Cate Blanchett em cena de Blue Jasmine |
Este texto
nos foi encaminhado pelo professor Jorge Vital de Brito Moreira, sendo um
ensaio de sua autoria sobre o último filme de Woody Allen, que estreia no
Brasil em início de outubro próximo.
Ontem,
eu e minha mulher fomos ao cinema para assistir o lançamento de Blue Jasmine, o mais recente filme do
diretor Woody Allen. Uma raridade, pois numa cidade como a que vivemos
raramente vamos ao cinema, pois as salas locais não oferecem muitas opções: ou
assistimos à mediocridade e violência dos atuais filmes estadunidenses ou não
existe mais nada para se ver.
Assim,
mesmo sem esperar grande coisa das últimas realizações de Woody Allen, vamos ao
cinema para ver seus filmes, pois consideramos que, apesar das limitações, seus
filmes continuam sendo superiores a este imenso oceano de iniquidades que é a
atual produção hollywoodiana.
Sem
dúvida foi uma grata surpresa ter saído para assistir Blue Jasmine. O filme surpreende porque Woody Allen tratou (e conseguiu) se distanciar
notavelmente da maioria dos elementos de um repetido imaginário a que nos tinha
acostumado: as frequentes gags, o esperado
non sense, os diálogos hilariantes, os
clubes de jazz, os restaurantes, os cafés
e os museus frequentados pela burguesia e classe média alta intelectualizada de Nova York ou da Europa.
Ao contrário do costume, neste filme, a estrutura
narrativa, a articulação dos personagens e a interpretação genial da atriz
australiana Cate Blanchett são integrados para produzir um excelente funcionamento
do que poderia ser considerado, na minha opinião, um dos filmes mais bem
realizados que Allen escreveu e dirigiu nestes últimos tempos.
A história concentra-se em
Jasmine (Cate Blanchett), uma dama socialite
de Nova York recém caída em desgraça socioeconômica. Ela estava casada com Hal
(Alec Baldwin), um fraudulento assistente financeiro, ladrão [tipo Bernard
Madoff, responsável pelo maior roubo (65 bilhões de dólares), da história dos
EUA], que foi parar na cadeia e logo se suicidou. Em completa bancarrota,
Jasmine muda-se para San Francisco (a mais bonita cidade dos EUA) para morar
com a sua irmã Ginger (a excelente Sally
Hawkins), na esperança de poder se recuperar do colapso nervoso
e começar uma vida nova. Forçada a viver entre os "perdedores" como
sua irmã Ginger e seus amigos (trabalhadores como o resto dos mortais), Jasmine
alivia-se, com pílulas e vodca, da tragédia (para ela) de ter que encontrar um
emprego e trabalhar para sobreviver.
A história de Jasmine é relatada numa estrutura
narrativa inteligente que mistura o
passado e o presente, através de frequentes flashbacks,
que funcionam para expor as razões pelas quais a protagonista está só,
fragmentada e desiludida na cidade de São Francisco. E os flashbacks, também operam para representar a ideia fixa (uma
obsessão recorrente) de Jasmim: a de estar vivendo entre um passado e um
presente, dos quais ela tenta escapar, inutilmente. Além da bebida e das
pílulas, Jasmim busca consolo cantarolando a triste balada Blue Moon que também funciona como uma espécie de leitmotiv da vida de Jasmine na
narrativa fílmica.
Além do nível concreto dos significados referencial e
explícito da história, o filme nos apresenta um outro nível, um nível mais abstrato,
simbólico ou alegórico, do significado
implícito que revela um comentário e uma avaliação crítica da tremenda crise
econômico e social que assola o sistema capitalista dos EUA.
Aqueles que pensam que o cineasta Woody Allen
permanece incapaz de mostrar o problema do racismo, da pobreza e da
discriminação económico-social do negro na cidade de Nova York continuam com a
razão, porem aqueles que pensavam, não sem justificados motivos, que o diretor
Allen se acostumou a fugir para Europa (não apenas pessoalmente como também nos
seus filmes) para evitar confrontar os graves problemas econômicos e sociais
que afligem atualmente os EUA; os que pensavam que Allen se transformou num
cineasta desvitalizado, burguês, acomodado e despolitizado, terão uma
gratificante surpresa quando assistirem Blue
Jasmine: este novo filme comprova que o cineasta Woody Allen, aos 82 anos
de idade, ainda não morreu; que continua vivo e lúcido, provando que ainda é
capaz de sacudir “a poeira e dar a volta por cima”.
