domingo, 20 de janeiro de 2013

Uma sociedade no divã


Jorge Vital de Brito Moreira

Meus caros,

Amigos perguntam porque não tenho colaborado com novos ensaios para “Rebelion.org” e para “Novas Pensatas”. Estão curiosos querendo saber o que aconteceu (a níveis pessoal e social) para que tenha diminuído a frequência na produção  de textos.

Tratando de unir o útil ao agradável, responderei as perguntas dos amigos apresentando um texto (pequeno, limitado por falta de tempo) sobre este e outros assuntos relacionados.

Em nível pessoal, a resposta é simples: dada a crise econômica e o desemprego massivo nos EUA; dado a queda salarial e do nível de vida dos trabalhadores; dado os recortes dos serviços sociais, nós, participantes da classe media, somos forçados (pela necessidade de sobreviver) a trabalhar durante um maior número de horas para manter o nível de vida familiar, compatível com um padrão minimamente aceitável. Em síntese, dadas as necessidade de comer e subsistir, nós, professores (universitários e não universitários) do país, temos que usar o tempo disponível, para conseguir um segundo ou um terceiro emprego para sobreviver.

Em nível social, a resposta é mais complexa, mas nada de transcendental aconteceu ainda. Apesar da gigantesca crise econômica e da consequente desmistificação do neo liberalismo e da globalização; apesar do aumento da consciência política e do retorno à leitura das obras de Karl Marx (O Capital) e ao conceito de luta de classes (negado faz mais de 30 anos pela classe dominante, seus intelectuais orgânicos, e sua media corporativa), ainda não existem respostas decisivas dos sujeitos históricos coletivos e dos movimentos de resistência ao capitalismo. 

Apesar dos avanços políticos das classes oprimidas, ainda não existe uma poderosa aliança entre a classe trabalhadora, o movimento “Occupy Wall Street” (Ocupem Wall Street), o movimento feminista, o movimento gay, o movimento ecologista, o movimento pela emancipação do negro e do latino para construir um projeto coletivo de transformação da sociedade frente à exploração e à dominação da minoritária classe dirigente capitalista.

Muitos teem sido os fatores que retardam o desenvolvimento das alianças entre os movimentos que representam os interesses dos oprimidos. Entre esses fatores, se encontra um dos mais importantes, a violência do Estado do país , mas não me deterei aqui na denúncia da recente repressão dos aparatos policiais contra “Occupy Wall Street” e outros movimentos de resistência.Nem analisarei o papel da media corporativa, da educação, da igreja na manutenção do "status quo"e da hegemonia da burguesia sobre o resto da sociedade.

Neste texto, me concentrarei na violência dos EUA contra os povos de nações estrangeiras, e como a maior responsável na produção de desastres, deslocamentos, traumas, crises e “Post Traumatic Stress Disorder” (Transtorno por Estresse Pós-Traumático), nas vítimas. 

Tratarei de expor (seguindo as noções de hegemonia e consenso do filósofo Antonio Gramsci) como a ideologia da maioria dos profissionais da área de Saúde Mental, da Psicoterapia e do aconselhamento psicológico (Counseling) dos EUA, funciona também como mais um mecanismo de mistificação da consciência dos indivíduos, contribuindo para assegurar o "status quo", a hegemonia, a legitimação da exploração e a dominação dos oprimidos pela classe dirigente do sistema capitalista.

As evidências teem mostrado que existe uma estreita relação entre a crise socioeconômica, o aumento da população desempregada, e a elevação do número de indivíduos afetados por sintomas de doença mental. Em poucas palavras, podemos observar que a crise socioeconômica atual ampliou notavelmente a demanda dos estadunidenses pela ajuda dos profissionais da área de saúde mental.

Mas pesem as evidências de que os milhões de desempregados não tem ingresso econômico para bancar qualquer tipo de seguro médico, a maioria dos profissionais da área de Saúde Mental continua ignorando (como avestruzes) a influência dos fatores e agentes externos na configuração psicológica dos indivíduos e do estado da sua saúde mental no sistema capitalista e defendem uma ideologia que afirma, explícita e implicitamente, que Counseling (aconselhamento psicológico) é o caminho apropriado para resolver os problemas dos indivíduos, independentemente da crise econômica, da classe social, do nível de ingresso, da nacionalidade, do grupo étnico ou racial. Estamos acostumados a um processo de naturalizar novos significados e sentidos que são calculadamente planejadas por grupos para manter-se e controlar o poder político.

