sábado, 5 de março de 2011

Situação do movimento trotskista na América Latina. Ontem, hoje... E amanhã?

Leon Trotsky nos últimos anos de vida em seu exílio no México


Ontem

Entre 1923 a 1928, Leon Trotsky, com a Oposição de Esquerda, lutou dentro da própria URSS por uma política de fato internacionalista para a III Internacional. Já exilado, em 1930, organizou a Oposição de Esquerda Internacional. Em 1933, a política triçoeira de Stalin havia levado à derrocada da esquerda alemã e à ascensão do nazismo. Trotsky concluiu que era necessário construir uma nova Internacional. A IV Internacional foi fundada em 1938.
O primeiro brasileiro que teria conhecido Trotsky foi Rodolpho Coutinho, dirigente do PCB, que debateu com o revolucionário russo alguns estudos seus em meados dos anos 1920. Mas foi com Mário Pedrosa (1), que muitas das rupturas do partido avançaram para o trotskismo, rompendo com o stalinismo e fundando a IV Internacional no Brasil.
Pedrosa, pernambucano, veio ao Rio de Janeiro cursar Direito, na época em que Livio Barreto Xavier, procedente do Ceará, estava completando seus estudos na mesma faculdade. Pedrosa, cujas qualidades pessoais despertaram atenções no Partido Comunista, foi enviado pela direção para freqüentar a Escola Leninista de Moscou. Acometido de uma doença enquanto passava pela Alemanha, tomou conhecimento das críticas de Trotsky e da situação da Internacional, recusando-se a seguir viagem e retornando ao Brasil. Formou então, quase imediatamente, o primeiro agrupamento oposicionista brasileiro, o Grupo Comunista Lenine, em 1930 (dentro do próprio PCB), depois a Liga Comunista Internacionalista (LCI), constituindo, assim, no Brasil, o primeiro núcleo de tendência assumidamente trotskista.
Também aderiram à LCI, reforçando seu posicionamento, alguns intelectuais europeus, como o poeta surrealista Benjamin Péret ou o combativo militante trotskista italiano Goffredo Rosini, que desapareceu na Guerra Civil Espanhola, segundo versões confiáveis, assassinado pelas tropas stalinistas. Indo um pouco adiante, no início dos anos 30, o trotskismo chegou a ser mais forte que o PCB em São Paulo.
Finalizando, como diz Edgard Leuenroth (2) em seu abrangente estudo sobre o trotskismo no Brasil: “(...) Agrupados em pequenas organizações, ao longo desta trajetória de mais de sete décadas, os trotskistas brasileiros não lograram, excetuando-se ocasiões específicas e determinadas, obter audiência de massa. Isto, todavia, não os impediu de demarcar seu campo e difundir as posições políticas de Trotsky, em especial sua ênfase na defesa da autonomia e da independência da classe operária e das suas organizações políticas, contrapondo-se vigorosamente às tendências acomodatícias, fortemente influenciadas pela defesa da política externa da extinta União Soviética, das variantes comunistas caudatárias das posições de Josef Stalin. Além disso, entre vários aspectos que merecem ser destacados, coube aos trotskistas brasileiros produzir instigantes interpretações sobre a história política do Brasil, como, por exemplo, a feita por Pedrosa e Xavier sobre a chamada Revolução de 1930 e difundida por Fausto, como o destacaram Marques Neto e Silva...”

Entrei para o Partido Operário Revolucionário - Trotskista (POR–T) (3), Seção Latino-Americana da IV Internacional – posadista) (4) em 1965, por discordar da orientação stalinista ou pós stalinista, tanto do PCB quanto do PCdoB, este, à época chamado de “Linha Chinesa”. E por também não estar de acordo com o pensamento de organizações "foquistas" e aventureiras.
Entretanto, de lá para cá, desde que me afastei da militância política em partidos, perdi o fio da meada. O que constatei, principalmente após o advento da internet --que muito facilitou minhas pesquisas--, foi o fato de que existem várias correntes trotskistas em nosso continente. Antes da web, no entanto, encontrava-me completamente desinformado. Cheguei a publicar neste blogue um ensaio como este, porém muito mais incompleto.

