domingo, 22 de abril de 2012

Pensatas de domingo... Ainda sobre Glauber

Postei recentemente neste blogue depoimento de Martin Scorsese sobre Glauber e lembrei-me de traçar algumas palavras sobre ele, relembrando sua criatividade e análise crítica sobre o Brasil e a América “esquecida” e subdesenvolvida que habitamos.
Considero “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1963), “Terra em Transe” (1967) e “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro” (1968), as mais importantes e emblemáticas realizações de Glauber Rocha. Não que as outras não tenham o seu valor.
Mas é difícil determinar qual deles é o melhor. Sempre considerei “Deus  e o Diabo...” em “primeiríssimo lugar” e de forma imbatível, aquela verdadeira “Ópera de Cordel” que ele compôs com um “Corisco” brechtiano construído no sertão. No entanto, ao vê-los em tão pouco espaço de tempo em excelentes cópias remasterizadas, perfeitas, ficou, não a dúvida, mas a certeza de que são, não apenas importantes, como tambem têm uma interação muito maior do que se possa imaginar.
Glauber, na sua genialidade constrói retratos de um Brasil que parou no tempo. Um Brasil que a grande mídia e os “pelegos” do PT (a UDN de tamancos) querem negar, mas está aí na nossa frente. O “quarto mundo” das massas, da corrupção deslavada, do feudalismo, que continua no campo, independente do avanço do capitalismo nas cidades.
Recentemente foi anunciado de forma “xenobófica” pela burguesia o fato de o país ter ultrapassado a Grã Bretanha e ocupar a sexta colocação entre os PIBs do mundo... Mas eles se esqueceram de olhar para o outro lado: o da distribuição de renda. No mesmo dia vim a tomar conhecimento que estamos quase em centésimo lugar no quesito “qualidade de vida” entre todos os países do mundo, à frente apenas de alguns miseráveis africanos sub saarianos e aqui na América, do Haiti e outras “republiquetas” congêneres.
Outrossim, quando assisto “Terra em Transe” parece que estou presenciando a mesma nojeira que rola no “poder” até os nossos dias. Há poucas nuances de diferença. Talvez la ”Santa Madre Iglesia”  tenha perdido um pouco de sua força (até então descomunal), porque o crescimento dos evangélicos foi surpreendente com a consolidação do capitalismo nas cidades. Ou a Oligarquia limita-se aos cantos perdidos do sertão, como em “Deus e o Diabo...”, este uma abordagem do Messianismo e do Cangaço. Mas a realidade é que estão nos dois filmes os elementos que predominam em nosso “kanzer” (1) social e econômico.
Brilhantes as locações “tropicalistas” e  luxuriantes de “Terra em Transe”, em sua maior parte filmado no “palacete”, então abandonado do Parque Lage ou no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. E o grande suporte de atores que lhe dá um certo ar de “superprodução”, a começar por Jardel Filho, José Lewgoy, Glauce Rocha e Paulo Autran. Passando por Danusa Leão, Hugo Carvana e a terminar com a participação em pontas de Paulo Cesar Peréio, outros & outras...
Já em “Deus e o Diabo...”, as presenças de Geraldo Del Rey, Yoná Magalhães e Othon Bastos, todos excelentes, dão um toque todo especial ao filme.
Tudo isso para nos revelar que Glauber, para além do maravilhoso diretor que foi, revelou-se o “Profeta da Fome” neste país até hoje assolado pela miséria e o Paternalismo político; apesar de se decantar em prosa e verso que há uma nova “classe média” nesta “Eldorado” não oriunda da pequena burguesia. Até existe, é inegável, mas... Essa "terra do sol" continua entre a cruz e a espada num "transe" sem fim!

1. Glauber usou muito essa expressão quando começou sua “doença terminal” ainda em Lisboa.

2 comentários:

André Setaro disse...

Para mim, o melhor, por sua importância como corte longitudinal na estrutura narrativa do cinema brasileiro, determinando um 'antes' e um 'depois', é 'Deus e o diabo na terra do sol'. 'Terra em transe' também é excepcional, com aquela narrativa wellesiana.E 'O dragão da maldade contra o santo guerreiro'. Os três melhores filmes de Glauber Rocha. Acho 'O leão das sete cabeças' de uma alegoria ultrapassada, simplista na questão do imperialismo. E, além de tudo mais, chato, lento, difícil de acompanhar acordado, pois é mais ativo do que o calmante que tomo: Lorax 2mg. Mas os três melhores são obras impactantes, definidoras de um estilo e de uma personalidade.

Jonga Olivieri disse...

Concordo. Esses são os melhores filmes de Glauber...