segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Sobre “Conversas Plugadas”...



Imagem do evento com Isaias falando ao microfone

O texto a seguir foi-me enviado por Isaias Neto, autor de Memória Urbana – Poética para  uma cidade e resume o acontecimento Conversas Plugadas ocorrido em 31 de outubro último:

A reunião foi aberta pelo diretor do Teatro Castro Alves/TCA Moacyr Gramacho, com breve apresentação dos participantes da mesa e dos objetivos do encontro. Em seguida, fui convidado a me apresentar, com o pedido para justificar as razões que me levaram a escrever o livro. Assim fiz.
Um fato ocorrido em 2006 me perseguiu durante algum tempo, sem que eu percebesse que era o detonador mais visível do processo que me levou a escrever o livro: uma aluna, de nome Regina Azevedo e conhecida e tratada como Lala, me pediu que eu falasse algo sobre a cidade dos anos 70 ou 60. Atendi com prazer ao pedido. Dias depois, ela voltou com outras interrogações e semanas foram passando nesse pingue-pongue, até que ela virou-se para mim e decretou: – “Você é um Google ambulante, precisa estar disponível”.
Aquilo foi um desafio e uma sugestão. Ficou claro para mim que ela dizia que se eu não transformasse aquela oralidade em um texto, nada ficaria como memória após a minha morte.
Claro que o livro não é somente isso, havia interesse em contar a saga das duas famílias, que, mesmo eu estando dentro delas, conseguia perceber que continha fatos que interessariam ao leitor. Além disso, a minha condição de arquiteto e de professor por certo me concedia também o papel de crítico da cidade atual.

Dito isso, fiz breve comentário sobre as razões que me levaram a convidar aquelas pessoas a participarem comigo das “Conversas”, na condição de debatedores do livro. Eles foram apresentados por mim como cúmplices do livro, e, em seguida, expliquei os motivos.
  
José Antonio Saja é filósofo, velho amigo e professor da disciplina Estética, para os alunos de Arquitetura. Conheci Saja nos idos dos anos 80 e desde então firmamos um pacto acadêmico: eu fui aluno dele e ele, meu aluno. Passei a frequentar as aulas de Estética, e ele tornou-se aluno de Teoria da Arquitetura, o que resultou em riquíssimas discussões sobre a natureza da Arte e da Arquitetura, sobre o processo gerador e os condicionantes das manifestações artísticas, sobre Espaço, sobre Tempo, enfim um período letivo muito instigante, que invadia as horas vagas após as aulas (que terminavam às 18 horas e não havia turno noturno), já sem compromissos acadêmicos, que permitiam estender o bate papo em uma pizzaria ou equivalente.
O comentário dele (não poderia mesmo ser outro, não é?) foi com a cidade na condição de Ágora. Mas não a Ágora primitiva, mas a moderna, que reúne as pessoas de modo virtual e que, segundo ele, poderiam ou deveriam encontrar um ponto ou referência física, espacial, para a troca de mensagens. Um lugar público e, mais que isso, republicano. Uma festa? Uma passeata? Um culto à esperança?
Ele “leu” no meu texto o que chamou de mensagem de esperança contra a atual crise de identidade pela qual passa a capital baiana.