Hoje

No movimento trotskista brasileiro, atualmente vamos constatar três tendências. As mandelista, lambertista e morenista (vamos vê-las adiante), em frações despedaçadas por algumas divergências estratégicas, mas não completamente antagônicas. Em 1963, houve uma tentativa de unificação em torno do Secretariado Unificado, que não conseguiu reunir todos os trotskistas. Os posadistas, o Comitê Internacional e a Organização Comunista Internacionalista, ambos liderados por Pierre Lambert ficaram de fora, frustrando todo e qualquer esforço de unificação.
Desde a década de 1970, diversas organizações que reivindicaram as posições da corrente trotskista internacionalmente com o Partido de los Trabajadores Socialistas e depois o Movimento al Socialismo, cujo fundador e principal dirigente foi Nahuel Moreno, corrente internacional que hoje se organiza na Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI). No Brasil o PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado) está ligado a esta tendência.
Nos anos 1960/70 a onda “foquista” (5) atingiu parte da IV Internacional (Secretariado Unificado), a organização mais forte do movimento trotskista naquele período. Orientados pela direção majoritária de Ernest Mandel, que capitulara à orientação “foquista” (guevarista), muitas seções nacionais do SU – especialmente na Argentina e na Bolívia – aderiram à luta armada, sendo completamente dizimadas nessa atitude “aventureirista”.
E hoje? Vamos tentar (6) decupar como estão aqui na América Latina as facções no movimento que surgiu com a Oposição de Esquerda Internacional liderada por Trotsky contra os caminhos tomados por Stalin em sua teoria (antítese aos pensamentos de Marx) da construção do “socialismo em um só país”.
Existem a LIT– QI (Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional), o PTS (Partido de los Trabajadores Socialistas) argentino, cisão do MAS (Movimento al Socialismo) tambem argentino e da LIT– QI, o POR (Partido Obrero Revolucionário) boliviano, a FT– QI (Fração Trotskista – Quarta Internacional) e a LER– QI (Liga Estratégica Revolucionária – Quarta Internacional), isto para citar as mais representativas. Nos Estados Unidos o SWP (Socialist Works Party) separou-se do pensamento trotskista em 1985, mas foi fundado em 1938 por apoiar Trotsky numa cisão da Liga Comunista da América.
Fica deste resumo uma realidade bastante clara: a falta de unidade do movimento. Um fator muito comum às esquerdas de um modo geral (7).
A direita sempre pensa de forma uníssona, por defender algo muito material, a propriedade e o poder constituído. Desde a Revolução Francesa (1789) isto ficou bastante evidente. Pouco mais de um ano depois, a divisão das esquerdas facilitou o golpe de 18 de Brumário. E o início do império Napoleônico.

E amanhã?

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1. Mario Pedrosa, para além de um militante político e o iniciador da Oposição de Esquerda Internacional no país, foi um grande e respeitado crítico de arte e de literatura, tendo exercido este papel no Correio da Manhã e posteriormente no Jornal do Brasil. Inicialmente filiado ao PCB, foi expulso em 1929 por suas ligações com o movimento trotskista. Ao lado de Lívio Xavier, Arisitides Lobo, Benjamin Péret e Fúlvio Abramo fundou a Liga Comunista ligada à Oposição de Esquerda Internacional.
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3. Antes disso, em meu primeiro contato com uma organização política de esquerda, mantive contatos com a POLOP (Política Operária) também de tendência trotskista.

