sábado, 5 de outubro de 2013

Por um marxismo crítico – parte 3


É um prazer publicar este ensaio de Michael Löwy¹, um dos pensadores marxistas mais atualizados, e que encontrei no excelente site marxismo21. Porem, dada a extensão deste texto, vou dividi-lo em três partes para que a sua leitura e assimilação flua da melhor maneira possível.


Gramsci insistia na idéia de que “a filosofia da práxis se concebe, ela mesma, historicamente, como uma fase transitória do pensamento filosófico”, destinada a ser substituída em uma nova sociedade, baseada não mais sobre as contradições de classes e a  necessidade, mas sobre a liberdade (Gramsci, 1979: 115-116). Mas enquanto vivermos em sociedades capitalistas divididas em classes sociais antagônicas, será em vão querer substituir a filosofia da práxis por um outro paradigma emancipador. Deste ponto de vista, penso que Jean-Paul Sartre não se enganou em ver no marxismo “o horizonte intelectual de nossa época”: as tentativas de “ultrapassá- lo” conduzem a regressão para níveis inferiores do pensamento, não para  mais além de Marx. Os novos paradigmas atualmente propostos — quer sejam a ecologia “pura” ou a racionalidade discursiva cara a Habermas, para não falar da pós-modernidade, do desconstrutivismo ou do “individualismo metodológico” — aportam freqüentemente contribuições interessantes, mas não constituem de forma alguma alternativas superiores ao marxismo em termos de compreensão da realidade, de universalidade crítica e de radicalidade emancipadora.


Como então corrigir as numerosas lacunas, limitações e insuficiências de Marx e da tradição marxista? Através de uma abordagem aberta, uma disposição para aprender e se enriquecer com as críticas e as contribuições vindas de outras partes — e antes de tudo dos  movimentos sociais, “clássicos”, como os movimentos operários e camponeses, ou novos como a ecologia, o feminismo, os movimentos pelos direitos do homem ou pela libertação dos povos oprimidos, o indigenismo, a teologia da libertação.


Mas é necessário também que os marxistas aprendam a “revisitar” as outras correntes socialistas e emancipadoras — e inclusive aquelas que Marx e Engels tinham por muito tempo “refutado” — cujas intuições, ausentes ou pouco desenvolvidas no “socialismo científico”, revelaram-se freqüentemente fecundas: os socialismos e feminismos “utópicos” do século XIX (owenistas, saint- simonistas ou fourieristas), os socialismos libertários (anarquistas ou anarco-sindicalistas), os socialismos religiosos e, em particular, o que eu chamaria os  socialismos românticos, os mais críticos ante as ilusões do progresso: William Morris, Charles Péguy, Georges Sorel, Bernard Lazare, Gustav Landauer.


Enfim, a renovação crítica do marxismo exige também seu enriquecimento pelas formas mais avançadas e mais produtivas do pensamento não-marxista, de Max Weber a Karl Mannheim, de George Simmel a Marcel Mauss, de Sigmund Freud a Jean Piaget, de Fernand Braudel a Jürgen Habermas (para ficar em apenas alguns exemplos), assim como que levemos em conta os resultados limitados mas freqüentemente úteis de diversos ramos da ciência social universitária.


É necessário se inspirar aqui no exemplo do próprio Marx, que soube utilizar amplamente os trabalhos da filosofia e da ciência de sua época — não somente Hegel e Feuerbach, Ricardo e Saint Simon, mas também de economistas heterodoxos como Quesnay, Fergunson, Sismondi, J. Stuart, Hodgskin, de antropólogos fascinados pelo passado comunitário como Maurer e Morgan, de críticos românticos do capitalismo como Carlyle e Cobbett, e de socialistas heréticos como Flora Tristan ou Pierre Leroux — sem que isso diminua minimamente a unidade e a coerência teórica de sua obra.


A pretensão de reservar ao marxismo o monopólio da ciência, rejeitando as outras correntes de pensamento para o purgatório da pura ideologia, não tem nada a ver com a concepção que Marx tinha da articulação conflituosa de sua teoria com a produção científica contemporânea.


A obra de Marx foi freqüentemente apresentada como um edifício monumental, de arquitetura impressionante, cujas estruturas se articulavam harmoniosamente, dos alicerces até o telhado. Mas não seria melhor considerá-la como um canteiro de obras, sempre inacabado, sobre o qual continuam a trabalhar gerações de marxistas críticos?



1. Lowy, Michael. (1997). “Pour un marxisme critique” in Marx après les marxismes, Paris, Ed. L’Harmattan. Tradução: José Corrêa Leite, editor do jornal Em Tempo. É tambem sociólogo do Centre Nationale de Recherches Scientifiques — CNRS, Paris



BIBLIOGRAFIA


BAGAROLO, Tiziano. (1992). “Encore sur marxisme et écologie”. Quatrième Internationale, nº 44, mai-juillet.


BALIBAR, Etienne. (Hiver 1994-1995). “Débat entre Jean-Marie Vincent et Etienne Balibar”. Critique Communiste, nº 140.


BENJAMIN, Walter. (1978). Sens unique. Paris, Lettres Nouvelles-Maurice Nadeau. (1971) “Thèses sur la philosophie de l’histoire”. L’homme, le langage et la culture. Paris, Denoël.


GRAMSCI, Antonio. (1979). Il materialismo storico. Torino, Editori Riuniti.[Gramsci, Antonio (1979). Concepção dialética da história. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.]


MARX, Karl. (1969). Le Capital. Livre I, Paris, Flammarion. [Marx, Karl. (1985). O Capital — crítica da economia política. Livro Primeiro, São Paulo, Difel.] (1971). Contribution à la critique de la philosophie du droit de Hegel. Paris, Aubier.


MONTAIGNE. Marx, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. Lisboa, Estampa.

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5 comentários:

Misael disse...

Acho que Löwe define o marxismo quando diz:
"A obra de Marx foi freqüentemente apresentada como um edifício monumental, de arquitetura impressionante, cujas estruturas se articulavam harmoniosamente, dos alicerces até o telhado. Mas não seria melhor considerá-la como um canteiro de obras, sempre inacabado, sobre o qual continuam a trabalhar gerações de marxistas críticos?"
Brilhante definição dialética!

Joelma disse...

Gran finale!

Glaucia disse...

Concordo com Misael. O marxismo, por ser dialético está sempre em evolução e só não rejeita as suas bases: a acumulação do capital, a luta de classes como motor da história e a mais-valia como a base de seuros.

Mário disse...

Mas você dividiu mal essas 3 partes. A primeira ficou longa demais e as outras foram encurtando.
Ciências exatas não é o seu forte mesmo!

Jonga Olivieri disse...

Sim, sou péssimo em matemática, etc... Agora, o ensaio de Michael Löwy, sem dúvida é muito bom