domingo, 4 de dezembro de 2016

Pensatas de Domingo. “Elis” o filme, uma tentativa de crítica


Assisti nesta quinta-feira (01/12/16) “Elis” de Hugo Prata, estrelado por Andreia Horta no papel-título.
Este filme tem uma característica que muito me agradou: a ausência de pieguismos num roteiro intensamente dramático. Até o suicídio da personagem, sem dúvida uma cena muito pesada, que até pode levar às lagrimas aqueles que a admiravam muito, é conduzido em um clima, que mesmo triste, não pode ser considerado piegas.

Elis Regina nasceu em Porto Alegre (RS) em 17/03/1945 e veio a falecer em São Paulo (SP) em 19/01/1982), foi uma cantora brasileira conhecida por sua competência vocal, musicalidade, presença de palco, ela é considerada por muitos críticos a melhor intérprete popular do Brasil, dos anos 1960 ao início dos anos 1980. Para muitos, a melhor cantora brasileira de todos os tempos, comparada a destaques internacionais como Ella Fitzgeralld, Edith Piaff ou Sarah Vaughan.
Embora a voz que ouvimos a cantar todas as canções de “Elis” seja da própria cantora, Andreia Horta treinou muito para assumir o gestual da intérprete, sua bossa única e o seu marcante “sambalanço”. Desejava também que as veias de seu pescoço ganhassem o relevo característico de Elis quando cantava.

A película traça a trajetória da cantora, desde a sua chegada ao Rio de Janeiro acompanhada do pai, em 1960, até o dramático fim aos 36 anos de idade (19/01/1982), passando por seus dois casamentos, o primeiro com Ronaldo Bôscoli, em 1967 e posteriormente com César Camargo Mariano no ano de 1973. E teve três filhos, João Marcelo Bôscoli (1970) do primeiro casamento, e outros dois, Pedro Camargo Mariano (1975) e Maria Rita Camargo Mariano (1977) do segundo.
Nesta questão, é focado o temperamento explosivo da “Pimentinha”, como era chamada por muitos, após Vinícius de Morais tê-la apelidado assim por ser baixinha e estourada. Entretanto, no caso de Bôscoli, esses estouros se justificavam devido a suas aventuras extra-conjugais e à pouca atenção dispensada ao filho. Assim o casamento desintegrou-se entre “tapas e beijos”.

Em paralelo, seguia a sua luta por um “lugar ao sol” em disputado mercado de trabalho, à época em que surgiam muitos novos nomes, como Nara Leão, Maísa Matarazzo, Gal Costa, Maria Betânia e outras. E, ao mesmo tempo, apareciam compositores do nível de Edu Lobo, Chico Buarque de Holanda, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Ivan Lins ou Geraldo Vandré.
Em 1964, é levada por um conhecido para o “Beco das Garrafas”, então sob a direção de Luís Carlos Miele e Ronaldo Bôscoli, aos quais foi então apresentada. E acompanhada pelo grupo “Copa Trio”, cantava na na boate Bottles, reduto onde nasceu a bossa nova, e conhece o dançarino e coreógrafo estadunidense Lennie Dale, que a ensinou a mexer o corpo para cantar, ajudando-a na criação do famoso nado que ela tinha com os braços.
Em São Paulo participou do espetáculo “O Fino da Bossa” organizado pelo Centro Acadêmico da USP. Ao final do mesmo ano (1964) conheceu o produtor Solano Ribeiro, idealizador e executor dos festivais de MPB da TV Record. Um ano que ainda traria a proposta de apresentar o programa “O Fino da Bossa”, ao lado de Jair Rodrigues.  O programa dirigido por Walter Silva, ficou no ar até 1967 na TV Record (SP) e originou três discos de grande sucesso: um deles, “Dois na Bossa”, foi o “primeiro disco brasileiro a vender um milhão de cópias”.

É sábido que Elis Regina criticou muitas vezes a ditadura brasileira, nos repressivos “Anos de Chumbo”, quando muitos músicos foram perseguidos, presos e exilados. A crítica tornava-se pública em meio às declarações ou nas canções que interpretava. Em 1969, durante entrevista na França, teria afirmado que o Brasil era governado por “gorilas”. A popularidade a manteve fora da prisão, mas foi obrigada pelos “milicos” a cantar em um estádio durante as “Olimpíadas do Exército”, fato que despertou desprezo por parte da esquerda brasileira. O filme foca na charge do Henfil no Pasquim que a põe num túmulo.
Mas sempre engajada politicamente, Elis participou de uma série de movimentos de renovação política e cultural brasileira, com voz ativa na campanha pela “Anistia” de exilados brasileiros. O despertar de uma postura artística engajada e com excelente repercussão acompanharia toda a sua carreira, sendo enfatizada por interpretações consagradas de “O bêbado e o equilibrista” de João Bosco e Aldir Blanc, a qual passou a ser considerada como o hino da anistia. A canção coroou a volta de personalidades brasileiras do exílio, a partir de 1979. Um deles, citado na canção, era o irmão do Henfil, o Betinho, importante sociólogo brasileiro, fato qe ajudou na aproximação entre ela e o cartunista.

