terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Trotsky, Breton e a Arte

André Breton, Diego Rivera e Leon Trotsky no histórico encontro
“Em matéria de criação artística, importa essencialmente que a imaginação escape a toda sujeição, não se deixe impor filiação sob nenhum pretexto. Àqueles que nos pressionam, hoje ou amanhã, para que consintamos que a arte seja submetida a uma disciplina que sustentamos radicalmente incompatível com seus meios, pomos uma recusa inapelável, e nossa deliberada vontade de nos manter no lema: todas as licenças em arte.”

André Breton e Leon Trotsky

Trotsky e Breton escreveram, no ano de 1938, o manifesto “Por uma arte revolucionária independente”, quando o mundo encontrava-se às portas de mais uma guerra entre potências imperialistas, que nas armas queriam conquistar a hegemonia do mundo.
Para a arte, o Stalinismo elaborou o realismo socialista, fazendo da arte um mero objeto nas mãos dos burocratas que dirigiam o partido e a nação, transformando os artistas em meros paisagistas da construção de uma sociedade que era caricatura daquela que os Bolcheviques se propuseram a construir quando dirigiram os processos revolucionários de 1917.
Este é o momento em que Trotsky volta a se dedicar ao debate sobre os rumos da arte e sua relação com a revolução socialista. As idéias outrora defendidas em “Literatura e Revolução”  (1), 1924, eram não apenas resgatadas como eram reformuladas, seja pelo amadurecimento teórico e político do revolucionário russo ou pelas discussões com o poeta surrealista francês André Breton, que muito o admirava. Fruto dos encontros entre Trotsky e Breton é o manifesto de fundação da Federação Internacional da Arte Revolucionária Independente chamado “Por uma arte revolucionária independente”.
Nele, Trotsky e Breton denunciavam o movimento que faziam as potências imperialistas rumo à guerra mundial, ressaltando que o capitalismo seja em sua face “democrática”, seja em sua face totalitária, são lados diferentes da mesma moeda. Além disso, mostravam o que o capital fazia em relação à arte e comparavam às atrocidades que também fez o Stalinismo na URSS. Avançaram mais, defendendo como revolucionária toda a arte que seja independente.
O texto final foi assinado por Leon Trotski e André Breton na cidade do México no dia 25 de julho de 1938, e, em resumo suas principais propostas eram:
• Uma aliança em prol da civilização, da vida e do ser humano em sua plenitude de manifestações.
• Nenhuma barreira, nenhum tipo de controle, nenhum limite aos sonhos, à cultura ou à arte, que todos nascem no mesmo lugar.
• Um libelo pela mais plena e absoluta liberdade de expressão, sem qualquer tipo de amarras.
• O mais vigoroso repúdio a toda e qualquer forma de autoritarismo ou dirigismo.
• Os meios materiais devem ser postos sem limite ou controle de qualquer espécie a serviço do ser humano e da arte.
• Se destruir uma obra de arte é considerado por todas as pessoas sensíveis um gesto hediondo, como classificar o gesto de impedi-la de sequer existir...
• Repúdio à barbárie das guerras e do autoritarismo.

Mas, se, por um lado, o proletariado, até 1945, não conseguiu nenhuma vitória de fato (conforme Lênin e Trotsky esperavam), não pôde, por outro, criar, dentro da União Soviética, uma literatura e uma arte próprias. As obras do realismo socialista refletiram, pela sua mediocridade, não o desenvolvimento de uma cultura proletária, mas a degenerescência burocrática, que se cristalizou no Stalinismo, exatamente por causa do atraso da revolução mundial, a literatura e arte daquele período se formaram à imagem e semelhança da burocracia.

1. Leon Trotsky escreveu “Literatura e revolução” nos verões de 1922 e 1923, depois de um período de guerra civil intensa na Rússia para sedimentar o poder do socialismo. Nessa obra, embora concentrado na produção literária de seu país, Trotsky estende seu olhar crítico sobre as manifestações artísticas dominantes na Europa de seu tempo.
O partido revolucionário, no seu entender, não deveria interferir nas controvérsias e nas disputas entre as diversas escolas, assumir a posição de um circulo literário, concorrendo com outros, mas salvaguardar os interesses históricos do proletariado, no seu conjunto. Como que prevendo a degenerescência do Stalinismo, que, posteriormente, criou uma arte oficial, na verdade acadêmica e burocrática, sob o epíteto de realismo socialista, Trotsky proclamaria: “a arte não constitui um terreno onde o Partido possa mandar. O Partido pode e deve conceder um crédito de confiança aos diversos grupos que procurem, sinceramente, aproximar-se da revolução, afim de ajudá-los na sua realização artística”.
O livro, publicado pela primeira vez no Brasil em 1968, pela Zahar Editores, inclui os três ensaios de Trotsky sobre os poetas Maiakóvski e Iessênin, e um sobre Lunatchárski. A tradução foi assinada Luiz Alberto Moniz Bandeira, doutor em ciência política pela USP.

10 comentários:

André Setaro disse...

Três revolucionários reunidos: André Breton, papa do surrealismo, Diego Rivero, o grande pintor de painéis, e Leon Trotsky, o revolucionário exilado. Não se poderia esperar outra coisa senão um manifesto da conjunção Breton-Trotsky, um manifesto revolucionário e em pró de uma arte viva e participante. Gostei muito do que li.

Jonga Olivieri disse...

E a questão da arte é que se constituiu mum dos grandes fiascos visíveis do Stalinismo...
Era evidente o caráter utilitarista/populista/demagógico do "realismo socialista", uma verdadeira presopopéia pseudo poética, com claros contornos fascistóide.

Pedro Paulo - pintor e escultor disse...

O manifesto divulgado por Breton e Trotsky -citado nesta postagem- foi a chamada decisiva à construção da ”Federação Internacional da Arte Revolucionária e Independente - FIARI”.
A título de esclarecimento, os adversários de Breton o chamavam "ironicamente" de "papa do surrealismo". Na verdade, se ele teve uma influência decisiva sobre este movimento artístico, jamais se considerava isolado, jamais se intitulava o "chefe", porque toda ideia de imposição, seja militar, clerical ou social, suscitava-lhe uma grande revolta.

Jonga Olivieri disse...

Neste sentido Breton se identificou com Trotsky, dado o caráter aberto deste à arte e à visão de arte de um ponto vista realmente revolucionário.

Joelma disse...

É muito bom saber de tudo isso!

Jonga Olivieri disse...

Sin duda Jô!

Anônimo disse...

Breton foi importante. Trotsky mais ainda. Mas somados tiveram o que acrescentar as artes no século 20.
L.P.

Jonga Olivieri disse...

Nem sei se é por aí, Luis. Na verdade não é para se comparar importências e sim saber que se posicionaram juntando seus esforços e influências contra a monstruosidade do "realismo socialista"... Uma verdadeira aberração...

Mário disse...

Importantísssimo este post.

Jonga Olivieri disse...

Tambem acho Mário...