quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Saudades do Carnaval

“Bate Bolas” e “Clóvis”... Tradições do Carnaval carioca...
Esta pensata foi postada neste blogue em carnavais de anos passados. Às vésperas da Festa Maior, achei por bem manter a tradição e a republico aqui...
  
Pode parecer papo de “velho saudosista”. Mas não apenas parece, como é saudosismo mesmo. O saudosismo de quem conheceu um carnaval que era verdadeiramente uma manifestação popular. Ou pelo menos, na sua simplicidade, mais autêntico. Por acaso testemunhei e vivi a festa, tanto aqui no Rio quanto na Bahia, dois pontos de referência do evento.
No Rio de Janeiro, escolas de samba desfilavam na avenida Rio Branco. As poucas arquibancadas ficavam na Cinelândia, e o povo assistia em pé ao longo da avenida. Avenida mesmo, como é chamado até hoje o “Sambódromo”. Anos depois o desfile passou para a Presidente Vargas. Já mais sofisticado, tinha várias arquibancadas, montadas e desmontadas todos os anos. O carnaval de rua existia mesmo. E também se concentrava em grande parte na mesma Cinelândia, estendendo-se pelas avenidas, ruas transversais, praças. Blocos invadiam esses logradouros contagiando e enchendo o povo de alegria. Os “Clóvis” (1) também se espalhavam pela cidade.
E na Bahia? O carnaval em Salvador era totalmente diferente daquele que assistimos hoje. Os trios elétricos, como diz o nome, eram trios de fato. Circulavam em pequenos caminhões e o povo – como diz a música de Caetano – corria atrás. Fiz muito isto nos carnavais que passei naquela cidade. Afinal, “...só não vai quem já morreu”. Além do mais saíamos de “careta” e mortalha, brincando com as pessoas conhecidas, falseando a voz para não sermos identificados. E havia também o curioso hábito das famílias levarem cadeiras para a Avenida Sete. Sim, cadeiras da própria casa que ali eram dispostas para que os privilegiados apreciassem o desfile dos foliões, numa antevisão do que viriam a ser os camarotes. Coisas de um Brasil provinciano? Talvez. Certamente de um país bem mais “feudal”... E ingênuo.
Falando assim, parece que o carnaval de então era pobre frente ao que vemos em nossos dias. Aquele carnaval que vivíamos realmente difere muito deste que aí está. O cerne da questão encontra-se no fato de que o evento tornou-se uma festa elitizada, principalmente ao perder algumas características de sua essência popular. Justiça seja feita, as escolas de samba tornaram-se um show grandioso, rico e majestoso, uma verdadeira atração internacional.
E o povo? Onde ficou o povo? Este foi marginalizado. Não totalmente, porque seria impossível uma festa popular sem a sua participação (2). No entanto, hoje, para se assistir a um desfile das “milionárias” escolas de samba, tem-se que pagar a peso de ouro por um lugarzinho qualquer. Isso ao lado da exuberância exclusivista dos camarotes e o exibicionismo dos “famosos”. O marketing dominou a linguagem do carnaval com pesadas verbas publicitárias (que o financiam), transformando os desfiles em um canal de divulgação e venda de suas marcas. Aquela de ir para a avenida e ver, participar, ficou no passado. O espetáculo até ganhou em luxo e glamour, mas, por outro lado pasterizou-se em escala industrial.
Em Salvador o carnaval virou “Axé”. As músicas são todas iguais e seus intérpretes têm, sem exceção as mesmas vozes, um gingado absolutamente igual. Da mesma maneira passou a ser uma festa estandartizada onde os foliões – embora aos milhares, numa das maiores concentrações de massa do mundo – são passivamente comandados por “trios”(?) elétricos gigantescos e barulhentos em sua forma monstruosa, amplificada, e também industrializada. Ali, grandes e luxuosos camarotes exibem o desfile esnobe e vazio de “celebridades” em busca de promoção na mídia.
Muitos dos que não presenciaram aqueles tempos, dificilmente vão entender um ponto de vista que defende o carnaval como uma festa feita pelo povo, para o povo. Irão até interpretá-lo como um posicionamento “reacionário” de quem não acompanhou as mudanças geradas com o passar de algumas décadas em que o país saiu da estrutura semi feudal dominada pela oligarquia do campo e ancorada pelas classes médias tradicionais (formadas basicamente por funcionários públicos) para uma sociedade urbana e capitalista, com estratos sociais muito diversificados, onde sofisticados mecanismos ocuparam um lugar de destaque nas transações comerciais e humanas. De qualquer maneira continuo defendendo a tese que do carnaval restaram apenas as cinzas. Saudosismo? Sim...
  
