domingo, 3 de fevereiro de 2013

Entrevista


Publico neste domingo uma entrevista minha, concedida ao Prof. Jorge Moreira e publicada na revista O Olho da História, número 19 (1), Salvador (BA), dezembro de 2012, uma publicação da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da da Bahia (UFBa), cuja capa reproduz um quadro meu (acima). Segue:

---------------------------------------------------

João Olivieri, pintor, desenhista, publicitário, editor e escritor brasileiro se auto define como “baiano de Salvador, carioca de coração, mineiro por osmose, cidadão do mundo por definição”. Começou a desenhar e pintar ainda na infância e desenvolveu a pintura na adolescência. Nesta entrevista, realizada pelo professor, crítico cultural e escritor brasileiro Jorge Vital de Brito Moreira, o artista plástico (Jonga Olivieri), fala de sua vida, suas experiências, seus trabalho artísticos, suas pinturas e desenhos, alguns dos quais estão sendo reproduzidos na revista “O Olho da História”.

Jorge Moreira: Jonga, como surgiu o seu interesse para pintar? 
  
Jonga: Desde criança tinha habilidade para desenhar, usar a massa de modelar e o lápis de cor, tanto em casa quanto na escola. E gostava de fazer isto. Minha mãe guardou muito destes trabalhos porque os achava interessantes e criativos.

JM: Você teve educação artística? Pintores na família? Você foi educado na família ou academicamente?

J: Tinha uma tia, irmã de meu pai, que tinha muita habilidade para a pintura. Minha mãe também. Seus bordados eram maravilhosos! Mas fui educado na escola. Já adolescente, em função de minhas tendências para desenhar e pintar, fui para a “Escolinha de Arte de Augusto Rodrigues”, famoso artista brasileiro que a fundou justamente para essa faixa de idade. Ali, desenvolvi técnicas como a Xilogravura (gravura em madeira) e a pintura com uma base mais teórica e embasada.

JM: Como nasce a sua pintura, você acha que cada quadro ou desenho seu corresponde a uma ideia?

J: Naturalmente que cada quadro corresponde a uma ideia. E que essa ideia pode ser diferente de outras anteriores, dependendo da fase em que me encontro. No entanto, as formas como nasce um quadro podem ser muito variadas. Não há um critério; uma fórmula para isto... Cada um tem a sua história!

JM: Quais são os seus mestres na arte de pintar e de desenhar? 
  
J: São tantos que seria difícil enumerar aqui. Creio que desde aquele “humanóide” que desenhou nas paredes das cavernas nós temos algum tipo de influência. Mas é claro que, dos Impressionistas para cá ficam mais evidentes os pontos referenciais. A arte da pintura, nos séculos 19 e 20, passou por uma transformação fenomenal, quase que virando de ponta cabeça. É só ver o trabalho de Van Gogh, Miró... Ou Picasso...

JM: Porque você pinta? Pintar está relacionado com o seu lado político ou ideológico?

J: Antes de mais nada, eu pinto porque gosto de pintar e desenhar. Quanto ao aspecto políticoideológico, já houve um tempo que era muito importante para mim. Hoje não! Acho até que a ideologia e a política sempre estão presentes no meu comportamento, mas haveria algum tipo de engajamento quando pinto uma paisagem do Leblon? Entretanto, pode haver quando faço um quadro como “Trash#1”, como o próprio nome sugere!

JM: Qual foi a obra que mais gostou de pintar? Qual a temática que mais gostou de pintar?

J: Taí uma pergunta difícil de responder! Primeiro porque cada fase é diferente da outra na cabeça da gente. Segundo porque a minha cabeça também muda. A vida é dialética. As coisas mudam e evoluem. Quer ver uma coisa? Têm quadros meus que foram tirados do lixo, sim, da lata de lixo, aproveitados por alguém e que hoje eu gosto. Dá pra entender?

JM: Quando pinta, você inspira-se numa temática, num objeto exterior, ou é puro exercício intelectual?

J: Como já disse anteriormente, não há uma regra geral para a criação. Mas, a cada momento qualquer um desses fatores pode influir.

JM: Que reações sua pintura desperta nas pessoas?

J: Tão variadas quanto as pessoas que a vê! 
  
JM: O que pretende transmitir com a sua obra?

J: Depende do quadro. Depende do que desejo e quando o faço; da fase em que o pinto. E quando digo fase, refiro-me a uma série. Por exemplo: “Linha Sensual de Contorno” tinha um conteúdo, como diz o próprio nome, focado na sensualidade das formas femininas. É claro que na série “Paisagens do Rio de Janeiro” estou apenas fazendo minha declaração de amor à cidade em que vivo. Com “Tras#1” inicio uma série que tenta reciclar coisas que iriam para o lixo, mas podem virar arte. Tem elementos de protesto quanto à sociedade de consumo e a volupitilidade dos objetos.

JM: Em que corrente artística você se insere no Brasil?

J: Em nenhuma especificamente. “Escolas”, hoje não estão muito em voga. Mas posso garantir que não sou um pintor abstrato, por exemplo.

