terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Indignados do mundo, uni-vos!

Nosso colaborador, o Professor Jorge Moreira indicou a matéria que posto abaixo, publicada na revista “O Olho da História” (1), n. 16, de julho de 2011, de autoria de Jorge Nóvoa (2).

Ilustração da matéria original
 
“Imagens fortes têm dominado o noticiário mundial. Quando falamos em imagens não nos damos conta que elas nem sempre procuram reproduzir de forma fidedigna ou verossímil os fenômenos da vida. As imagens da vida mentem ou iludem muitas vezes deliberadamente também.
Encontrar a dose de verdade por trás da manipulação a que são submetidas as imagens é uma tarefa nem sempre fácil. Exige treinamento que não se resume à leitura das formas que adquirem que nem sempre é o lado mais difícil, se pudéssemos estabelecer uma distinção cartesiana entre forma e conteúdo. É a dialética que subsiste entre aparência e essência seja ela a que nos mostra a televisão, o cinema, a internet, ou aquelas das imagens dos livros, jornais ou revista, ou ainda aquelas que vemos a olho nu nas ruas e espaços do mundo. É, portanto, o que vemos com as imagens da crise: as imagens são cada vez mais graves, mas os noticiários dizem que “faz parte e sempre foi assim”! Todavia parece que a crise que se arrasta é mais séria do que aquilo que as imagens dos noticiários querem admitir.
A “fritura” da Grécia indica o quanto os organismos de direção do sistema capitalista mundial estão dispostos a perder “um dedo” para não perder a mão. E aí questão de "o que fazer" se coloca de diversos modos, inclusive com medidas pragmáticas "capazes" de viabilizar um funcionamento artificial da economia com um déficit de mais 160%.
Na Itália o abandono de Berlusconi pelos "traidores" parece indicar que o cortejo dos "perdedores" crescerá e a impressão que as imagens da televisão nos deixa é a de que a União Europeia se resumiu por enquanto à Alemanha e à França. Portugal, Espanha, Irlanda, Grécia e Itália precisam permanecer nos quadros do Euro?
Mas afinal, a Bélgica conseguiu realmente organizar um "novo" governo? Neste momento aparece um ingrediente que torna a crise atual ainda mais profunda: aqueles que dominam junto e para o capital financeiro não conseguem uma receita unificada para sair da crise, admitindo que isto seja possível.
Mas a situação atual tem outra característica que está produzindo uma diferença importante: a natureza massiva e internacional das reações à crise adquiriu uma dimensão jamais vista na história pregressa do capitalismo.
É fato – e as imagens também mostram isto, de que no coração atual do sistema, nos EUA, um movimento importante de reação ao seu núcleo financeiro dominante parece também uma novidade que veio para ficar, mesmo se contrastando com a paralisia dos setores mais estruturados do movimento operário, o que também é verdadeiro para a Europa.
O movimento Ocupa Wall Street contrasta com as imagens do mundo que desaba a olhos vistos! Mas onde se encontra a esquerda mundial? No Brasil a esquerda, como na maior parte dos países, aderiu ao que se tem chamado de social
liberalismo. Mas além das imagens verídicas do movimento massivo dos indignados da Espanha, na Grécia, em Portugal, na Itália, na França, na Alemanha, no Japão, do Chile, e dos EUA, as imagens impressionantes que nos chegaram – e nos chegam ainda, dos países do norte do continente africano são simplesmente impressionantes. Mas é mais impressionante ainda a resistência desarmada do povo na Síria e no Egito em manifestações que já duram quase um ano! São dezenas de mortos por dia e a população não desiste! Se os partidos de esquerda tradicionais estão totalmente à margem ou contra, movimentos sociais outros alimentam parte de uma movimentação mundial na qual o grau de espontaneidade é muito grande, o que atesta o alcance de um grau de consciência social e histórica elevada. Mais de 3 mil pessoas morreram este ano na luta contra o ditador Sírio. O que pode explicar tamanha resistência? Comparado à Grécia, à Espanha e a Portugal, o Brasil alimenta uma visão dele que o faz parecer bastante calmo. Crise? Qual crise? Foi o mesmo que disse o financista mais poderoso da Europa, Emilio Botin, dono do terceiro maior banco do mundo em faturamento (o Santander que é apenas a trigésima sétima transnacional do planeta), amigo de Felipe Gonzalez, assim como de seu sucessor José Maria Aznar. Segundo o Le Monde Diplomatique trata-se apenas da décima maior riqueza espanhola com um patrimônio de US$ 1,51.
