quinta-feira, 3 de maio de 2012

Um conto em dois tempos


Jorge Vital de Brito Moreira, o Professor Moreira, nos envia este excelente conto. Leia-o com atenção...

A DUPLA VIA CRUCIS DO CORPO QUE MENTE

            Porra! Não é a primeira vez! No passado aconteceu com uma mexicana! Quando a conheci me atraiu os olhos verdes e o olhar enigmático. Imaginei que podia ser uma pessoa interessante e que valeria uma aventura amorosa com ela.

Dali começou o romance, ainda que, naquele tempo, ele andasse metido numa ligação conflitiva com uma colombiana: uma relação apaixonada, sensual e destrutiva mas que persistia por 4 anos. 

Quando foi à cama com a dos olhos verdes, descobriu que seu corpo era bem diferente do que imaginara.  Era a primeira vez que teve que fazer um grande esforço de concentração para impedir que a decepção visual arruinara o sexo a dois.

            Suspendeu as lembranças, levantou-se e abriu a porta do quarto. Caminhava para a sala quando o telefone tocou. Levantou o gancho e colocou no ouvido. Como de costume, ela perguntou-lhe se não queria jantar fora. “Não, não e não”, e desligou. Sentou no assento de madeira, ligou o computador e começou a escrever.

Que caralho de vida!

Naquele tempo, colocava uma grande dose de entusiasmo para que seu corpo não recusara o dela. Com pouco surgiu o desinteresse, o tédio e a repulsa. E começou a racionalização: porque  tinha os peitos caídos... porque  não tinha pernas bonitas... porque  tinha um cheiro enjoado... porque não tinha a bunda das baianas.

Porra! Porque essa intensa paixão pelos corpos jovens e bem proporcionados das meninas das praias da Bahia? Porque este anseio estético? Não consigo entender; necessito escrever.

Sentiu o desconforto da madeira na bunda. Ergueu-se, procurou e encontrou uma almofada para amaciar o traseiro. Voltou a sentar diante do computador.

Que merda de situação!

Chegou á conclusão de que já não podia continuar fazendo sexo com ela. Aí apareceu uma conversa  cretina do tipo "não estou interessado em sexo, só estou interessado em ternura". Ou então dizia-lhe "não posso manter  uma relação amorosa com você; o que eu posso oferecer-lhe é uma boa amizade".
           Então a conversa transformou-se em pura racionalização que tratava de justificar a agressão passiva. Dizia-lhe "pensei que nossa transação ajudaria a me livrar da colombiana mas nada disso aconteceu. Sei que é difícil admitir, mas confesso-lhe que ainda sigo apaixonado por ela." 

Quanto mais tentava explicar-lhe o que estava passando, mais as suas palavras, implícita ou explicitamente, rejeitavam a relação. Ele falava e falava, horas e horas tratando de justificar-se. Algumas vezes ela chorava; ele também. No final de cada encontro, sentiam-se cansados, tristes, deprimidos e impotentes.

O alarma tocou na porta da frente e ele foi atender. Era seu vizinho. Perguntou-lhe se não queria ver o jogo de futebol. “Não, obrigado...” e voltou ao computador.

Porra! Não posso ter paz nesse apartamento. Porque as pessoas estão sempre me interrompendo?  Onde é que eu estava mesmo? Ah! Como ela ficou golpeada: viveu tudo aquilo como uma imensa rejeição. Nem era para menos. Ela entregou-se à relação. Enamorou-se.  Deu tudo que tinha. Havia feito planos. Sua vida que era triste e sem sentido, de repente iluminou-se. Quando tudo parecia ir de vento em popa, o desgraçado decidiu cair fora do barco.

 "Porque? Quem sabe... ele se explicou algumas vezes mas  ela não sabia si o que ele contou era a verdade"...  Ele era um sedutor irresponsável, um sujeito leviano com as palavras, um típico criador de ilusões nos corações femininos".

O Telefone tocou. Ele atendeu. Um amigo o convidava para ir ao cinema. “Não, quero ficar sozinho, mas muito obrigado...”

Porra! Por prometer coisas que  não podia cumprir, agora me sinto culpado.  Sou um irresponsável... um cara agressivo e desumano, que causa a dor de tanta gente... Sou um miserável insensível... um tipo egoísta que nunca pode parar de ferir as pessoas que me amam...


Algumas vezes, por querer seguir no poder, ele se sentia como um vil prostituto. Na realidade, era apenas um estudante que tratava de escrever a sua tese de pos graduação. Para complicar a história, vivia longe do Brasil e estava exilado, fugido da ditadura militar do seu país.

Putos tempos difíceis.

Atualmente, conseguiu um trabalho e se sente algo útil.  Trabalha como professor para uma universidade dos EUA and it's okay.  Claro que não representa tudo o que ele desejaria ser mas está contente de viver na gringolandia, pelo menos por enquanto. 
Ele acredita que não deveria desperdiçar a oportunidade de ser alguém nesta vida. Ser alguma coisa positiva neste mundo, independentemente do coração das mulheres.

Porra! algo me perturba. Estou me repetindo. Está acontecendo outra vez...

O telefone tocou, ele não atendeu. O ruído insistiu, insistiu, insistiu. Por fim atendeu e era ela. Perguntou-lhe se não queria sair ou algo parecido. “Não, não e não”, disse ele. Então perguntou-lhe se queria falar por telefone. Ele disse que sim e começou a ler o que tinha escrito:


A DUPLA VIA CRUCIS DO CORPO QUE NÃO MENTE

            Porra! Não é a primeira vez! No passado aconteceu com uma mexicana! Quando a conheci me atraiu os olhos verdes e o olhar enigmático. Imaginei que podia ser uma pessoa interessante e que valeria uma aventura amorosa com ela.

