oito rapazes” e “A filosofia marxista, segundo Groucho”. É difícil saber qual a melhor.
Eu particularmente gosto demais da terceira em que tece comentários sobre “visitas” e suas conseqüências. Dentro deste capítulo há um que fez-me rir às pamparras. Trata-se do “de como as visitas se despedem”. Groucho, e seu sarcasmo intrínseco tece uma boa dose de tipos que se despedem em festas que é digno de nota. Por exemplo: “a bruxa de meia-idade”, “os visitantes de fim de semana”, “o convidado solitário” ou “o chato que sempre chega muito antes da hora marcada”.
Mas, o melhor de todos é mesmo o tal casal que chegando lá pelas tantas, o marido olha o relógio, dá um salto da poltrona, vira-se para mulher e exclama: “Meia noite! Vamos mulher, tenho uma entrevista logo de manhã cedo...” Naturalmente os anfitriões vão até à porta levá-los para se despedir. Mas aí é que começa o papo. A mulher do sujeito começa a falar sobre um novo método de fazer permanente no cabelo. O visitante começa a contar sobre um plano em que vão construir um lago em sua propriedade para poder pescar à vontade. Resumo da ópera. Na porta de saída a conversa se estende por infindáveis trinta minutos, o vento frio batendo, enquanto lá dentro os demais convidados ficam sem a presença deles. E isso tudo, sem um bom charuto, uma dose de uísque nova, e por aí afora.
Vale a pena procurar por este livro sui generis. Eu o comprei há muitos anos atrás na Livraria Camões, no Edifício Avenida Central. A edição era de 1980. Não sei se houve outras de lá para cá. Mas, num bom sebo deve se encontrar. Vale o sacrifício. Pelas risadas. E pela análise hilariante de uma sociedade do ponto de vista de um Marx. Mesmo que seja o “menos marxista deles” (sic).

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Das 1001 Noites...

Todas as vezes que leio ou assisto a algum programa sobre Dubai, claro que me vem à cabeça as 1001 Noites. Aquilo é uma ostentação de “sonhos” e outros badulaques. Ontem mesmo, li a notícia da inauguração de mais um hotel 1001 Estrelas construído numa ilha artificial, com uma festa extravagante de 20 milhões de dólares. Coisa pra Schahriar (1) nenhum botar defeito...

Do outro lado do mundo as 1001 noites vão ficando cada vez mais rasas e mais estúpidas. O affair do ex-marido de Suzana Vieira, que nitidamente procura se promover com os acontecimentos é o cúmulo da sem vergonhice. O sujeitinho invadiu os programinhas baixo astral da Rede TV (e outras emissoras nanicas) ao lado da namorada, a tentar justificar suas atitudes e tirando proveito delas. Lixo... puro lixo!

E já que hoje estamos a falar de lixo cultural: a ex-miss Brasil Natália Guimarães afirmou à edição de dezembro da revista “VIP” que se apaixonou por Leandro do KLB durante um programa “Domingão do Faustão”. E prosseguindo nas 1001 noites tupiniquins, o cantor Falcão não escondeu seu novo amor. Depois de um longo namoro com Deborah Secco e flertes com Maria Rita, Falcão era só afagos com uma loura no show do Skank, no Rio, no último domingo.

Agora falando sério, Pedro do Couto, ontem, na Tribuna da Imprensa fez uma brilhante análise das possibilidades do sr. da Silva na sucessão presidencial. Aponta as alternativas que tem, não somente com Dilma, mas ao lado de José Serra. Eu ainda continuo a acreditar que vai se fazer tudo para que a reforma política possibilite um “Lula 2010” em mandato único de cinco anos. Seriam as 1001 noite do PT, a UDN de tamancos (2). Vamos aguardar!

Estão de vento em popa os planos para a reforma do Porto do Rio de Janeiro. O prefeito eleito da cidade já anunciou que vai despachar ali no início do seu mandato. A construção de um grande shopping e de bares com mesas dispostas de frente para o mar foi anunciada na mesma ocasião. Serão as 1001 noites cariocas...

(1) Schahriar, rei da Persa, vitimado pela infidelidade de sua mulher, a mandou matár e resolveu passar cada noite com uma esposa diferente, que ordenava degolar na manhã seguinte. Ao receber Sherazade, esta iniciou um conto que despertou o interesse do rei em ouvir a continuação na noite seguinte. Esta Penélope das Arábias, pela ligação dos seus contos, conseguiu encantar o monarca por mil e uma noites, sendo assim poupada da morte.
(2) A UDN (União Democrática Nacional) foi um partido surgido após o Estado Novo, que reunia a aristocracia e a pequena burguesia (leia-se classe média tradicional), de tendência claramente golpista em sua formação. A expressão UDN de tamancos foi de Leonel Brizola.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Palavras de um gênio

Mais uma publicada no “Pensatas”. Mais precisamente em 2 de agosto de 2007. E como estou nesta fase de reeditaro que consider o as melhores postagens, aqui vai.

Sempre fui um grande admirador da figura cômica de Groucho Marx (nascido Julius Henry Marrix), um dos gênios do humorismo no século XX, que ficou famoso por suas frases irônicas. Afirmava numa delas “ser o menos marxista dos Marx”.Juntamente com seus irmãos Chico, Harpo, Gummo e Zeppo*, compôs o grupo que marcou com cenas inesquecíveis em filmes como: Uma noite na ópera, Casa de doidos, Diabo a quatro, No circo e outros.
Invariavelmente Groucho começava seus shows com uma outra frase memorável. Apresentava-se como uma pessoa que veio da Europa para fazer fortuna no novo mundo, e dizia que desembarcara em Nova Iorque, 30 anos antes, sem nem um dólar no bolso. Fazia uma breve pausa encarando o público. Em seguida, retirava do bolso uma moeda, e a exibia com um sorriso: “... agora eu tenho um dólar...”
Mas existem outras frases famosas. Pincei algumas que seguem abaixo:
“Jamais aceitaria pertencer a um clube que me aceite como sócio.”
“Estes são os meus princípios. Se você não gostar, eu tenho outros.”
“Passei uma noite maravilhosa. Mas não foi esta.”
“Bebo para achar as outras pessoas interessantes.”
“Só há uma forma de saber se um sujeito é honesto: perguntando. Se ele responder que ‘sim’, fique sabendo que é um corrupto.”
“Sou tão velho que conheci a Doris Day antes dela ser virgem.”
“Filho, a felicidade é feita de pequenas coisas: um pequeno iate, uma pequena mansão, uma pequena fortuna...”
“Não pense mal de mim, senhorita. Meu interesse por você é meramente sexual.”
“O matrimônio é a principal causa do divórcio.”

(*) Chico e Harpo foram os que mais realizaram filmes com Groucho. Havia um sexto irmão de nome Manfred que morreu ainda na infância.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Democracia e utopia

Republico mais esta postagem do “Pensatas” de março deste ano. Com as recentes eleições nos Estados Unidos ela se torna atual.

Já falei aqui sobre o embuste da “democracia” ocidental. Principalmente nos Estados Unidos, cuja intenção igualitária à época de sua independência em fins do século XVIII – comandada pela então revolucionária burguesia – com o passar do tempo transformou-se num reacionário poder da máquina industrial-financeira, manipulada pela grande mídia. O que existe hoje e de fato é uma “ditadura da burguesia”. Com vícios e contradições semelhantes aos que a história propiciou na prática às teses de Marx (1). Na verdade a livre manifestação de opinião, tão decantada pelo sistema, só existe enquanto essas opiniões não ameaçam verdadeiramente a manutenção do status quo. Tudo é aparência, tudo um jogo de propaganda que visa enganar o cidadão comum, dando-lhe a sensação de estar vivendo uma situação democrática.
A origem da definição de demokratia (democracia) é encontrada em Aristóteles no seu livro Politica. Na Grécia antiga talvez tenha funcionado, mas daí em diante as tentativas foram desastrosas. Tanto na França pós-queda da Bastilha quanto nos EUA e outros países da Europa, as “aventuras” redundaram em fracassos, que, em grande parte das vezes culminaram em regimes totalitários, como foram os exemplos da própria França revolucionária a qual sucedeu o império napoleonico, quanto mais recentemente o da República de Weimar na Alemanha, em que uma constituição considerada das mais democráticas de todos os tempos deu lugar ao governo nazista.
No entanto a grande maioria dos países nunca conseguiu alcançar nem mesmo a farsa democrática. Na América ibérica, não indo muito longe, no Brasil, democracia (mesmo em arremedo) é uma realidade que jamais conhecemos. Falam em prosa e verso que vivemos um período democrático, mas, na verdade nossa tradição de excessões vem desde os tempos da colônia (2) e impede que alcancemos ao menos uma encenação (como a estadunidense). No império ela era um “teatro mambembe” em que somente votavam a nobreza e as classes dominantes em partidos que também as defendiam. A história de república é uma sucessão de votos de “bico-de-pena”, levantes e golpes militares, além de longos períodos de ditadura explícita.
Enquanto isso, os estadunidenses tentam impor à força das armas o que “pensam” ser um pensamento democrático em países como o Iraque ou o Afeganistão, que nem sabem o seu significado e teriam que procurar seus próprios caminhos para alcança-lo. Na realidade, tão utópica quanto o socialismo, a democracia ainda é um sonho a ser alcançado pela humanidade. Talvez um dia, se resistirmos à destruição do planeta, que nós mesmos estamos ajudando, conseguiremos chegar lá. E digo isso porque democracia e socialismo são metas a serem alcançadas em um conjunto de “liberdade, igualdade e fraternidade”. Um conceito inexiste sem o outro.

