sábado, 10 de setembro de 2011

O futebol e a política: José Mourinho e a violência fascista



Este texto é de autoria do Professor Jorge Vital de Brito Moreira, colaborador deste blogue em Wisconsin (EUA).

I

Finalmente pude assistir ao vídeo acima que registrou a cena insólita do futebol internacional: José Mourinho, técnico do “Real Madrí”, enfiou o dedo indicador direito no olho direito de Tito Vilanova, o auxiliar técnico de Pepe Guardiola, o técnico principal do “Barcelona”.
Onde, quando e porque sucedeu esta violenta agressão de José Mourinho contra Tito Vilanova?
Para os que ainda não conhecem os fatos, a agressão mencionada aconteceu no Camp Nou, em Barcelona, no dia 17 de agosto deste, no final do jogo decisivo entre o Barcelona e Real Madrí pela conquista da Supercopa da Espanha 2011.
Neste jogo de futebol, a equipe do Barcelona conquistou a ambicionada Supercopa depois de ganhar a partida contra o Real Madrí pelo placar de 3 x2 .
Mas a vitória do Barcelona provocou o ódio dos jogadores do Real Madrí e a dois minutos do final da partida, Marcelo (o jogador brasileiro), desequilibrado pela dor e pela impotência, fez uma falta violentíssima (uma tesoura “assassina”) contra o jogador Cesc Fabregas do Barcelona.
Esta agressão “criminal” resultou na expulsão de Marcelo do campo, além de provocar a indignação e os protestos dos torcedores e a reação negativa dos jogadores do Barcelona que trataram de revidar a covarde agressão.
Aparentemente, foi a má conduta de Marcelo o fator que gerou o conflito de paixões e a subsequente batalha campal entre jogadores de ambas as equipes.
Digo aparentemente porque desde a derrota do Real Madrí contra o Barcelona no jogo de 29 de novembro de 2010 pelo placar de 5x0, os jogadores do clube madrilenho (sob o comando do técnico português José Mourinho) têm mostrado um constante comportamento condenável: toda vez que perdem o jogo para o Barcelona, eles apelam para a violência contra os jogadores da equipe catalã.
O resumo anterior dos fatos passados, nos proporciona o direito de pensar hipoteticamente que a orientação de José Mourinho aos seus jogadores poderia ser a seguinte: -Toda vez que não possamos ganhar o jogo contra a equipe do Barcelona devemos apelar para a violência para desabafar nossa frustração e amedrontar à equipe rival.
Assim, a hipótese anterior foi validada recentemente no jogo final pela Supercopa da Espanha quando assistimos ao vídeo mostrando a José Mourinho aproveitando a briga entre os jogadores para atacar covardemente o Sr. Tito Vilanova.
Para o azar do treinador do Real Madrí, a câmera de TV registrou o exato momento em que Mourinho caminhou em direção a Tito Vilanova e enfiou o seu dedo indicador da mão direita no olho direito do assistente de Pepe Guardiola.
Depois de ver José Mourinho meter o dedo no olho do Vilanova (inacreditável) as únicas palavras que pude emitir para classificar o abominável comportamento do arrogante treinador foram: Mourinho não passa de um técnico psicopata, violento e covarde.
Mourinho também foi exposto como um indivíduo mentiroso e cínico durante a entrevista que ele deu à imprensa depois de sua conduta criminosa: sem saber que a câmera de TV gravou a sua conduta violenta contra Vilanova, mentiu para os repórteres, dizendo que ele não fez nada agressivo contra ninguém; que ele não sabia quem era "Pito" Vilanova.
Ou seja, Mourinho, numa atitude extremamente desonesta, tratou de enganar os repórteres na frente das câmeras de TV, negando ter conhecimento de alguém com o nome de "Pito" Vilanova, isto é, da pessoa que ele tentou furar o olho minutos antes.
Creio que deveríamos perguntar seriamente se há algo latente no comportamento manifesto de José Mourinho e nas instruções que da à sua equipe; algo por detrás das aparências; algo que não pode ser percebido à primeira vista, mas que pode ser articulado quando começamos a analisar estes violentos (e constantes) eventos sob a perspectiva da história social espanhola, da crise econômica global, e da barbárica repressão que têm usado os estados capitalistas para responder às manifestações de protesto contra o neoliberalismo.

