domingo, 15 de dezembro de 2013

Pensatas de domingo


O dia 13 de dezembro entrou para a história do Brasil há 45 anos com a implementação do Ato Institucional nº 5. Diferentemente do que se pode imaginar, no entanto, o símbolo do endurecimento da ditadura militar brasileira não foi uma medida intempestiva ou revanchista do presidente Arthur da Costa e Silva (1967-1969) contra o Congresso, pelo veto à abertura de processo contra o deputado opositor Márcio Moreira Alves¹.
A narrativa mais tradicional desse período da história diz que o ato foi uma resposta à resistência da Câmara em processar Moreira Alves, que defendera, meses antes, um boicote às comemorações de Sete de Setembro. “Seria necessário que cada pai, cada mãe, se compenetrasse de que a presença dos seus filhos nesse desfile é o auxílio aos carrascos que os espancam e os metralham nas ruas”, disse o deputado na tribuna da Câmara. E, num trecho que ficou famoso: “Aquelas que dançam com cadetes e namoram jovens oficiais. Seria preciso fazer hoje, no Brasil, que as mulheres de 1968 repetissem as paulistas da Guerra dos Emboabas e recusassem a entrada à porta de sua casa àqueles que vilipendiam-nas.”
Mas o documento que fechou o Poder Legislativo, extinguiu o habeas corpus e autorizou a censura à imprensa já estava pronto muito antes do discurso de Moreira Alves e, inicialmente, tinha conteúdo ainda mais repressivo do que o aprovado por Costa e Silva.
Desde julho de 1968, a cúpula civil e militar do governo discutia o recrudescimento da legislação de exceção (“revolucionária”, conforme o discurso oficial) para evitar o sucesso daquilo que chamavam “contrarrevolução”. O país vivia, desde a morte do estudante Edson Luís, no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, em março, uma grande onda de manifestações, que ao mesmo tempo se antecipou e se alimentou do mítico Maio de 1968 francês.
Em duas reuniões, em 11 e 16 de julho de 1968, os integrantes do Conselho de Segurança Nacional foram chamados por Costa e Silva a opinar sobre o conteúdo de uma nova medida, que teria o objetivo de interferir na cobertura da imprensa e conter a subversão.
As discussões foram marcadas pela divergência entre dois presidentes do Brasil: Costa e Silva e o então chefe do SNI (Serviço Nacional de Informações), Emilio Garrastazu Médici. Já no início do primeiro encontro, registrado na ata da reunião, Costa e Silva fez um alerta aos seus conselheiros:
Ao retomar a discussão cinco dias depois, o presidente foi ainda mais claro em suas palavras. “Nós estamos aqui justamente para decidir se o momento impõe medida de exceção ou não.”
A posição de Médici era a de que se tornava necessário tomar, “sem demora, medidas concretas de segurança, agindo energicamente contra os elementos que ameaçam a integridade do governo e causam desassossego popular”. De acordo com o então chefe do SNI, o Brasil vivia uma guerra devido à “tentativa de conquista do poder por forças subversivas”, algo que “não é exclusivo de nosso país”.
O voto de Médici — favorável ao AI-5 já em julho de 1968 — foi acompanhado por outros seis conselheiros, sendo a fala do ministro da Aeronáutica, Marcio de Souza e Mello, aquela que mais claramente caracterizou os objetivos dessa ala do governo. A defesa pela implementação do AI-5 já em julho de 1968 não foi feita exclusivamente pelos ministros militares, como parte da imprensa noticia até hoje. Luiz Antonio da Gama e Silva (Justiça), Antonio Delfim Netto (Fazenda) e Ivo Arzua Pereira (Agricultura) também apoiaram a criação de um Ato Institucional cinco meses antes do que realizado por Costa e Silva.
Apesar de o AI-5 ter representado o endurecimento da ditadura brasileira, a proposta apresentada em julho era ainda mais restritiva. De acordo com o jornalista Carlos Chagas, no livro A Guerra das Estrelas (1964/1984) – os bastidores das sucessões presidenciais, o ministro da Justiça queria, além do fechamento do Congresso e da censura à imprensa, o afastamento de todos os governadores e o recesso do STF (Supremo Tribunal Federal).
Na votação terminada em 16 de julho de 1968, o AI-5 perdeu por 11 a 7, com as abstenções de Tarso de Moraes Dutra (Educação), Leonel Tavares Miranda (Saúde), Afonso Augusto de Albuquerque Lima (Interior) e José Moreia Maia (Chefe do Estado-Maior da Armada), que deram seus pareceres sem indicar um posicionamento.
Apesar da “derrota” do Ato Institucional, o presidente Costa e Silva deixou claro que a votação era apenas simbólica. “Não costumo fazer e não farei votações para obter maioria. Quero ouvir cada um e então sofrerei sozinho o ônus da decisão.”
Posteriormente, o presidente fez uma observação específica sobre a relação de seu governo com a imprensa. “Alguns elementos do governo, que têm trânsito livre em algumas empresas [de comunicação], podem procurar convencer esses homens [diretores de jornais], mas jamais o faremos pela força, jamais ordenaremos faça isso, aquilo ou aquilo outro, pois seria proporcionar os elementos que tanto eles querem e desejam para dizer que isto é uma ditadura. Não demos até hoje este motivo nem esses elementos, e não o daremos.”
No final das contas, Costa e Silva acabou cedendo e instituiu o AI-5 há exatos 45 anos. Na mesma noite, censores entraram em ação e os jornais passaram a ser apreendidos e o Congresso, fechado.

