domingo, 30 de junho de 2013

Pensatas de domingo. Balanço geral de um novo tempo

Silvio Mota, 68, peito colado aos escudos dos policiais do choque em Fortaleza


Políticos tradicionais não teem ideia de como agir diante de um movimento que ainda não deu sinais de esvaziamento. Aqueles que esperavam que as ruas fossem desocupadas depois de poucos dias de protestos e algumas concessões, convenceram-se que as manifestações continuaram (e continuam) firmes e contrárias a qualquer interferência dos partidos políticos inseridos no sistema. O curioso é que, de uma hora para outra, como num terremoto, as massas começaram a sair para protestar nas ruas carregando as mais diversas bandeiras e reivindicações. Coisa que não tinha nada a ver com as tradições de luta locais. 
Por outro lado a maneira como as redes de televisão (principalmente a Globo) realizam a cobertura, com comentários focados sobre os “atos de vandalismo”, contribuíram para criar a noção de um verdadeiro clima de “guerrilha urbana”. Na realidade, está cada vez mais evidente que este chamado “vandalismo” é liderado por provocadores ligados à direita (1), a marginais isolados ou ao tráfico de drogas; sendo que houve muitos “arrastões” e assaltos nas passeatas. Em São Paulo, na noite em que a prefeitura foi cercada, pequenos grupos saíram depredando lojas... Inclusive uma joalheria. Sim, uma joalheria... Sugestivo, não?

Neste século 21, a sociedade brasileira é muito mais complexa, até porque muito mais urbanizada. Porém, diante de manifestações coletivas embasadas em candentes questões urbanas, muitos governadores e/ou prefeitos preferiram simplesmente enviar as Tropas de Choque das truculentas Polícias Militares (PMs), tropas que já deveriam ter sido extintas, sendo, em sua essência e formatação, fascistas; e algumas testemunhas e/ou vítimas da violenta repressão compararam-na mesmo à dos tempos da ditadura militar (1964/1985).
Representantes do MPL (Movimento Passe Livre) disseram nesta 5ª feira (27) desconfiar que a Polícia Militar infiltre agentes para incitar o quebra-quebra nos protestos (2).

O que fica é a conclusão de que tudo o que presenciamos neste “despertar do gigante” foi uma “porrada” nos oportunistas, “come-quietos” e até em nós mesmos, uma população passiva, que, ao longo de décadas, assistiu à própria exploração sem protestar.
E no momento histórico em que a pauta dos novos movimentos anticapitalistas (em todo o mundo) passa pelo protesto contra as corporações transnacionais que exploram pessoas e países, acordos de comércio desiguais, condições de trabalho injustas, a destruição do modo de vida de indígenas e camponeses, a criminalização dos pobres, e a lógica econômica neoliberal globalizada, vemos o povo brasileiro finalmente chegar ao novo século.
A realidade é que, ao que tudo parece, aprendemos a protestar... As manifestações que começaram motivadas por um motivo, tem hoje uma extensa pauta!

As vozes das ruas estão a dar o seu recado, e, o mais importante, conseguiram resultados significativos. Os preços das passagens de ônibus, metrôs e trens, o estopim da crise, baixaram em cerca de uma semana nas principais capitais. Na reunião de Dilma Rousseff com governadores e prefeitos no Palácio do Planalto, na última 2ª feira (24), a presidente anunciou a apresentação de cinco pactos nacionais, tendo como alvos: a responsabilidade fiscal, a reforma política, a mobilidade urbana, a saúde e a educação. No item reforma política, Dilma propôs tambem um plebiscito para criar uma Constituinte exclusiva para a reforma política, o que gerou polêmica entre os muitos setores, inclusive a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que julgaram não haver necessidade de uma Constituinte, e sim de um processo normal para a tramitação da questão no Congresso e um plebiscito em que o povo possa opinar.
Após a reunião da presidente Dilma Rousseff (no mesmo dia) com integrantes do MPL (Movimento Passe Livre) de São Paulo –responsável pela convocação dos atos contra o aumento da tarifa dos transportes públicos–, o ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro, que também participou do encontro, falou que a qualidade do transporte público no Brasil é de "má qualidade" e "deficiente". "A qualidade é deficiente", disse em entrevista coletiva após o evento. E mais, admitiu que muito pouco se fez pelos transportes coletivos no Brasil ao declarar: "Passamos mais de 30 anos sem investir em mobilidade urbana no país. Foi retomado esse investimento agora."