II

A violência sistemática que os jogadores do Real Madrí e seu técnico José Mourinho tem recorrido contra os jogadores e técnicos do Barcelona no campo de futebol (cada vez que é derrotado pela equipe catalã) é preocupante e ameaçadora pois esta violência campal evidencia um forte paralelismo com as formas neofacistas que o Estado Espanhol e Europeu têm utilizado recentemente para reprimir as manifestações de protestos contra o poder do capital financeiro neo liberal que conduziu a nossa sociedade para uma das piores crises capitalistas de todos os tempos.
Para ampliar o tratamento deste urgente problema, devo recorrer rapidamente a historia social de Espanha destacando a estreita relação entre o esporte e a política ou mais especificamente entre o futebol e a ditadura franquista.
No passado, o ditador Francisco Franco aliou o poder do Estado ao da Igreja Católica e utilizou o time do Real Madrid entre outras coisas para submeter e controlar mais eficazmente a população espanhola. Durante longo período, a ditadura de Franco prendeu, torturou e matou centenas de milhares de espanhóis (entre eles o poeta Garcia Lorca) destacando-o como um dos maiores genocidas da historia Européia, junto a Hitler na Alemanha e Mussolini na Itália.
Foi durante essa época que as tropas franquistas assassinaram (por fuzilamento) ao presidente do Barcelona Josep Suñyol na serra de Guadarrama e até hoje, no âmbito futebolístico, muitos espanhóis se ressentem não somente do assassinato de Suñyol mas também do fato de que o estádio do Real Madrí na capital do pais seja identificado pelo nome de um destacado fascista: Santiago Bernabéu.
Vejam:
Recentemente, a atual conivência ou cumplicidade (direta ou indireta) do Sr. Florentino Perez, o presidente do Real Madrí, com a fome de poder e a conduta vergonhosa do técnico José Mourinho e de seus jogadores tem sido objeto de importantes denúncias feitas pelos críticos desportivos contrários ao uso e abuso da violência como meio de dirimir diferenças no futebol.
A elevação do tom da critica contra o presidente do Real Madrí deve-se também ao conhecimento pela opinião pública da estreita relação que Florentino Perez mantém com o capital financeiro internacional destacada pelas milionárias contratações dos jogadores Cristiano Ronaldo (94 milhões de euros), Zinedine Zidane (77 milhões de euros) e Kaká (65 milhões de euros).(1)
Do outro lado, também é sabido que José Mourinho (que recebe um salário de 10 milhões de euros no Real Madrí), é um reconhecido devoto da religião católica (um papa hóstia que reza por quase tudo), que reza para que deus lhe dê de presente as vitórias nos jogos de futebol contra os times rivais, principalmente contra o Barcelona. Vejam:
Para lograr o seu objetivo, Mourinho também compra crucifixos para presentear a seus jogadores e não perde a oportunidade de ir ao Vaticano para beijar fervorosamente a mão do Papa inquisidor Bento XVI (também reconhecido por ocultar e encobrir os crimes sexuais de pedofilia dos padres e bispos católicos contra crianças da Inglaterra, México, EUA, Espanha, etc). Vejam:
Como se pode deduzir, a violência no futebol de José Mourinho não só reproduz o mal exemplo (destrutivo e barbaresco) para a conduta dos pais, filhos jovens e suas famílias; ela também funciona para legitimar os métodos fascistas do Estado a serviço da ditadura do capital financeiro contra a nossa sociedade civil.
É através desses métodos ilegítimos que a classe dominante trata de justificar o processo de naturalização da violência contra a oposição política e contra os movimentos de resistência à opressão do Estado burguês diante da crise econômico-social na nossa sociedade.
A curto e a médio prazo devemos nos unir para condenar todo e qualquer uso e abuso dos métodos destrutivos e barbarescos para dirimir as diferenças sociais sejam nos esportes, no futebol ou na sociedade.
Logicamente que devemos nos preparar para combater os argumentos fascistas ou neo liberais dos defensores da dominação, da opressão e da exploração capitalista contra os seres humanos pois estes argumentos estarão sempre contra a mudança social.
Por todas essas razões, acredito fielmente que só poderemos mudar radicalmente a situação de violência a longo prazo (dentro e fora dos gramados) se formos capazes de entender que o capitalismo é o maior inimigo dos esportes como atividade lúdica (como valor de uso) para divertir os seres humanos e não para produzir dinheiro, lucro, juro e dominação política.
Só poderemos libertar o futebol da violência e da prisão do seu valor de cambio, da sua corrupção econômico política, se formos capazes de estabelecer uma nova sociedade: uma sociedade radicalmente diferente, inimiga do modo de produção social denominado capitalismo.
O estabelecimento de uma nova ordem social funcionaria humana e ludicamente entre homens e mulheres porque terminaria o reinado do dinheiro, do lucro, dos juros e da corrupção capitalista (2); acabaria com a propriedade dos meios de produção, com a exploração e a opressão pois não existe outro caminho para conseguir a participação e justiça social para todos os seres humanos (3) dominados, explorados ou excluídos pelo capitalismo.
Naturalmente que os ideólogos e propagandistas da direita (neoliberais ou fascistas), servidores dos interesses das grandes corporações dirão sempre (não se cansam de repetir) nos jornais, nas rádios, nas TVs, nas escolas, nas igrejas que é necessário (para “o bem de deus, da família e da propriedade”) defender o uso da violência pelo Estado e pelas instituições religiosas, civis ou militares, porque existem muitos indivíduos desordeiros, delinquentes, pecadores e criminosos (“os maus elementos”) que tem que ser punidos (pelos “bons cidadãos”) por serem malfeitores.
Outros propagandistas submetidos ao discurso hegemônico dirão que é uma grande fantasia, utopia, anarquismo, radicalismo, socialismo, ou comunismo propor a existência de uma sociedade sem violência; para logo implicar que as pessoas que sugerem este tipo de sociedade estão loucos ou estão recrutados por terroristas.
Para concluir, eu gostaria de compartir com os leitores a minha esperança e fé mais profunda: só existe um modo seguro de acabar com a violência como modo antidemocrático e fascista de dirimir as diferenças entre classes sociais, nacionalidades, religiões, sexos, raças, gerações e equipes de futebol: é preciso viver e conviver em uma sociedade diferente, em uma sociedade não violenta. Para isso, é imprescindível que edifiquemos uma nova ordem social e humana na qual os capitalistas, as suas instituições (como a FIFA por exemplo) e o seu Estado burguês desapareçam para sempre deste planeta.