(1) O termo “ditadura do proletariado” não significava em suas origens a ditadura de um só partido, mas uma forte presença revolucionária para extinguir o poder das diferenças sociais geradas pela exploração ao longo de séculos. O que aconteceu na URSS foi a instalação de uma ditadura de partido único que burocratizou, corrompeu e apodreceu o regime.
(2) No Brasil Colônia eram proibidos tanto o ensino universitário quanto a imprensa. Somente a vinda da família real portuguesa – que transformou este país tropical na sede do reino – possibilitou uma abertura para o ensino e a publicação de livros e jornais.

domingo, 23 de novembro de 2008

Pensata para mais de um domingo

Estava ontem a pensar em Belo Horizonte e nos seus bares, seu chope cremoso, talvez o melhor do Brasil. Aí lembrei de um desses bares. Um que inclusive originou a “Pensata de Domingo VI” postada em 11 de março de 2007. Saí procurando em meus backups, encontrei e resolvi republicá-la. Segue, portanto:

O Lucas. Sem dúvida, um dos melhores bares e/ou restaurantes de Beagá. E olha que essa é uma cidade de muitos e bons bares e restaurantes.
Um lugar ambíguo, de um lado é barulhento, do outro tranqüilo. Coisas de bons botequins. Afinal, muita gente enche a cara ali, e acaba falando alto demais. O importante é o clima, poder-se-ia dizer que o “astral” de um bar você sente logo ao entrar. É algo que está mesmo no ar. Tem bar que é lindinho, faz de tudo para agradar o freguês, mas, na hora “agá”, não convence. Fica faltando alguma coisa.
Já o Lucas consegue manter a tradição na noite de Belo Horizonte há cerca de quarenta anos. E é tido como o Lamas mineiro. Sim, porque tem as mesmas características do afamado similar carioca. É um paraíso para os boêmios porque fica aberto até altas horas da madrugada. Tinha um garçon, o Seu Olympio (1), antigo militante comunista, que andava com um broche do “Che” na lapela, e, com mais de oitenta, ainda trabalhava.
Os pratos mais solicitados são o filé à surprise e o espaguete à parisiense. Mas tem também uma truta bem saborosa, e bons tira-gostos, além das torradas de entrada, que são fininhas, amanteigadas. Muito boas.
Conheci este local na década de oitenta, a primeira vez em que trabalhei naquela cidade. Tenho um grande amigo, o Luís Márcio Vianna, que era (e ainda é) freqüentador assíduo. Volta e meia a gente pensava em ir a algum lugar e, se houvesse alguma dúvida ou hesitação, ele logo sugeria o Lucas. Assim, eu fui lá até pra curar ressaca com a excelente canja que eles servem.
Além disso, fiquei apaixonado pelo bar. Da última vez que fui fazer um trabalho em Beagá, em maio de 2004 (2), acabei indo lá três vezes. Uma vez com o Maurilo, um amigo meu, quando fomos conversar sobre a contratação dele para um trabalho que eu estava a realizar e duas vezes sozinho. Jantar, só para matar as saudades.
Conclusão. Se você for a Belo Horizonte não pode deixar de conhecer o Lucas. Uma casa imperdível!

(1) Seu Olympio faleceu em 2003.
(2) Agora é a penúltima, pois a última foi este ano. Não poderia deixar de ir ao Lucas, mas, desta vez fui só uma vez. Infelizmente!

sábado, 22 de novembro de 2008

Satisfação

O Brasil ficou em 7º lugar (1) num ranking promovido pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) que mediu a satisfação com a vida entre os moradores de 23 países da América Latina e Caribe. Com pontuação de 6,2 (em escala de 1 a 10), o Brasil divide a posição com a Colômbia e a Jamaica.
Os resultados são de um estudo lançado como parte da série “Desenvolvimento nas Américas”, compreendendo a qualidade de vida. O maior nível de satisfação com a vida na região foi a Costa Rica, com a nota de 7,4. O último, o Haiti, com 3,8.
Os entrevistados responderam a perguntas sobre sua avaliação de aspectos como qualidade da educação, atendimento de saúde, moradia e emprego.
Quando analisado o nível de satisfação relativo ao emprego, o Brasil ocupa a 4ª posição, com percentual de 89,2% de pessoas satisfeitas, atrás apenas de Guatemala (93,6%), Costa Rica (92,9%) e Venezuela (90,6%).
Segundo o estudo, o que importa para a maioria das pessoas entrevistadas na região é o reconhecimento de seu trabalho e a flexibilidade no emprego, mais do que previdência social ou outros benefícios trabalhistas.
Em relação à educação, o Brasil aparece entre as últimas posições, com 64% de pessoas satisfeitas, mesmo percentual da Guatemala e do Equador, abaixo dos 70% de média da região. A Costa Rica ocupa a primeira posição, com 85% de satisfação. E o Haiti se mantém em último, com 43%.
Ainda segundo o estudo, a maioria da população está satisfeita com a educação pública, apesar de os estudantes da região ficarem atrás das nações desenvolvidas e da Ásia em testes internacionais de avaliação.
Na região, conforme o estudo, quatro em cada cinco pessoas estão satisfeitas com suas casas e cidades. No entanto, 60%, o maior percentual entre todas as regiões do mundo, sentem-se inseguras ao caminhar sozinhas à noite.

(1) Dados obtidos na Folha Online de 20/11/2008

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Viajando com Ana Cristina César

Costumo dizer que quanto mais trabalho tenho, mais escrevo. É verdade, mas, acontece que isto se refere a quando estes trabalhos são em casa, no meu modesto SOHO (1). Tenho andado numa fase braba de reuniões fora. Por isso, vou republicar mais postagens de meu antigo “Pensatas”. Como esta, de fevereiro de 2007.

Um dia, em 1990, entra na sala o redator que trabalhava comigo, o Marcos Vinícius, com um livro embaixo do braço. Joga-o apressadamente sobre sua mesa, e vai ao banheiro. Eu vejo a publicação. Tratava-se de uma antologia de Ana Cristina César, poeta brasileira de primeiro time.
Lembrei-me então, que conheci Ana Cristina em 1972. Viajamos juntos para Beagá, porque ela era muito amiga da Patrícia, prima da Virgínia, então minha namorada. Lembro-me que fomos de ônibus, e voltamos no meu carro. Às vezes, eu ia a Belo Horizonte, deixava o fusquinha lá, e voltava de ônibus. Na semana seguinte, fazia o contrário. Ia de ônibus e voltava de carro. Isso porque essa maratona de ida e volta, sozinho ao volante no mesmo fim de semana, era bastante cansativa.
Na ocasião, não sabia que ela escrevia, que tinha neste particular uma grande atividade. Ana Cristina, era muito retraída. Tinha, porém, de timidez, o que possuia de beleza. Esta, suave e também poética. Belos olhos, complementados por cabelos dourados, levemente cacheados e caídos sobre os ombros.
Lembro-me que, embora em outra fila do ônibus acordei com ela, debruçada sobre mim, ansiosa para falar com a Patrícia, que estava na poltrona da janela ao meu lado. Era algo sobre uma lente de contato perdida, ou que arranhava... já não me lembro exatamente. Estava um tanto quanto aflita, nervosa, angustiada com o fato. Quase que chorando.
Já em Belo Horizonte, saímos com ela uma noite, e fomos a um barzinho (acho que o Tom Chopim), para tomar uns goles. Vim a saber de sua morte, alguns anos depois, também por intermédio da Patrícia. Ela havia se jogado de uma janela de seu apartamento. Tinha somente 33 anos. Confesso, fiquei triste.
Não conheço muito da sua obra, mas confesso que o pouco que li, me agradou sobremaneira. Pesquisando, no entanto, aprofundei o meu conhecimento sobre ela. Em sua breve existência, Ana Cristina morou mais de uma vez em Londres, e conheceu diversos países da Europa e da América do Sul. Exerceu também o jornalismo.
Ainda escreveu para algumas revistas e diversos jornais alternativos. Por conta própria, publicou “Luvas e Pelica” e “Cenas de Abril”, entre outros. Fazia parte da chamada geração mimeógrafo, udigrudi ou marginal. Depois publicou um livro sobre literatura no cinema intitulado “Literatura não é Documento”. Ainda participou da antologia “26 poetas hoje” (1976).Deixou poesias, diários, cartas, desenhos e diversas traduções. Suas publicações foram reagrupadas e republicadas em novas edições. Também foram revelados os seus documentos inéditos. Toda a sua obra póstuma vem sendo organizada pelo também poeta Armando Freitas Filho. Tem trabalhos traduzidos para o espanhol e o inglês.

Hoje, existem à venda os seguintes livros com suas obras:
“Inéditos e Dispersos”. Documentos e desenhos do período que vai de 1961 a 1983, aliás, o ano de sua morte.
“Crítica e Tradução”. Reunindo Literatura não é documento”, “Escritos no Rio” e “Escritos em Londres”.
“A Teus Pés”. Reunindo “A teus pés”, “Correspondência completa” e “Cenas de abril”.

Para completar, transcrevo abaixo um poema de sua autoria.

Soneto

Pergunto aqui se sou louca
Quem quer saberá dizer
Pergunto mais, se sou sã
E ainda mais, se sou eu

Que uso o viés pra amar
E finjo fingir que finjo
Adorar o fingimento
Fingindo que sou fingida

Pergunto aqui meus senhores
quem é a loura donzela
que se chama Ana Cristina

E que se diz ser alguém
É um fenômeno mor

(1) Para quem não sabe (será que alguém não sabe?) SOHO significa Small Ofice Home Ofice.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Princesa do Agreste

Publicado no “Pensatas” em janeiro de 2007, este é o primeiro de uma série de narrativas que fiz há algum tempo atrás, que remerora de alguma forma uma fase que marcou a minha vida, e, porque não dizer, de toda uma geração de brasileiros.