Do outro lado do planeta, a China também vive uma calmaria relativa. Por qual razão e até quando? Tantas são as questões precisamos responder. Mas as imagens dos noticiários televisivos não nos dão as chaves para desvendarmos os enigmas da crise. Porém para o Brasil alguns dados nos revelam os limites do quinto ou sexto maior PIB do planeta. É o caso, por exemplo, da participação da indústria brasileira no PIB do país que entre 1985 e 2008 caiu de 33% para 16% e entre 2004 e 2010 a participação das indústrias na pauta de exportações brasileiras caiu de 19,4% para 15,8%. E o dado mais alarmante é o relativo ao superávit comercial que caiu de US$ 24 bilhões para os produtos industriais, caindo para um déficit de US$ 34 bilhões, sendo que 60% empresas brasileiras estão em mãos de estrangeiros.2 Dados reais como esses fazem com que François Chesnais sustente que já não é apenas – nem, sobretudo, na mais-valia diretamente arrancada da produção direta que o capital financeiro arranca a suas remunerações mais fartas. Sua taxa de lucro provém em grande medida da especulação com os títulos dos tesouros nacionais, da divida pública, da massa de salários depositadas em contas-correntes, das contribuições aos gigantescos fundos de pensões, toda a sorte de créditos, além das mesclas com a indústria de armamentos.
É claro que uma parte mais que significativa desses capitais se fundiram há muito com aqueles oriundos do tráfico de drogas e de armamentos. 2 Dados coletados por Osvaldo Coggiola e citados por José Arbex no O Brasil faz parte do mundo. In: Revista CAROS AMIGOS, ano XV, n. 178, 2011. Ver também neste n.16/17 de O Olho da História o artigo de Rosa Maria Marques e Paulo Nakatani, A crise mundial e a economia brasileira.
Na conjuntura atual a responsabilidade individual cresce e a importância relativa de cada indivíduo também. Qual o planeta que queremos deixar para nossos "herdeiros"? Há quem responda sem nenhum pejo: "este é um problema deles, pois já estaremos todos mortos"? Uma ética cínica parece ser uma tendência real imposta pela crise orgânico-estrutural do capital que se acompanha de um darwinismo social espantoso que faz das cidades um cenário de higienização social continua. Também as implicações do capital financeiro nessa esfera não são nada desprezíveis, particularmente quando se quer a multiplicação de contratos sem licitação e “novos espaços” livres para a indústria da construção em espaços sociais super povoados e favelizados.
A questão para todos que compreenderam que não existirá saída sem o outro é – não nos cansaremos de repetir - como fazer para não reproduzir as imagens de Bruegel no seu quadro "A parábola dos cegos" (1568), nem o ditado muito popular no nordeste brasileiro que diz que "em terra de cego que tem um olho é rei”! Se é verdade que não existe uma essência humana meta histórica, é verdade que essa essência se estrutura através de contingências e necessidades, de estruturas e de conjunturas que são, contudo, marcadas pela inevitabilidade da transformação.
Mas tal discussão não pode contornar o fato de que previamente é preciso que esclareçamos nossas hipóteses: ou aceitamos que existem saídas estruturais possíveis para o capital no interior do capitalismo ou partimos do fato de que o capital é o limite de si mesmo e que qualquer saída impõe a construção de outras formas de propriedade dos meios de produção e a abolição do trabalho assalariado, do valor e da mais valia como única forma de construir uma nova racionalidade social.
O fato de o capital ter se tornado cada vez mais fictício, improdutivo, especulativo e parasitário coloca um limite intransponível a ele mesmo. A grande tragédia é que se seu processo autodestrutivo triunfar sobre aqueles que buscam e lutam pelo triunfo da vida sob novas formas societárias, este triunfo será o triunfo de sua morte e da morte de todas as formas possíveis de outras de sociedades.
A maioria da população do planeta tem uma de cegueira voluntária. Imagine a ciranda que o próprio capital financeiro criou nesse cassino planetário da roleta russa que transforma o grande capital ao mesmo tempo em ficticiamente rico da noite para o dia e realmente pobre ao mesmo tempo! Esta é uma imagem que não aparece a olho nu, mas é a essência dominante do capital financeiro.
É uma dialética infernal e não é sequer fácil entender isso. Cada vez que ele se torna rico ele o faz cada vez mais artificialmente e essa mesma riqueza o distancia de uma riqueza realmente produtiva. A União Europeia consome 50% (estatísticas oficiais, na realidade deve ser bem mais que isto) de seu PIB total e arrecada 40%. Ou seja, ela vem funcionando no vermelho há mais de 30 anos desde o fim dos 30 gloriosos.
E a especulação que não produz riqueza real alguma - e só pode transferir ao grande capital especulador uma parte da riqueza em valores reais que não foram abocanhados pelos outros capitais, tem a impressão que quando toda a massa de mais-valia já produzida tenha sido partilhada, mesmo assim ele esquizofrenicamente poderá continuar a valorizar seu ativo financeiro como se fosse possível produzir capital real através de emissão de papel-moeda. Quando ele cair na real (e uma parte do capital financeiro já compreendeu isto) ele acenará para a inevitabilidade de destruir fisicamente para construir. Nós já vimos esta história.
Consciência apenas parcial desse processo e o grande capital tem horror de enxergar esses limites! Como em outras situações históricas ele pode preferir as piores alternativas à admissão racional e consciente de que se trata de construir outra coisa bem diferente à busca irracional e obsessivo-compulsiva do lucro. A própria especulação desenfreada é a manifestação desse mecanismo de defesa que é uma espécie O Olho da História, n. 16, Salvador (BA), julho de 2011. Jorge Nóvoa.
 