No seu casamento com César Camargo Mariano houve uma relação, sem dúvida muito menos conturbada, porque ele a amava muito. Mas, naquela ocasião, Elis caiu em profunda depressão, fruto de suas insatisfações com a forma com que era conduzida sua própria carreira, as renúncias que tinha que fazer e as interferências na sua vida particular, o que cerceava a sua liberdade de ser. Após inúmeras tentativas de fazer subir a sua moral, ele separava-se, deixando-a sozinha com seus três filhos, apesar dele não tê-los abandonado¹, como o fizera Ronaldo Bôscoli.

Assim, “Elis” o filme constitui-se numa obra muito segura e bem realizada por Hugo Prata², que, apesar de pouco rodado como diretor conseguiu firmar-se no cenário do cinema brasileiro.

1. César Camargo Mariano é pai de quatro filhos: o músico Marcelo, com a primeira mulher, a cantora Marisa Gata Mansa. Os cantores Pedro e Maria Rita, com Elis; e a caçula Luiza, com a atual esposa, Flávia. Além disso, considera João Marcello, filho de Elis com Ronaldo Bôscoli, como o quinto filho.
2. O diretor Hugo Prata, que tem mais de 60 videoclipes no currículo, fez sua estreia no cinema com “Elis”. Mas foi responsável, em 2008, pelo DVD “Samba Meu” de Maria Rita, filha de Elis. O roteiro foi de Nelson Motta (amigo de Elis) e Patrícia Andrade, de “Dois Filhos de Francisco”, que também escrevem o roteiro de um musical sobre a “Pimentinha” para o teatro.
 
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2 comentários:

Joelma disse...

É isso aí dom Oliva. Pra bom entendedor meia palavra basta. Quer dizer: não és um crítico cinematográfico por não exercer essa profissão, mas esta crítica está muito boa, muito boa mesmo!
É evidente que o convívio com seu primo André Setaro, plantou as bases para isso. Afinal. cinema era seu assunto predileto e permanente. E digo mais, contam-se nos dedos os críticos de cinema no Brasil que saibam tanto quanto ele a respeito do assunto. Isso porque respirava cinema, comia cinema e ao dormir sonhava com cinema. Que Deus o tenha, mas tem que ter uma salinha de projeções lá no céu, porque senão ele não estará feliz.
Conheci André Setaro num Festival de Tiradentes quando eu era platéia e ele jurado e palestrante. Numa das noites ele estava num bar em que nós tambem estavamos e conversamos sobre cinema, ele, outros jurados, meu marido e euzinha aqui.
Mas o resumo da ópera é que a leitura da sua "tentativa" (que modéstia!) de crítica nos fez decidir ir ainda hoje (a noite) assistir a Elis o filme!
Para finalizar embora não querendo mudar de assunto, mas já o fazendo, onde andam o vosso velho amigo jogador de pôquer e a germano-gaúcha que costumavam comentar neste blog? Não me incomodo de estar sozinha comentando aqui, porque o faço com imenso prazer mas tanto o "banker" quanto a "guria" bem que poderiam ler o meu apelo e voltar rsrs.

Jonga Olivieri disse...

Olha Joelma querida, respondendo às suas perguntas da postagem anterior, realmente não tenho publicado quase nada em "Casos da Propaganda", provavelmente porque meus neurônios estão queimando e já publiquei centenas de historinhas ali. Tenho mais publicado comerciais que acho bons
Concordo que tenha postado "casos" mais engraçados... quem sabe, um dia desses eu volte a publicá-los, desta feita aqui. Do "advogado do diabo não sei se ele está aqui ou já foi pro inferno. rsrs
No tocante à minha "tentativa" de crítica agradeço muito os elogios E posso lhe dizer que fiquei muito feliz de tê-los influenciado a assistir "Elis" no mesmo dia em que leram a postagem.
Quanto ao Tavim, afastou-se mesmo Porém não quero afirmar que o tenha feito pelas discordâncias que andou tendo neste blogue.
Já a "gaúcha" Ieda, certamente é das mais antigas comentaristas entre nós. Mas já sumiu algumas vezes no passado. De vez em quando ela não comenta nada e depois passa a fazê-lo novamente.