segunda-feira, 3 de setembro de 2012

“Não temos República nem democracia consolidadas”


Por Graziela Wolfart
Publicada no Boletim 89 de ControVérsia

Na visão da socióloga Maria Victoria de Mesquita Benevides, ainda predomina na cultura política brasileira o poder oligárquico e a defesa de privilégios que perpetuam uma forma naturalizada de patrimonialismo. Portanto, conclui, “não temos República nem democracia consolidadas”

Apoiadora da proposta de extinção do Senado, a professora e cientista política Maria Victoria de Mesquita Benevides  defende que a construção da democracia passa necessariamente pela ética na política. “Os fins não justificam os meios. Há décadas defendo a reforma política, cada vez mais relevante. Acredito que a adoção de formas de democracia direta e participativa poderiam reduzir os defeitos da representação, assim como modificações no sistema eleitoral poderiam aumentar a representatividade democrática. Defendo, ainda, o financiamento público das campanhas eleitorais. Tudo isso com regras claras e sob o controle da sociedade”. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, ela lamenta que “infelizmente, o povo não confia nos partidos e menos ainda na política. Isso é péssimo, porque mina a crença na atividade política como possibilidade de transformação e desenvolve apatia em relação ao bem público, assim como provoca, por exclusão, saídas individuais e não democráticas”.
Socióloga, com especialização no campo da Ciência Política e do Direito e em temas da História Política brasileira e da Educação, Maria Victoria Benevides  realizou seus estudos universitários na PUC-Rio, nos Estados Unidos e na França. Tem mestrado, doutorado e livre-docência pela Universidade de São Paulo – USP. É professora aposentada da USP e autora de, entre outros, Desafios para a democracia no Brasil (Rio de Janeiro: CEDAC/Oikos, 2005) e A Comissão de Justiça e Paz de São Paulo: Da ditadura à democratização (São Paulo: Lettera.doc, 2009).

Confira a entrevista:

IHU On-Line – Existe ainda no Brasil a política de oligarquias e do patrimonialismo?
Maria Victoria de Mesquita Benevides – Sim. Ainda predomina na “cultura política” brasileira o poder oligárquico e a defesa de privilégios que perpetuam uma forma “naturalizada” de patrimonialismo. Portanto, não temos República nem democracia consolidadas. Mas ainda teremos.

IHU On-Line – Quais as diferenças entre alianças políticas e alianças eleitorais?
Maria Victoria de Mesquita Benevides – As alianças políticas expressam (ou deveriam) afinidades programáticas, doutrinárias ou, quiçá, ideológicas. As eleitorais são apenas coligações de momento, visando, como diz o nome, a maximização de votos numa determinada eleição. A partilha do poder deveria valer só para as alianças políticas.

IHU On-Line – Quais os partidos políticos no Brasil, hoje, poderiam realmente fazer aliança política levando em conta sua trajetória ideológica?
Maria Victoria de Mesquita Benevides – Hoje é uma resposta difícil, porque a trajetória de alguns partidos mudou muito. Já tivemos alianças políticas que dividiam o espectro esquerda/direita e os centros. Hoje, esse quadro não tem mais nitidez.

IHU On-Line – Como a senhora avalia que o PT tem se posicionado em relação às alianças que vem estabelecendo desde o primeiro mandato do governo Lula?
Maria Victoria de Mesquita Benevides – Continuo filiada ao partido (em São Paulo, apoio a candidatura de Fernando Haddad) e acredito que o PT possa sair da crise, que se arrasta. Mas nunca concordei com o pragmatismo exagerado de certas alianças, seja para cortejar empresários, usineiros e banqueiros, seja para conseguir o apoio de “inimigos” como Collor, Sarney, Maluf, Jader Barbalho et caterva.

IHU On-Line – Em que sentido o PT mais mudou em relação à sua ideologia desde sua fundação até os dias atuais? Qual a influência das alianças nesse sentido?
Maria Victoria de Mesquita Benevides – Desde a vitória de Lula, a mudança pragmática vem ocorrendo em nome da prudência (medo, pelo exemplo do golpe contra o Allende), e, depois, em nome da governabilidade, pelo apoio no Congresso. Compreendo esse pragmatismo, mas creio que Lula venceu e se reelegeu com tal popularidade que poderia voltar ao programa do partido, dos movimentos sociais, da militância mais aguerrida. Faço questão de afirmar, no entanto, que a atuação do governo Lula em relação aos direitos humanos, através da Secretaria Especial dos Direitos Humanos – SEDH, representa um formidável avanço democrático. Assim também a política externa.

IHU On-Line – Como a senhora se sente – como cidadã, cientista política e ex-presidente da Comissão de Ética Pública – em relação aos rumos da política representativa no Brasil hoje?
Maria Victoria de Mesquita Benevides – Continuo defendendo que a construção da democracia passa necessariamente pela ética na política. Os fins não justificam os meios. Há décadas defendo a reforma política, cada vez mais relevante. Acredito que a adoção de formas de democracia direta e participativa poderia reduzir os defeitos da representação, assim como modificações no sistema eleitoral poderiam aumentar a representatividade democrática. Defendo, ainda, o financiamento público das campanhas eleitorais. Tudo isso com regras claras e sob o controle da sociedade.

IHU On-Line – O que representa para a sociedade brasileira a realização do julgamento do mensalão? Algo mudará em relação à imagem da política para o povo brasileiro?
Maria Victoria de Mesquita Benevides – Não apostaria nessa hipótese. Infelizmente o povo não confia nos partidos e menos ainda na política. Isso é péssimo, porque mina a crença na atividade política como possibilidade de transformação e desenvolve apatia em relação ao bem público, assim como provoca, por exclusão, saídas individuais e não democráticas.

IHU On-Line – A senhora continua defendendo a extinção do Senado?
Maria Victoria de Mesquita Benevides – Sim. Concordo com a tese defendida pelo jurista Dalmo Dallari . Haverá, no entanto, a necessidade de rever os pisos para a eleição de deputados federais, eliminando as conhecidas distorções.

IHU On-Line – Percebe que, apesar do longo período de democracia existente no Brasil, continuamos com uma cultura política calcada no compadrio, no coronelismo e no clientelismo?
Maria Victoria de Mesquita Benevides – Sim. É muito difícil mudar uma cultura tão arraigada. Por isso, defendo várias formas de educação política. Nossa Escola de Governo é um microexemplo; mas já existem várias experiências de formação para a cidadania ativa, no sistema de ensino, nos sindicatos, nas ONGs, no nível local, etc. Para tanto, o acesso aos meios de comunicação e a atividade das redes sociais é fundamental. Conheço algumas experiências, com o entusiasmo de jovens, muito promissoras. Sou otimista, como dizia Gramsci: pessimista no diagnóstico, otimista na ação.

5 comentários:

Joelma disse...

Excelente entrevista e a prova de que, apesar do Lula, ainda sobrou "gente boa" no PT. (rs)

André Setaro disse...

A entrevistada, ainda que pessoa bem informada e preparada, não merece muita confiança, porque dança com o petismo.

Anônimo disse...

Acho que vocês ficam muito presos a receitas" como ela ser filiada ao PT.
Qual o partido que vocês acham que merece se estar afiliado?
Será que qualquer um deles vai dar uma saída diferente se vencer?
Se estiverem em dúvida, perguntem ao Jonga!

L.P.

Jonga Olivieri disse...

Na minha opinião, se algum partido oferecer perigo (de fato) ao 'estableshment' ele simplesmente será fechado.

Anônimo disse...

Tá certo Jonga!
L.P.