domingo, 23 de julho de 2017

Pensatas de Domingo e o fascismo nas novas leis trabalhistas



Por acaso assisti na ultima sexta feira a uma entrevista do ministro do trabalho Ronaldo Nogueira a Mariana Godoy na RedeTV e pude ouvir ao vivo a sua defesa da reforma trabalhista no Brasil, que me remeteu diretamente às posições do corporativismo fascista de Mussolini, quase 100 anos após a chegada ao poder do ditador na Itália. O ministro em dado momento qualificou a luta de classes como pertencente ao passado e defendeu por diversas vezes o corporativismo, um dos pontos altos do fascismo (v. quadro acima). Mas o pior foi quando defendeu o patronato quanto à questão dos acordos entre patrões e empregados dizendo claramente que, ao contrário do que dizem os trabalhadores, aqueles (os patrões) “são sempre muito bem intencionados” (sic)... éécaaa!

É justamente o “aparato normal da democracia burguesa” que viabiliza o estado de exceção, através de leis de emergência, decretos e, sobretudo, mediante uso da força repressora do Estado contra qualquer tentativa de oposição de classe. A pseudo democracia serve, portanto, para impedir a verdadeira transição para um regime democrático, no qual a maioria realmente tenha voz e vez.

O Poder Judiciário passou a editar suas próprias regras, através das súmulas, criando uma Constituição paralela, que tantas vezes apresenta-se como o avesso daquela construída e promulgada em 1988. O legislativo dissociou-se completamente dos anseios da população que elegeu seus representantes, e age motivado por interesses próprios. Nada representa melhor a exceção em que vivemos, do que o fato de a Câmara dos Deputados haver cerrado suas portas, impedindo a entrada do povo, durante as votações dos últimos dias, inclusive a aprovação do julgamento do presidente usurpador pelo STF.

A jornada de 12h passa a ser o padrão de exploração do tempo de trabalho. Altera-se a regra do ônus de prova. Regula-se o trabalho intermitente, em que o empregado só recebe (e só contribui para a previdência) pelas horas de efetiva prestação de trabalho. Nega-se o pagamento de horas extras para o teletrabalho. Há mesquinharias como a ridícula retirada do “tempo de troca de uniforme” do cômputo da jornada. Há perversidades, como a absurda e criminosa autorização para que gestante e lactante “trabalhem em atividade insalubre”.

Esse projeto nada mais é do que um arremedo da cartilha da CNI, promovendo uma inversão tal a ponto de ser possível afirmar que, não teremos mais uma legislação trabalhista no Brasil; teremos, sim, um código empresarial. Mais importante do que constatar essa inversão completa na razão de ser de uma legislação trabalhista é compreender que todos os parâmetros da democracia constitucional estão sendo solapados.

Aliás, se vivêssemos um governo democrático, o projeto não seria examinado do modo açodado como foi e, após ampla e verdadeira discussão social, teria dificuldades em ser colocado em prática. Isso porque seus dispositivos ferem, do início ao fim, a ordem constitucional insculpida nos artigos sétimo a décimo primeiro. Ferem, também, as normas internacionais da OIT, ratificadas pelo Brasil.

O problema é que estamos vivendo a exceção. E num regime de exceção, as regras do jogo são outras e alteram-se conforme o interesse de quem detém o poder. O ato fascista de alterar radicalmente o projeto de lei que deveria apenas examinar, fez com que as regras democráticas fossem facilmente rompidas porque interessa ao capital suprimir conquistas sociais. Não havendo mais como falar, portanto, em democracia no Brasil.

Esse nítido processo de “fascistização sem fascismo”, que já vem ocorrendo e se revela em atitudes francamente xenofóbicas, misóginas e avessas a direitos sociais, impedem a transição real para uma forma de organização social inclusiva, que repudie o lucro exagerado do capital internacional, que promova divisão de terra e renda e garanta o mínimo de participação e de condições de dignidade para todas as pessoas.

Sob o pretexto (nada atual) da necessidade de fomentar o desenvolvimento econômico e de “defesa da ordem”, estamos alimentando um fascismo que potencializa e estimula a violência real e simbólica. A forma como o Congresso Nacional está lidando com a disforma trabalhista pode ser compreendida como o desvelamento dessa realidade.

A aprovação desse projeto, porém, não encerra a luta. Estamos apenas no início de um período de desocultação do fascismo que nunca abandonou as entranhas do Estado brasileiro e que pode se revelar ainda mais destruidor nas áreas dos direitos sociais e mesmo dos direitos de liberdade. Basta pensarmos em como o direito de greve vem sendo (des)tratado ultimamente, ou na chamada “lei de abuso de autoridade”, que pretende, em meio as suas proposições, impedir agentes políticos de assumir posições críticas e socialmente comprometidas com uma realidade menos excludente.



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