Em pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão, dona Dilma disse que os representantes dos movimentos podem e devem contribuir para o debate. "Anuncio que vou receber os líderes das manifestações pacíficas, os representantes das organizações de jovens, das entidades sindicais, dos movimentos de trabalhadores, das associações populares. Precisamos de suas contribuições, reflexões e experiências, de sua energia e criatividade, de sua aposta no futuro e de sua capacidade de questionar erros do passado e do presente."
E completou: "O povo tem que ser ouvido para que tenhamos um sistema político legítimo, que seja expressão maior da posição dos brasileiros. Achamos fundamental que a reforma política passe por um processo de ampla discussão com a sociedade.” Quer dizer, no jargão “popular”, abriu as pernas... Sob a pressão popular!

E por que, senão consequência dessa surpreendente pressão popular, o Ministro da Saúde anunciou na terça-feira (25) que abrirá 12 mil vagas de residência médica em todas as especialidades em quatro anos... A medida pretende zerar o déficit da demanda em relação ao número de formados em medicina.
No mesmo dia os parlamentares aprovaram em regime de urgência um projeto que destina 75% dos royalties do petróleo para a educação e 25% para a saúde. E, tambem em regime de urgência, com o plenário lotado pelo povo), colocou em o veto à PEC 37 (413 votos vetaram, apenas nove foram a favor da proposta e duas abstenções), atendendo aos protestos e às posições da maioria dos manifestantes que nas ruas veem protestando. Um mês antes, a posição era oposta tanto no Senado como na Câmara.
E o Plenário do Senado aprovou no dia 27 (quinta-feira), o projeto que inclui a corrupção ativa e passiva no rol de crimes hediondos. De autoria do senador Pedro Taques (PDT-MT), a proposta faz parte da agenda legislativa elaborada para atender o que os senadores batizaram de “clamor das ruas”.
Em acontecimento inédito, o Congresso Nacional está trabalhando em ritmo frenético dia e noite (madrugada adentro) na época das festas juninas, quando por hábito passava por um recesso não oficial. E mais: no dia 26 (4ª feira) não fechou nem para assistir ao jogo Brasil x Uruguai, semifinal da Copa das Confederações. Teem sido dezenas de propostas de emendas, todas ligadas às reivindicações das massas, inclusive o passe livre para estudantes em ônibus, trens e metrôs (uma das reivindicações do MPL); que já funciona aqui no Rio de Janeiro, mas não vigora em todo o país.
Ficou claro que o “esporte bretão” não consegue mais “entorpecer” o povo brasileiro, como nos tempos da ditadura militar, quando foi farta e com sucesso usado como o “ópio do povo”...
E essas massas, inclusive questionaram claramente –em pleno “país do futebol”–, os gastos excessivos com as obras pelas copas das Confederações (2013) e do Mundo (2014), cujo ponto de partida foi o preço de um bilhão e meio de reais somente com a reconstrução da Arena Mané Garrincha em Brasília; mas que se ampliam à corrupção deslavada em propinas das empreiteiras em obras públicas.
Nos dias das semifinais da Copa das Confederações, tanto em Belo Horizonte, na 4ª feira (26) como em Fortaleza, no dia seguinte, houve protestos, feridos, mortes e carros incendiados.
Ontem um grupo bloqueou a Av. Paulista pedindo a saída de Marin, o atual presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol). E protestos estão marcados para hoje nas imediações do Maracanã, onde Brasil e Espanha disputarão a final da Copa das Confederações.

Mas afinal, o que é o mais importante em tudo isso?

O que ficou marcado foi que este movimento surgiu literalmente de baixo para cima, coisa pouco ou quase nunca vista num país dominado (desde os tempos de colônia) pelos “conchavos” e pelas elites (sempre de cima para baixo).

Prova cabal de que este não é apenas um movimento, mas algo que pode se tornar de fato um “novo tempo”, capaz de inverter a ordem social desumana que condena os brasileiros a serem, como diria Millôr Fernandes: “passageiros do planeta Terra com um péssimo serviço de bordo”.

1. Na casa de um dos presos em atos violentos foram encontradas armas e bandeiras com a cruz suástica.
2. Os protestos nas proximidades da “Arena Castelão”, 5ª feira (27) em Fortaleza, antes do jogo Itália x Espanha transformaram a Av. Dedé Brasil, uma das principais vias de acesso ao estádio, em campo de batalha. Torcedores com ingressos na mão sofreram para furar o cordão de isolamento entre a Polícia Militar do Ceará e manifestantes. No epicentro das manifestações, moradores da região disseram que suas residências foram invadidas por policiais.  


10 comentários:

André Setaro disse...

