sábado, 2 de julho de 2011

Surpresa nos EUA

Uma carta do Professor Jorge Moreira a todos os leitores deste blogue.

Meus caros amigos,

Não sei se vocês estão familiarizados com os últimos dados oficiais sobre a situação do emprego na atual crise econômica e financeira dos Estados Unidos da America. Em poucas palavras, os noticiários econômicos dos jornais, revistas e TV de dentro e fora do país afirmam que “o desemprego nos EUA contraria as previsões e sobe para 9,1 por cento”.
Estes dados oficiais me fizeram lembrar de algumas discussões que tive no passado com professores de economia, de sociologia, de critica literária e de críticos da cultura nas universidades que tenho ensinado, assim como em conferências ou em simples bate papos nas cafeterias ou jardins daquelas universidades dos EUA. (1)
No último fim de semana encontrei um professor de uma universidade privada do estado de Wisconsin, o qual não me via desde 1990. Estávamos no mesmo supermercado, separados por uma curta distancia e fiquei com vontade de me aproximar para cumprimentá-lo e perguntar (a depender do seu estado de humor), sobre sua perspectiva a respeito da atual crise financeira/econômica dos EUA e dos países capitalistas europeus.
Naquele tempo, ele era professor titular de “Economia e Negócios” enquanto eu ensinava “Língua, literatura e Estudos Culturais” na qualidade de professor visitante na mesma universidade Era costume encontrá-lo, no trimestre da primavera, sentado nos jardins da universidade tomando café e algumas vezes tivemos algum tempo livre para bater um pequeno papo civilizado sobre a saúde econômica dos EUA, que ele defendia enfaticamente.
Um dia, daqueles de primavera, no meio de um papo sobre o desemprego (jobless people), a falta de moradias (homeless people) e a perspectiva de uma crise econômica nos EUA, lhe ofereci uma explicação diferente da dele para o problema da inversão, do consumo, do crédito, da falta de emprego e de vivendas para grande parte da população trabalhadora.
Disse-lhe que na minha opinião não era possível compreender aqueles problemas sem tomar em consideração a “lei absoluta da acumulação capitalista” e sua radical necessidade de produzir junto as mercadorias, um gigantesco exercito de desempregados (um exercito industrial de reserva) que era altamente funcional para aumentar os lucros dos capitalistas. Também mencionei que era através do aumento da produtividade e da expulsão dos trabalhadores dos seus empregos que o sistema capitalista se expandia para desembocar nas crises econômicas periódicas. Por fim, disse-lhe que não via nenhuma solução para os problemas sociais ou dos direitos humanos da população trabalhadora mundial dentro do sistema capitalista imperialista.
Naquele instante, ele perdeu a esportiva e, em vez de analisar e discutir o que eu estava comentando, começou a falar com uma voz alterada, num tom bem agressivo: “a analise do capitalismo feito pela teoria marxista é totalmente ideológica e anacrônica. Esta é a razão porque eu não posso levar a serio nada do que você está falando. Vou lhe dizer uma coisa muito importante. Atualmente, só posso levar a serio a analise econômica que procede da teoria cientifica que fazem Friedrich Hayek e Milton Friedman.
Neste clima, a discussão esquentou (ficou acalorada) e não podendo continuar, nos despedimos alterados.
Agora vamos voltar ao último fim de semana e ao que sucedeu naquele supermercado. Enquanto eu vacilava se devia ir ao seu encontro, ele me viu e caminhou na minha direção. Nos cumprimentamos normalmente e logo perguntei-lhe sobre seu trabalho na University. Ele me respondeu que fazia seis anos tinha se aposentado como professor, mas ainda fazia algum trabalho voluntário: ele ajudava as pessoas (sem preparação) na elaboração e no calculo de suas declarações do impostos de renda.
Subitamente, sem que eu tivesse mencionado a nossa anterior discussão, disse a queima roupa:
- Sabe, faz algum tempo que queria muito lhe encontrar mas não lhe procurei porque, depois da minha reação deselegante na universidade, não sabia como você reagiria. Mas eu pensava lhe procurar para pedir-lhe desculpas e informar-lhe que atualmente, depois da incapacidade da teoria neoclássica e neoliberal para analisar, explicar e antecipar esta devastadora crise, deixei de acreditar que essas teorias econômicas tenham nenhum valor explicativo/ cientifico. Digo-lhe mais: depois desta arrasadora crise financeira, cheguei a conclusão de que as teorias econômicas que ensinava aos estudantes são predominantemente ideológicas e apologéticas: elas existem para legitimar e servir ao capitalismo.
- Sei que você vai rir de mim mas hoje, por incrível que lhe possa parecer, somente acredito na cientificidade e na atualidade da teoria econômica marxista porque, apesar dos seus aspectos ideológicos, é a única teoria que teve e tem a capacidade de analisar, explicar e antecipar esta devastadora crise econômica dentro da estrutura e da dinâmica do sistema capitalista. Sabe de uma coisa Jorge, que bom que eu já não tenho de trabalhar como professor de Economia na universidade, porque simplesmente eu não saberia o que dizer para os meus alunos. Honestamente.
Não tive vontade de rir, mas fiquei surpreendido com o que me disse sobre a cientificidade e atualidade da teoria marxista e mencionei uma frase que o economista marxista belga Ernest Mandel escreveu no texto de introdução a uma edição recente de O Capital de Marx:
“One could even contend that, from a structural point of view, the concrete capitalism of final the quarter of twentieth century is much closer to the abstract model of capital than was the concrete capitalism of 1867, when Marx finished correcting the proofs of volume one”.
(Se pode argumentar que, de um ponto de vista estrutural, o capitalismo concreto do final do século XX está muito mais perto do modelo abstrato do capital que o capitalismo concreto de 1867, quando Marx estava acabando de corrigir as provas do volume um.)
Ele concordou com Mandel. Conversamos por um bom período de tempo, saímos do supermercado e nos despedimos contentes. Na minha cabeça também apareceu a letra da melodia de Pedro Navalha: “La vida te da sorpresas, sorpresas te da la vida”.

