terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Fábula

De vez em quando gosto de me aventurar no campo ficcional. Este conto foi escrito em 1996, publicado anteriormente no Pensatas (1) em fevereiro de 2007 e neste Novas Pensatas em outubro de 2008.
   
   
Um dia... um sapo

- Mas, sem dúvida você é um sapo.
- Eu estou sapo... apenas isto.
- ...Sei...
Olhou para o companheiro ao lado e falou entre os dentes:
- É mesmo um caso sério.
Voltou-se para o sapo.
- Conta um pouco do que você está sentindo. Fala.
O sapo coçou o queixo, olhou em torno, balbuciou uma palavra meio ininteligível.
- Está bem. Vou pensar. Quer dizer. Vou contar.
Parou por alguns instantes encarando os dois e continuou.
- Mas... vocês juram que não vão rir de mim?
- Claro.
Falou um deles.
Houve alguns instantes de silêncio. E o sapo sussurou novamente aquela palavra.
- O que você disse?
Perguntou o outro.
- O nome dela.
Respondeu o sapo.
- Ah... sei...
Completou o outro como se não entendesse nada. E continuou.
- Por que você diz que está sapo? Por que você não se diz um sapo?
O sapo riu.
- Ih. Mas isso é uma longa história.
- Tá bem. Começa a falar. A gente quer saber. Quem é ela? Como surgiu tudo isso? Conta pra gente, vai.
- Eu era um príncipe.
Disse o sapo ríspidamente.
Os dois se entreolharam desconfiados.
- Não me diga que é aquela historia da Carochinha. É você, afinal?
- Sim! Sim, sou eu.
O sapo tinha um olhar triste, distante, longínquo.
- Você está quase chorando.
- Penso na minha amada. Penso no meu encanto. Penso o quanto sou infeliz.
- Ah! Cara, também não é assim.
- Pimenta no dos outros...
- É, você é um sapo diferente mesmo. Nunca vi um sapo sofrer tanto. Como é que começou tudo isso?
- Ah! Não me diga que você nunca leu a historinha?
- Claro. Quem não conhece?!
- Então você sabe de tudo, né?
Os dois confabularam alguma coisa. Olharam o sapo atentamente.
- Mas como é que aconteceu? Porque você continua sapo?
O sapo parou por alguns instantes. Soluçou. Encarou os dois.
- É. Vou contar pra vocês... um dia, um dia desses, um dia como outro qualquer, eu estava no brejo e fui andando, andando e cheguei a um belo jardim. Eu juro... a condição de sapo já era pra mim uma coisa tão normal. Ih, já havia se passado tanto tempo... bom eu sei que isso já nem me importava tanto, mas...
- Mas?...
- Mas é que eu ouvi uma voz. Ela soava como mel para mim. Era doce, feminina. Indescritível. Tem vozes e tem vozes, certo?
Os dois balançaram a cabeça uníssono.
O sapo continuou:
- Ai eu virei na sua direção e eu vi.
Pausa.
- Viu o que?
- Vi a donzela mais charmosa, mais encantadora da minha vida. Seus cabelos longos deslizavam suavemente sobre aqueles ombros sensuais num contorno harmonioso. Seu olhar era terno, seu corpo esguio, elegante. Seu sorriso, inebriante. A sua face. Ah, a sua face! Jamais havia visto uma beleza tão esplendorosa. E o seu andar!? Tocava o chão com a delicadeza de uma onça no cio. Fui acometido de uma súbita paixão. Meu coração disparou... foi amor à primeira vista.
Outra pausa. O sapo olhava fixo em frente, perdido em seus pensamentos.
- E ai... e ai?! Perguntou o outro ancioso.
- Hem! Hã... sei... onde é que eu estava mesmo?
- Você tinha visto uma mulher que balançou o seu coreto.
- Sim. Sabe a flor mais delicada de um jardim? Sabe a música mais suave aos seus ouvidos? Sabe o nascer do sol, o canto dos pássaros em revoada. Humm... nada disso era um centésimo da sua poesia. Eu, o sapo encantado estava finalmente, completamente encantaaaaado.
- Bom, mas na história tem o negócio do beijo... O que você fez?
- Olha, cara, eu passei algumas noites sem dormir direito. Balbuciava o seu nome, o seu doce nome. E pensava, pensava, pensava. Afinal, como é que um sapo pode conseguir o beijo de tão encantadora criatura?
- É mesmo uma situação braba!
- Eu tinha que chegar perto dela e dizer de alguma forma. E foi o que eu acabei fazendo. Mas, eu não sei se não esperei o momento certo, sabe como? Talvez eu tenha sido muito impetuoso, precipitado, voraz. Mas eu não podia mais. Estava possuido, completamente envolvido.
- E...?
- E... aconteceu o pior. Ela jamais iria amar um sapo feio como eu. Dar-me um beijo então, nem se fala. Daí... estou eu aqui... sapo, um simples sapo. Por quantas centenas de anos mais eu não sei, pois talvez nunca volte a amar nenhuma outra mulher. Triste, triste amar sem ser amado!
- Triste amar sem ser amado. Disse um.
- Triste.
Completou o outro.
O sapo olhou os dois. Virou-se, e, cabisbaixo retirou-se, balbuciando o nome de sua amada, o olhar perdido no infinito...


1. Pensatas era um blogue que eu comecei em finais de 2006 e desapareceu no espaço cibernético em meados de 2008...

8 comentários:

André Setaro disse...

Hulot,

Engenhosa a sua fábula, diria mesmo espirituosa, e, guardadas as devidas proporções, com uma 'moral' esopiana, embora mais tendente a La Fontaine.

Jonga Olivieri disse...

E você sabe, André, que eu já pensei em fazer outras baseadas em Contos de Fadas?

Joelma disse...

Tem uma dinâmica interessante quase toda em cima dos diálogos.
Gostei demais!

Jonga Olivieri disse...

Observação interessante a sua!

Anselmo disse...

Você leva jeito pra coisa, huuuuuuuuuum!

Jonga Olivieri disse...

Não entendi o quê qui você quis dizer com isso, Ancelmo!

Simey Lopes disse...

Haha, muito bom, mais real do que a "original", e de fato uma coisa real, que adianta ter um encanto que te transforma em um ser maravilhoso, se na forma em que está não achará quem esteja disposto a lhe dar O beijo. rs

Jonga Olivieri disse...

Este é justamente o princípio da coisa, Simey...