domingo, 11 de outubro de 2015

Em busca do espaço/tempo ganho no Brasil (Parte 2)


A pensata de hoje é um texto de Jorge Vital de Brito Moreira que continua o da semana passada.

Escrevi no texto da semana passada (parte 1) que o objetivo central da nossa viagem pelos estados de Pernambuco e Bahia era chegar no rio São Francisco (no velho Chico), ver a barragem do Sobradinho, conhecer as obras de transposição do rio São Francisco e visitar a cidade e a hidroelétrica de Paulo Afonso.
Informo ainda que a viagem a barragem do Sobradinho, tinha um significado existencial-histórico especial para mim e para o amigo Israel Pinheiro pois fazia aproximadamente 40 anos (1975 e 1976) que tínhamos trabalhado para a população camponesa das antigas cidades de Santana do Sobrado,  Casa Nova, Sento Sé, Remanso e Pilão Arcado. Naquele tempo, Israel e eu (dois jovens sociólogos formados pela UFBa), tínhamos sido contratados, ele, pela EMATERBA, eu, pelo INCRA  para informar e preparar a população local para a moderna e dura realidade que sucederia: A Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF) ia inundar as suas propriedades rurais com as aguas do Rio São Francisco; a CHESF ia construir a Barragem do Sobradinho e produzir energia elétrica para o país. Assim, era imprescindível que a população fosse transferida com seus animais e pertences para Bom Jesus da Lapa, a famosa cidade, nas margens do velho Chico no estado da Bahia.
No meu caso pessoal, a atual ida a Barragem do Sobradinho, também oferecia um estimulo especial para a memória: era uma oportunidade única para rever alguns dos lugares por onde passaram o vapor e o rebocador que conduziam 31 famílias (162 pessoas), com seus objetos e animais, durante a primeira viagem de transferência de Santana do Sobrado a Bom Jesus da Lapa.  Ainda lembro que eu e Francisca (a assistente social do INCRA) formávamos a dupla escolhida para serem os responsáveis pela segurança e bem estar social (transportação, alimentação e saúde) das primeiras famílias que acreditaram na CHESF/INCRA/EMATERBA, e embarcaram no vapor para viver nas casas e nas terras prometidas pelo INCRA na cidade de Bom Jesus da Lapa.
Nesta recente viagem de carro, vivemos alguns acontecimentos que também eram dignos de registro. Por exemplo, estávamos regressando de Remanso e nos dirigíamos a Casa Nova. Era aproximadamente 1 hora da tarde quando Gabriel, que pilotava o automóvel, percebeu um estranho ruído nos pneus do carro. Depois de estacionar o veiculo no acostamento, Gabriel e eu saímos para verificar qual das 4 rodas emitia o estranho ruído. Descobrimos imediatamente que o pneu dianteiro direito estava deformado pois continha agora três pequenos calombos, umas bolhas de ar na parte externa do mesmo. Agora ficava claro que era necessário e urgente encontrar o serviço de um borracheiro para resolver o problema.
Paramos o carro na primeira borracharia que encontramos em Casa Nova. Pra nossa surpresa, o borracheiro (sentado ou quase deitado numa rede de pano encardido) disse que o pneu estava bom,  sem problemas, e que ainda podíamos rodar muitos quilômetros naquela situação. Do meu ponto de vista, não dava pra acreditar por um segundo nem por um metro naquele homem. Então, saindo da oficina,  disse pro pessoal: - Vamos buscar uma segunda opinião; me parece que esse cabra da peste está com preguiça e não está querendo  deixar o conforto da sua rede pra ganhar uns 20 ou 30 reais dando duro pra resolver nosso problema.
Na segunda borracharia, encontramos um sujeito trabalhador: era um pernambucano que resolveu o nosso problema sem pestanejar. Depois de tirar o pneu deformado da frente direita do carro, ele colocou o pneu de socorro naquele lugar e o carro voltou a circular satisfatoriamente: sem o ruído constrangedor de antes.
Este acontecimento me lembrou alguns fatos, quando, naquele tempo longínquo, trabalhando na região como sociólogo, podia observar que as roças dos agricultores pernambucanos eram mais limpas, mas organizadas e mais bem cuidadas que as roças dos agricultores baianos. Naquele tempo, o pessoal já  comentava que os pernambucanos eram mais caprichosos que os baianos.