JM: Você pinta para um estrato social específico? Qual o seu público-alvo? 
  
J: No Brasil, infelizmente arte é para as elites.

JM: A sua arte na atualidade sofre de alguma forma os efeitos da cultura de massas e da publicidade?

J: Arte é resultado da cultura de massas. O artista está inserido numa sociedade e no momento histórico e social em que vive. Quanto à publicidade, ela me forneceu muita prática no desenho. Nos tempos em que comecei naquela profissão não havia computadores, softwares e outras modernidades. Era tudo feito na “munheca”. Tinha-se que saber e desenvolver muito a prática de desenhar.

JM: Quando você pinta a paisagem do Rio de Janeiro, as bailarinas, o corpo de mulher (Linha Sensual de Contorno), o camponês nordestino, a variação sobre a perspectiva pictórica de Andy Warhol, porque razão trata destes temas? Qual o papel da tradição no seu trabalho? Por quê você dá o tratamento paisagístico da Baía de Guanabara como um “locus amenus”?

J: Esta pergunta refere-se ao chamado “conjunto da obra” em mais de 50 anos de trabalho. Pintei o camponês nordestino em minha fase de militância política, nos anos 1960. Bailarinas foram numa fase bem posterior quando realizei, também, muitos desenhos de músicos... Talvez procurasse o ritmo que dá movimento ao desenho. Houve ainda, num período anterior, uma fase “pop arte”. Por outro lado sempre gostei de figuras humanas. O que você chama de “perspectiva pictórica de Andy Warhol” surgiu quase que por acaso quando resolvi desenhar sobre fotocópias e achei interessante repetir faces de estrelas conhecidas em um mesmo quadro (como James Dean ou Jayne Mansfield), cada um dos pedaços com técnicas e cores diferenciadas. A paisagem do Rio de Janeiro é “agradável”, simplesmente porque o Rio é a cidade mais bonita do mundo!

JM: A pintura constitui uma necessidade, vocação ou exigência para a sua vida?

J: Sempre pintei. No entanto, por um longo tempo ela era puro diletantismo para mim. Pintava porque gostava, e fim. Geralmente dava os meus quadros de presente ou os guardava comigo porque não precisava deles para viver. Vocação? Creio que sempre houve. Quanto à exigência, atualmente me profissionalizei, e parti para uma fase em que ela faz parte de meu trabalho pós-aposentadoria. Hoje vivo dela, exponho e vendo numa galeria do Leblon... Ou em casa.

JM: Acha que seu trabalho com a publicidade foi importante para o desenvolvimento da sua pintura?

J: Acho até que já mencionei isto, mas, sem dúvida que o foi.

JM: Qual a importância de ir para Europa e morar em Portugal nos anos 1990? Que contribuição teve a arte portuguesa no desenvolvimento do seu trabalho de artista plástico?

J: Muito embora tenha pintado bastante lá, creio que nenhuma!

JM: Dom Quixote, o famoso personagem do escritor espanhol Miguel de Cervantes, é um dos desenhos da sua coleção que mais atraiu a minha atenção. Existe alguma relação especial do seu desenho com o mundo Cervantino?

J: Dom Quixote é uma história belíssima que nos influencia a todos. Mas o que me fez fazer muitos desenhos do “Cavaleiro da Triste Figura” foram os desenhos de Portinari. Ele tem toda uma maravilhosa série exposta na Fundação Castro Maia aqui no Rio, no bairro de Santa Teresa... Inspirou-me muito, sem dúvida!

JM: No seu blog “Novas Pensatas”, você se auto define como baiano de Salvador, mas apesar da influencia de Glauber Rocha no cinema e artes plásticas, no nascimento do movimento tropicalista, não notei uma atenção ou preocupação particular com a arte da Bahia ou do Nordeste, nos seus trabalhos. A que podemos atribuir esta ausência?

J: Também nesta descrição eu finalizo com: “... Cidadão do mundo por definição”. Fiz muitos quadros de sertanejos nos anos 1960. Mas o fato é que fui criado no Rio de Janeiro. Claro que tive influência e admiração por Glauber Rocha, o maior cineasta que este país já teve. Quanto ao Tropicalismo, hoje até revejo algumas de minhas posições, mas era um movimento mais chegado ao alienado (Caetano Veloso é um poeta, mas não é consistente politicamente), numa época em que a música popular brasileira tinha o “protesto” à frente de posições mais revolucionárias.

JM: Sei da sua admiração pelo trabalho intelectual e político do revolucionário russo, Leon Trostsky. Sei que está informado da relação de Trotsky com os geniais artistas mexicanos Frida Kahlo e Diego Rivera. Qual a sua opinião sobre a noção “desenvolvimento desigual e combinado”, criada pela perspectiva de Trotsky para conceitualizar a coexistência simultânea de diferentes espaços, diferentes temporalidades e diferentes mentalidades no México e na America Latina? No plano artístico, esta noção trotskista teve a sua correspondência na noção “realismo mágico”, ou “real maravilhoso” expressa pela literatura de Alejo Carpentier, Gabriel Garcia Marquez, Jorge Luiz Borges, dos brasileiros Murilo Rubião e José J. Veiga e de outros escritores e artistas da America Latina? Existe alguma relação entre seu trabalho de artista plástico e os trabalhos dos artistas mencionados?