O panorama visto da ponte merece, ainda, uma análise mais perfuratriz, mas você tem toda a razão no que diz. O vandalismo é estimulado pela direita com o objetivo de implantar o ''kaos''. Dilma caiu de 67% em março para minguados 30% e não venceria, segundo a DataFolha, no primeiro turno.

Joelma disse...

Sem dúvida fizestes uma postagem bastante completa sobre os acontecimentos que estão se passando no país.
Também estou acompanhando com entusiasmo o ‘passo-a-passo’ de toda esta movimentação.
E concordo com você. Movimentos de massa partindo das massas tem sido pouco comuns por terras tupiniquins. Existe até uma teoria da "elite" vs "contra-elite", pois geralmente a setores da própria elite se opõe àquele que está no poder.
Só é necessário estarmos atentos à direita. A própria Rede Globo está tentando tirar proveito disso com um discurso moralista que pode gerar uma reação de setores pouco confiáveis. É só lembrar dos nazistas!

Jonga Olivieri disse...

Sim André, falta muita coisa; mas na realidade tentei de alguma forma tocar nos principais assuntos relativos às manifestações.

E Joelma, o perigo está aí mesmo. A direita não dorme. E a esquerda encontra-se em momento de difícil definição.
Quanto a "elite" x "contraelite", concordo plenamente com o seu ponto de vista...

Anônimo disse...

Você esqueceu (ou não soube) de dizer uma coisa: a máfia dos donos de companhias de onibus tambem estão por trás desses vandalismos.
Em Brasília isso ficou evidente porque os ônibus apedrejados foram todos do governo. Os das empresas deles não sofreram nada, nadinha mesmo.

Tavim

Mário disse...

Quando o ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro diz (na maior cara de pau) que "Passamos mais de 30 anos sem investir em mobilidade urbana no país. Foi retomado esse investimento agora.", não vê que os governos do Dilma (e Lula) tambem não fizeram porra nenhuma por isso?

Misael disse...

O grupo de manifestantes que está de plantão há 2 semanas na rua onde mora o governador do Rio, Sérgio Cabral tem algumas reivindicações sobre os custos dos estádios da Copa, principalmente o ‘privatizado’ Maracanã, mas não estão acompanhando a Copa das Confederações.

Anônimo disse...

Ocorreu mesmo, hoje, uma manifestação muito pacífica pelas ruas da Tijuca, a partir da Praça Saens Penna.
De 5 a 10 mil participantes pediram, principalmente, para que se
anule a privatização do Maracanã.

Blog's sympathizer

Ernani disse...

Manifestação organizada pelo 'Comitê Popular da Copa' na final da Copa das Confederações. Brasil e Espanha se enfrentaram no Maracanã, recebeu intensa proteção da Polícia Militar. Cerca de sete mil pessoas saíram da Praça Saens Peña, no bairro da Tijuca, e iniciaram a passeata rumo ao Maracanã.
Na rua Conde de Bonfim, na Tijuca, moradores apoiaram a passeata com lençóis brancos colocados nas janelas dos apartamentos. Uma chuva de papel picado também foi jogada pelas pessoas que preferiram ficar em suas casas durante a passagem na manifestação pela rua.
Enquanto os ativistas levantavam bandeiras de partidos (até da Palestina) o repórter Vandrey Pereira da TV Globo foi identificado por causa da logomarca no seu microfone, e hostilizado teve que se afastar do local.
Mais próximos ao 'Maraca', o pau comeu!

Anônimo disse...

Não sejamos ingênuos: há a provocação também. E provocação oficial. No Rio, a ação da PM, na manifestação que levou uma multidão incalculável para a Avenida Presidente Vargas, foi francamente terrorista. Tropa do BOPE perseguindo manifestantes, policiais cercando e intimidando estudantes dentro de faculdades e atacando até mesmo o hospital Souza Aguiar, enquanto, ao mesmo tempo, “mascarados” agiam com grande liberdade…

Anônimo disse...

Os protestos, que começaram contra o aumento de R$ 0,20 na tarifa de ônibus em São Paulo, renderam várias outras conquistas para o Brasil

Os deputados derrubaram em 25/06 a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37/2011, que limitava os poderes de investigação do Ministério Público (MP). A derrubada da PEC era freqüentemente solicitada pelos manifestantes ao redor do país.

O Senado Federal aprovou, em 26/06, o projeto de lei que transforma a corrupção em crime hediondo.

Outra conquista foram os R$ 50 bilhões para mobilidade urbana, anunciado em 24/06, pela presidenta Dilma Rousseff. Essas, entre tantas outras pautas, passaram a ser colocadas em primeiro plano pelos políticos do país.

E a Câmara dos Deputados estabeleceu na que 75% das receitas do petróleo serão destinadas para a educação.

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