Amanhecia em Brasília. José não poderia jamais esquecer aquelas nuvens bonitas, aquela gama de cores maravilhosas.
Estava um tanto quanto frio. Batia aquele vento gelado na face. Por outro lado José, arrastava com sacrifício uma mala pesada, atravessando aquela enorme distância gramada rumo ao ponto de ônibus mais próximo. Se é que poderia haver alguma coisa próxima naquela imensidão.
Apesar de toda dificuldade chegou finalmente ao que seria a primeira etapa de sua empreitada. Já não consegue se lembrar quanto tempo esperou pelo maldito veiculo. O fato é que ele chegou, e sua próxima parada seria logo alcançada.
Lá estava ele, na rodoviária de Brasília, a postos para o embarque de sua viagem rumo à Bahia. E lá estava também, a sua espera o veículo que o levaria àquele destino. "Viação Princesa do Agreste". O nome da empresa era bem sugestivo. Na verdade o ônibus ia para Recife. Mas na passagem José desembarcaria em Feira de Santana, onde seu tio e padrinho estaria à espera. Tinha sido tudo previamente combinado pelo seu pai. Afinal de contas, um foragido político naqueles idos de 1966 era um problema muito sério. Entre familiares seu codinome era "Maria de Lourdes", para evitar qualquer vazamento ou grampo no telefone, qualquer censura nas cartas. Era tudo na base de "Maria de Lourdes" vai bem... "Maria de Lourdes" já está indo... "Maria de Lourdes" embarcou ontem... e por aí afora.
Bom. "Maria de Lourdes" estava ali, pronto para viajar. Começou a olhar em redor e foi descobrindo os detalhes. Primeiro, o ônibus não era dos mais novos. Também não estava caindo aos pedaços, vai. Mas a verdade é que não era lá muito novinho. Depois tinha uma particularidade muito estranha para uma viagem de mais de mil quilômetros. A poltrona não reclinava. Mas, tudo bem, era acolchoada, pelo menos. A única vantagem mesmo é que estava muito vazio. Quase metade dele estava desocupado quando finalmente zarpou da rodoviária de Brasília.
Mas é aí que começou o drama. Ele parou em várias cidades-satélites. E a cada parada dessas, entrava mais gente. A impressão que dava era que ia subir a população do planalto inteira naquela joça. O negócio começou a ficar apertado, muito apertado mesmo. Tinha trouxa de roupa colocada não se sabe como nos bagageiros, tinha bebê, velhinha. Só não tinha mesmo galinha, papagaio e jacaré. Aliás só faltava mesmo isso pra completar a fauna. Lá pelas tantas, uma mulher grávida que havia entrado logo numa das primeiras paradas começou a se queixar do lugar em que estava. Ela se instalara bem na frente do ônibus, em um banco individual que fica ao lado do motorista, e ainda por cima tinha o capô interno do motor no meio. José, que estava na segunda fila atrás do motorista, se propôs a trocar com ela.
A primeira fase da viagem correu bem. Estrada asfaltada, o ônibus seguiu até Três Marias em direção a Belo Horizonte. O incomodava bastante a idéia de como ia dormir naquele desconforto, no banco que não reclinava, naquele aperto todo. Quando chegaram em Três Marias veio a resposta para a sua aflição. O motorista anunciou que ali iriam fazer uma parada não somente para jantar, como também para pernoitar. Desceram do ônibus. Era um ladeirão danado, alto, uma verdadeira pirambeira. Ali jantaram uma comidinha mineira gostosa que só ela. Coisa de pensão do interior.
Dia seguinte, nem o sol tinha aparecido ainda e aquele reboliço na pensão. Era desse tipo de construção que quando se peida num quarto, nos outros se escuta tudo. E aí, fila pra escovar os dentes, café da manhã, pagar o pernoite, o que deixou José preocupado de novo, porque não tinha muito dinheiro e não contava com uma viagem assim. Estava acostumado com outro tipo de viagem em que os ônibus não paravam para pernoite. Mas, apesar dos seus medos, da situação política do país, de tudo, José sempre achava que no fim as coisas dariam certo. Detalhe é que nessa confusão toda teve que comprar escova de dentes, creme dental, etc, porque as suas coisas estavam todas na mala. A roupa. Bem, a roupa era a roupa do corpo mesmo. Dormiu do jeito que estava e assim acordou, meio amassado, mas pronto para a próxima.
Foi um dos primeiros a entrar no ônibus. Tudo ainda no lusco-fusco. Todo mundo com cara de sono. Aos poucos foram chegando mais pessoas. Só o motorista não chegava. Foi então que de repente o ônibus começou a andar. Um ligeiro deslocamento, bem lento. Um primeiro gritinho de mulher lá atrás. Um princípio de pânico? Talvez. A ladeira abaixo, ladeirão mesmo. José ficou atônito, estatelado. Estava ainda meio dormindo, parecia mais um sonho, melhor dizendo, um pesadelo. Não tinha a menor idéia do que fazer. Não sabia dirigir. Olhou para o banco do motorista. Vazio. Olhou para a frente. A pirambeira. Será que dá tempo de sair do carro, de evitar o pior? Pensou. Subitamente surge um garoto, meio magro, uns quatorze anos mais ou menos. Ele dá um pulo, coisa meio de super-herói, coisa meio de cinema, se joga ágilmente no banco do motorista e freia. O veículo pára. Foi ovacionado. Olha, isso tudo aconteceu em uma fração de segundos. Na verdade foi muito rápido. O pânico nem chegou a se generalizar. Salvos por causa daquele menino, que José nunca soube quem era. Um herói anônimo na sua vida e na vida de todas aquelas pessoas que ali estavam.
Após a chegada do motorista, tudo finalmente volta ao normal. Refeito o susto, pé na estrada.
Em papo com os companheiros de viagem, José já sabia que o roteiro ia por Corinto, Curvelo, Montes Claros, e aí, sertão adentro iríam alcançar a Rio-Bahia num local chamado Divisa, isso depois de cortar o norte de Minas inteiro. Ficou entusiasmado com a viagem. Fascinado com a possibilidade de conhecer todos aqueles lugares.
Poucos quilômetros depois que deixaram Três Marias, fim do asfalto. Era uma estrada larga, uma rodovia federal, mas de cascalho, a trepidação era também um pouco maior. Mais poeira. Mas José até já gostava de estar naquele lugar ali, ao lado do motor. Pelo menos podia ver a estrada, o visual todo sem torcer o pescoço para o lado. O ônibus, todo fechado para evitar a entrada do pó ficava um pouco abafado, o motor ao lado esquentava, principalmente os pés. Tudo bem. Ele tinha nascido de novo depois daquele episódio da ladeira, e estava feliz da vida.
Algumas horas depois passa um carro ao lado - um Aero Willys, ainda se lembra -, e levanta uma pedra de cascalho em direção ao pára-brisas dianteiro do lado do motorista. Cataplan! Aquele esporro e mais um susto. O segundo do dia. Todos descem. Com um pedaço de pau são removidos os estilhaços do vidro. O motorista explica que teria que chegar a Montes Claros daquele jeito, e, lá procurar o pára-brisas para ser substituído. Todo mundo apeia. E seguem em frente.
Sorte é que não saiu ninguém ferido. Crianças de colo, senhoras mais velhas, enfim, todos sãos e salvos. Apesar de não ser asfaltada, a estrada era boa, principalmente em tempo seco. Daí, a velocidade também era razoável. Dava pra passar um carro de cada lado. Isso quer dizer que os carros que vinham em sentido contrário levantavam aquela nuvem de poeira. E aí alguém gritava: "Lá vem pó!". E era um tal de se abaixar, tossir. Isso durante mais de duas horas. Um verdadeiro deus-nos-acuda.
Finalmente chegaram a Montes Claros. Era a primeira vez que ele estava por aquelas bandas. Cidade progressista, sô! Prédios modernos, um centro da cidade movimentado, estação rodoviária. Só vendo. Enquanto toda a trupe parou para almoçar num bar próximo à rodoviária o motorista saiu pra conseguir o tal pára-brisas novo. Ficaram ali por um longo tempo, até que ele voltou. Uma cara meio triste, um ar desolado. Não havia conseguido encontrar a peça. “É, modelo mais antigo, sabe né, essas coisas...”, justificava-se. Mas ele tinha ouvido falar que uma oficina que tem nos arredores tinha a tal peça. lá foram eles. Todo mundo de novo no ônibus e o Severino (José já não se lembra, mas acha que este era o seu nome, ou, pelo menos tinha cara de) se dirigiu para a tal oficina. Depois de muita volta, muita parada pra perguntar para que lado ir, chegaram lá. Nada! Daí, o motorista resolveu meter pé na estrada assim mesmo.
Nessa altura, a tarde já ia avançando. Naquela de procurar pela peça ficaram mais de três horas em Montes Claros. Tinham que correr um pouco pra chegar a tempo na próxima parada. Daí em diante a estrada começava a mudar. O que antes era uma estrada larga, foi virando um caminho mais estreito. O cascalho deu lugar ao chão batido. Aos poucos começava a se notar um trilho de mato no meio e o sulco de terra marcando a posição das rodas. Aquela velha picada mesmo, com pontes de madeira e os cambau.
Começou a cair a noite. Bom. Aí mesmo é que o Severino virou uma peça. Como começou a esfriar, o motorista enrolou a cabeça num suéter azul marinho, colocou meias já que não tinha luvas, e, como já estava de óculos escuros continuou com o mesmo, apesar da escuridão. José não sabia se ria ou se chorava quando olhava pra ele e via aqueles óculos escuros e o farol aceso na frente iluminando a trilha estreita. "De repente surge uma vaca...", pensava ele. O fato é que chegaram lá. Sem mais acidentes de percalço. Era uma casinha de beira de estrada, simples. Quando desceu do ônibus, José batia na roupa e levantava poeira. A primeira coisa que fêz foi tomar um banho. Claro que depois de enfrentar uma longa fila. Jantou um delicioso frango à caipira. Coisa da roça. Aí bateu na cama. Estava exausto.
No dia seguinte, novamente acordaram com as galinhas.
Começaram a atravessar uma das regiões mais bonitas que José já havia visto em toda a sua vida. Chapadões enormes. Ele se lembrava do que havia lido de Guimarães Rosa, de Mário Palmério. O ônibus serpenteava por encostas perigosíssimas. Às vezes até se viam cruzes fincadas nos solos das ribanceiras à margem da estrada, provavelmente conseqüência de acidentes ali registrados. Depois chegava no alto e retas enormes em planaltos a se perder de vista. Uma paisagem inesquecível, pois dali mesmo, do alto daquelas estepes podiam-se ver vez por outra as encostas das outras, abruptas em direção ao solo. Isso tudo envolto em exuberante verde tropical.
Finalmente chegaram a Divisa, na Bahia. Pegavam enfim novamente o asfalto, a “civilização”.
Dai em diante, foram muitas as paradas. A viagem atrasou demais, porque cada vez que encontrava a polícia rodoviária, o motorista era obrigado a estacionar no acostamento e conversar com os tiras. Iam para um canto. José achava que ele “molhava” a mão deles. Ele só sabe que um tempinho depois, estavam de novo na estrada.
Chegaram finalmente a Feira de Santana com um atraso de mais de seis horas em relação ao que havia sido marcado. Claro que seu tio não estava mais lá. Era também a primeira vez que José chegava nesta cidade, apesar de ser baiano da capital. Na época, Feira ainda não tinha uma estação rodoviária. Tinha, sim uma rua que funcionava com esse propósito. Alí ficavam todas as companhias e seus guichês de venda. Procurou uma companhia que fizesse a ligação com Salvador. Não foi difícil. Estava preocupado com o pouco dinheiro que tinha, mas deu para comprar a passagem e ainda sobrou algum. Viajou quase que em seguida, mas se lembra que ainda deu pra dar uma rodada pelo centro, nas imediações daquele local, antes do embarque.
Quando chegou em Salvador não tinha muita esperança de ter alguém lhe esperando. E não tinha mesmo. Àquela altura, seu padrinho e todos os parentes mais ligados estavam em polvorosa procurando por "Maria Luíza" em outros cantos. Ele não sabia, mas enquanto se deslocava pelo sertão, o governo fizera nas proximidades de Belo Horizonte uma verdadeira devassa em todos os ônibus que daquela cidade se aproximavam devido à realização de um Congresso da UNE. Eles, como José não sabiam do verdadeiro itinerário do seu ônibus, e isso os deixou em polvorosa pois achavam que ele poderia ter passado por lá. Na fantasia deles, José já estava preso, talvez até “desaparecido”. Pelo simples fato de o ônibus não ter chegado no horário em Feira de Santana. Seu padrinho, acompanhado de um primo ficara esperando o seu ônibus aproximar-se na estrada, e isto não havia resultado em nada. Não tinham a menor idéia do seu paradeiro.
Pegou um táxi e se dirigiu à casa de um outro tio, por sinal um tio-avô. Sabia que o combinado era ficar casa dele. Todos achavam que a do seu padrinho poderia ser muito visada. José tinha o endereço e foi para lá. Curiosamente, o táxi cobrou exatamente os últimos mil cruzeiros que ele ainda tinha no bolso. Pagou, e não restou um puto.
José, finalmente, sentia de novo, depois de um longo e tenebroso inverno o aconchego de um lar.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Lucros & mais lucros, vezes lucros