Com filmes como Blue
Jasmine, Woody Allen não terminará seus dias num banco de rua de São
Francisco cantando: “Blue Moon, You saw
me standing alone, without a dream in my heart, without a love of my own”
(Triste lua, você vê como estou sozinho, sem um sonho no coração, sem um amor
que seja meu”).
Ficha Técnica: Jasmim Azul (Blue Jasmine) EUA, 2013. Escrito e dirigido por Woody Allen. Elenco: Cate Blanchett , Alec
Baldwin, Peter Sarsgaard , Alden Ehrenreich, Sally Hawkins, Louis CK, Michael
Stuhlbarg, Bobby Cannavale, Andrew Dice Clay, Max Casella, Tammy Blanchard. Fotografia: Javier Aguirresarobe. Edição: Alisa Lepselter
1. Expressão inspirada em “poemeu dos outros” de Millôr Fernandes.
6 comentários:
Aqui o filme estreará no próximo dia 12 de Setembro.
E muito se me apetece reencontrar Woody Allen de volta a dramas!
Esta realização, também marca o retorno do Director aos Estados Unidos, após longa passagem por cenários em Europa, onde filmou sete de seus últimos filmes, inclusivamente o seu maior sucesso comercial (o penúltimo, realizado em 2011): "Meia-noite em Paris".
Aguardo ansiosamente este filme. Em todo caso, o Professor Moreira já nos deu uma palhinha! Rs....
Ainda não vi "Blue Jasmine", derradeiro 'opus' alleniano, mas confio na exegese do ilustre professor, ainda que tenha lido críticas desfavoráveis pela imprensa. Jorge Moreira faz ver, em seus comentários cinematográficos, e não estou me referindo a este de Allen, mas a todos os outros que escreve, a exata produção de sentidos que o discurso cinematográfico sempre está a propor em obras que contemplam mais a reflexão já que o cinema atual virou uma extensão maldita dos 'fast-foods' dos shoppings.
Segundo a crítica de Demetrius Caesar em CinePlayers:
Ele começa falando da importância de atrizes marcantes na obra do diretor, como quando diz: "... Da mesma forma que as Dianes Keaton e Wiest, e de certa forma também Mia Farrow, foram fundamentais para o sucesso dos melhores filmes de Allen ao longo dos anos, Cate Blanchett é o mais recente e melhor filme do diretor em pelo menos 20 anos..."
E mais adiante, retornando ao filme propriamente dito: "... Blue Jasmine talvez seja um de seus filmes mais cruéis: ao retratar impiedosamente uma socialite de Nova York quebrada após a morte do marido, Allen escolheu um bairro de classe média baixa de San Francisco (portanto, nada de cartões postais deslumbrantes de Manhattan), cenários claustrofóficos, barulheira infernal e um humor corrosivo que havia desaparecido das obras mais aguadas das duas últimas décadas. Mas a grande diferença é como Cate Blanchett lida com as paranoias típicas dos personagens de Allen: dá intensidade, injeta desesperado, deixa o público atônito. Nunca um neurótico 'woodyalleniano', nem mesmo o próprio diretor e roteirista como ator, sofreu tanto com as próprias fobias. Allen compreendeu isso e, ao explorar as possibilidades que Blanchett poderia proporcionar, foi mais longe e de maneira inédita em sua obra..."
E finaliza: "... Com a câmera mais ágil, mesmo em espaços exíguos, Woody Allen conseguiu outro efeito: quando está parada, foca a desamparo interior de Jasmine. Em vez de ratificar as neuroses com as indefectíveis torrentes de palavras e citações, o diretor explora emoções que são desconhecidas pela personagem e ela não saberá como lidar como elas. É como se o cineasta tivesse saído de seu contemplativo mundo de intelectual para tentar entender a realidade que passa os EUA (e o mundo hoje) durante a crise econômica – e ele mesmo, diretor, que não consegue financiamento para seus filmes em Hollywood e é ignorado pela maior parte do público de seu próprio país. Woody Allen é Jasmine French...
Brilhante!
Por enquanto, agardamos o lançamento.. Falta menos de 1 mês!
Tavim
O realismo tem seu ponto de fuga...
José Umberto
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