domingo, 26 de fevereiro de 2012

Pensatas de domingo... Muito alem das areias


A questão Síria e suas sutilezas... Como já referi anteriomente, o fator Israel pesa transformando toda e qualquer “oposição” em mera retórica. A lúcida análise de Immanuel Wallesrstein mostra isto claramente. Leiam!

O presidente sírio, Bachar al-Assad suporta o peso de ser um dos homens menos populares no mundo. É apontado como tirano – um tirano muito sangrento – por quase todos. Mesmo os governos que se recusam a denunciá-lo parecem aconselhá-lo a conter a repressão e fazer algum tipo de concessão política a seus oponentes internos.
Mas como ele pode ignorar todos estes conselhos e continuar a aplicar força máxima para manter o controle político de seu país? Por que não há nenhuma intervenção externa, para provocar sua derrubada? Para responder a estas questões, vamos começar reconhecendo suas forças. Primeiro, ele tem um exército razoavelmente poderoso; e até agora, com poucas exceções, o exército e outras estruturas de força na Síria permanecem leais ao regime. Além disso, ele ainda parece ter o apoio de ao menos metade da população, naquilo que está sendo descrito, cada vez mais, como uma guerra civil.
Os postos-chaves do governo e nos quadros do exército estão em mãos dos alawitas, uma ala do Islã xiita. São uma minoria entre a população e certamente temem o que pode lhes suceder se as forças de oposição, largamente sunitas, tomarem o poder. Além disso, as outras forças de minoria significativas – cristãos, drusos e curdos – também parecem temer um governo sunita. Por fim, a ampla burguesia mercantil ainda não se voltou contra o regime do Partido Baath.
Mas isso é suficiente? Se fosse tudo, duvido que Assad pudesse manter-se por muito tempo. O regime está sendo pressionado economicamente. O Exército Sírio Livre, na oposição, está sendo abastecido de armamentos pelos sunitas iraquianos e provavelmente pelo Qatar. O coro de denúncias na imprensa mundial, e em grupos políticos de múltiplas tendências, cresce a cada dia.
Ainda assim, não creio que encontremos, em um ano ou dois, Assad fora do poder, ou o regime substancialmente mudado. A razão é que aqueles que mais o denunciam não desejam de fato que ele vá. Vamos analisá-los um por um.
Arábia Saudita: o ministro do Exterior disse ao New York Times que “a violência tem de ser interrompida e o governo sírio não merece mais nenhuma chance”. Parece de fato duro, até que se leia o adendo: “a intervenção internacional deve ser descartada”. O fato é que a Arábia Saudita quer o crédito por se opor a Assad mas teme muito o que poderá sucedê-lo. Sabe que numa Síria pós-Assad (provavelmente, muito caótica), a Al Qaeda encontraria uma base; e que o objetivo número um da Al Qaeda é derrubar o regime saudita. Logo, “sem intervenção internacional”.
Israel: sim, os israelenses continuam obcecados com o Irã. E sim, a Síria baathista continua sendo um poder favorável ao Irã. Mas no frigir dos ovos, a Síria tem sido um vizinho árabe relativamente tranquilo, uma ilha de estabilidade para os israelenses. Sim, os sírios ajudam o Hezbollah, mas o Hezbollah também tem se mantido quieto. Por que os israelenses desejariam correr o risco de uma Síria pós-baathista turbulenta? Quem assumiria o poder? Seja quem for, não teria que reforçar suas credenciais ampliando a jihad contra Israel? E a queda de Assad não abalaria a estabilidade relativa que o Líbano parece agora desfrutar? Isso não terminaria reforçando e renovando o radicalismo do Hezbollah? Israel teria muito a perder, e não muito a ganhar, se Assad caísse.
Estados Unidos: a Casa Branca fala grosso. Mas você percebeu como ela é cautelosa, na prática? O Washington Post deu, a um artigo de 11/2, o título: “Massacre consuma-se, mas EUA não veem ‘nenhuma opção’ na Síria”. O texto frisa que Washington “não tem apetite para uma intervenção militar”. Nenhum apetite, apesar da pressão de intelectuais neocons como Charles Krauthammer – suficientemente honesto para admitir que “não se trata apenas de liberdade”. Trata-se, ele diz, de desconstruir o regime iraniano.
Mas não é exatamente por isso que Obama e seus conselheiros não veem alternativas? Eles foram pressionados para aderir à operação na Líbia. Os EUA não perderam muitas vidas, mas será que obtiveram alguma vantagem geopolítica? O novo regime líbio – se é que há um novo regime líbio – será melhor que o anterior? Ou é o começo de uma longa instabilidade interna, como a que abalou o Iraque?
Posso imaginar o suspiro de alívio em Washington, quando a Rússia vetou a resolução da ONU sobre a Síria. A pressão para iniciar uma intervenção de estilo líbio foi suspensa. Obama foi protegido, pelo veto russo, da pressão republicana em torno do tema. E Susan Rice, a embaixadora dos EUA junto à ONU, pôde jogar toda a culpa em Moscou. Eles foram “repugnantes”, disse ela, oh, tão diplomática.
França: Sempre nostálgico do papel outrora dominante de seu país na Síria, o ministro do Exterior, Alain Juppé, grita e denuncia. Mas tropas? Você só pode estar brincando. Há uma eleição à vista, e enviar soldados não renderia voto algum – especialmente porque, ao contrário da Líbia, não seria um passeio.
Turquia: o país ampliou de forma inacreditável suas relações com o mundo árabe, na última década. Ele está de fato descontente com uma guerra civil em suas fronteiras. Adoraria algum tipo de acordo político. Mas o ministro do Exterior, Ahmet Davutoglu teria garantido que “a Turquia não provê armas nem apoia desertores do exército”. Os turcos desejam, basicamente, ter boas relações com todas as partes. Além disso, a Turquia tem sua própria questão curda e a Síria poderia oferecer apoio ativo a esta minoria – o que, até agora, ela se absteve de fazer.
Portanto, quem quer intervir na Síria? Talvez, o Qatar. Mas o país, embora rico, está longe de ser uma potência militar. O ponto de partida é que, ainda que a retórica seja dura; e a guerra civil, feia, ninguém quer de fato que Assad vá. Por isso, tudo indica que ele ficará.