1) Aqui, o torcedor pode perguntar: onde é que Florentino Perez e o Real Madrí conseguiram tanto dinheiro, quando sabemos que a economia espanhola (como tantas na Europa) está sendo profundamente golpeada pela crise financeira e o dinheiro para emprestar a pequenas e medias empresas (as que realmente empregam grandes contingentes de trabalhadores) desapareceu da circulação monetária? A resposta a essa pergunta pode ser encontrada no lúcido artigo "Cristiano Ronaldo, Jacques Diouf e Jeff Lawrence" por Francisco Sanchez Umpiérrez:

2) A corrupção dentro das organizações futebolísticas tem ido em aumento com o passar dos anos: desde as comissões parlamentares de inquérito do governo brasileiro para averiguar as denuncias de corrupção do ex-presidente da CBF e da FIFA João Havelange até as recentes acusações de corrupção pela direção da FIFA sob o comando de Joseph Blatter, o atual presidente da FIFA.
Até onde chega meu conhecimento, nenhum livro registrou mais valentemente o caráter corrupto, mafioso e imperial da FIFA que o escrito por David Yallop “Como se robaron la Copa”.


3) Para uma visão ampliada e detalhada das relações entre a riqueza de poucos e a pobreza de muitos dentro do futebol vejam meu texto “Lo lúdico, mercado, ideología y política en la Copa Mundial” no link abaixo:

6 comentários:

Jonga Olivieri disse...

Antes de qualquer coisa é brilhante a correlação --neste texto do Professor Moreira-- entre a violência no futebol e a violência do sistema capitalista. Coisa pouquissimo explorada até pela imprensa alternativa e/ou independente!
Valeu professor. Grande aula!

André Setaro disse...

Concordo plenamente, Jonga. Grande e atualíssima aula do nosso Professor Jorge Moreira.

Jonga Olivieri disse...

É bom ver isto reconhecido por outro Professor, também baiano... Muito bom mesmo! E agradeço aqui por ele!

Simey Lopes disse...

Gostei do texto, concordo que é uma grande aula.
Uma que veio a cabeça, quando ele citou no final a ordem social e humano onde o capitalismo desaparece, já ouvi isso uma vez quando estudei sobre o comunismo, é a ideia básica do mesmo certo? Penso que seja onde e quando for, se houver pessoas, dinheiro e status envolvido uma hora haverá violência, não tem jeito. Mas ter a ideia utópica é motivador.

Jonga Olivieri disse...

Sim, Simey, a ideia –no mundo moderno-- é originariamente de Marx.
Mas, observo, a palavra “comunismo” foi muito desgastada no século 20 pela presença do stalinismo que gerou a “burocracia soviética”, também conhecida com “momenklatura”.
O que aconteceu? Resumindo, a partir de Stalina assumir o poder na URSS criou a teoria da “construção do socialismo em um só país” à qual Trotsky se opôs veementemente, pois seria impossível um conceito (burguês) de nação numa sociedade, nem ainda comunista, mas socialista que seria a sua primeira etapa.
Stalin insistiu no erro à base de sangue e massacre... Algumas décadas após, o sistema caiu de podre. Bom, parte desta história você, apesar de muito jovem, presenciou.
A burguesia internacional (hoje, o capital é internacionalizado) aproveitou-se da confusão pós queda da URSS e generalizou as ideias de Marx, que forma usadas (oportunisticamente) pelo poder do que se pode chamar de o maior país que possuiu um “capitalismo de estado”, a União Soviética.
Espero poder ter contribuído!

Jonga Olivieri disse...

Adendo: Stalin talvez tenha sido o mais sanguinário de todos os ditadores (que abundaram no século 20)...