J: Trotsky abordou a arte de uma forma revolucionária e democrática. Poucos intelectuais e/ou políticos chegaram a se igualar a ele na visão totalizada do que significa o conceito criação com liberdade, da arte como expressão do indivíduo. Por isso mesmo foi um grande combatente da arte “utilitarista” como o “Realismo Socialista”, surgido no stalinismo. Quanto a correntes e escolas, ele apoiou, tanto o “Surrealismo”, como o “Muralismo” mexicano porque via elementos libertários nesses movimentos.

JM: Observo em alguns dos seus quadros certo parentesco com diferentes fases do trabalho de Picasso (a fase surrealista, por exemplo); em outros, com a pintura do brasileiro Portinari, com o impressionismo de Claude Monet, com a perspectiva vanguardista de Mondrian ou a "pop art" pós-moderna do estadunidense Andy Warhol. Qual a sua opinião sobre a relação de parentesco com estes artistas?

J: Não vejo tantas semelhanças e parentescos, embora admita ter tido influências de muitos desses artistas. Como lhe falei, há uma exposição de muitas décadas no meu site de pinturas e desenhos. E, consequentemente de estilos, pois vamos mudando com o passar dos anos.

JM: Fredric Jameson, o notável crítico cultural e filosofo marxista estadunidense, definiu a pós-modernidade ou pós-modernismo como a lógica cultural do capitalismo tardio, onde a pintura, a arquitetura, a música pós-modernas seriam manifestações artísticas e estéticas dessa lógica. Qual a sua opinião sobre a pintura pós-moderna do estadunidense David Salle, do alemão Georg Baselitz, do espanhol Guillermo Pérez Villalta ou da arquitetura de Robert Ventura (EUA) e Aldo Rossi (Itália)?

J: Quanto a Jameson, em seu ponto de vista, a união do discurso pós-moderno foi o resultado da colonização na esfera cultural (que havia mantido pelo menos uma autonomia parcial durante a era moderna anterior) por um novo capitalismo coorporativista organizado. Salle em suas pinturas compreende o que parecem ser imagens justapostas aleatoriamente, ou imagens pintadas em cima umas das outras com a manipulação de uma pintura deliberadamente desajeitada. Do alemão Baselitz, conheço muito pouco, sabendo que na década de 1970, fazia parte de um grupo neoexpressionista, identificado como "Neue Wilden" (Nova Selvageria), com foco na deformação e da vibração das cores. O espanhol Villalta e as arquiteturas de Ventura e Rossi não conheço nada.

JM: Theodor Adorno, crítico cultural da Escola de Frankfurt, ampliando o conceito de “fetichismo da mercadoria” de Karl Marx, pensa que, na sociedade capitalista, todos os objetos e todos os seres humanos se transformam em mercadorias, logo os objetos artísticos também estão coisificados e alienados; em outras palavras, o artista tem que estar submetido à circulação mercantil capitalista (pelo mercado) se deseja ser consumido. Qual a sua relação de artista plástico com a alienação no modo de produção capitalista? Você acredita que exista alguma forma viável de superar este dilema dentro do capitalismo ou o artista necessita da existência de outro modo de produzir a sociedade para resolver esta e outras contradições econômicas, políticas, sociais e culturais?

J: Não tem saída. Adorno, Marcuse e outros membros da “Escola de Frankfurt” têm toda razão quando pontuam que a sociedade capitalista devora caracteres. Uma simples camiseta com a imagem de Guevara torna-se objeto de consumo, e indivíduos a usam sem saber o “porque”! É trágico, mas somente uma revolução no modo de produção pode modificar este quadro... 
  
Jonga, queria perguntar-lhe se existem mais coisas que você ainda gostaria de acrescentar ou desenvolver nesta entrevista?

J: Apenas que gostei muito dela e de suas perguntas...

JM: Para finalizar, gostaria de dizer-lhe que me deu grande prazer elaborar as perguntas para realizar esta entrevista com você. Agora só me resta agradecer-lhe por seu tempo, por sua paciência e sua generosidade comigo na qualidade de seu entrevistador.

J: Não precisa agradecer. Seja bem vindo! Quando precisar, telefone. Não faça cerimônia!

1. http://oolhodahistoria.org/n19/

2 comentários:

Joelma disse...

Parabens ao entrevistado e ao entrevistador. Pude conhecer muito mais de você nesta entrevista!

André Setaro disse...

Excelente entrevista! Conheço o editor da revista, Jorge Nóvoas, da Ufba, intelectual sério e respeitado. O elogio deve também ser ampliado ao entrevistador, 'o pescador' 'ad hoc' Jorge Moreira, que, num átimo do destino, virou 'scholar' de universidade americana, e tem 'espetado' o capitalismo com a sua capacidade de estudioso e exegeta da crise na qual vivemos na sociedade contemporânea.