Exemplos gritantes deste processo podem ser observados nas substituições da palavra “tortura” pela palavra “conseguir informação”; da palavra “mercenários” (contratados pela CIA para cometer assassinatos) por “contractors”; das palavras “trabalho burocrático-militar” (de médicos, psiquiatras, psicoterapeutas e conselheiros) para recuperar soldados traumatizados, enviando-os de volta ao frente de guerra, como “ajuda psicológica”; ou do trabalho “burocrático-militar”  destes profissionais  (para manter os torturados vivos e  continuar obtendo  “informação”), se explica e justifica pelas palavras  “It is just a job” (“é apenas um trabalho”).

Como os leitores podem observar, minha crítica esta ligada predominantemente ao aumento da mistificação da consciência social devido a má fé e a ignorância de conselheiros e clientes da relação contraditória entre vida individual e vida social, entre problemas internos e externos, entre interesses imperialistas e interesses nacionais, entre desastres causados pelas atividades dos seres humanos e desastres naturais.

Apesar do aumento da mencionada propaganda ideológica (advogada por companhias de seguros, da maioria dos terapeutas e da mídia corporativa) para aumentar os ingressos e os lucros dos proprietários privados do setor, é necessário também mencionar que existe no país uma minoria de profissionais do setor que também questionam o caráter nefasto da ideologia aqui mencionada.

Neste ponto, gostaria de levar em conta a relação contraditória entre desastres naturais e desastres provocados pelos seres humanos e descrever, sucintamente, o modo generalizado (e hegemônico) de entender (ou desentender) a relação entre os desastres causados pelos humanos e os desastres causados pela natureza, assim como mostrar as consequências práticas deste entendimento na avaliação e tratamento dos traumas, das crises de PTSD (Post Traumatic Stress Disorder) por parte dos profissionais do setor de saúde mental.


Segundo o artigo "Desastres naturais e artificiais e Saúde Mental", de Satcher, Friel e Bell, a doença mental é uma questão de “importância global pois estima-se que 450 milhões de pessoas no mundo têm transtornos mentais ou comportamentais,  respondendo por 12% da carga global de doenças humanas." (Satcher, Friel e Bell, 2007, pg. 2540).

A riqueza de dados do artigo é notável e os autores tentam fazer uma descrição e uma avaliação equilibrada dos fatores que causam as crises, os traumas, e a doença PTSD, devido a catástrofes naturais e aos desastres criados por seres humanos.

Por um lado, os autores comentam e dão exemplos de grandes traumas provocados por um conjunto de grandes desastres naturais, como o furação Karina no sul dos EUA (e outros), e por outro lado, os autores comentam e mostram exemplos de um conjunto de gigantescos desastres causados maciçamente por seres humanos, como a Guerra do Iraque (e outras guerras imperialistas dos EUA).

De fato, a maioria das pessoas justificam as catástrofes naturais e os traumas decorrentes delas falando que são provocadas pelas “mudanças climáticas” pelos furacões, tempestades, tornados, terremotos, inundações, e incêndios. No entanto, devemos questionar a noção de "desastre natural" em si, porque muitos destes desastres foram causados indiretamente pela destruição humana da natureza.

Sabemos que os desastres naturais contribuem significativamente para aumentar o já elevado numero de vítimas de traumas, crises psicológicas e doenças mentais. Nesta direção, os desastres naturais mais destacados pela media nos últimos 35 anos foram o terremoto na Cidade do México (1986), o furacão Karina (2005), no sul dos EUA, o terremoto no Haiti (2010), o terremoto e tsunami no Japão (2011).

Todos estes eventos "naturais", causaram traumas e deslocamentos massivos de seres humanos e têm contribuído para colocar uma atenção crescente nos traumas e crises pelos profissionais ligados a saúde mental, às terapias e ao aconselhamento psicológicos.