1. Integra do discurso em 02/09/1968 do deputado Márcio Moreira Alves:
"Senhor presidente, senhores deputados,
Todos reconhecem ou dizem reconhecer que a maioria das forças armadas não compactua com a cúpula militarista que perpetra violências e mantém este país sob regime de opressão. Creio ter chegado, após os acontecimentos de Brasília, o grande momento da união pela democracia. Este é também o momento do boicote. As mães brasileiras já se manifestaram. Todas as classes sociais clamam por este repúdio à polícia. No entanto, isto não basta.
É preciso que se estabeleça, sobretudo por parte das mulheres, como já começou a se estabelecer nesta Casa, por parte das mulheres parlamentares da Arena, o boicote ao militarismo. Vem aí o sete de setembro.
As cúpulas militaristas procuram explorar o sentimento profundo de patriotismo do povo e pedirão aos colégios que desfilem junto com os algozes dos estudantes. Seria necessário que cada pai, cada mãe, se compenetrasse de que a presença dos seus filhos nesse desfile é o auxílio aos carrascos que os espancam e os metralham nas ruas. Portanto, que cada um boicote esse desfile.
Esse boicote pode passar também, sempre falando de mulheres, às moças. Aquelas que dançam com cadetes e namoram jovens oficiais. Seria preciso fazer hoje, no Brasil, que as mulheres de 1968 repetissem as paulistas da Guerra dos Emboabas e recusassem a entrada à porta de sua casa àqueles que vilipendiam-nas.
Recusassem aceitar aqueles que silenciam e, portanto, se acumpliciam. Discordar em silêncio pouco adianta. Necessário se torna agir contra os que abusam das forças armadas, falando e agindo em seu nome. Creia-me senhor presidente, que é possível resolver esta farsa, esta democratura, este falso impedimento pelo boicote. Enquanto não se pronunciarem os silenciosos, todo e qualquer contato entre os civis e militares deve cessar, porque só assim conseguiremos fazer com que este país volte à democracia.
Só assim conseguiremos fazer com que os silenciosos que não compactuam com os desmandos de seus chefes, sigam o magnífico exemplo dos 14 oficiais de Crateús que tiveram a coragem e a hombridade de, publicamente, se manifestarem contra um ato ilegal e arbitrário dos seus superiores."

Fonte: Folha de São Paulo

4 comentários:

Misael disse...

Demorou para postar esta excelente e muito oportuna pensata de hoje... parabéns!

Joelma disse...

Excelente!

André Setaro disse...

Apesar do terrível Ato, sempre é bom recordar a fim de que não mais aconteça. Excelente postagem!

Stela Borges de Almeida disse...

Depois de um tempo sem ler Novas Pensatas, revisito o Blog e encontro, mais uma vez, matéria importante e de valor. Parabéns pela permanência e determinação na denúncia e esclarecimento de fatos que não devem jamais serem repetidos na História do Brasil.