Falando de crise cultural, o cinema passa por um momento delicado. A gramática cinematográfica encontra-se em xeque. O desenvolvimento, que teve a partir de Grifith, Eisenstein, Orson Welles, Resnais, para citar apenas alguns dos que o revolucionaram, acrescentando sempre toques de genialidade que o enriqueceram e conseguiram transformá-lo de simples caixinhas de diversão (nickel-odeons e outras em parques de diversões) ainda na alvorada do século XX, em uma reconhecida manifestação artística.
O cinema comercial de hoje, com a sua linguagem de videoclip (1) – o cineclip – a que assistimos não pode ser considerada uma evolução, mas sim um nó górdio na sua expressão. Por que? Simplesmente o que assistimos é um emaranhado de cenas confusas e pouco assimilávais que adulteram elementos básicos da cinematografia, que, numa narrativa torna-se fundamental ao entendimento.
Crescí ouvindo falar sobre o “complexo industrial-militar”, termo que, por incrível que pareça, foi batizado por Eisenwoher (general ianque, um dos responsáveis pela invasão da Normandia em junho de 1944), durante a sua presidência nos Estados Unidos, em dois mandatos, de 1953 a 1961. Ele se reportava à máquina criada para fabricar armas em uma escala cada vez maior, estimulando guerras localizadas e focos de luta armada no 3º mundo, escoradas pela Guerra Fria recém estabelecida. Naturalmente o presidente não se referiu à crise que então se estabelecia sobre o capital internacional, com os riscos de um novo crack, possibilitando à burguesia industrial, não somente estadunidense, como nas demais potências ocidentais uma válvula de escape para a produção de produtos manufaturados, com endereço e faturamento certos.
Parodiando o general-presidente, podemos dizer que o cinema vive hoje sob o domínio do “complexo industrial-alienante”, que vem a ser a oficialização da mediocridade barulhenta e inconseqüente das produções que inundam as telas. É muito importante salientar que a alienação faz parte do jogo estabelecido pelas classes dominantes para “burrificar” as massas. Não se limita, inclusive e apenas ao cinema, mas se estende por toda a área cultural, reforçando a tese de Marcuse sobre o homem unidimensional (2). A cultura no seu significado mais amplo e questionador, limita-se hoje a "guetos" culturais (que excluem as massas).
No tocante ao cinema, que é o tema abordado, após o desaparecimento dos grandes realizadores que enriqueceram o século vinte restaram muito poucos daqueles que viveram o boom das décadas de 1960 e 70. Vamos verificar, no entanto, que tem muita gente boa, que o “complexo industrial-alienante” tudo faz para deixar em segundo plano, bem escondidinhos debaixo do tapete. Podemos lembrar de Francis Ford Coppola, nome digno de se incorporar a esta lista. Krzysztof Kieslowski, polonês que filmou em França a trilogia Bleu, Blanc e Rouge, pode-se considerar um valor mais recente com características intrínsecas ao cinema. Nas mostras de cinema, temos visto surgirem excelentes diretores do nosso continente americano, além de provenientes de outros. Mas, findas as mostras, quem está exibindo os seus filmes? A referida indústria criminosa (e comercialóide), prefere deixar este pessoal de lado, isolando-os.
Quem já ouviu falar do indiano Shonali Bose? Ou do estadunidense Mauro Borrelli, do argentino Lisandro Alonso, do iraniano Babak Payami, do francês Benoit Graffin, da alemã Maria Speth, do russo Alexander Sokurov, ou do japonês Masahiro Kobayashi (3)? Pois bem, todos estiveram no IV FIC - Festival Internacional de Cinema de Brasília. Seria demais aqui enumerar o número total de outros jovens diretores que se apresentaram em outras mostras. É também impossível – a não ser que não façamos outra coisa na vida --, vê-los a todos em tão pouco espaço de tempo, e depois nunca mais ter a oportunidade de assistir e analisar suas obras no circuito comercial.
Mas para quê? Ao “complexo industrial-alienante” interessa a exibição de “Duro de matar” (1, 2, 3 ou 4.0), e outras obras do mesmo naipe, que evitam o raciocínio e/ou questionamento dos valores sócio-psicológicos da existência humana, coisa muito importante no processo de alienação. E depois ainda dizem que o velho Marx (o Karl) está superado. Freud explica. Leiam eles e me respondam...
(1) Esta expressão eu li pela primeira vez em narrativa de André Setaro (blogue nos links ao lado), e a acho muito inteligente e explicativa.
(2) Na tese de Marcuse, a moderna sociedade industrial impõe uma racionalidade tecnológica de controle da consciência. O homem que se encontra inserido nela não é livre, tornando-se vítima da manipulação do seu pensamento através da mídia.