O que surpreende é que muitas pessoas podem admitir que a violência humana tem sido uma das importantes causas na produção de traumas e crises, mas elas não mencionam (convenientemente) que a violência provocada pelas guerras dos EUA contra as nações do terceiro mundo, é a maior responsável pela produção de vítimas afetadas por desastres, deslocamentos, traumas, crises, suicídios e PTSD.

O mencionado artigo de Satcher, Fiel e Bell ajuda a demonstrar que PTSD tem sido particularmente elevada nas áreas em que a população experimenta destruição, morte e deslocamento. Os autores dizem: "Depois de 12 anos de sanções econômicas e duas guerras contra o Iraque, aproximadamente cinco milhões de pessoas iraquianas mostram “sintomas psicológicos significativos" e pelo menos 300.000 pessoas sofrem de “graves condições de saúde mental” (Satcher, Fiel e Bell, 2007, pg. 2541).

Na minha opinião, foi a Guerra do Vietnã (1) um dos eventos transcendentais que mais contribuiu para intensificar o foco da profissão de “aconselhamento psicológico” nos traumas, nas crises e nas catástrofes sofridas pelos estadunidenses.

Foi a tremenda derrota dos EUA na guerra e a morte de soldados 58.220 (1), aos 303.635 soldados norteamericanos feridos e 1.687 desaparecidos (2); foi o prejuízo econômico-material, o colapso moral, emocional e os traumas psicológicos (PTSD), os fatores que chamaram  a atenção para a necessidade de ajudar, de confortar e recuperar as vidas dos soldados (e suas famílias) que foram destruídas pela guerra e suas consequências. Desde esse período, os profissionais de saúde mental tem colocado crescentemente a sua atenção nos desastres, nos traumas, nas crises e nas catástrofes. Enquanto as vítimas vietnamitas, atualmente, estima-se que o número de civis mortos nesta Guerra está entre dois a cinco milhões.

Desde a Guerra do Vietnã, os desastres pela ação humana têm aumentado numa proporção assustadora e as guerras intermináveis dos EUA continuam a ser a principal responsável pela destruição e produção de desastres numa escala assombrosa.

Tampouco devemos esquecer que desde as bombas atômicas estadunidenses que destruíram as cidades e a população de Hiroshima e Nagasaki, o governo dos Estados Unidos e do Complexo Industrial Militar têm sido os principais causadores da desgraça humana global. Durante todo o período que tenho vivido nos EUA, assisti a primeira Guerra do Golfo com seu bombardeio da população iraquiana realizada pela administração Bush (pai), ao bombardeio da administração Clinton sobre a população européia, assisti tanto ao bombardeio de iraquianos durante a segunda guerra contra o Iraque como ao bombardeio do povo afegão durante o governo de George W. Bush (o filho) e atualmente pela administração de Barack Obama.

Devo mencionar o altíssimo número de suicídios entre os soldados dos EUA durante a Guerra contra o Afeganistão. Conforme dados recentes o número de soldados mortos por suicídios causados por esta guerra, tem sido maior que o índice de soldados mortos em combate. O mais incrível é que o oficial da Marinha, Job W. Price, comandante do grupo de elite Navy SEAL (que supostamente assassinou Bin Laden) suicidou-se no dia 22 de dezembro de 2012 (3).

Dados recentes mostram a grande preocupação do Pentágono e da Secretaria da Defesa dos EUA, com os suicídios militares. O atual secretário de Defesa, Leon Panetta, se referiu aos suicídios dos soldados estadunidenses como uma verdadeira epidemia. A noticia desta semana foi publicada pela CBS News do dia 14 de janeiro de 2013 com o titulo: “U.S. military suicides exceed combat deaths” (4).

Durante todos esses anos de guerras estadunidenses, a intervenção profissional nas crises psicológicas continua em expansão e o aconselhamento psicológico converteu-se num lucrativo campo profissional, com vocabulário, noções, teorias e técnicas “próprias” e “específicas” (5).

Atualmente, o número de conselheiros e especialidades de terapias psicológicas tem crescido notavelmente nos EUA e tem ocupado posições crescentes no trabalho, na escola, nos hospitais, nas clinicas, consultórios privados e nas fábricas, e uma parte importante da sua atividade é “ajudar” as pessoas que são afetadas por desastres, traumas, crises, PTSD e pelos conflitos laborais. Assim parece que a ideologia do setor de saúde mental e das terapias psicológicas, esquecendo a relação entre sociedade e individuo, entre sistema capitalista e doença mental têm se transformado na nova panacéia, na nova forma de mistificação e legitimação do poder dentro do sistema e da crise do capitalismo dos EUA.


