Costumo dizer que quanto mais trabalho tenho, mais escrevo. É verdade, mas, acontece que isto se refere a quando estes trabalhos são em casa, no meu modesto SOHO (1). Tenho andado numa fase braba de reuniões fora. Por isso, vou republicar mais postagens de meu antigo “Pensatas”. Como esta, de fevereiro de 2007.
Um dia, em 1990, entra na sala o redator que trabalhava comigo, o Marcos Vinícius, com um livro embaixo do braço. Joga-o apressadamente sobre sua mesa, e vai ao banheiro. Eu vejo a publicação. Tratava-se de uma antologia de Ana Cristina César, poeta brasileira de primeiro time.
Lembrei-me então, que conheci Ana Cristina em 1972. Viajamos juntos para Beagá, porque ela era muito amiga da Patrícia, prima da Virgínia, então minha namorada. Lembro-me que fomos de ônibus, e voltamos no meu carro. Às vezes, eu ia a Belo Horizonte, deixava o fusquinha lá, e voltava de ônibus. Na semana seguinte, fazia o contrário. Ia de ônibus e voltava de carro. Isso porque essa maratona de ida e volta, sozinho ao volante no mesmo fim de semana, era bastante cansativa.
Na ocasião, não sabia que ela escrevia, que tinha neste particular uma grande atividade. Ana Cristina, era muito retraída. Tinha, porém, de timidez, o que possuia de beleza. Esta, suave e também poética. Belos olhos, complementados por cabelos dourados, levemente cacheados e caídos sobre os ombros.
Lembro-me que, embora em outra fila do ônibus acordei com ela, debruçada sobre mim, ansiosa para falar com a Patrícia, que estava na poltrona da janela ao meu lado. Era algo sobre uma lente de contato perdida, ou que arranhava... já não me lembro exatamente. Estava um tanto quanto aflita, nervosa, angustiada com o fato. Quase que chorando.
Já em Belo Horizonte, saímos com ela uma noite, e fomos a um barzinho (acho que o Tom Chopim), para tomar uns goles. Vim a saber de sua morte, alguns anos depois, também por intermédio da Patrícia. Ela havia se jogado de uma janela de seu apartamento. Tinha somente 33 anos. Confesso, fiquei triste.
Não conheço muito da sua obra, mas confesso que o pouco que li, me agradou sobremaneira. Pesquisando, no entanto, aprofundei o meu conhecimento sobre ela. Em sua breve existência, Ana Cristina morou mais de uma vez em Londres, e conheceu diversos países da Europa e da América do Sul. Exerceu também o jornalismo.
Ainda escreveu para algumas revistas e diversos jornais alternativos. Por conta própria, publicou “Luvas e Pelica” e “Cenas de Abril”, entre outros. Fazia parte da chamada geração mimeógrafo, udigrudi ou marginal. Depois publicou um livro sobre literatura no cinema intitulado “Literatura não é Documento”. Ainda participou da antologia “26 poetas hoje” (1976).Deixou poesias, diários, cartas, desenhos e diversas traduções. Suas publicações foram reagrupadas e republicadas em novas edições. Também foram revelados os seus documentos inéditos. Toda a sua obra póstuma vem sendo organizada pelo também poeta Armando Freitas Filho. Tem trabalhos traduzidos para o espanhol e o inglês.
Hoje, existem à venda os seguintes livros com suas obras:
“Inéditos e Dispersos”. Documentos e desenhos do período que vai de 1961 a 1983, aliás, o ano de sua morte.
“Crítica e Tradução”. Reunindo Literatura não é documento”, “Escritos no Rio” e “Escritos em Londres”.
“A Teus Pés”. Reunindo “A teus pés”, “Correspondência completa” e “Cenas de abril”.
Para completar, transcrevo abaixo um poema de sua autoria.
Soneto
Pergunto aqui se sou louca
Quem quer saberá dizer
Pergunto mais, se sou sã
E ainda mais, se sou eu
Que uso o viés pra amar
E finjo fingir que finjo
Adorar o fingimento
Fingindo que sou fingida
Pergunto aqui meus senhores
quem é a loura donzela
que se chama Ana Cristina
E que se diz ser alguém
É um fenômeno mor
(1) Para quem não sabe (será que alguém não sabe?) SOHO significa Small Ofice Home Ofice.
Um dia, em 1990, entra na sala o redator que trabalhava comigo, o Marcos Vinícius, com um livro embaixo do braço. Joga-o apressadamente sobre sua mesa, e vai ao banheiro. Eu vejo a publicação. Tratava-se de uma antologia de Ana Cristina César, poeta brasileira de primeiro time.
