segunda-feira, 24 de junho de 2013

Noam Chomsky e as manifestações no Brasil




Transcrito do texto de Camila Nobrega
do Canal Ibase
Enviada a Bonn (Alemanha)


“Cercado de jornalistas e curiosos de pelo menos 30 países, na noite desta segunda-feira (17/6), o linguista e crítico político de renome mundial Avram Noam Chomsky, de 84 anos, caminhava lentamente para se retirar da plenária após sua palestra no “Forum Global de Mídia” em Bonn (Alemanha). Estava acompanhado de seguranças e assessores que tentavam manter todos afastados e não parecia disposto a responder mais indagações. Em uma fileira formada ao lado dele, consegui gritar uma pergunta. Ao ouvir as palavras “Turquia” e “Brasil”, Chomsky virou-se para mim, respondendo-a:
- Embora sejam protestos diferentes e com suas peculiaridades, as manifestações nos dois países são tentativas de o povo recuperar a participação nas decisões. É uma forma de ir contra o domínio dos interesses de grupos econômicos. Acho ambos muito importantes e posso dizer que estou com os manifestantes – disse o linguista, entusiasta do movimento “Occuppy”, declarando apoio ao movimento que toma as ruas de cidades brasileiras e também aos manifestantes turcos.
Ele tem razão ao tentar separar os dois movimentos. Embora semelhanças pareçam gritar neste momento, devido ao cunho popular de ambos os protestos, são países de contextos socioeconômicos e culturais muito diferentes. Qualquer tentativa de relacioná-los pode ser leviana, se não forem tomadas as devidas ressalvas.
Mas, há, no entanto, uma característica que une brasileiros e turcos neste momento: a tentativa de recuperar diferentes formas de liberdade e mostrar que a sociedade civil está acordada. Durante seu discurso para cerca de duas mil pessoas, entre jornalistas, autoridades europeias e pesquisadores do mundo inteiro reunidos para o fórum que ocorre até esta quarta-feira, na pequena cidade de Bonn, Chomsky afirmou que a ocupação da praca Taksim é um microcosmo da defesa dos bens comuns.
- Trata-se de um movimento global contra a violência que ameaça a liberdade em diferentes países. As pessoas estão indo às ruas para defender bens comuns, aqueles que são compartilhados dentro das sociedades. O capitalismo baseado na massificação de privatizações não compreende a gestão coletiva, aí está o problema. Os movimentos que ocorrem neste momento são legítimos, na tentativa de recuperar a participação popular na gestão destes bens.
O discurso de Chomsky esteve centrado principalmente em uma crítica às estratégias de desenvolvimento norteamericanas e ao poder das grandes corporações multinacionais atualmente. Para o pensador, as privatizações de recursos básicos, alicerces dos regimes neoliberais, alteram a relação dos cidadãos com o mundo a sua volta e reduzem também a noção de bens comuns.
- Para muitas sociedades, a propriedade privada se tornou aparentemente a única possibilidade de divisão de territórios e recursos. Isso está acabando com essa noção do que é comum – disse, ampliando a análise para a participação social: – Existe um pensamento muito difundido em sistemas políticos e econômicos pautados em ideais liberais que defende a manutenção do poder de decisão nas mãos de poucas pessoas, que seriam o grupo mais “bem preparado” da sociedade. Os demais seriam apenas espectadores. É contra isso que alguns grupos estão lutando.
A base desse pensamento parte de um dado bastante claro que Chomsky trouxe à tona: segundo ele, 70% da população norteamericana, por exemplo, não tem qualquer influência sobre a política nacional. Ou seja, a maioria da população não tem poder, por exemplo, sobre políticas públicas que afetam suas vidas diariamente.
Autor de mais de 70 livros e considerado um dos principais intelectuais vivos atualmente (a quantidade de vezes que ele aparece em citações bibliográficas nos dias de hoje se assemelha a de grandes filósofos, como Platão), Noam Chomsky é, na verdade, um grande defensor da capacidade humana de criar e de se libertar de estruturas de dominação. Seus pensamentos vieram a público no início da decada de 1960, quando ele fez uma crítica aberta a outros linguistas, atacando a noção de behaviorismo, segundo a qual o ser humano aprende apenas por imitação. Chomsky defendia, já àquela época, a existência de uma capacidade inata do ser humano de se expressar, de diferentes formas.
Ao longo dos anos, ele foi adaptando este pensamento a um contexto político e se tornou um dos mais vorazes criticos do sistema politicoeconômico e também cultural dos Estados Unidos. Nascido na Filadélfia, ele se tornou uma voz dissonante dentro do território norteamericano.
Frente a uma platéia composta de pessoas vindas de todo o mundo para a conferência em Bonn, mas majoritariamente de europeus, o discurso de Chomsky pareceu soar um pouco anacrônico. Foi o que se ouviu nos corredores. Não foi essa a interpretação, porém, de participantes vindos de países africanos em desenvolvimento. Não houve também anacronismo para os representantes turcos que estão por aqui, ou de outras pessoas vindas da região que vive hoje a Primavera Árabe. Para estes grupos, nos quais o Brasil parece se incluir, uma fala de Chomsky ecoou:
- O termo democracia pode parecer óbvio para alguns, e aí está a ameaça. Há vários tipos de democracia, várias formas de aplicação deste conceito. O que podemos pensar é: este tipo de democracia onde a esmagadora maioria da população não tem participação alguma é a que queremos?
Não é preciso muito mais para explicar o porquê de os representantes brasileiros, após o discurso de Chomsky, terem se sentado à mesa com turcos, sulafricanos e outros representantes de países cujos projetos de democracia e desenvolvimento estão sendo contestados neste momento. Observando de outro continente as manifestações que estão parando cidades brasileiras nos últimos dias, o discurso do linguista não parece nem um pouco anacrônico.”

4 comentários:

Joelma disse...

Noam Chomsky é uma das mais importantes expressões do pensamento de esquerda moderno! Adoro ele!

Mário disse...

Quando Chomsky diz:

"O capitalismo baseado na massificação de privatizações não compreende a gestão coletiva, aí está o problema. Os movimentos que ocorrem neste momento são legítimos, na tentativa de recuperar a participação popular na gestão"

faz uma síntese de todo um raciocínio pelo que acontece neste sáculo 21!!!!!

Misael disse...

Acho que ele tem toda razão quando diz que uma característica que une nós, brasileiros e os turcos neste instante que é a tentativa de recuperar formas de liberdade e demostrar que a sociedade civil está acordada....

Anônimo disse...

Noam chomnsky foi dos intelectuais que mais apoiaram o "Occupy Wall Street"....

Tavim