4. No começo dos anos 1960, um novo grupo destacou-se da IV Internacional, a facção liderada pelo argentino J. Posadas (pseudônimo de Homero Cristali), que desenvolveu uma concepção terceiro-mundista da revolução mundial. Fiz parte desta corrente, no entanto tinha muitas discordâncias quanto a certas direções e posições traçadas por Posadas. Tentamos, eu e o falecido (e saudoso) companheiro e grande amigo Ruy Raposo, uma aproximação com a IV Internacional européia (8), mas foi impossível estabelecer contatos em plena ditadura militar no país.

5. O “foquismo" foi uma tendência de vários setores da esquerda que achavam a guerrilha a única solução para as Américas e todo o Terceiro Mundo.

6. Quando digo tentar, quero me referir às fontes bastante incompletas, com cada partido tentando reivindicar para si uma posição autêntica; o que até parece compreensível, mas lança uma onda de incertezas no tocante às suas diretrizes.

7. Existe uma tentativa intitulada “Refundação da IV Internacional”, cujo primeiro encontro foi em Buenos Aires no ano de 1997, mas nem todas as tendências se integraram a ela.

8. Na mesma ocasião contatamos --o Ruy e eu-- o MCI (Movimento Comunista Internacionalista), organização dirigida por Hermínio Sacchetta, antigo militante trotskista no Brasil, a quem tive a satisfação e orgulho de conhecer. Fomos, no entanto surpreendidos com a queda do POR-T no Rio de Janeiro, fruto de infiltrações de agentes da repressão, devido à imprevidência e descuido de alguns companheiros, não prosseguindo os entendimentos com o brilhante Sacchetta e sua organização.
Veja mais detalhes   em http://novaspensatas.blogspot.com/2008/11/o-dia-em-que-conheci-um-mito.html 

Outras fontes:

10 comentários:

Tupamaro disse...

Excelente este seu "post" sobre assunto tão importante de ser assuntado.
León Trotzky foi um baluarte da luta da esquerda contra Staline, na verdade um ditador de direita.

Jonga Olivieri disse...

Olha aqui, meu bom "guerrilheiro"... Stalin (ou Staline, como você disse, e muitos o tratam desta forma), não somente foi um ditador de direita mesmo, como "queimou" em consequência de seus atos, devidamente seguidos por seus sucessores da "momenklatura", em outras palavras, da burocracia soviética as possibilidades da revolução prosseguir o seu curso histórico.
O que aconteceu de fato naquele país é que ficou provado que é impossível construir o socialismo "num só país", tese principal no discurso de Trotsky, que aliás fôra citada pelo próprio Marx... Portanto ainda no século XIX. E obviamente que uma revolução anti burguesa não poderia estar numa nação, um conceito burguês do estado.
Stalin foi um oportunista que soube habilmente encontrar o momento para dar um golpe de estado, aproveitando a doença de Lênin em sua fase final.
Eliminou um a um, toda a velha guarda bolchevique. “Suicidou” Maiakowski, e, praticamene baniu Sergei Eisenstein, o grande cineasta soviético que não aceitou suas teses sobre arte ao criar, sim, ao criar o "Realismo Socialista", no fundo uma arte de endeusamento de si mesmo e suas "obras".
Hoje, as lutas sociais estão num impasse mundial por causa do processo iniciado por ele. Cabe à esquerda moderna tentar novos caminhos. Porque eles existem. Mas a classe dominante, ludibria as massas com o discurso do fim das ideologias, criando uma nova ideologia, a partir desta própria tese.

Joelma disse...

Mas que que é isso minha gente.
Cada postagem melhor do que a outra. Longas e gostosas de ler.
Não sabia deste seu passado "heróico" de luta contra a ditadura e a favor de uma sociedade mais justa.
E essa tua pesquisa sobre o Trotiskismo na América Latina é bem informativa para quem gosta de História Política, que nem eu.

Jonga Olivieri disse...

Olha, a coisa foi mais "barra pesada" do que "heróica". Já contei alguns casos nesta blogue em narrativas como a ida de Brasília a Salvador; uma viagem cheia de incidentes, mas "nos finalmente" uma história engraçada.
Só que conto como se eu fosse um outro personagem, pois usava outro nome quando comecei a escrever a série.
Uma consequência dos "anos de chumbo", quando todos nós tinhamos codinomes.