Cinco bancos brasileiros estão entre as instituições financeiras com os maiores lucros do continente americano, revela levantamento da empresa de consultoria Economática (1). E isso mostra a quanto chegam os juros e outras taxas que o capital financeiro impõe, nos explorando no dia-a-dia.
As primeiras posições desse ranking são dos bancos estadunidenses Wells Fargo e Bank of America. Depois dos EUA, o Brasil, com cinco bancos, o México e o Chile, cada um com dois, são os países que mais aparecem na lista.
Segue a lista dos bancos mais lucrativos (em US$ milhões), destacando em negrito os brasileiros.
Wells Fargo - 1.637
Bank of America - 1.177
Bradesco - 997,9
Banco do Brasil - 975,3
Itaú - 965,2
Goldman Sachs - 845
US Bancorp - 576
JP Morgan - 527
State Street - 477
Unibanco - 367,5
BB&T - 358
Santander Serfin - 324,1
SunTrust Banks - 312,4
Charles Schwab - 304
Bank of NY Mellon - 303
Santander Brasil - 259,5
PNC Bank - 248

(1) Os dados são da Folha Online.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Papo de cachimbeiro III

Postado anteriormente no Pensatas.

Fumar cachimbo é um vício – ou, até como defendem muitos, um hábito – muito diferente de fumar cigarro. Requer uma certa dedicação, uma atenção e um grande, revesamento de peças.
O cigarro, praticamente você nem se lembra quando ou porque o acendeu. É meio mecânico, impulsivo. Para fumar um cachimbo, tem-se que pensar em acende-lo, qual deles vai usar e até o tabaco que será apreciado, pois, quase sempre um cachimbeiro tem duas ou três marcas diferentes de fumo.
Outra coisa é a vontade que você tem de comprar um modelo novo. Quando voltei a fumar cachimbo, tinha dois. Depois de um ano, minha coleção já passava dos trinta. Dois anos depois, quase havia dobrado, pois possuia entre cinqüenta e sessenta.
Iniciar um cachimbo “virgem”, é tão excitante quanto possuir uma donzela em sua primeira noite (na Sicília, claro). O preparo para um cachimbo novo é um ritual, e requer uma técnica e paciência muito grandes. Nas primeiras fumadas deve-se ir enchendo o forno gradativamente até que se forme uma crosta inicial, que, na verdade ajuda a proteger a madeira da violência do fogo e da brasa que esta terá que se submeter o resto de sua existência.
E os modelos? Tem cachimbo curvo, meio-curvo, reto, longo, curto, com forno grande, com forno pequeno. São dezenas de modelos como buldog, apple, pocket, canadian, billiard, churchwarden, pot, bent... Fica difícil falar de todos eles. São ingleses, italianos, holandeses, franceses, gregos, dinamarqueses e até brasileiros. As marcas mais conhecidas são Dunhill, Butz Choquin, Dr. Plumb, BBB, Savinelli. Os nacionais, JCI, Bertoldi...
Os bons cachimbos são fabricados com briar, que vem a ser uma raiz de roseira selvagem que existe originalmente na região mediterrânea. Por isso, os cachimbos europeus são os melhores. A raiz é especial para a confecção das peças pela sua resistência ao calor. Mas existem também cachimbos de louça ou outros tipos de materias, como os de espuma do mar. Estes últimos, verdadeiras obras de arte esculpidas.
Quanto a tabacos, a variedade também é muito grande. Dunhill, Balkan Sobranie, Half & Half, Davidoff, Prince Albert (o primeiro importado que fumei), Captain Black, Mac Baren, Amphora, Borkum Riff. Geralmente são ingleses, holandeses, suecos. Têm também os brasileiros. São centenas de qualidades, cada uma com suas características bem marcantes. Sempre tive por hábito ter umas três marcas. Vario não apenas os cachimbos, como também os tabacos. Tenho sempre que posso um fumo nacional como Irlandês, Giovanella ou Dutch Fisherman e dois estrangeiros sendo os mais preferidos o Half & Half, Dunhill ou Amphora.
Os blends são muitos também. Chocolate, menta, whisky, maçã, rum, e outras misturas de fumos como o Burley, o Virginia, além das essências que lhes dão os sabores exclusivos.
E a questão é que a gente se apega mais a uns do que a outros. Têm cachimbos que você fuma poucas vezes e depois encosta. Outros, você não agüenta ficar muito tempo sem fumar. Se um daqueles quebra, você fica dias a lamentar o ocorrido. Não o joga fora de imediato, quase que esperando que a fada azul, como que por milagre o reconstrua, que você acorde e o veja inteirinho à sua espera.
Com o passar do tempo, fica-se mais relaxado quanto à limpeza e conservação dos mesmos. Mas, de quando em vez tem que limpá-los. E aí são dezenas de acessórios à disposição. Raspadores e calcadores de todo tipo. Tenho um raspador inglês, que, sai da frente! Limpa até a alma. Parece um trator, um tanque de guerra, um navio quebra-gelo. Não tem forno que resista, sujeira que fique por onde ele passa.
Hoje, fumo meu cachimbinho apenas em casa. Ou, quando viajo levo uns dois. Por outro lado, o anti-tabagismo já não permite que se fume em qualquer lugar. O fumante de cigarro, por incrível que pareça, ainda passa mais desapercebido. Aquilo faz parte da paisagem. Já o cachimbo, chama mais atenção.
Em suma, fumar cachimbo é uma curtição. Há mais de vinte anos tenho o hábito de fazê-lo. Mas, um dia desses eu falo mais sobre isso.

domingo, 16 de novembro de 2008

Pílulas de domingo

Um domingo pela manhã... como é gostoso publicar num dia como este alguns pensamentos soltos...

