O livro de Salvador López
Arnal (1), “Sete histórias lógicas e um
conto breve. Sobre a obra lógica (e epistemológica) de Manuel Sacristán Luzon”,
foi publicado em 2017 pela Editora Bellaterra com um prefácio de Luis Vega Reñon.
Com o propósito de divulgar este importante trabalho sobre a obra lógica e
epistemológica do notável filósofo-professor marxista espanhol Manuel Sacristán
Luzón para os leitores brasileiros, o critico cultural Jorge Vital de Brito
Moreira fez a tradução para o português de grande parte do prefácio do novo
livro do professor Salvador Lopez Arnal.
Prefácio a Sete histórias Lógicas e um conto
breve
Autoria
de Luis Vega Reñon. Tradução de Jorge Vital de Brito Moreira.
Como bem sabem todos aqueles interessados na obra de Manuel Sacristán, Salvador López Arnal é por dedicação (diríamos quase por destino) um dos seus executores mais sólidos e credenciados. Salvador tem a seu crédito numerosas edições -mais de uma dezena- de textos de Sacristán de vários tipos (notas manuscritas, anotações de aula, palestras, entrevistas, correspondências, etc.), todas elas repletas de materiais inéditos. Um dos seus trabalhos editoriais que pode ser considerado um precedente deste presente livro se intitula "Amables cartas lógicas", que foi incluído no livro, “Donde no habita el olvido” (Barcelona: Montesinos, 2005), pp. 161-191: um livro concebido em memória e celebração do 40º aniversário da publicação do manual Introdução à Lógica e análise formal de Sacristán (1964). O texto "Amables carta lógicas" reunia a correspondência mantida por Sacristán, a respeito do lançamento deste seu conhecido e reconhecido manual, com José Ferrater Mora, Miguel Sánchez Mazas e Víctor Sánchez de Zavala. Desde então, Salvador Lopez Arnal expandiu este tipo de interrelação de Sacristán (para além de suas origens epistolares) a personalidades tão diversas e importantes da nossa cultura filosófica como Lukács (Sacristán e o trabalho político-filosófico de György Lukàcs, Madrid: La Oveja Roja/FIM, 2012) e Quine (Manuel Sacristán e obra do filósofo americano e lógico Willard van Orman Quine, edições Málaga Geral, 2015). Este novo livro de Salvador é a consequência natural desta linha de pesquisa e recuperação de Sacristán através do seu emparelhamento e comunicação com seus contemporâneos. Assim, as histórias lógicas Salvador podiam lembrar de alguma forma as vidas paralelas de Plutarco, mas esta referência conduziria ao erro: as histórias de Salvador não são histórias paralelas, mas vividas e entrecruzadas. O próprio autor dialoga por sua própria conta com outros próximos, como Francisco Fernández Buey, às vezes de forma explícita, às vezes tacitamente. Em qualquer caso, há uma impressão saudável que ninguém que lê este livro pode escapar: a lógica não é um vício solitário.
Esta compilação de
histórias por correspondência adiciona às cartas dos autores antes convocados as
amáveis cartas também do filósofo e historiador da ciência italiana, Ludovico
Geymonat. Porém não deixam de existir novos aparecimentos. Um deles é a de um
convidado, o grande Salvador Espriu, que poderia ser considerado inesperado neste
contexto, na ausência de qualquer experiência dolorosa da vida de Sacristán
sentida por seus amigos, como a sua expulsão da universidade pelo expediente de
não renovação de contrato ou o falecimento de Giulia Adinolfi para não trazer o
evento mais notório nos meios acadêmicos,
sua falida oposição à cadeira da lógica da Universidade de Valência. Outra é a
figura multifacetada de mestre, o que já permitia a Sacristán contrapor o
mestre escritor ao mestre universitário do puro Pensar, e agora dá as bases a
Salvador para evocar a qualidade do Sacristán como mestre "socrático"
e sugerir um novo emparelhamento com o Juan Mairena machadiano. Um terceiro
comparecimento é o de Heidegger relacionado a tese de doutoramento de Sacristán
sobre as ideias gnosiológicas de Heidegger e sua atitude cada vez mais crítica
a esta dimensão do pensamento de Heidegger, desde sua primeira abordagem em
1953 até as suas reflexões posteriores de 1981 em Guanajuato, passando pela
tese de 1959. Desde o ponto de vista da consistência intelectual de Sacristán
em seus anos de intensa dedicação à lógica, é importante reconstruir o sentido
deste tipo de "digressão" acadêmica heideggeriana, representada pelo
seu doutorado. Este livro tem, finalmente, o culminar de um conto onde aparece
um novo convidado, talvez mais pressentido
que presente nas relações de Sacristán: Juan David García Bacca. Embora,
permanecendo fiel às suas inclinações editoriais, Salvador ainda nos reserva o
presente adicional de um comentário detalhado de um novo texto Sacristaniano
inédito.