1 RAMIRO, Pedro. Banco SANTANDER. Neoconquistadores. In: Dossiê Le Monde Diplomatique, Dossiê 8 – Crise bancária, ano 1, nov/dez 2011. O Olho da História, n. 16, Salvador (BA), julho de 2011. Jorge Nóvoa
A imagem que precisamos aceitar é a de que as forças produtivas internacionais que a própria sociedade capitalista desenvolveu não cabem mais nas relações de produções que o capitalismo mundial consolidou. Nesse quadro as esperanças de um futuro não provêm das pulsões do capital, nem muito menos do capital financeiro (que é a expressão mais elevada das fusões de todas as frações do capital) que não consegue mais fazer crescer seus lucros extraindo rendimentos dos capitais diretamente produtivos exatamente porque tais capitais estão subsumidos à lei da queda tendencial da taxa média dos lucros, fenômeno capturado cientificamente por Marx em meados do século XIX. Tais imagens se juntam àquela do espectro que já rondava o planeta. Os de cima não conseguem mais governar e os de baixo não aguentam mais viver como antes. É o que explica a extraordinária resistência nos países da África do norte e aquela dos indignados (o Encontro dos Indignados do mundo em Bruxelas no dia 15 de outubro parece ter constituído um marco irreversível) que se espalharam nos EUA e na Europa perseguindo uma necessidade real para a emancipação de todos, explorados, oprimidos e sofredores, indignados de todos os países."


4 comentários:

André Setaro disse...

Aos poucos, o Professor Jorge Moreira está a se afirmar como um dos mais lúcidos exegetas da crise pela qual passa o capitalismo na contemporaneidade. Suas análises, de natureza perfuratriz, não dão o braço a torcer: fincam-se, com realismo, no desnudamento de uma verdade olvidada pelos 'mass media'.

Texto originariamente publicado na revista 'O Olho da História', aqui da Bahia, dirigido com a competência e a seriedade do estudioso Jorge Nóvoa, e 'retransmitido' neste blogue, é um bálsamo, quer do ponto informativo, quer do hermenêutico, para quem deseja estar a par dos acontecimentos que afligem o mundo atual. Bálsamo para a inteligência e para o intelecto.

Jonga Olivieri disse...

Para mim, sem a menor sombra de dúvida ter conhecido a revista "O Olho da História" e "o estudioso Jorge Nóvoa" (sic) foi consequência do Professor Jorge Moreira, este intelectual dialético que tem somente enriquecido este blogue desde que, por seu intermédio o conheci.

Ainda hoje vou colocar "O Olho da História" entre os 'blogs' que sigo.

Joelma disse...

Muito bom o artigo do Prof. Jorge Nóvoa.
Acessei o site dele é está excelente também.
Só me preocupa o fato de estar direcionado apenas para os número 16 e 17. Será que vai atualizar? Não seria melhor colocar a Home Page?

Jonga Olivieri disse...

Tem razão... Vou tentar fazer isto depois pois estou de saída para uma consulta médica agora.