Por Immanuel Wallerstein
in http://www.outraspalavras.net/
 

10 comentários:

André Setaro disse...

Bachar al-Assad é um genocida. Temos ingredientes deliciosos para uma guerra aniquiladora do homem contemporâneo, ingredientes no sentido daqueles da "Receitas de Dona Benta", que nossas avós consultavam e o tinham como livro de cabeceira e fogão. Numa época em que os paraísos não são mais dos priscos, mas dos 'edirmacedos' da vida, vejamos tais ingredientes: a crise do capitalismo internacional, o barril de pólvora do Oriente Médio, a ameaça iraniana com a bomba atômica, a crise europeia, a migração imensa para a Europa, a densidade demográfica, a perspectiva de falta de água e de comida etc.

Joelma disse...

O título ´muito bom e dia tudo. É seu ou da matéria de Wallesrstein?
Quanto a Israel, toda a razão para ele quando diz: "os israelenses continuam obcecados com o Irã. E sim, a Síria "baathista" continua sendo um poder favorável ao Irã... Mas no frigir dos ovos, a Síria tem sido um vizinho árabe relativamente tranquilo, uma ilha de estabilidade para os israelenses. Sim, os sírios ajudam o Hezbollah, mas o Hezbollah também tem se mantido quieto. Por que os israelenses desejariam correr o risco de uma Síria pós-baathista turbulenta? Quem assumiria o poder? Seja quem for, não teria que reforçar suas credenciais ampliando a jihad contra Israel? E a queda de Assad não abalaria a estabilidade relativa que o Líbano parece agora desfrutar? Isso não terminaria reforçando e renovando o radicalismo do Hezbollah? Israel teria muito a perder, e não muito a ganhar, se Assad caísse..."
Note bem porqu vale apena repretir: "Israel teria muito a perder, e não muito a ganhar, se Assad caísse..."

Jonga Olivieri disse...

Boa comparação André!
As receitas estão aí, só que temperadas com muita pólvora...

Jonga Olivieri disse...

O título da matéria é meu, Jô! O resto é do autor da matéria.

Mário disse...

A explicação de Immanuel Wallesrstein é muito didática e esclarecedora de cada uma das posições. Podes crer que fico (ficava) perdidão com esta crise síria.

Jonga Olivieri disse...

Que bom que ele esclareceu...

Anônimo disse...

E a cena é de Lawrence da Arábia, não é?

Jonga Olivieri disse...

Tudo a ver. Achei um ótimo exemplo de deserto. Mas aquela montanha é "bandeira", se é que haja alguma coisa contra usar a cena!

Nun'Alvares disse...

Immanuel Wallesrstein mais uma vez demonstra a sua lucidez e conhecimento da política mundial, especialmente de suas subtilezas e complexas vertentes.
E tu de parabens ao publicar esta importante e detalhada análise.

Jonga Olivieri disse...

Immanuel Wallesrstein vale a pena como pensador. Por isso estou sempre ligado no que publica.