NOTAS

1) Faz alguns meses, em 11/10/2010, o diário espanhol rebelion.org publicou uma longa entrevista na qual era o entrevistado. Nela, fornecia os atuais dados oficiais sobre a trágica situação de miséria em que sobrevivem bilhões de seres humanos sob o sistema capitalista . Abaixo está um trecho da entrevista:
“Para aquellas personas que creen en la retórica de que el capitalismo fue o es capaz de realizar el pleno empleo de las poblaciones y de mejorar su nivel de vida, disminuyendo la pobreza y la desigualdad económico-social, me gustaría mostrarles los datos recientes de la ONU y del NIH (US National Institute of Health) que muestran exactamente todo lo opuesto de lo que dice el mito liberal de la emancipación de la humanidad a través del capitalismo.
Aquí tengo los datos recientes que fueron divulgados por el profesor Atilio Borón en rebelión.org, kaosenlared.net y otras publicaciones online. Sin embargo, conviene destacar que la cantidad de 1000 millones en el idioma español significa billones en los idiomas inglés y portugués. Así, por ejemplo, se habría que traducir el número 6800 millones de la población mundial por 6 billones y 800 mil habitantes en lengua portuguesa e inglesa. El lector deberá hacer lo mismo para todas las demás cantidades mencionadas en los datos.
“Población mundial: 6.800 millones, de los cuales:
1.020 millones son desnutridos crónicos (FAO, 2009)
2.000 millones no tienen acceso a medicamentos ( www.fic.nih.gov )
884 millones no tienen acceso a agua potable (OMS/UNICEF 2008)
924 millones “sin techo” o en viviendas precarias (UN Habitat 2003)
1.600 millones no tienen electricidad (UN Habitat, “Urban Energy”)
2.500 millones sin sistemas de drenajes o cloacas (OMS/UNICEF 2008)
774 millones de adultos son analfabetos ( www.uis.unesco.org )
18 millones de muertes por año debido a la pobreza, la mayoría de niños menores de 5 años. (OMS)
218 millones de niños, entre 5 y 17 años, trabajan a menudo en condiciones de esclavitud y en tareas peligrosas o humillantes como soldados, prostitutas, sirvientes, en la agricultura, la construcción o en la industria textil (OIT: La eliminación del trabajo infantil: un objetivo a nuestro alcance, 2006)
Entre 1988 y 2002, el 25 % más pobre de la población mundial redujo su participación en el ingreso mundial desde el 1.16 por ciento al 0.92 por ciento, mientras que el opulento 10 % más rico acrecentó sus fortunas pasando de disponer del 64.7 al 71.1 % de la riqueza mundial. El enriquecimiento de unos pocos tiene como su reverso el empobrecimiento de muchos.”
Para ter acesso a entrevista completa, clique no link abaixo:

3 comentários:

André Setaro disse...

A postagem do Professor Jorge Moreira revela a premonição marxista no século retrasado. Diante da crise apocalíptica, o professor com o qual conversava, e severo defensor dos teóricos do 'system', dez anos depois, num encontro casual em supermercado, perplexo com a crise, deu o braço a torcer.

Moreira, da Ilha de Maré, é um exegeta lúcido e coerente com seus princípios. Falta, porém, fazer uma visita à sua querida ilha para pescar e comer uma moqueca de rabalo.

Jonga Olivieri disse...

Sim, no século 19, Marx analizou o capitalismo e traçou linhas gerais sobre o sistema. E ninguém conseguiu superá-lo neste aprofundado estudo.

Fotografias e Vídeos de Tucha disse...

Caro Jorge, tua lucidez é tua angústia que somada å minha me torna mais angustiado ainda neste mundo. Viva a internet que nos une tanto apesar da distancia que nos separa imposta pela sobrevivência. Saudades dos tempos da Bahia, da nossa convivência fraterna em grupo com a presença da Suzana, da Bianca , do meu filho João e da Conceição que cuidava de todos. Só não te perdoou pelas folhas do meu Don Quijote.

Abs. Tucha