(3) Masahiro, cujo sobrenome nos remete a um grande diretor daquele país na década de 1960, que realizou a trilogia “Guerra e Humanidade”, um primor de realização em três episódios.
O cinema comercial de hoje, com a sua linguagem de videoclip (1) – o cineclip – a que assistimos não pode ser considerada uma evolução, mas sim um nó górdio na sua expressão. Por que? Simplesmente o que assistimos é um emaranhado de cenas confusas e pouco assimilávais que adulteram elementos básicos da cinematografia, que, numa narrativa torna-se fundamental ao entendimento.
Crescí ouvindo falar sobre o “complexo industrial-militar”, termo que, por incrível que pareça, foi batizado por Eisenwoher (general ianque, um dos responsáveis pela invasão da Normandia em junho de 1944), durante a sua presidência nos Estados Unidos, em dois mandatos, de 1953 a 1961. Ele se reportava à máquina criada para fabricar armas em uma escala cada vez maior, estimulando guerras localizadas e focos de luta armada no 3º mundo, escoradas pela Guerra Fria recém estabelecida. Naturalmente o presidente não se referiu à crise que então se estabelecia sobre o capital internacional, com os riscos de um novo crack, possibilitando à burguesia industrial, não somente estadunidense, como nas demais potências ocidentais uma válvula de escape para a produção de produtos manufaturados, com endereço e faturamento certos.
Parodiando o general-presidente, podemos dizer que o cinema vive hoje sob o domínio do “complexo industrial-alienante”, que vem a ser a oficialização da mediocridade barulhenta e inconseqüente das produções que inundam as telas. É muito importante salientar que a alienação faz parte do jogo estabelecido pelas classes dominantes para “burrificar” as massas. Não se limita, inclusive e apenas ao cinema, mas se estende por toda a área cultural, reforçando a tese de Marcuse sobre o homem unidimensional (2). A cultura no seu significado mais amplo e questionador, limita-se hoje a "guetos" culturais (que excluem as massas).
No tocante ao cinema, que é o tema abordado, após o desaparecimento dos grandes realizadores que enriqueceram o século vinte restaram muito poucos daqueles que viveram o boom das décadas de 1960 e 70. Vamos verificar, no entanto, que tem muita gente boa, que o “complexo industrial-alienante” tudo faz para deixar em segundo plano, bem escondidinhos debaixo do tapete. Podemos lembrar de Francis Ford Coppola, nome digno de se incorporar a esta lista. Krzysztof Kieslowski, polonês que filmou em França a trilogia Bleu, Blanc e Rouge, pode-se considerar um valor mais recente com características intrínsecas ao cinema. Nas mostras de cinema, temos visto surgirem excelentes diretores do nosso continente americano, além de provenientes de outros. Mas, findas as mostras, quem está exibindo os seus filmes? A referida indústria criminosa (e comercialóide), prefere deixar este pessoal de lado, isolando-os.
Quem já ouviu falar do indiano Shonali Bose? Ou do estadunidense Mauro Borrelli, do argentino Lisandro Alonso, do iraniano Babak Payami, do francês Benoit Graffin, da alemã Maria Speth, do russo Alexander Sokurov, ou do japonês Masahiro Kobayashi (3)? Pois bem, todos estiveram no IV FIC - Festival Internacional de Cinema de Brasília. Seria demais aqui enumerar o número total de outros jovens diretores que se apresentaram em outras mostras. É também impossível – a não ser que não façamos outra coisa na vida --, vê-los a todos em tão pouco espaço de tempo, e depois nunca mais ter a oportunidade de assistir e analisar suas obras no circuito comercial.
Mas para quê? Ao “complexo industrial-alienante” interessa a exibição de “Duro de matar” (1, 2, 3 ou 4.0), e outras obras do mesmo naipe, que evitam o raciocínio e/ou questionamento dos valores sócio-psicológicos da existência humana, coisa muito importante no processo de alienação. E depois ainda dizem que o velho Marx (o Karl) está superado. Freud explica. Leiam eles e me respondam...
(1) Esta expressão eu li pela primeira vez em narrativa de André Setaro (blogue nos links ao lado), e a acho muito inteligente e explicativa.
(2) Na tese de Marcuse, a moderna sociedade industrial impõe uma racionalidade tecnológica de controle da consciência. O homem que se encontra inserido nela não é livre, tornando-se vítima da manipulação do seu pensamento através da mídia.
(3) Masahiro, cujo sobrenome nos remete a um grande diretor daquele país na década de 1960, que realizou a trilogia “Guerra e Humanidade”, um primor de realização em três episódios.
