domingo, 23 de fevereiro de 2014

Pensatas de domingo



O romance “Mortos Incomôdos, Falta o que falta” do Subcomandante Marcos (EZLN) e do escritor mexicano Pablo Ignácio Taibo II

Jorge Vital de Brito Moreira

            Para aqueles que viveram no México no período entre o assassinato massivo (o massacre) dos estudantes mexicanos pelo governo do presidente Gustavo Díaz Ordaz Bolaños na Plaza de Tlatelolco em 2 de outubro de 1968 (1), e a assinatura do Tratado de Livre Comercio (NAFTA) entre os EUA, Canadá e o México em 1 de janeiro de 1994, nada mais esclarecedor que ler a representação dessa recente história mexicana no romance Muertos Incomodos escrito pelo Subcomandante Insurgente Marcos (do Ejército Zapatista de Liberación Nacional, EZLN) e pelo escritor mexicano Paco Ignácio Taibo II.
Para os jovens leitores de Novas Pensatas devo informar-lhes que no mesmo dia (1 de janeiro de 1994) em que os presidentes Salinas de Gortari (Mexico) e George Bush (o pai) assinaram o Tratado mencionado, o Subcomandante Marcos e o Ejército Zapatista de Liberação Nacional (EZLN) anunciaram a invasão e a tomada militar de sete cabeceiras municipais no estado mexicano de Chiapas, exigindo democracia, liberdade, terra, pão e justiça para os indígenas mexicanos.
O romance Muertos Incómodos foi escrito a "quatro mãos" pelos dois autores mencionados. A ideia de escrevê-lo se originou quando o Subcomandante Marcos enviou uma carta ao escritor Paco Ignácio Taibo II para propor a realização do projeto (2). Quando Taibo II aceitou a proposta de Marcos, ele enviou para o subcomandante as regras que deveriam ser seguidas pelos dois para escrever o romance a quatro mãos. Em resumo, as regras estabeleciam que os escritores deveriam escrever o romance alternando os capítulos; e o enredo deveria se concentrar simultaneamente em dois personagens: em Elias Contreras (o investigador da comissão de inquérito do EZLN criado por Marcos) e em Hector Belascoarán Shayne (o reconhecido detetive independente criado por Taibo II faz muitos anos). Os dois protagonistas, Elias e Hector, deveriam encontrar-se pela primeira vez no Monumento da Revolução Méxicana na Cidade do México.
 O Subcomandante Marcos escreveu o primeiro capítulo, e Taibo II escreveu o segundo, e assim, sucessivamente. Cada capítulo do romance Muertos Incomodos foi publicado semanalmente pelo jornal mexicano La Jornada e atualmente se encontra disponível online gratuitamente em espanhol para os leitores no mesmo jornal. O romance também se encontra disponível gratuitamente em espanhol online nas páginas de Rebelion.org online (http://www.rebelion.org/noticia.php?id=10692)
 Tempo depois, o romance foi publicado comercialmente, na forma de livro, pela Editorial Joaquín Mortiz, e todos os rendimentos obtidos na venda do livro foram doados à ONG Enlace Civil A.C. para realizar obras sociais no estado de Chiapas, México. O romance também foi publicado em português pela Editora Planeta.
O romance Muertos Incomodos pode ser incluído dentro do gênero da novela negra, na versão latinoamericana do gênero "hard-boiled" dos Estados Unidos, mas também poderia ser classificado como um romance do subgênero denominado "neopolicial".  Como se sabe, a novela negra é diferente do romance policial clássico porque a motivação econômica na novela negra tem prioridade sobre o mistério, enquanto as causas sociais são removidas do romance policial clássico para melhor servir ao mistério da sua trama. São características importantes do gênero novela negra (ou romance negro): o realismo crítico e a revelação do submundo do crime nas sociedades representadas pelas narrativas policiais. Na América Latina, onde a corrupção é parte do sistema político, os autores tendem a se concentrar na corrupção como um dos temas dos seus romances. Dentro de um regime político corrupto e corruptor, a escritura de "ficção policial”  funciona geralmente como um veículo para a crítica política. 
Assim, no romance Muertos Incomodos, o leitor poderá observar simultaneamente tanto a crítica social como as revelações do submundo mexicano. Neste romance, a crítica social se baseia numa visão de mundo contra o neoliberalismo e a globalização que imperializa o planeta terra. Nesse sentido a crítica social é equivalente à crítica de outros romances da série do detetive Hector Belascoarán Shayne de Paco Taibo II, tornando-se mais ampla e mais rica com a inclusão da visão crítica indigenista do Subcomandante Marcos no universo romanesco.
Além do Massacre de Tlatelolco, outros bárbaros acontecimentos que foram deflagrados no México pela violência política do grande partido burguês oficialista que se encontra faz mais de 80 anos no poder, o Partido Revolucionário Institucional (PRI), também são referidos direta ou indiretamente no romance: a) os acontecimentos ligados ao roubo das vítimas do terremoto do México de 1985; b) os acontecimentos associados ao roubo das eleições presidenciais  de 1988 (cujo vencedor foi Cuauhtémoc Cárdenas o filho do general e ex-presidente Lázaro Cárdenas) por  Salinas de Gortari, (3) o candidato de PRI; c) o massacre de Acteal, executado por forças paramilitares associadas ao ex-presidente prista Ernesto Zedillo. Esta chacina resultou no assassinato de 45 indígenas tzotziles (incluídos meninos e mulheres grávidas) por serem simpatizantes do EZLN.