As sete histórias, mais o adicionado
conto, se desenvolvem em capítulos independentes. A escritura de Salvador é
vívida e direta, e gosta de se debruçar sobre os detalhes contextuais para situar
o momento vital e intelectual do próprio Sacristán e mostrar o sentido da sua
relação com seus correspondentes. Não se deve estranhar que, por vezes, se
reiterem algumas referências de especial significado ou repercussão. A repetição
nem sempre é ruim; e não em absoluto quando se trata de circunstâncias e opressões
que deveriam ser lembradas, para não voltar a vivê-las. Este é um legado de
Sacristán que nos vem lembrar o final (entre desiderativa e imperativa) da nota
necrológica, "Em memória de Manuel Sacristán", de V. Sanchez de
Zavala (1985), nota que constitui o epílogo desta compilação:
"impossibilitar permanentemente que discrepâncias de ideias, de avaliações,
de perspectiva das coisas nos possam separar de uma pessoa de valor comprovado,
qualquer que sejam, não nos conduzam jamais, se temos algum poder de decisão pública
nas mãos, de obstruir-lhe o passo. Isto é o que foi feito com Sacristán
repetidamente; que a todos nos seja já invencível a repugnância se a ocasião fosse
fazer algo assim parecido."
A compilação de Salvador não é um mero
trabalho de erudição e salvamento editorial, convencionalmente acadêmico, ainda
que não deixe de ser mais rigoroso e excelente neste sentido. Tem o valor do
testemunho que declara o desagarro pessoal de Sacristán entre o "vício
lógico" por um lado e, por outro, os esforços, as responsabilidades e
práticas, como diria Pablo Ródenas, poli éticas. Como é sabido, a fixação de Sacristán
à logica como uma disciplina formal é um caso um tanto curioso: segue, desde o
seu nascimento na década de 50, uma espécie de curso Guadiana com reaparições
cada vez mais esporádicas mas persistente até os anos 80. E o próprio
Sacristán, ainda que não poupe observações e confissões sobre as vicissitudes
da sua dedicação a lógica, tende a fazê-las de uma forma mais descritivas do
que explicativas. O que Salvador oferece-nos a este respeito são muitas
referências contextuais que, no conjunto, pintam um quadro impressionista da
circunstância nacional-escolástica-católica em que se viu asfixiada a
possibilidade de dedicação e pesquisa lógica de Sacristán, ainda que não
pudesse com seus hábitos arraigados de precisão conceitual, rigor metodológico
e sentido lógico fino. Salvador não reconstrói um quadro sistemático, nem
realiza uma história linear: como eu disse antes, o seu trabalho não é um exercício
meramente acadêmico, erudito. Tem interesses e compromissos mais diretos e vivos,
e a eles respondem a composição do livro. Trata-se de um florescimento por
rizomas: sete histórias centrais que, em seguida, cada uma delas por conta
própria, crescem germinando em outras histórias, às vezes acidentais, mas não
menos determinantes e instrutivas.
Assim, esta composição
rizomática dá à compilação de Salvador o valor inestimável de um documentário
histórico sobre as atividades intelectuais e os males culturais e intelectuais
da era de Francisco Franco, o valor de um No Do (2) - subversivo em que umas poucas palavras
valem milhares de imagens de frustrações e misérias. Desta maneira, o
testemunho de uma vida de aventuras torna-se testemunha de uma época. São
óbvias as dificuldades de aculturação e modernização do país nos estudos da Lógica
formal, a impossibilidade de formar um "colégio invisível" neste
campo, apesar dos contatos epistolares entre os pioneiros interessados e, em
última análise, as limitações do conhecimento público nesta área...
...Este precioso móvel, esta secretária
de historias, cartas e pedaços de relações pessoais que esculpiu Salvador, com
rigor e sabedoria de mestre artesão, pode ajudar à leitora e leitor do livro
não só a entender, mas a sentir e compartilhar a força, a frustração e o
desgarro da adição à Lógica de um Manuel Sacristán ao qual foi imposto, como
dizia Jorge Luís Borges, "tempos ruins para viver".
Nota do tradutor:
1) Salvador López Arnal é
Professor-tutor de Matemáticas na UNED e instrutor de informática dos ciclos
formativos no IES Puig Castellar de Santa Coloma de Gramenet (Barcelona). Colabora normalmente na revista
"El Viejo Topo", Rebelion.org e é co-roteirista e co-editor, junto
con Joan Benach y Xavier Juncosa, do filme documentário "Integral
Sacristán" (El Viejo Topo, Barcelona). Salvador tem sido um dos mais
destacados discípulos do filósofo, lógico, tradutor, professor e escritor
Manuel Sacristán Luzón e é, atualmente, um dos mais proeminentes e constantes
divulgadores da sua obra: sua produção de diversos livros e de mais de três
dezenas de artigos sobre Sacristán dão testemunho veemente da importância dos
seus textos para o conhecimento da obra do brilhante filósofo marxista
espanhol.
2) NO-DO
(acrônimo para Noticiários e Documentais) era um noticiário que se projetava
obrigatoriamente nos cinemas espanhóis antes do filme principal.
O regime franquista (do ditador Francisco Franco) usava o NO-DO para apresentar uma visão peculiar da Espanha e do resto do mundo, com pouca chance de contraste pelos telespectadores pois a imprensa, e o rádio estavam censurados e controlados pela ditadura.
O regime franquista (do ditador Francisco Franco) usava o NO-DO para apresentar uma visão peculiar da Espanha e do resto do mundo, com pouca chance de contraste pelos telespectadores pois a imprensa, e o rádio estavam censurados e controlados pela ditadura.
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