10 comentários:
Instalou-se na indústria cultural de Hollywood a estética do vídeoclip, que se caracteriza pelos cortes rápidos, velocidade acelerada. A estética do vídeoclip impede que o espectador 'contemple' a tomada, e, em consequência, reflita sobre ela. É algo brutal e alienante, um anestésico para o público. E, com esta estética, desaparecem os personagens com poder de verdade para dar lugar a títeres e marionetes. Estes servem apenas para 'conduzir' a ação. Para se ter uma idéia: atualmente um filme oriundo de Hollywood tem em torno de 1.200 tomadas enquanto que, há 20 anos atrás, 700. Um acréscimo de 500.
Por outro lado, os cineastas da tradição clássica de Hollywood já morreram ou se encontram aposentados. Existem em outras cinematografias, como os citados por você, realizadores competentes, que fazem cinema de reflexão, mas não encontram guarida no mercado exibidor brasileiro, que é dominado em cerca de 99% pelas multinacionais. O próprio cinema brasileiro se encontra excluído desse mercado, salvo os filmes de produtores que fazem parceria com as multinacionais, a exemplo de Carlos Diegues, Luis Carlos Barreto, Zelito Vianna, Fernando Meirelles, Bruno Barreto, Daniel Filho, entre outros.
Mas, de qualquer forma e de qualquer maneira, o fato é que o cinema atravessa uma crise e não existem, hoje, viscontis, fellinis, bergmans, kobayashis, kurosawas, cukors, minnellis, fords, hitchcocks, etc.
Com a crise dos anos 70, que abateu Hollywood, e que possibilitou a emergência de muitos filmes independentes, houve, a partir de 1977, o início da infantilização temática com o sucesso estrondoso de 'Guerra nas estrelas'. A fórmula foi repetida a exaustão e não apenas em filmes de 'science-fiction'. O desaparecimento dos grandes estúdios também foi um fator determinante da decadência, porque passaram por uma espécie de fusão despersonalizada e, ao invés de serem geridos por Louis Mayer, Harry Cohn, Darryl Zanuck, David Selznick, entre outros, comerciantes mas que gostavam e entendiam de cinema, os estúdios passaram para executivos a serviço da Mitsubichi, da Coca-Cola, etc.
Retomar o conceito de alienação em Marx e Marcuse para entender as transformações da indústria cinematográfica hoje, sem dúvida uma importante vertente de análise.
Acrescentaria, além disso, as recentes interpretações de Frederic Jamenson, especialmente pela sua substancial investigação das relações entre literatura e cinema no mundo contemporâneo. O livro publicado em 2007, ainda sem tradução no Brasil, merece uma leitura atenta. Estou ainda nos capítulos iniciais, porém os diálogos entre Jamenson e Stuart Hall prometem lançar mais luzes a questão que você nos faz pensar.
Conferir: Jameson on Jameson: Conversations on Cultural Marxism. Durham, NC: Duke University Press. 2007.
Tenho sentido flata de suas constantes postagens. Mas sei que isso depende de tantas coisas e não é uma cobrança, apenas um comentário.
Cinema tem decaido muito em qualidade e o que voc~e fala é a pura verdade. Hoje, filmes viraram clips e são muito confusos e barulhentos. Às vezes até assusta.
Não sei se foi você que lançou este conceito da estética do videoclipe aplicada no cinema, mas, como citei foi nos seus textos que li primeiro sobre a matéria.
De qualquer maneira é criminoso o que fazem com a linguagem cinematográfica nos dias de hoje com esssa montagem alucinante, que chega ao ponto de esquecermos muitos filmes em seus detalhes...
Obrigado Stela, vou pesquisar sobre Frederic Jamenson pois não conheço a sua obra.
Tenho postado pouquíssimo mesmo, mas é questão de tempo... ou falta dele. Bom, depois a gente volta ao pique.
O certo é que o cinema não tem mais a expressão de outros tempos. Será a diversificação das mídias?
Quando a televisão começou a ganhar força, lançaram o cinemascope e outros recursos sempre tentando diminuir a força da concorrência.
Temos que admitir que até a primeira metade do século passado o cinema era único, somente tendo como rival o teatro. mas hoje?
Mas o pior é que ainda é cinema. Com todos os defeitos gosto de assistir filmes. E no cinema.
Realmente o cinema reinou absoluto como 'diversão' atá os anos 1950. Mas, veja bem, como entretenimento.
A TV nunca chegou a ser uma arte, sendo apenas um misto de informação com diversão mas sem pretenções.
Porém, sem dúvida o cinema foi perdendo a sua força de então e tendo mais fatores que o levam a uma posição como a que se encontra hoje.
O grande entrave são as salas de hoje, as pipocas e o cheiro de hamburguer no ar. Eca!
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