(1) Os “Clóvis” eram (e ainda são) mascarados originalmente da "gema" dos subúrbios cariocas que saiam pelas ruas a brincar com as pessoas. O nome vem do inglês clown (palhaço).

(2) A questão central é que hoje, a participação popular é menos espontânea. Por um lado existem muitas dificuldades de acesso, por outro a opinião é manipulada pela grande mídia e os interesses dos grupos econômicos. Abro uma exceção para algumas bandas e blocos, que, de certa forma, ainda representam um tipo de expressão popular. Bandas invadem hoje as ruas em diversos bairros do Rio. E fenômenos como os que aconteciam na Rua Miguel Lemos espalharam-se por toda a cidade. A famosa "Banda de Ipanema", "Suvaco de Cristo" ou a "Simpatia, quase amor" são exemplos disso. Os blocos, alguns antigos – como o "Bola Preta" – também exibem a força do carnaval de rua em manifestações de fato populares em que o povo manifesta-se de forma original.

10 comentários:

Joelma disse...

Bons tempos de carnavais que não voltam mais!

Jonga Olivieri disse...

Sim, bons tempos... E que, sinal dos tempos, não voltam mesmo!

Mário disse...

Também conheci este carnaval a que você se refere.
Principalmente o de subúrbio, pois meu avô era morador do Méier e por lá os Clóvis imperavam pelas ruas.
E sde existe até hoje é um arremedo daquilo o que foi.

Jonga Olivieri disse...

Não cheguei a conhecer o carnaval de subúrbio, mas o "carioca da gema" é suburbano. Naqueles bairros do Rio (principalmente os de Zona Norte) está a verdadeira alma carioca, o samba, e, claro o carnaval...

Anônimo disse...

Muito boa esta póstagem porque tentas resgatar aquilo que tivemos de bom e foi desprezado pela 'modernidde'(?)... a cultura brasileira autêntica.
Tavim

Jonga Olivieri disse...

Essa cultura autêntica e genuimamente brasileira foi 'globalizada"... Até aí tudo bem, afinal a universalização da humanidade é irreversível.
Só que globalizada de uma forma que acompanha a lavagem cerebral imperialista, que padroniza os comportamentos a partir do neocolonialismo.
Daí perdermos alguns parâmetros importantes, caro Otávio.
Aliás, você andava sumido!

Castelar disse...

Mas eu acho que o carnaval do povo continua. Aliás, nas suas notas você mesmo admite que: "E fenômenos como os que aconteciam na Rua Miguel Lemos espalharam-se por toda a cidade. A famosa "Banda de Ipanema", "Suvaco de Cristo" ou a "Simpatia, quase amor" são exemplos disso. Os blocos, alguns antigos – como o "Bola Preta" – também exibem a força do carnaval de rua em manifestações de fato populares em que o povo manifesta-se de forma original"
Certo?

Jonga Olivieri disse...

Sim, caro Castelar. Mas acontece que, por mais que admitamos que continuam, mudou muito em relação às décadas de 1950/60, quando a Cidade ficava entupida de espontâneos e improvisados "Blocos de Sujo" como se dizia no "popular".

André Setaro disse...

Você, Hulot, quando se chamava Jonga, participou de alguns carnavais na Bahia. O povo agora, como bem o disse, está excluído. o Carnaval atual lembra muito o 'Panis e Circus' romano. É degradante!!!

Jonga Olivieri disse...

Só faltam as arenas! Se é que aquilo já não as sejam!