1) A Guerra do Vietnã foi um longa guerra imperialista dos EUA, que começou no ano de 1959 e terminou em 1975. Vejam a informação detalhada sobre a guerra, em português, no website de Wikipédia,  (http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_do_Vietn%C3%A3)
2) Vejam a informação estatística sobre a guerra do Vietnã em “Statistical Information about Fatal Casualties of the Vietnam War” do Arquivo Nacional dos EUA, no seguinte link, http://www.archives.gov/research/military/vietnam-war/casualty-statistics.html

5) Existem dezenas de psicoterapias, psicoterapeutas e conselheiros circulando  pelos EUA. A maioria destes profissionais advogam em causa própria e  afirmam que a terapia que utiliza e defende “ajuda” as pessoas a resolverem seus problemas. Também afirma que sua terapia está capacitada para ajudar a qualquer tipo de clientela. As terapias mais utilizadas estão emparentadas com o enfoque “Cognitive-Behavioral Theories” tais como “Dialectical Behavior Theory”, “Rational Emotive Behavior Therapy” “Reality Therapy/Choice Theory”. Estas compreendem um conjunto de princípios, noções, conceitos e intervenções práticas, baseados nos conhecimentos do behaviorismo e da psicologia cognitiva.
 Também existem as terapias chamadas psicodinâmicas (de forte parentesco com a Psicanálise), que seus defensores afirmam que foram construídas para serem utilizadas com sucesso por qualquer tipo de cliente: não somente o cliente individual, familiar, ou de grupo,  mas os clientes que procedem de países de grande diversidade cultural. Em poucas palavras, eles afirmam (explicita o implicitamente) que suas terapias resolvem os problemas dos indivíduos independentemente da história social, da diversidade cultural e nacional, das diferenças, religiosas, raciais, sexuais, generacionais e outras.
 As psicoterapias mais reconhecidas a partir dos trabalhos teóricos e práticos de Sigmund Freud e da sua Psychoanalytic Theory tem sido “Jungian Analytical Theory” e “Adlerian Theory” são as mais utilizadas nos EUA.
Outras terapias de destaques, tais como, “Existential Theory”, “Person-Centered Theory” e“Gestalt Theory”, estão baseadas na Fenomenologia e na filosofia  Existencialista e são utilizadas com frequencia nos EUA. Alem das psicoterapias mencionadas, existem novos tipos de psicoterapia tais como Family Theory, Feminist Theory, Transpersonal Theory que se expandem significativamente entre os pacientes dos EUA.

4 comentários:

André Setaro disse...

A classe média brasileira, ou assim chamada, caro Hulot, desapareceu. Servidor público federal (professor universitário), ganho apenas o suficiente para pagar as contas nada mais restando para outras coisas. Tinha um plano de saúde muito bom durante 25 anos, que perdi há dois anos, e, agora, estou à deriva. Se tiver algum incômodo repentino, o jeito é ligar para o 192 e esperar a ambulância do SAMU para ficar, sofrendo, numa maca do Hospital Geral do Estado. Mas o curioso é que há dez, vinte anos atrás, ganhava razoavelmente e todo ano viajava nas férias. Com os 'mesmos' proventos, com o mesmíssimo emprego. Plano de saúde para quem tem mais de 60 anos custa, o mais barato, mais de 800 reais por mês. A saúde, a educação e a segurança não existem neste país. Por isso mesmo, sou contra a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Os recursos que estão sendo investidos dariam para a construção de mais 100 hospitais de tecnologia de ponta.

Mudando de assunto, recomendo-lhe um filme para constatar o infortúnio daqueles que já ultrapassaram 'o cabo da boa esperança': 'Amor' ('Amour'), de Michael Haneke (o mesmo de 'A fita branca').

Bom domingo (se isso é possível).

Mário disse...

Disse tudo!

Joelma disse...

A psicoterapia é um instrumento muito útil para as pessoas. Maas certamente não cura males sociais.

Anônimo disse...

Os EUA estão colhendo o que semearam!