Excelente a coleção de DVDs da Veja. Filmes excelentes. Vai ser difícil não comprar a maioria deles, pois grande parte dos títulos são imperdíveis. Como ‘Apocalypse Now’, ‘2001’, ‘Kagemusha’ ou ‘Disque M para Matar’ e tantos outros. Fora os que já saíram como ‘Intriga Internacional’ ou ‘Monty Python, o Sentido da Vida’. Todos de excelentes diretores como Hitchcock, Kubrick ou Kurosawa. E o precinho... ajuda.

A crise, que agora as classes dominantes admitem não ser apenas financeira mas econômica, é uma realidade. Inicialmente tentaram negar de toda forma a sua real extensão. Aqui por terras tupiniquins, o sr. da Silva e sua trupe de ministros da área econômica tentavam quase que irônicamente se referir a ela. Agora estamos começando a sentir os seus primeiros efeitos mais graves. Mas, o pior ainda está por vir.

Estava a me lembrar o quanto certas coisas eram mais difíceis, porém saborosas. Era o caso do acesso a jornais de outros estados. Hoje, com a internet, ficou uma barbada a gente ler qualquer um a qualquer instante, mas há alguns anos atrás tinha-se que esperar, e muito. Em 1985, quando morei em Beagá, assinava o JB e esta só chegava na porta depois das onze. Em Salvador, nos anos 60, eu e meu primo André, íamos aos domingos comprar jornais do Rio e São Paulo. Adquiridos em apenas determinada banca do centro da cidade, à tarde.

Blogues por vezes me deixam estupefato. Publiquei no “Casos” da Propaganda, em 2006 uma historinha passada com o João Moacyr de Medeiros, dono da JMM, com quem trabalhei. Uma sobrinha dele, que mora em Montreal, postou um comentário, e, a partir daí estou de alguma forma ajudando ela na feitura de um livro sobre o Medeiros, nome mitológico da propaganda carioca (quiçá brasileira).

São Paulo tem lugares que a gente nunca esquece. E o Gigetto é um deles. É um local que respira o ar da madrugada – aquelas madrugadas frias da paulicéia –, com o burburinho de vozes noite adentro e serve um penne aos quatro queijos que sai da reta, meu... Faz muito tempo que não vou lá, mas sei que o famoso restaurante da rua Avanhadava, na Bela Vista, estará me esperando com a mesma qualidade de sempre. Desde 1938!

Mas o Rio também tem suas ‘vacas sagradas’. Como o Bar Luis, um local de excelente nível (desde 1887). Tenho ido pouco lá, desde que não posso andar me esbaldando em cervejas e afins, porque o chope ali tem o seu lugar, e não dá pra ficar em apenas um. Fora o Eisbein, ou as suas inigualáveis salsichas brancas Bratwurst, acompanhadas de chucrutes. Aliás, a rua da Carioca é um pedaço maravilhoso desta cidade idem. Bem ao lado do Bar Luis tem uma casa de instrumentos musicais linda demais.

E ontem o Fluminense pelo menos ganhou mais uma. Neeenseee!

sábado, 15 de novembro de 2008

O dia em que conheci um mito

Corria o ano de 1966. Eu e Ruy Raposo militávamos no POR-T (Partido Operário Revolucionário - Trotskista), Seção Brasileira da IV Internacional.
Acontece que, desde que entráramos para aquela organização tínhamos profundas divergências quanto a alguns de seus posicionamentos políticos. Já até falei neste ou no antigo “Pensatas” o quanto a “Quarta” era dividida. Havia mais de uma corrente na América... e também a tendência européia. Nós, no Brasil, ficamos quase que isolados em contato com os “Posadistas”, que tinha este nome em função de seu dirigente, J. Posadas, um militante argentino.
O fato é que Posadas e os “Posadistas” assumiam posições cada vez mais alucinadas em relação à guerra atômica, aos caminhos da Revolução Cubana e até a teses estapafúrdias sobre a existência de discos voadores. O que nos deixava em situação de divergência cada vez mais acentuada com o núcleo dirigente. Tentamos estabelecer contatos com os trotskistas europeus, dirigidos por Michel Pablo, mas as tentativas forma em vão.
Tomamos então conhecimento da existência do (MCI) Movimento Comunista Internacionalista. Algo que nos agradou bastante, por ser também uma organização de orientação trotskista. Teríamos que ir a São Paulo para estabelecer contato com eles. Compramos as passagens e fomos.
Nosso primeiro encontro foi com um sujeito de quem não me lembro o nome. Fomos à sua casa, no bairro de Higienópolis, e tivemos uma excelente impressão. Ele então anunciou que iríamos encontrar o “velho”. Já sabíamos quem era, e, apesar de o conhecer de nome, nunca estivéramos com ele. E assim fomos encontrar Hermíno Sacchetta (1). Antigo militante revolucionário, trotskista histórico, Sacchetta era uma figura vivida e extremamente coerente, que atravessara os anos da ditadura Vargas e agora enfrentava a existência da ditadura militar.
Após um encontro cheio de despistes e vai e vens, fizemos um excelente contato e trocamos muitas idéias. Foi um final de tarde muito agradável. E considero Sacchetta, ao lado de Edmundo Moniz, uma das figuras mitológicas que conheci. Todavia nossos entendimentos não seguiram adiante, porque pouco tempo depois o Partido caiu no Rio devido a uma infiltração... mas isso é outra história que um dia eu conto.

(1) Hermínio Sacchetta (1909-1982), consta no MIA (Marxists Internet Archive) como “brasileiro, nascido em São Paulo, iniciou sua carreira na imprensa, como revisor, no Correio Paulistano. Engajou-se na luta revolucionária através do Partido Comunista Brasileiro, em 1932, onde atuou no setor de agitação e propaganda chegando a secretário do Comitê Regional de São Paulo; foi ainda um dos principais editores do jornal “A Classe Operária” (órgão central do PCB) até 1937, quando foi expulso da organização sob alegação de dissidência trotskista. Preso político durante o Estado Novo, após sua libertação, em novembro de 1939, participou da fundação do Partido Socialista Revolucionário, Seção Brasileira da IV Internacional nos anos 40 e 50 impulsionando o jornal Orientação Socialista. Perde o contato com os agrupamentos internacionais que reivindicavam o trotskismo com a crise em 52/53 e o fim do centralismo democrático na IV Internacional. Posteriormente atuou na Liga Socialista Independente, de tendência luxemburguista e, nos anos 60, no Movimento Comunista Internacionalista. Mestre do jornalismo colaborou na formação de inúmeros profissionais e contribuiu com a imprensa diária e a de divulgação política.”

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Buns e desbuns

Em declaração à rede CNN Gorbachev, disse que não houve invasão russa e sim “um assalto bárbaro perpetrado pela Geórgia na Ossétia do Sul". “Quem começou isso foi a Geórgia”, afirmou.

Na ocasião da crise, segundo o New York Times, Gorbachev não foi ouvido nem por Bush, nem pelo então candidato Barack Obama. Gorbachev, de “herói” a “esquecido”?

Enquanto isso o Produto Interno Bruto da Alemanha caiu no terceiro trimestre deste ano, colocando a maior economia da Europa em recessão. O PIB caiu 0,5% em relação ao trimestre anterior, que já registrara uma tendência de queda.

É, e a crise continua. Mas o que importa é que o mais belo bumbum do mundo é de uma brasileira. Trata-se do de Melanie Nunes Fronckowisky, que ganhou um concurso realizado em Paris, no qual concorreu com 26 representantes de outros países.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Osama, de herói a Bandido

Postado anteriormente no Pensatas, não é uma crítica cinematográfica, embora esteja focado em um filme de 1987, direção de Jonh Glen, com suas ações estratégico-militares no Afeganistão.
Os filmes de James Bond, apesar de seu engajamento em defesa das potências capitalistas, sempre exerceram sobre mim algum tipo de atração. Seja pelo gênero aventuras, pelas cenas eletrizantes, pelo suspense ou pela mentirada em exagero, que até os torna cômicos.
Fora o meu período de pensamento mais radical e sectário, sempre os acompanhei. Quando surgiram eu era ainda muito jovem. Nessa época vi O Satânico Dr. No, e Goldfinger, por exemplo. Depois, assisti em VHS e posterirmente em DVD, muitos dos que perdi. Também os tenho acompanhado em retrospectivas pela TV.
Em 007 – Marcado para a Morte (The Living Daylights), o agente britânico, estrelado por Timothy Dalton, encontra um personagem de nome Kamran Shah - interpretado pelo ator Art Malik - que vem a ser uma alusão, a nada mais nada menos do que Osama Bin Laden.
Kamram (leia-se Osama) é apresentado como o “herói” simpático e amigo, com as mesmas artimanhas que hoje são execradas, à época exaltadas ao extremo. Ou seja, aquele que se esconde combate os “comunas maus” - devoradores insaciáveis de criancinhas - nas estepes e montanhas do Afeganistão. Em outras palavras um autêntico mocinho ou “bom da fita”.
É divertidíssimo ver todas essas contradições, observá-las ao vivo e a cores.
Até porque ela é verdadeira. Bin Laden, como Shah foi criado pelas potências capitalistas. Foi também desenvolvido e estimulado em sua guerra de guerrilhas contra o agressor estrangeiro, no caso a União Soviética. Seria um terrorista? Claro que não! Terroristas são somente aqueles que estão do lado de lá da cerca.
Por exemplo: quando os israelenses atacam a população civil palestina, incluindo crianças, não estão cometendo um ato terrorista. Estão sim a se defender dos “terroristas” árabes. Idem quanto às tropas dos Estados Unidos quando perseguem e matam no Iraque civis inocentes. Não, nada disso é terrorismo!
A visão maniqueísta incutida pela grande mídia em todo o mundo “ocidental cristão” é de que as “forças do bem”, façam o que fizerem, farão sempre “boas” ações isentas de qualquer tipo de maldade ou segundas intenções. Nem o lucro desenfreado inerente ao sistema, nem a necessidade de defender os interesse petrolíferos dessas potências. Isso passa batido, ninguém menciona.
Contrariamente, toda e qualquer coisa que atinja os “bons samaritanos” é obra da maldade, da perversidade, do terror. Inclusive as que partem de Osama Bin Laden. Ou melhor dizendo Kamran Shah.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Partido único

Sustento a tese de que os dois grandes partidos políticos nos Estados Unidos são na verdade uma farsa, e que constituem um “partido único” na “ditadura da burguesia”.
Pois bem, notícia da Folha Online de 7 de novembro, diz que “o secretário de Defesa dos EUA, Robert M. Gates, deve continuar no cargo sob a Presidência de Barack Obama, que assume no dia 20 de janeiro.”
A notícia prossegue citando que “outros cotados para a liderança do Pentágono são os senadores republicanos Chuck Hagel, de Nebraska, e Richard G. Lugar, de Indiana. Eles também poderiam ser convidados para a Secretaria de Estado. O senador Jack Reed, de Long Island, é mais um dos prováveis ocupantes do cargo.”
Está aí mais uma evidência deste fato.

domingo, 9 de novembro de 2008

Inesquecível Barcelona

Postado no “Pensatas”, em maio de 2007.

