domingo, 22 de janeiro de 2012

Pensatas de domingo e as recordações de um mito


Herminio Sacchetta em foto antiga
Corria o ano de 1966. Eu e o saudoso camarada Ruy Raposo militávamos no POR-T (Partido Operário Revolucionário - Trotskista), Seção Brasileira da IV Internacional. Acontece que, desde que entráramos para aquela organização tínhamos profundas divergências quanto a alguns de seus posicionamentos políticos. Já até falei neste blogue o quanto a “Quarta” era dividida. Havia mais de uma corrente no continente. Nós, no Brasil, ficaramos quase que isolados de todas as outras tendências, em contato forçado com os “Posadistas”, que tinham este nome em função de seu dirigente, J. Posadas, pseudônimo de Homero Cristali, um militante argentino que assumira grande parte da Internacional na América. Tentamos, nós dois, estabelecer contatos com os trotskistas europeus, dirigidos por Michel Pablo, mas as tentativas foram em vão.
O fato é que Posadas e os “Posadistas” assumiam posições cada vez mais alucinadas em relação à “chantagem” atômica, aos caminhos da Revolução Cubana e até a teses estapafúrdias sobre a existência de discos voadores. O que nos deixava em situação de divergência cada vez mais acentuada com o núcleo dirigente.
Sabiamos que pouco mais de três anos antes (1963), houve uma tentativa de unificação em torno do Secretariado Unificado, que não conseguiu reunir todos os trotskistas. Justamente os “Posadistas” e algumas correntes européias, então lideradas por Pierre Lambert, ficaram de fora, frustrando os esforços desta unificação.
Naquela ocasião (1966), o Ruy tomou conhecimento da existência do MCI (Movimento Comunista Internacionalista), algo que nos agradou bastante, por ser também uma organização de orientação trotskista. Teríamos que ir a São Paulo para estabelecer contato com eles. E foi o que fizemos.
Nosso primeiro encontro foi com um militante de quem não me lembro o nome. Fomos à sua casa, nos reunimos  e tivemos uma excelente impressão. Ele então anunciou que iríamos encontrar o “velho”. Já sabíamos quem era, e, apesar de o conhecer de nome, nunca estivéramos com ele. E assim fomos encontrar Hermíno Sacchetta (1). Antigo militante revolucionário, Sacchetta era uma figura vivida, que atravessara os anos de repressão da ditadura Vargas e agora enfrentava os do regime militar.
Sacchetta em foto da época em que o conhecemos
Após um deslocamento cheio de despistes e vais e vens, típicos daqueles anos de ditadura, fizemos uma excelente reunião em um “aparelho” ao qual nem sei como chegamos e trocamos muitas idéias. Foi um final de tarde muito agradável. E considero Sacchetta, ao lado de Edmundo Moniz, uma das figuras mitológicas que conheci entre os trotskistas históricos. Todavia nossos entendimentos não seguiram adiante, porque pouco tempo depois o Partido "caiu" no Rio devido a uma infiltração... E todos nós, ou fomos presos ou tivemos que fugir. Este foi o meu caso. Fiquei quase dois anos escondido em fazendas e sítios pelo Brasil afora.
   

(1) Hermínio Sacchetta (1909-1982), consta no MIA (Marxists Internet Archive) como “brasileiro, nascido em São Paulo, iniciou sua carreira na imprensa, como revisor, no Correio Paulistano. Engajou-se na luta revolucionária através do Partido Comunista Brasileiro, em 1932, onde atuou no setor de agitação e propaganda chegando a secretário do Comitê Regional de São Paulo; foi ainda um dos principais editores do jornal “A Classe Operária” (órgão central do PCB) até 1937, quando foi expulso da organização sob alegação de dissidência trotskista. Preso político durante o Estado Novo, após sua libertação, em novembro de 1939, participou da fundação do Partido Socialista Revolucionário, Seção Brasileira da IV Internacional nos anos 40 e 50 impulsionando o jornal Orientação Socialista. Perde o contato com os agrupamentos internacionais que reivindicavam o trotskismo com a crise em 52/53 e o fim do centralismo democrático na IV Internacional. Posteriormente atuou na Liga Socialista Independente, de tendência luxemburguista e, nos anos 60, no Movimento Comunista Internacionalista. Mestre do jornalismo colaborou na formação de inúmeros profissionais e contribuiu com a imprensa diária e a de divulgação política.”

9 comentários:

Joelma disse...

Deve ter sido muito bom conhecer um sujeito como o Sacchetta, embora eu, na "minha santa ignorância" nunca tenha ouvido falar nele.
E o Ruy Raposo? Por que saudoso? Mudou-se do Brasil? Morreu? Depois conta!

Jonga Olivieri disse...

Sacchetta não teve a projeção midiática de um Prestes, nem do próprio Edmundo Moniz...
Mas foi um militante imoportantíssimo na esquerda brasileira, mormente nas correntes que se opusaram a Stalin e e "Bur(r)ocracia Soviética".
Quanto ao Ruy, faleceu em 2005, aos 60 anos, consequência de complicações em um transplante renal.

Anselmo de Castro Neves disse...

Acho que deve ser emocionante conhecer uma figura como a deste Herminio Saschetta. Afinal, um pouco da "história" deste páis no tão conturbado Século XX, composto de "Revoltas de Chibatas" e outras além de pelo menos duas ditaduras sangrentas nesta "republiqueta de borrachas, cacaus e cafés", já que bananas nunca foram o nosso forte em exportações.
Nunca fui trotsquista, pelo contrário, meu pai era do "Partidão" e defendia as "alucinações" de Stalin com unhas e dentes, garantindo que havia igualdade na Rússia Soviética.
Mas hoje vejo que Trotsky tinha mesmo razao ao se opor aquele regime totalitário que tantas desgraças, exílios e mortes causou.
É só ler ou assistir Dr. Jivago para sentir como o homem foi diminuto perante aquela crueldade toda.

Jonga Olivieri disse...

Foi emoionante conhecer o Sacchecta. Como foi emocionante conhecer o Edmundo Moniz, ou mesmo o pai do Ruy, seu Cursino Raposo, tambem trotsquista histórico...
O pai dele, alem de tudo era o Editor Chefe do CORREIO DA MANHÃ, um dos melhores jornais que este país conheceu. E muito amigo de pessoas como o próprio Moniz, do Carpeaux, do Paulo de Castro, do Paulo Francis e tantos outros de uma safra de intelectuais de peso em nossa história. Seu Cursino era tambem diretor do SNT (Serviço Nacional de Teatro) ali na Avenida Rio Branco.
Bons tempos!

André Setaro disse...

Confesso a minha profunda ignorância sobre Sacchetta, mas a leitura do posto me foi útil.

Jonga Olivieri disse...

Sacchetta foi conhecido no meio revolucionário e jornalístico (da época). Não era de badalar e lançou um ou dois livros ao longo de sua vida.
Tenho dele "Caldeirão das Bruxas"...

Anônimo disse...

Acho que Caldeirão das Bruxas e Outras Histórias é o único livro dele.
L.P.

Jonga Olivieri disse...

É meio autobiográfico, mas pensei que ele houvesse publicado outros.

Anônimo disse...

Conheci o Sacchetta. Era um quadro competente e muito bem informado quanto aos caminhos da revolução...

Silvio