Por acaso assisti na ultima sexta feira a uma entrevista do
ministro do trabalho Ronaldo Nogueira a Mariana Godoy na RedeTV e pude ouvir ao
vivo a sua defesa da reforma trabalhista no Brasil, que me remeteu diretamente
às posições do corporativismo fascista de Mussolini, quase 100 anos após a chegada
ao poder do ditador na Itália. O ministro em dado momento qualificou a luta de
classes como pertencente ao passado e defendeu por diversas vezes o corporativismo,
um dos pontos altos do fascismo (v. quadro acima). Mas o pior foi quando
defendeu o patronato quanto à questão dos acordos entre patrões e empregados
dizendo claramente que, ao contrário do que dizem os trabalhadores, aqueles (os
patrões) “são sempre muito bem intencionados” (sic)... éécaaa!
É justamente o “aparato normal da democracia burguesa” que
viabiliza o estado de exceção, através de leis de emergência, decretos e,
sobretudo, mediante uso da força repressora do Estado contra qualquer tentativa
de oposição de classe. A pseudo democracia serve, portanto, para impedir a
verdadeira transição para um regime democrático, no qual a maioria realmente
tenha voz e vez.
O Poder Judiciário passou a editar suas próprias regras, através
das súmulas, criando uma Constituição paralela, que tantas vezes apresenta-se
como o avesso daquela construída e promulgada em 1988. O legislativo
dissociou-se completamente dos anseios da população que elegeu seus
representantes, e age motivado por interesses próprios. Nada representa melhor
a exceção em que vivemos, do que o fato de a Câmara dos Deputados haver cerrado
suas portas, impedindo a entrada do povo, durante as votações dos últimos dias,
inclusive a aprovação do julgamento do presidente usurpador pelo STF.
A jornada de 12h passa a ser o padrão de exploração
do tempo de trabalho. Altera-se a regra do ônus de prova. Regula-se o trabalho
intermitente, em que o empregado só recebe (e só contribui para a previdência)
pelas horas de efetiva prestação de trabalho. Nega-se o pagamento de horas
extras para o teletrabalho. Há mesquinharias como a ridícula retirada do “tempo
de troca de uniforme” do cômputo da jornada. Há perversidades, como a absurda e
criminosa autorização para que gestante e lactante “trabalhem em atividade
insalubre”.
Esse projeto nada mais é do que um arremedo da
cartilha da CNI, promovendo uma inversão tal a ponto de ser possível afirmar que,
não teremos mais uma legislação trabalhista no Brasil; teremos, sim, um código
empresarial. Mais importante do que constatar essa inversão completa na razão
de ser de uma legislação trabalhista é compreender que todos os parâmetros da democracia
constitucional estão sendo solapados.
Aliás, se vivêssemos um governo democrático, o
projeto não seria examinado do modo açodado como foi e, após ampla e verdadeira
discussão social, teria dificuldades em ser colocado em prática. Isso porque
seus dispositivos ferem, do início ao fim, a ordem constitucional insculpida
nos artigos sétimo a décimo primeiro. Ferem, também, as normas internacionais
da OIT, ratificadas pelo Brasil.
O problema é que estamos vivendo a exceção. E num
regime de exceção, as regras do jogo são outras e alteram-se conforme o
interesse de quem detém o poder. O ato fascista de alterar radicalmente o
projeto de lei que deveria apenas examinar, fez com que as regras democráticas fossem
facilmente rompidas porque interessa ao capital suprimir conquistas sociais.
Não havendo mais como falar, portanto, em democracia no Brasil.
Esse nítido processo de “fascistização sem fascismo”,
que já vem ocorrendo e se revela em atitudes francamente xenofóbicas, misóginas
e avessas a direitos sociais, impedem a transição real para uma forma de
organização social inclusiva, que repudie o lucro exagerado do capital
internacional, que promova divisão de terra e renda e garanta o mínimo de
participação e de condições de dignidade para todas as pessoas.
Sob o pretexto (nada atual) da necessidade de
fomentar o desenvolvimento econômico e de “defesa da ordem”, estamos
alimentando um fascismo que potencializa e estimula a violência real e
simbólica. A forma como o Congresso Nacional está lidando com a disforma
trabalhista pode ser compreendida como o desvelamento dessa realidade.
A aprovação desse projeto, porém, não encerra a
luta. Estamos apenas no início de um período de desocultação do fascismo que
nunca abandonou as entranhas do Estado brasileiro e que pode se revelar ainda
mais destruidor nas áreas dos direitos sociais e mesmo dos direitos de
liberdade. Basta pensarmos em como o direito de greve vem sendo (des)tratado
ultimamente, ou na chamada “lei de abuso de autoridade”, que pretende, em meio
as suas proposições, impedir agentes políticos de assumir posições críticas e
socialmente comprometidas com uma realidade menos excludente.
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