Quando íamos para Barcelona – em viagem que fizemos de carro percorrendo praticamente toda a Espanha e que durou quase um mês –, minha intenção era ficar naquela cidade uns três dias. Visitar obras de Gaudí, ir à Fundação Miró, e conhecer algumas outras atrações da cidade que desconheciamos. Confesso que não deu, acabei ficando uma semana e ainda acho que foi pouco.
Barcelona é uma cidade encantadora. E, apesar de eu ter me perdido na chegada e me embrenhado pelos subúrbios completamente sem rumo, quando, finalmente cheguei à Gran Via, o efeito mágico começou. Não dava para negar o seu encanto. Foi uma paixão à primeira vista. Um caso de amor... irresistível.
Era verão e a cidade estava repleta de gente. Não havia hotéis disponíveis. Hostais (1), nem pensar. Acabamos ficando num hotel caríssimo na primeira noite. O Royal era um quatro estrelas, e sua grande vantagem é que ficava em plena Rambla. O que nos possibilitou chegar, tomar um banho, trocar as roupas e cair no que há de mais charmoso no local. Lembro-me bem que quando descemos do quarto, já era final da tarde e estava movimentadíssimo, com gente fervilhando a poucos passos de uma das estações de metrô mais movimentadas da cidade.
Com o horário de verão, no entanto, ainda estava muito claro. E, descendo a Rambla fomos parar em frente à estátua de Colombo apontando na direção de nosso continente: a América. Emocionante. Até porque recordei-me que em determinada ocasião, ao criar uma campanha publicitária para o Banco do Brasil, fizera um anúncio com aquele monumento, inclusive com uma belíssima ilustração do Benicio, já que as fotos de arquivo não eram muito boas.
Andamos meio que deslumbrados e sem muito critério pelas redondezas, descobrindo praças e construções belíssimas. A agitada Rambla tinha de tudo um pouco. A começar pelas estátuas humanas, que hoje já existem no Brasil, mas nos idos de 1991 eram completamente desconhecidas para nós. Um casal dançava tango com incrível maestria. Já havíamos visto um assim em Madri, no ano anterior, mas aquele, não sei se pelo “clima” reinante era mais envolvente, mais perfeito em seus passos maravilhosos. No final, lá pelas dez da noite, o sol começando a se pôr, sentamos em um barzinho e bebi aquele chope geladíssimo acompanhado de alguns tapas (2) para espantar o calor.
No dia seguinte, zarpamos daquele hotel. Na véspera havia ido a um hotel na Gran Via, justamente o Hotel Gran Via, cujo charme era indiscutível em uma construção típica dos anos 30. Na ocasião não havia vagas, mas eu deixei uma reserva para o dia seguinte. Por ser três estrelas, era mais barato do que o anterior. Estacionei o carro numa garagem subterrânea vizinha ao hotel. E partimos para as nossas caminhadas. Como sempre fiz em cidades maiores, a primeira coisa de que tratamos foi fazer um city tour. Maneira prática de marcar os lugares onde voltaríamos. Foi uma manhã maravilhosa, apesar de que na época Barcelona estava virada pelo avesso devido às obras para as Olimpíadas.
Daí em diante, foi voltar aos lugares imperdíveis como a indescritível Sagrada Família e outras obras fantásticas de Gaudí, ir ao bairro Gótico e visitar principalmente a Catedral e a antiga Prefeitura. Visitar a Fundação Miró, na qual passamos uma tarde inteira a admirar as obras do grande pintor. E, como o Gustavo não poderia deixar de ir, ao Zoológico, aliás belíssimo. Ao seu lado um parque maravilhoso com um Arco do Triunfo em estilo mourisco e o Museu de Arte Moderna, outra atração fantástica da cidade.
À noite, sempre jantávamos nos restaurantes da Rambla. A deliciosa comida catalã, regada a excelentes vinhos espanhóis. E ali mesmo passeávamos por longos momentos de prazer e descontração em meio a um dos povos mais alegres do mundo. Que viva España!

(1) Hostais são hotéis mais baratos existentes por toda a Espanha. Alguns, como o que ficamos em Toledo, de excelente qualidade.
(2) Tapas são acepipes, melhor dizendo tira-gostos. E os espanhóis são especialistas no assunto.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Acasos, por acaso

No dia 4 de outubro publiquei um artigo neste blogue falando sobre programas cômicos e suas fórmulas cansativas, até porque repetitivas. Por acaso, nesta quinta-feira voltei a assistir Casos e Acasos, que tinha visto uma vez. E gostei. Ou até melhor, gostei de novo. Mas tem um fator importante: as histórias são diferentes, os personagens são outros. Em suma, neste caso, aquele negócio de toda semana a mesma ladainha não acontece.

Barack Obama realmente está a provocar uma comoção mundial com sua eleição a presidente da matriz. Aqui no Brasil, um dos países de maior população negra do mundo, a coisa foi estrondosa. Até porque, na maioria, nos consideramos “brancos de alma preta”. Eu pelo menos penso e me sinto assim. E é de fato emocionante ver um negro no comando a Casa Branca. Ou será que agora deveria mudar de nome?

Só tem uma coisa: se Obama conseguir fazer metade do que os ianques – e boa parte do planeta – estão a esperar dele, pode-se considera-lo o maior fenômeno político de todos os tempos.

O dólar continua subindo. Cai num dia, volta a disparar no outro. Aliás, as bolsas estão assim no mundo inteiro. É o samba do capitalismo doido. O sistema enlouqueceu por completo gente... E não tem muito para onde correr mesmo. Vamos ver agora, que a ala Democrata do partido único estadunidense venceu e as coisas tendem a um maior cuidado e atenção do estado.

Diga, espelho meu... existe uma pessoa mais burra do que a Luciana Gimenes? Quer dizer, burra em alguns aspectos, em outros, põe esperta nisso. Eu costumo dizer que ela é uma mulher muito bonita; até abrir a boca. Porque quando abre, sai da frente, troca-se o canal porque chega a ser insuportável.

Falar em lixo cultural e prostituição... a bicharada está em polvorosa na Califórnia. Imagina só, proibiram o casamento homossexual. Gabeira que se cuide! Afinal, caso fosse eleito ele seria o primeiro prefeito viado do Rio de Janeiro. Embora eu não bote a mão no fogo pelos que já passaram por aqui. Por acaso alguém bota?

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

América

Escrevi um texto sobre o assunto. O Gustavo, meu filho, leu, gostou do tema e resolveu reescrevê-lo à sua maneira. É um trabalho a quatro mãos. Este artigo foi postado no “Pensatas” em fevereiro de 2007. Aproveito para republicá-lo agora que as eleições estadunidenses puseram o termo “americano” na crista da onda.

A confusão começou no século XIX, quando os estrangeiros que iam para os Estados Unidos se referiam àquele país como “América”. Convém lembrar que também se dizia que vinham para a América quando vinham para a Argentina, para o Chile, para a Venezuela, para o Brasil, dentre outros países deste continente.
O país setentrional apropriou-se da carapuça, que, contudo, não define somente americanos de origem inglesa. Agravante recente do equívoco já difundido foi o infeliz advento de novela de emissora sul-americana (1). Pois, afinal, qual a extensão da terra chamada América? E quem é americano? Não é todo aquele que nasceu no continente alcançado por Colombo?
Todos os que nascem neste continente somos americanos.
Qual é a disputa de identidade entre o europeu do norte e o europeu do sul? Não são europeus tanto os dinamarqueses quanto os espanhóis, os gregos e os tchecos? E não são asiáticos tanto os indianos quanto os chineses, os japoneses e os mongóis? Todos os europeus são europeus. Todos os asiáticos, asiáticos. Todos os americanos, sejam ingleses, sejamos românicos, somos americanos.
Os espanhóis referem-se aos cidadãos dos Estados Unidos pelo termo “estadunidense”. Os próprios idealistas da identidade ianque buscam na palavra ianque o entendimento de o que é ser ianque. O termo é originado do francês falado pelos nativos do território das treze colônias inglesas, desde o tempo da disputa do território: “les anglaises” deu origem à palavra ianque. Não deveria ser motivo de orgulho dos cidadãos dos Estados Unidos reconhecerem suas origens?
Por que não dar nomes certos aos bois? Não há problema em sermos todos americanos. Contudo, grande parte dos americanos, mesmo nos Estados Unidos, não são ingleses. Isso é a América, não somente no norte, mas também no sul: somos europeus, ingleses, portugueses, espanhóis, somos africanos trazidos pra cá, somos até mesmo remanescentes de indígenas nativos.
Que este manifesto sirva para a conscientização da identidade de todos os que nascemos neste continente.
Tenham os estado-unidenses orgulho de serem yankees, afro-americans ou mesmo (native) americans, e tenhamos nós, portugueses, ou afro-americanos, ou mesmo americanos (nativos), espanhóis, andinos, astecas e ilhéus, de sermos todos chamados pelo nome de quem nasceu na terra que nos deu lugar para vivermos. Tenhamos orgulho de ser americanos.