O romance sucede em dois locais diferentes: em Realidad, no estado de Chiapas, e, no Distrito Federal da cidade do México.  A trama acompanha a trajetória dos dois detetives Elias Contreras e Hector Belascoarán Shayne nesses espaços perseguindo homens - vivos ou mortos? homens reais ou mero fantasmas?- ao tentar descobrir quem é o verdadeiro “Morales”, o inimigo demoníaco dos pobres e dos oprimidos.

A luta zapatista está sempre presente nos capítulos assinados pelo Subcomandante Marcos: o primeiro capítulo, por exemplo, narra una história do investigador rural Elias Contreras, a quem se encomenda encontrar uma mulher casada, Maria/Abril, que desapareceu de uma comunidade local, pois existe o temor de que ela tenha sido sequestrada por grupos paramilitares com o objetivo de assassiná-la. A surpresa se manifesta quando Elias descobre que a história de Maria/Abril é una história de violência de género, pois a mulher fugiu da comunidade para se libertar do domínio do marido; para se estabelecer como líder numa outra comunidade que reivindica os direitos femininos da mulher. No plano discursivo, o romance também utiliza o movimento zapatista como uma metáfora para a resistência ao mundo machista e ao processo de globalização capitalista.
No romance Muertos Incomodos, “escrito a quatro mãos”, as tradicionais fronteiras genéricas são ultrapassadas por um conjunto híbrido de elementos do suspense, do testemunho e  até do panfleto. É um romance de pessoas desaparecidas, de detetives marginais,  de vítimas e fantasmas, e de crítica contundente à sociedade patriarcal e a todas as formas de subjugação, de exploração e de opressão aos seres humanos dentro do modo de produção colonial-imperialista.

1) Desembarquei no México  em Setembro de 1978 (10 anos depois do “Massacre da Plaza Tlatelolco) para estudar uma mestrado em Sociologia na Universidad Nacional Autónoma de Mexico: dez anos depois do “Massacre de Tlatelolco”, o bárbaro acontecimento continuava sendo lembrado pelos mexicanos e era contado  frequentemente para mim e outros estudantes estrangeiros tanto pelas vítimas que sobreviveram ao acontecimento como por seus familiares, parentes, amigos. Outro acontecimento, que era frequente e tristemente lembrado pelos mexicanos: o assassinato de Leon Trotsky  (líder, junto com Lenin, da Revolução russa de 1917) em 1940 por Ramón Mercader no México, com a ajuda do pintor David Alfaro Siqueiros e dos  membros do partido comunista mexicano, a mandado do ditador Joseph Stalin.

2) Inicialmente, o projeto de escrever um romance a quatro mãos, contava com a participação do subcomandante Marcos e do escritor espanhol Manuel Vázquez Montalbán. Porém, devido ao falecimento de Montalbán, em 18 de outubro de 2003,  o escritor Paco Ignácio Taibo II aceitou substituí-lo na empreitada.

3) Vejam o livro “Vecinos Distantes: un Retrato de los Mexicanos” do jornalista brasileiro Alan Riding.  Vejam também as denuncias feitas pela Revista Proceso (de México) ao ex-presidente Salinas de Gortari. Em 13 de maio de 2010, o blogue Mexicanos al Grito publicou a seguinte informação: “La vida de Carlos Salinas de Gortari está marcada por la tragedia, entre sus tremendas hazañas ciertas (aunque parezcan rumores, no lo son) se encuentra: matar a una sirvienta a los 5 años de edad, robar las elecciones presidenciales de México, empujar un desfavorable tratado de libre comercio para México con sus vecinos Estados Unidos y Canadá, robos y fraudes con PEMEX, robos y fraudes en su gobierno, robos por sus hermanos Raúl y Enrique -de los cuales, uno, Raúl, estuvo en la cárcel por lavado de dinero y el otro, Enrique, murió en 1996, probablemente por un asunto ligado al narco- y que decir de la privatización de varias empresas nacionales a sus compadres.”  Vejam o link abaixo:


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