Lembrei-me então, que conheci Ana Cristina em 1972. Viajamos juntos para Beagá, porque ela era muito amiga da Patrícia, prima da Virgínia, então minha namorada. Lembro-me que fomos de ônibus, e voltamos no meu carro. Às vezes, eu ia a Belo Horizonte, deixava o fusquinha lá, e voltava de ônibus. Na semana seguinte, fazia o contrário. Ia de ônibus e voltava de carro. Isso porque essa maratona de ida e volta, sozinho ao volante no mesmo fim de semana, era bastante cansativa.
Na ocasião, não sabia que ela escrevia, que tinha neste particular uma grande atividade. Ana Cristina, era muito retraída. Tinha, porém, de timidez, o que possuia de beleza. Esta, suave e também poética. Belos olhos, complementados por cabelos dourados, levemente cacheados e caídos sobre os ombros.
Lembro-me que, embora em outra fila do ônibus acordei com ela, debruçada sobre mim, ansiosa para falar com a Patrícia, que estava na poltrona da janela ao meu lado. Era algo sobre uma lente de contato perdida, ou que arranhava... já não me lembro exatamente. Estava um tanto quanto aflita, nervosa, angustiada com o fato. Quase que chorando.
Já em Belo Horizonte, saímos com ela uma noite, e fomos a um barzinho (acho que o Tom Chopim), para tomar uns goles. Vim a saber de sua morte, alguns anos depois, também por intermédio da Patrícia. Ela havia se jogado de uma janela de seu apartamento. Tinha somente 33 anos. Confesso, fiquei triste.
Não conheço muito da sua obra, mas confesso que o pouco que li, me agradou sobremaneira. Pesquisando, no entanto, aprofundei o meu conhecimento sobre ela. Em sua breve existência, Ana Cristina morou mais de uma vez em Londres, e conheceu diversos países da Europa e da América do Sul. Exerceu também o jornalismo.
Ainda escreveu para algumas revistas e diversos jornais alternativos. Por conta própria, publicou “Luvas e Pelica” e “Cenas de Abril”, entre outros. Fazia parte da chamada geração mimeógrafo, udigrudi ou marginal. Depois publicou um livro sobre literatura no cinema intitulado “Literatura não é Documento”. Ainda participou da antologia “26 poetas hoje” (1976).Deixou poesias, diários, cartas, desenhos e diversas traduções. Suas publicações foram reagrupadas e republicadas em novas edições. Também foram revelados os seus documentos inéditos. Toda a sua obra póstuma vem sendo organizada pelo também poeta Armando Freitas Filho. Tem trabalhos traduzidos para o espanhol e o inglês.
Hoje, existem à venda os seguintes livros com suas obras:
“Inéditos e Dispersos”. Documentos e desenhos do período que vai de 1961 a 1983, aliás, o ano de sua morte.
“Crítica e Tradução”. Reunindo Literatura não é documento”, “Escritos no Rio” e “Escritos em Londres”.
“A Teus Pés”. Reunindo “A teus pés”, “Correspondência completa” e “Cenas de abril”.
Para completar, transcrevo abaixo um poema de sua autoria.
Soneto
Pergunto aqui se sou louca
Quem quer saberá dizer
Pergunto mais, se sou sã
E ainda mais, se sou eu
Que uso o viés pra amar
E finjo fingir que finjo
Adorar o fingimento
Fingindo que sou fingida
Pergunto aqui meus senhores
quem é a loura donzela
que se chama Ana Cristina
E que se diz ser alguém
É um fenômeno mor
(1) Para quem não sabe (será que alguém não sabe?) SOHO significa Small Ofice Home Ofice.
10 comentários:
Parabéns. Conhecestes uma das maiores expressões da literatura brasileira.
Sim, considero Ana Crsitina Cesar, além de poeta, uma intelectual sensível, que até por isso infelizmente se foi tão cedo.
Já ouvi falar mas não conheço nada do trabalho dela. Mas gostei do poema publicado porque demonstra grande sensibilidade.
Na época que a conheci ela ainda não tinha a projeção que tem hoje.
É certo que algum tempo depois, mesmo em vida, Ana Cristina foi reconhecida. Mas a sua fama mesmo, deu-se depois.
Procure comprar algum dos livros que cito na postagem. você vai gostar, JR.
Bela menina. Bela obra. Bela poesia.
Otávio
E belo comentário o seu...
Uma homenagem sensível para a beleza da Ana Cristina C.
Gostei mutíssimo do post e de relembrar a delicadeza que se foi.
Era uma menina linda. Por fora e por dentro.
Gente, no ano passado fiz um trabalho sobre ela e nem sabia que você conheceu-a.
Sima, conheci a Ana Cristina, apesar de não ter sido íntimo dela, mas fomos amigos... e era uma personalidade muito marcante.
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