(1) Este texto foi escrito à época em que estava no ar a novela “América”.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Um discurso para hoje... e amanhã

É oportuno lembrar hoje trechos importantes do discurso de Martin Luther King, Jr. em Washington no dia 28 de agosto de 1963.

“(...) Digo-lhes hoje, meus amigos, embora nos defrontemos com as dificuldades de hoje e de amanhã, que eu ainda tenho um sonho. E um sonho profundamente enraizado no sonho norte americano.
Eu tenho um sonho de que um dia, esta nação se erguerá e viverá o verdadeiro significado de seus princípios: Achamos que estas verdades são evidentes por elas mesmas, que todos os homens são criados iguais.
Eu tenho um sonho de que, um dia, nas rubras colinas da Geórgia, os filhos de antigos escravos e os filhos de antigos senhores de escravos poderão sentar-se juntos à mesa da fraternidade.
Eu tenho um sonho de que, um dia, até mesmo o estado de Mississipi, um estado sufocado pelo calor da injustiça, será transformado num oásis de liberdade e justiça.
Eu tenho um sonho de que meus quatro filhinhos, um dia, viverão numa nação onde não serão julgados pela cor de sua pele e sim pelo conteúdo de seu caráter.
Quando deixarmos soar a liberdade, quando a deixarmos soar em cada povoação e em cada lugarejo, em cada estado e em cada cidade, poderemos acelerar o advento daquele dia em que todos os filhos de Deus, homens negros e homens brancos, judeus e cristãos, protestantes e católicos, poderão dar-se as mãos e cantar com as palavras do antigo spiritual negro: Livres, enfim. Livres, enfim. Agradecemos a Deus, todo poderoso, somos livres, enfim.”

A contrario sensu *

Fiquei esses dias a pensar sobre uma questão que me incomoda há bastante tempo.
Tudo começou quando recebi neste blogue o comentário de uma amiga – que aliás considero muito –, e que falava sobre posicionamentos, vamos dizer... “politicamente corretos” ou não.
O fato reforçou o quanto tenho profunda repulsa não só pela expressão, como principalmente pelo que há por trás dela. Sim porque na verdade ficar a dizer que um “preto” é “afro-descendente”, ou que “diversidade sexual” define “viadagem”, na minha modesta opinião, é uma tremenda duma idiotice.
E para completar, é a mais pura hipocrisia. A questão é que o preconceito leva a este tipo de subterfúgio. Aliás, não é de admirar que “politicamente correto” é um conceito que surgiu nos Estados Unidos, sem dúvida a sociedade “puritana” mais depravada da história da humanidade.
Temos que considerar que, desde que não seja de forma pejorativa, chamar alguém do que ele é, não significa que se está a ofendê-lo. Aliás, eu diria que, muito pelo contrário, tentar disfarçar ou trocar designações é que demonstra um profundo preconceito. Afinal, tive amigos negros que a gente chamava de “Negão” ou “Crioulo” e jamais se ofenderam com isso. Simplesmente porque eram mesmo.
Por essas e outras, confesso que jamais terei uma postura politicamente "correta".

(*) Em sentido contrário. Argumento de interpretação que considera válido ou permitido o contrário do que tiver sido proibido ou limitado.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Obama. Dream or nightmare?

Assisti, ao vivo e em preto e branco à evolução das lutas sociais dos negros por terras estadunidenses. Sem trocadilhos, naquela época não existia televisão a cores, e os jornais de cinema também não eram coloridos.
Um amigo meu, uma vez me contou um caso que aconteceu com ele no início da década de 60, quando fazia seu mestrado no estado de Illinois, e, em determinada ocasião resolveu pegar um ônibus e passar um desses feriados prolongados em algum lugar do sul. Viagem longa... estava dormindo à noite quando foi despertado pelo motorista. Sonolento ouviu o gajo a lhe pedir que fosse para uma cadeira na frente do veículo. Meio sem compreender nada, virou para o outro lado e tentou continuar o seu sono. O sujeito não saiu do seu lado. Depois de algum tempo o motorista explicou-lhe que estavam entrando em Mississipi, e que naquele estado as leis proibiam negros de andar nos coletivos em lugares à frente dos brancos. Resumo da ópera: após alguns minutos de discussão, foi obrigado a trocar de poltrona com o referido negro.
Para nós este caso parece absurdo, mas por aquelas plagas, este pensamento é comum até os dias de hoje. Principalmente pelos lados do Mississipi, Missouri, Alabama e outras paragens. Quando li aquela notícia dos sulistas que estavam a planejar um atentado contra Barack Obama eu voltei a despertar para isto. Pior, eles ainda pretendiam entrar numa escola e matar cerca de cem crianças negras. E dizer que são os primeiros a jurar de pés juntos que comunistas comem criancinhas.
Estamos às vésperas das eleições naquele país, e, pelo que tudo indica, Obama talvez ganhe. E quando digo talvez, é porque custo a acreditar que isto seja possível. Mas, pergunto: conseguirá terminar o seu mandato? Acho difícil! Porque lá, um bom número de presidentes já morreu de forma violenta. Isso fora os atentados que não vingaram, como os de Ford e Reagan, por sinal bem recentes.
Não que Obama ofereça qualquer tipo de ameaça ao status quo vigente. Ele é apenas o representante da ala Democrata do partido único (burguês) dos Estados Unidos. Está certo que esta corrente é menos à direita do que a Republicana. Os Democratas têm uma tendência “social-democrata”, reformista, de certo modo estatizante. Mas, o simples fato de ser um nigger, pode levar correntes mais radicais de direita a atos de loucura.
Aguardemos pois os fatos e o desenrolar do processo histórico. Somente isto poderá nos dizer se o “sonho” de Martin Luther King poderá algum dia se tornar uma realidade. Ou será mais um capítulo do grande pesadelo estadunidense?

domingo, 2 de novembro de 2008

Everything Changes

Mais uma tentativa de um conto. Às vezes eu me arrisco nesta seara... Um dia, quem sabe terei como publicar um livro. Este foi escrito e publicado em setembro de 2007.

Anselmo estava pensativo havia dias. Cuidadosamente, Edgard aproximou-se dele.

- Vamos almoçar, cara?

- Não sei... estou sem fome...

- Tenho notado isto, meu caro. O quê que houve contigo?

Anselmo ajeitou-se na cadeira. Olhou para o computador. Um ar triste, vago, taciturno.

- Sei lá... não sei... quer dizer, até sei... será que sei... não... nã...ão tem jeito!

- O quê não tem jeito? – Perguntou Edgard, curioso.

Anselmo balançou os ombros. Olhou para o amigo, quase que pedindo ajuda...

- Estou apaixonado. Per... di... damente... apaixonado, meu chapa...

- Mas o que tem isso? Sei que você é casado há muito tempo, mas... estar apaixonado é sempre bom. – Olhou matreiro virando os olhos em torno, e prosseguiu com um sorriso malicioso – Eu conheço?

- Na... nã... ão, você não conhece... ou talvez conheça. E não... sei lá. Talvez...

- Mas, quem é afinal? Pooorra, Anselmo. Vamos festejar. Tomar um chope, voltar de porre à tarde. Isto merece um brinde! – Aproximou-se de Anselmo e sussurou com malícia – Carne nova no pedaço... he he, heiiii! Aaah, eu quero saber de tudo... tudinho... quem é a garotaaa??? Me diz pelo menos o nome dela.

- Aaahhh, não adianta... vou dizer e você não vai acreditar... Respondeu Anselmo com um ar de desânimo, um olhar perdido no infinito.

Edgard deu um tapinha nas costas do amigo.

- Vamuuu lá. Vamos sair um pouco deste ar viciado de escritório, cara... vamuuu lááá...

Anselmo, relutante levantou da cadeira, abraçou o amigo, suspirou fundo, jogou o paletó por cima do ombro direito, displicentemente, e começou a andar em direção à porta.

Caminharam por um bom tempo, até chegarem ao Bar Luís. Entraram e cumprimentaram os garçons mais conhecidos. Sentaram e pediram dois chopes escuros.

- Aaah, bem tirado! Iiiisto é que é chope bem tirado! – Exclamou Edgard – Mas, prossiga, meu... qual é? Ou vai ficar guardando segredo o resto da vida. Põe pra fora o que o coração diz, cara... põe pra fora...

Anselmo pigarreou. Balançou a cabeça e disse:

- Aconteceu... Vi a mulher... e me acendeu uma paixão louca, doentia, impossível... inatingível. Mas, aconteceu! Sinal que talvez ainda exista um adolescente dentro de mim, porra!

- Mas por quê tão impossíííível... tão... inatingíííível... assim? Colé, cara? Nada é impossível.

- O pior é que é! Deixa isso pra lá... foda-se...

- Ih, não é bem assim, meu... você tem que acreditar em você mesmo. Se valoriza, cara... se valoriza...

Anselmo pigarreou de novo.

- Você está fumando pra cacete, num é? Cuidado, bicho. Só na caminhada que a gente deu até aqui você deve ter fumado uns três... talvez quatro cigarros... com certeza... Cuidado, hein?!

