terça-feira, 5 de junho de 2012

Pensatas de domingo fora do domingo


Como tive problemas no computador no fim de semana passado e somente agora foi corrigido, estou postando a Pensata do último domingo.

Lembrei-me de um filme que assisti há tempos, e, na época achei surrealista, nunca pensando que fosse se tornar tão real. Trata-se de Pequenos Assassinatos (Little Murders), de 1971, dirigido por Alan Arkin, e estrelado por Eliot Gold, além do próprio diretor.
O filme retrata o terror que se instala em uma cidade dos Estados Unidos a partir do momento em que as pessoas, na “santa paz” de seus lares, começam a receber tiros, sabe-se lá de onde ou por que. Vivemos, hoje, uma situação, se não exata, pelo menos muito semelhante. Outro dia, assistindo a um telejornal, o locutor afirmava que, saímos de casa, mas não sabemos se vamos voltar.
Incrível, mas o mundo transformou-se num campo de batalha. A “barbárie” em que vivemos, nos levou a, por vezes, ter medo de sair de casa. À noite, nem se fala.
Estava eu, algum tempo atrás a trocar e-mails com um primo em Salvador, e nos recordávamos do tempo em que vagávamos pelas tortuosas ruas daquela cidade, ao voltar do cinema ou de encontros com amigos. A pé, e à noite. Não havia o menor receio de coisa alguma. Na verdade, nem olhávamos se tinha alguém parado na próxima esquina. E se tivesse nem era conosco.
Aliás, na mesma época, aqui no Rio de Janeiro, cansei de voltar de Copacabana, também a pé, atravessando o Túnel Velho, bem embaixo de uma favela, após tomar mais chopes do que meu bolso permitia, naqueles tempos em que era estudante e vivia de mesada.
Vai fazer uma coisa dessas hoje em dia!? Aliás, as pessoas nem pensam na hipótese. Quem está de carro, fica fechado, mal parando nos sinais de trânsito. Às vezes, não saem de carro à noite, preferindo um táxi. Ali, ficam mais seguras e incógnitas. Seu padrão de vida não fica tão evidente.
O pior é que se fala muito em repressão, em reforço policial, UPPs, nisso e naquilo. Mas, e as origens do problema? E os quinhentos anos de colonização, de pobreza versus ostentação? Obviamente é mais fácil matar, é mais seguro eliminar o sujeito, não a causa.
Os governantes sempre usam uma retórica demagógica, que até parece que se preocupam com o fato. Mesmo os governos Lula e Dilma, prometem uma “redistribuição” de renda, mas fazem uma política apenas paternalista, como a de Getúlio Vargas, o “Pai dos Pobres”. Bolsa-família e outras ações, não passam de paliativos. Enquanto isso, beneficiam o grande capital financeiro dando continuidade à estratégia criminosa de outros governos ao longo da história.
Até admito que a eleição do “operário” Lula, foi um fato inédito na história brasileira. Mas, concretamente, ele não rompeu o estigma que nos assola desde o início. O Brasil não tem, ao longo de seus cinco séculos de existência, movimentos de massas relevantes. Os que teve, e que sempre foram escondidos ao máximo do domínio público, estão entre as toneladas de arquivos queimados na velha república sobre os quilombos, por ninguém menos que o “ilustre” Senhor Doutor Ruy Barbosa [1].
Elite e contaelite são a dicotomia ao longo de nossa história. Isto quer dizer que a elite se degladia entre os que estão e aqueles que querem chegar ao poder. O “fenômeno” Lula não fugiu a essa realidade. Trocando em miúdos, o fato de ter sido operário não quer dizer que continue como tal, nem lute por sua classe. Hoje, faz parte da elite. Com ela, e por intermédio dela, chegou ao poder.
Além do mais, o seu próprio partido, o PT, foi fundado com o total apoio do governo estadunidense e da CIA, para combater aquele que eles viam como o “perigo real e imediato”: Leonel Brizola. E a prova maior disso é que quem destruiu (ou desconstruiu) a imagem dele – Brizola –, foi nada mais, nada menos que a Rede Globo, um dos maiores braços – e que braço! – do império no Brasil. Alguém, não me lembro quem, definiu este poderoso veículo da mídia como “o produto mais bem acabado da ditadura”.
Nesse ínterim, vamos vivendo a novela do dia-a-dia, o clima surrealista de Pequenos Assassinatos, um filme profético... uma antevisão de nossos tempos, realizada trinta e seis anos atrás.

1. Ruy Barbosa foi incumbido de queimar todos os documentos arquivados sobre os movimentos sangrentos. Principalmente quilombos e revoltas de escravos, tendo como finalidade reforçar a idéia de que o povo brasileiro tem uma “índole pacífica”.

Um comentário:

André Setaro disse...

Há algo surrealista na pensata de domingo fora do domingo. Mas, você tem razão: a paz e a tranquilidade de se poder transitar na 'urbis' desapareceram. Nos anos 60, lembro que íamos aos cinemas no centro da cidade na 'paleta', como se dizia na época. Não por falta de dinheiro para pegar ônibus, mas porque andar a pé era muito agradável, ia-se conversando, o tempo passava sem que fosse notado. Vivia-se uma outra cultura, uma outra época.