Dali começou o romance, ainda que, naquele tempo, ele andasse metido numa ligação conflitiva com uma colombiana: uma relação apaixonada, sensual e destrutiva mas que persistia por 4 anos. 

Quando foi à cama com a dos olhos verdes, descobriu que seu corpo era bem diferente do que imaginara.  Era a primeira vez que teve que fazer um grande esforço de concentração para impedir que a decepção visual arruinara o sexo a dois.

            Suspendeu as lembranças, levantou-se e abriu a porta do quarto. Caminhava para a sala quando o telefone tocou. Levantou o gancho e colocou no ouvido. Como de costume, ela perguntou-lhe se não queria jantar fora. “Não, não e não”, e desligou. Sentou no assento de madeira, ligou o computador e começou a escrever.

Que caralho de vida!

Naquele tempo, colocava uma grande dose de entusiasmo para que seu  corpo não recusara o dela. Com pouco surgiu o desinteresse, o tédio e a repulsa. E começou a racionalização: porque  tinha os peitos caídos... porque  não tinha pernas bonitas... porque  tinha um cheiro enjoado... porque não tinha a bunda das baianas.

Porra! Porque essa intensa paixão pelos corpos jovens e bem proporcionados das meninas das praias da Bahia? Porque este anseio estético? Não consigo entender; necessito escrever.

Sentiu o desconforto da madeira na bunda. Ergueu-se, procurou e encontrou uma almofada para amaciar o traseiro. Voltou a sentar diante do computador.

Que merda de situação!


Chegou á conclusão de que já não podia continuar fazendo sexo com ela. Aí apareceu uma conversa cretina do tipo "não estou interessado em sexo, só estou interessado em ternura". Ou então dizia-lhe "não posso manter  uma relação amorosa com você; o que eu posso oferecer-lhe é uma boa amizade".

           Então a conversa transformou-se em pura racionalização que tratava de justificar a agressão passiva. Dizia-lhe "pensei que nossa transação ajudaria a me livrar da colombiana mas nada disso aconteceu. Sei que é difícil admitir, mas confesso-lhe que ainda sigo apaixonado por ela." 

Quanto mais tentava explicar-lhe o que estava passando, mais as suas palavras, implícita ou explicitamente, rejeitavam a relação. Ele falava e falava, horas e horas tratando de justificar-se. Algumas vezes ela chorava; ele também. No final de cada encontro, sentiam-se cansados, tristes, deprimidos e impotentes.

O alarma tocou na porta da frente e ele foi atender. Era seu vizinho. Perguntou-lhe si não queria ver o jogo de futebol. “Não, obrigado...” e voltou ao computador.

Porra! Não posso ter paz nesse apartamento. Porque as pessoas estão sempre me interrompendo?  Onde é que eu estava mesmo? Ah! Como ela ficou golpeada: viveu tudo aquilo como uma imensa rejeição. Nem era para menos. Ela entregou-se à relação. Enamorou-se.  Deu tudo que tinha. Havia feito planos. Sua vida que era triste e sem sentido, de repente iluminou-se. Quando tudo parecia ir de vento em popa, o desgraçado decidiu cair fora do barco.

 "Porque? Quem sabe... ele se explicou algumas vezes mas  ela não sabia si o que ele contou era a verdade"...  Ele era um sedutor irresponsável, um sujeito leviano com as palavras, um típico criador de ilusões nos corações femininos".

O Telefone tocou. Ele atendeu. Um amigo o convidava para ir ao cinema. “Não, quero ficar sozinho, mas muito obrigado...”

Porra! Por prometer  coisas que  não podia cumprir, agora me sinto culpado.  Sou um irresponsável... um cara  agressivo e desumano, que causa a dor de tanta gente... Sou um miserável insensível...  um tipo egoísta que nunca pode parar de ferir as pessoas que me amam...


Algumas vezes, por querer seguir no poder, ele se sentia como um vil prostituto. Na realidade, era apenas um estudante que tratava de escrever a sua tese de pos graduação. Para complicar a história, vivia longe do Brasil e estava exilado, fugido da  ditadura militar do seu pais.

Putos tempos difíceis.

Atualmente, conseguiu um trabalho e se sente algo útil.  Trabalha como professor  para uma universidade dos EUA and it's okay.  Claro que não representa tudo o que ele desejaria ser mas está contente de viver na gringolandia, pelo menos por enquanto. 
Ele acredita que não deveria desperdiçar a oportunidade de ser alguém nesta vida. Ser alguma coisa positiva neste mundo, independentemente do coração das mulheres.

Porra! algo me perturba. Estou me repetindo. Está acontecendo outra vez...

O telefone tocou, ele não atendeu. O ruído insistiu, insistiu, insistiu. Por fim atendeu e era ela. Perguntou-lhe se não queria sair ou algo parecido. “Não, não e não”, disse ele. Então perguntou-lhe se queria falar por telefone. Ele disse que sim e começou a ler o que tinha escrito:

2 comentários:

André Setaro disse...

Um exercício com a posição do narrador (“ele”,“eu”) dentro da história, este conto reflexivo do Professor dá mostras de sua vitalidade como pensador que não se restringe as agruras textuais do discurso sisudo.

Nun'Alvares disse...

Subtil!