Naia Alban, e também Moacyr, que foram colegas como alunos junto a Nino e a Flávio (posso estar omitindo algum nome que me escapa agora) são os responsáveis pela colocação da inscrição “Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate” (retirada da Divina Comédia, de Dante) sobre a porta do Auditório 2 da Faculdade de Arquitetura, episódio que aparece na página 333 do meu livro.
Essa atitude deles e mais outras manifestações marcaram muito os tempos na escola durante mais que os cinco anos em que eles estavam ali. Eles se formaram e a inscrição continuou lá, despertando a curiosidade dos que chegavam e a manutenção da perplexidade e do estranhamento que deve estar presente no ato criador.
Talvez por isso Moacyr tenha enfatizado a importância que o meu texto dá às gerações que valorizam o trabalho coletivo. Esse foi o toque que sustentou a sua fala, encorajada pela presença expressiva de público de todas as idades. Havia gente de 14 anos, despertada pela notícia do lançamento publicada nos jornais A Tarde e Correio da Bahia, e de 95 anos, que se dispôs a sair de casa à noite para se incorporar a essa missão lúdica de jogar conversa fora (no bom sentido).
Mas a cumplicidade de Moacyr está também no incentivo que ele me deu desde o momento em que soube que o meu livro tratava da revolução cultural dos anos 50, porque o TCA é uma das consequências. Foi graças a ele que a ideia do lançamento público com a ampliação da tiragem ganhou fôlego, contando também com a ajuda de Rose Lima, diretora artística do TCA.
Da mesma maneira, Naia Alban, agora como Diretora da Faculdade de Arquitetura, me incentivou a ampliar os contatos ao ponto de me convencer a procurar a professora Flávia Rosa, diretora da Editora da UFBA, fechando o circuito de apoio para a edição de “Memórias”.
Na sua participação em “Conversas”, Naia se referiu ao fato de meu texto ressaltar a importância de nós perguntarmos, sempre que possível, sobre as razões ou motivações de atitudes tomadas. Não por insegurança, mas para convencimento e referência. Assim, cabia perguntar se a atual cidade é mesmo a que nós queremos, ou então perguntar o que estamos a fazer para mudar a situação. Em lugar de certezas, dúvidas. Perguntas, em lugar de respostas prontas e definitivas.
Citou como exemplo uma expressão que eu usava enquanto professor, a alunos recém-chegados e ansiosos por ter respostas prontas para tudo. Quando me perguntavam sobre a origem da arquitetura, eu, sem qualquer constrangimento, respondia: começou quando alguém disse –“É ali atrás da bananeira”...

O quarto do grupo, Chango (Alberto Rafael Cordiviola), citado no livro como autor da melhor crítica que conheço sobre as transformações dos anos 70, é um velho cúmplice. Desde quando colegas como alunos, nos idos dos 60, ou como colegas no corpo docente, ou como companheiros de trabalho no mercado profissional, é um fraternal amigo, um irmão adotivo.
O caso dele é especial, por ser um dos migrantes da cidade. Ele nasceu na Argentina e veio para o Brasil no início dos anos 60 para completar a sua formação em Arquitetura iniciada em Córdoba, aqui ficou e hoje, estou seguro, deve ser mais baiano que eu.
A participação dele enfatizou exatamente a sua condição de estranho, que chega a uma cidade “aberta”, que lhe deu chances de trabalhar sem censuras ou desconfianças prévias. De fato, até chegar a dureza da ditadura e a ideia de prevalência do homogêneo sobre o heterogêneo, Salvador era mesmo um bom lugar para se viver. Ele conta que chegou ao escritório de Diógenes Rebouças, por intermédio de outro arquiteto e imediatamente recebeu trabalho para executar. Havia adversários, não inimigos.

Mas o melhor ficou para o fim, quando as pessoas presentes se sentiram encorajadas a falar sobre a crise atual da cidade. Foi um momento épico, em que surgiam compromissos, vontades, desabafos, promessas, um manifesto muito forte que impressionou a todos.
Cheguei em casa impactado e pouco dormi.

Depois das “Conversas”, foi servido um coquetel e eu pouco vi ou participei, envolvido que estava por aqueles que pediam uma assinatura no livro ou que queriam simplesmente se apresentar, que queriam conversar ou saber um pouco mais de mim, algo muito forte que me deixou emocionado.
Atendi a todos, e senti que o melhor que poderia acontecer com o meu trabalho eu havia conseguido. Antes de ler o texto, eles já tinham gostado do livro, isto é, o sentimento que aflorou em todos nós criou o clima ideal para o congraçamento com fortes emoções. Mesmo que eles leiam e vejam que o livro não é exatamente aquilo que eles pensavam. Estarão tomados pelo compromisso de entender que não se trata de gostar ou não gostar de algo, mas de se comprometer em não permitir mais que a omissão, por inércia, continue a governar os seus destinos. 


3 comentários:

Joelma disse...

Que barato!

Mário disse...

Pelas informações postadas, parece que foi de fato um sucesso.

Anônimo disse...

Concordo. Acho que deve ter sido uma noite "rica"!
L.P.