- É melhor mudar de assunto... – Virando-se para o garçom, exclamou – Êêêiiii, amigoooo, traz o cardápio... quê qui tem hoje? Se não tiver nada de especial me traz o de sempre... Salsicha branca com chucrutes... ou kassler??? Éééé’...Kassler... e mais um chope... escuro... tá? Tinindo. Edgard aproveitou pediu para trazer o de sempre também.

Ele já começava a esboçar um ar de impaciência. Ajeitou-se na cadeira. Olhou para um traseiro que adentrava o recinto rebolando. Coçou o nariz com a pontinha do dedo. Virou-se para Anselmo e falou:

- Tá bom, cara... não vou... não vou mesmo ficar insistindo com você sobre esta mulher. Xá pra lá! Eu fico aqui preocupado, mas... veja bem... só estou querendo lhe dar uma força. Seu puto! Sorriu, sem graça.

Anselmo riu. Riu pela primeira vez naquele dia. Talvez em muitos dias.

- Lembra da Gleyde?

- Aquela menina que foi substituir uma secretária de férias? Sei... hummm, então é ela? Onde ela está agora?

Anselmo soltou um muxoxo, enquanto balançava a cabeça sorrindo com sarcasmo.

- Que nada, cara... aquilo já passou... já era... aconteceu, foi um fracasso... meu. Fracasso meu. Cantei, mas não deu. Ela provocava minha libido. Quando chegava perto de mim eu ficava... ficava de pau duro! – Apoiou a cabeça no braço, também apoiado na mesa, mexeu nos cabelos, despenteando-os –... mas passou. É coisa do passado, esqueci. A gente esquece... às vezes; às vezes se esquece... consegue... também eu entrei de sola. Ela sabia que eu era casado... sei lá. Porra acontece nas melhores famílias... de Londres!

Soltou uma gargalhada.

- Ela era bonita, charmosa... alta, uma mulher interessante. Retrucou Edgard.

Houve um silêncio de alguns segundos, que mais pareciam uma eternidade. Os chopinhos espumantes chegaram. Anselmo sorveu um gole. Sentia-se o prazer de beber aquele gole, naquele instante.

- Você está com medo de outro... um outro fracasso, Anselmo?

- Não há a menor chance disto acontecer... não há! Respondeu Anselmo olhando sério o companheiro.

- Então, vai fundo... vai fundo amigo. Está com medo de separar da Noêmia... é isso, está com medo de abalar seu casamento de quase trinta anos. Leva numa boa... mulheres não entendem. Quer dizer, às vezes até entendem, Agnés Varda filmou “Lê bonheur”... lembra? “As duas faces da felicidade”? Filmaço... puta filme... e ela era uma mulher!

Fez uma breve pausa e prosseguiu:

- ... às vezes elas fingem que não sabem, mas vão levando... mulher é assim... afinal, levam pica... há-há[há...gozam sofrendo!!! A dor faz parte da vida delas... biiiichooo... não vês? Além do mais... fazendo bem feito... com todo cuidado... A Noêmia nem vai saber. Podes crer!

Mais alguns instantes de silêncio. Profundo. Goles de lá, goles de cá. Edgard faz um sinal para o garçom. Mostra dois dedos, os balança pedindo outra rodada.

- Um amigo meu.. me mandou um e-mail. Era um link. Eu fui e gostei... balbuciou Anselmo.

- Já senti... namoro pela Internet. Ih! Isso tá dando até casamento. Mas... cuidado hem?! Às vezes mandam fotos falsas. Você vai ver a dona... e num é nada daquilo... A loura vira um a negona gorda!!! Há-háá- hááá... tem muita enganação nestas coisas de Internet... Tenho uma amiga que...

Anselmo interrompe abruptamente, batendo a palma da mão na mesa.

- Não é nada do que você está pensando, cara... não é nada disso. Não é... puuuta meeerda!

- Então o que é? Não estou entendendo mais nada. Nadinha. Tô mais por fora do que umbigo de vedete!

- Ih... essa foi velha pra caraaaalho. Manda outra! Acho que nem tem mais vedete. He-he-he! Essa foi boa... boooa Edgard!!!

- Tá bem. Tá bem... tô ficando velho... é o tempo... o tempo passa...

- Era o link de uma cantora americana, linda... cantava uma música...muito hormônio feminino... você sentia. Aquela boca, tesão, tesão, puro tesão... Mulher... com “ eme” maiúsculo. Daí fui entrando em outra músicas dela. Sabe cuméquié... YouTube... você vai navegando... vai descobrindo... vai crescendo. E foi crescendo a porra da atração... – fez uma pausa –... uma atração que foi virando paixão... Ta rindo?... rindo de quê?... Ela me enfeitiçou. Eu... eu a amo com toda a força do meu ser...

Edgard interrompeu Anselmo, colocou sua mão em cima da dele num gesto de solidariedade. Estava rindo.

- Você me lembrou daquele filme o filme “O fã”... lembra... com a Lauren Bacall? Um filme em que um sujeito começa a escrever para uma atriz... famosa... e sua obsessão vai aumentando... aumentando...

-Tá me chamando de tarado? Pior... de serial-kiiiller? Pooorra, onde nós estamos...

Neste momento o garçom chegou com os pratos. Pediu licença, meio que desajeitado. Eles esperaram acabar o procedimento. Terminado, Anselmo prosseguiu:

- É sério... amigo... é sério. Não é uma coisinha à toa. É paixão! Das brabas...

- Mas... o quê qui você fez, cara, você fez alguma coisa? Escreveu uma carta pra ela? Bateu uma punheta pelo menos?

-Não briiiinca... é sério. Você já viu ela cantando “Everything changes”. Mudou mesmo... mudou tudo pra mim... a partir daquele instante... mudou!

O papo rolou o resto da tarde. Saíram tropeçando. Nem voltaram para o trabalho. Edgard ligou e deu uma senhora desculpa, dizendo que havia passado mal e fôra parar no pronto-socorro. E o Anselmo teve que acompanhá-lo.

No dia seguinte, uma puta duma ressaca, Edgard chegou cedo no trabalho. Anselmo ainda não havia chegado. Bom, também era cedo demais. Daí a meia hora tocou o telefone.

- Noêmiaaa!!! Que prazer... há quanto tempo – uma longa pausa – O quêêêê??? Quando??? Como???

Noêmia aos prantos contou que Anselmo havia chegado em casa completamente bêbado, tropeçando, chorando e balbuciando frases e nomes que ela não conseguia compreender, tal o seu estado, trancou-se no banheiro por algum tempo e acabou, quase que de súbito, no impulso de um surto, irrompendo pela sala e se atirado pela porta de vidro da sacada. Do sétimo andar... que o corpo estava no IML... Ela queria uma ajuda, precisava de ajuda, estava desesperada... que Anselmo deixou apenas uma carta, lacônica, escrita em papel higiênico, com péssima e trêmula caligrafia, na tampa da privada... em que falava de sua péssima situação financeira... mas que no seu bolso foi encontrada uma passagem para Los Angeles... Ainda aos prantos, subitamente Noêmia desligou o telefone, pedindo para que ele ligasse para ela, assim que pudesse.

Edgard largou o telefone sobre a mesa, recostou-se na cadeira. Suspirou, bebeu um copo d’água inteirinho, quase que de um gole só. Seu coração palpitava de forma intensa e desconexa. Suava frio. E pensou com os seus botões: “E nem o nome dela ele me disse... falou apenas que cantava ‘Everything changes’... e tudo... tudo mudou... tudo mudou mesmo! Caramba, nem quero procurar essa porra dessa música no YouTube... ou em lugar nenhum!... Já chega o Anselmo... desconjura!”

sábado, 1 de novembro de 2008

Existiu cultura antes da barbárie

Revendo “Forest Gump”, pus-me a pensar no quanto os anos 60 foram culturalmente ricos. Pra começo de conversa foi a década dos Beatles. No cinema, aconteceram nada mais nada menos do que Glauber Rocha. Isto para nós brasileiros. Mas na cinematografia mundial, consolidaram-se nomes como Fellini, Antonioni, Kurosawa e o próprio Bergman, que já existiam antes, mas foi naquele período que seus nomes ficaram eternizados.
O novo milênio começou para o Brasil, porque Brasília foi inaugurada em 1961 colocando o país na modernidade. A Bossa Nova firmou-se no cenário internacional. Internamente a MPB entrava em nova era com a chegada de Chico Buarque, Edu Lobo, Gilberto Gil. E com as interpretações inesquecíveis de uma Elis Regina.
Por outro lado foram anos de reviravoltas políticas. 1968 por exemplo. Tá certo que 1964 foi o ano do golpe no Brasil, e que “Che” Guevara foi assassinado pelos ianques também naquela década. Mas tudo isto mostra um acirramento da luta de classes e das contradições do sistema.
Voltando ao filme de Robert Zemickis (1994), nele tem-se uma visão interessante daquela época. O movimento hippie, a sucessão de presidentes estadunidenses no pós-morte de Kennedy, a guerra do Vietnam e seus traumas na sociedade. O resumo de tudo é que com leveza, muito humor e apoiado pelo excelente desempenho de Tom Hanks, Zemicks consegue nos passar um breve resumo do que foram aqueles dias para a sociedade não apenas nos Estados Unidos, como decorrente disto ao redor do planeta.
Hoje, olhando em torno, pasmo com a mediocridade e a mesmice reinantes em todos os ramos da atividade humana. Pudera! Estamos a viver a barbárie do capitalismo. É, conseqüentemente, uma época de estagnação dos valores provocada pela decadência sistêmica. Mas, pasmem, existiu cultura antes de tudo isto.