Popeye disse...

Que profundidade, que seriedade ao encarar uma análise como esta com a seriedade que ela merece.
Não quero aqui me adenrar por simpatias ou não. De saídas possíveis ou não. Mas do que se acredita e tem fé.
E a sua remove montanhas.

Jonga Olivieri disse...

A "verdade" é mesmo de cada um. A "fé" em algo oualguma coisa também.
Eu sempre tive fé em Trotsky. E sua teses, a histótia comprovou verdadeiramente, 60 anos após a sua morte quando sesabou o "império soviético" e tombou o Muro de Berlim.
Não é à tôa que Isaac Deutscher o nomeou "profeta" na trilogia fantástica que escreveu sobre ele: "O Profeta Armado", "O Profeta Desarmadao" e "O Profeta no Exílio". Se não leu, procure.
Ele (Deurscher) tem também uma biografia de Stalin, na qual o nomeia o "Grão Czar de todas as Rússias".
Ironias da história... Por acaso o título de outro grande livro, apesar de não tão volumoso quanto os outros acima citados;

J.L.Tejo disse...

Excelente postagem.

Penso, todavia, que poderia ser citado, como motivo de degeneração da IV Internacional, o "pablismo" (de Michel Pablo), que, além de liquidacionista (e também por isso), deu origem às cisões da IV.

A história deixou claro que o stalinismo -recuado, binário, conservador, oportunista, direitista- fracassou, estando relegado à lata de lixo da História. A revolução "do amanhã" é com a base da IV em diante.

Jonga Olivieri disse...

Obrigado pela contribuição, J.L. Tejo.

Anônimo disse...

Neste parágrafo você faz uma salada com as organizações e internacionais:

"Existem a LIT– QI (Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional), o PTS (Partido de los Trabajadores Socialistas) argentino, cisão do MAS (Movimento al Socialismo) tambem argentino e da LIT– QI, o POR (Partido Obrero Revolucionário) boliviano, a FT– QI (Fração Trotskista – Quarta Internacional) e a LER– QI (Liga Estratégica Revolucionária – Quarta Internacional), isto para citar as mais representativas."

Dividindo por internacionais:
LIT-QI- Morenista (liga internacional dos trabalhadores, quarta inter.): Principais correntes são o PSTU brasileiro, MAS português, PST colombiano, Corriente Roja espanhol, e PdAC italiano.

FT, Fração trotskista: Rompeu na década de 80 com o morenisno e consequentemente com a LIT. As principais sessões são a LER-QI brasileira, e o PTS argentino (que na explosão do MAS argentino, angariou a maior parte dos militantes).

Ainda das internacionais pode-se citar as qe hj contam com pouco peso na realidade como o CRCI, CITO (CST no Brasil - corrente do psol) , WIFI (MNN no Brasil).

Jonga Olivieri disse...

Meu caro Anônimo, completamente anônimo, postei o seu comentário, apesar de não fazê-lo de anônimos completamente anônimos... Porque vc demonstra um certo conhecimento do movimento trotskista na América.
Ao ler esta postagem, deve ter visto q militei na “Seção Latino Americana da IV Internacional (Posadista)... Bom, J. Pousadas, que já não me convencia por completo, começou a despencar totalmente no meu conceito, quando começou a falar de “discos voadores” ‘y otras cositas más’... Mas aí caímos... Quem não foi preso fugiu, escondeu-se por esses brasis afora. Como eu! Fiquei vagando de casa em casa, de sítio em sítio... Bom, isso não vem muito ao caso...
O q importa é que hoje tenho contatos... Veja bem, contatos e não militância com a LBI-QI, mas, apesr de considerá-los e repeitá-los, bate a dúvida. E, me pareceu q vc tem algum conhecimento do trotskismo hoje; e eu quero muito conhecer mais sobre isso