Ainda que eu seja baiano da gema, a comparação a favor da qualidade do trabalho dos pernambucanos, ainda continua válida para mim: quando comparo, por exemplo, a qualidade do trabalho baiano empregado para realizar o carnaval de Salvador (do trio elétrico e/ou das medíocres fantasias a base  das ordinárias camisas de meia sem gola dos blocos e foliões) e a qualidade do trabalho dos pernambucanos para realizar o carnaval de Recife (dos conjuntos musicais e das sofisticadas fantasias carnavalescas exibidas no desfile do Galo da Madrugada) as diferenças são impressionantes.
Outro exemplo significativo: basta com atravessar a ponte sobre o rio São Francisco para darmos conta das grandes diferenças que existem entre a cidade de Petrolina, em Pernambuco, e a cidade de Juazeiro, na Bahia.  Nas margens pernambucanas, vemos uma cidade ampla, limpa, arejada e organizada, com grandes avenidas e um trafego que flui racionalmente e sem engarrafamento. Nas margens opostas, vemos uma cidade baiana medíocre, suja, pouco arejada, desorganizada, com ruas estreitas e um trafego constantemente congestionado. Essa foi a realidade atual que podemos observar entre as duas cidades.
Também escrevi no texto da semana passada sobre alguns dos aspectos negativos que me surpreenderam na visita a cidade de Salvador: ali destaquei a problemática (desordenada e caótica) ocupação do espaço urbano e o miserável crescimento populacional (material e espiritual) da população de baixa renda devido à péssima distribuição social da produção interna e à proliferação de igrejas protestantes que contribuem para aumentar a alienação e a ignorância do  povo da Bahia. (1)
Agora, gostaria de informar que também experimentei muitos momentos extremamente gratificantes na cidade de Salvador. Ali, pude reunir-me com um grupo de grandes amigos do peito e de geração: além do amigo Israel Pinheiro, encontrei o Júlio, Tucha, Pavese, um amigo sociólogo que trabalhou/trabalhamos juntos com a população ribeirinha e catingueira que foram afetadas pela barragem do Sobradinho. Na cidade, também reencontrei o amigo e cineasta, Edgard Reis Navarro Filho [diretor dos premiados filmes, O Superoutro (curta-metragem) e Eu me lembro (longa)], e o amigo, sociólogo e cineasta sergipano, José Umberto Dias [diretor do celebrado filme O Anjo Negro e do recente filme Revoada (ambos de longa metragem)]. Reencontrei todos estes amigos não apenas individualmente mas pude me reunir coletivamente com todos eles numa lanchonete conhecida como “Pãozinho Delicia” no bairro da Pituba, de frente pro mar da Bahia. E foi um dos encontros mais gratificantes que obtive na cidade em que nasci. Pude conseguir o mesmo tipo de gratificação no fim de semana em que meus amigos cineastas Edgard Navarro, Zé Humberto e eu fomos de carro à Praia do Forte, à Itacimirim e à Imbassai, para passear, comer, e tomar banho de mar. Foi um passeio muito gostoso e maravilhoso.
Em Salvador também pude reunir-me com os professores Vitor e Norma Couto (dois irmãos da cidade de Parnaíba no Piauí; queridos amigos de muitas jornadas) para tomar café, comer cuscuz e pamonha no fim da tarde em frente do mar da Bahia, na lanchonete da “Perini”, na Pituba. Foi um encontro saboroso e bem agradável.
(Continua)

1) Gostaria de esclarecer que não tenho religião: não sou católico ou protestante; não acredito em candomblé, macumba, nem em outra forma de religiosidade massiva que vem sendo propagada pela estrutura de dominação politico-ideológico do sistema capitalista atual. No entanto gostaria de afirmar que, na minha opinião, a expansão colonizadora imperialista massiva das igrejas fundamentalistas no Brasil além de ser um produto da pobreza material do nosso povo, é também um dos resultados da anti democrática perseguição ideológica-politica criada pelo governo do Papa polonês João Paulo II (em aliança com os  governos neo-liberais de Ronald Reagan e Margareth Tatcher) contra a “Igreja da opção preferencial pelos pobres”, defendida pelo Papa João XXIII, pelo Papa João Paulo I,  e pela Teologia da Libertação.

Nenhum comentário: