sábado, 13 de julho de 2013

Prepotência, chauvinismo e arrogância, características de uma cultura pretensamente hegemônica



Um texto do professor Jorge Vital de Brito Moreira. Bom proveito!

Dois amigos, jovens estudantes estadunidenses, viajaram à Europa para conhecer Portugal, Espanha, França e Itália. Quando estavam almoçando num restaurante português, ao ar livre, eles foram abordados por um estrangeiro, um jovem europeu, que precisava de alguma informação. Ele disse: “Bom dia, poderiam me informar onde se encontra a Praça de D. Pedro IV?”
Um dos estudantes olhou pro colega ao lado e perguntou-lhe: “What did he say?” (Tradução: O que ele disse?)
O colega respondeu: “I didn’t understand anything that he said.” (Não entendi nada do que ele disse.)
Sem estar seguro do que acontecia, o jovem europeu decidiu certificar-se  perguntando: “Vocês falam português?”
Percebendo que os dois norteamericanos não entendiam a língua portuguesa, decidiu mudar para a língua castelhana. Para estar seguro, perguntou primeiramente: ¿“Hablan ustedes español?”
Os dois colegas se olharam e, simultaneamente, perguntaram um pro outro: “What did he say?” (O que ele disse?)
Constatando que os dois norteamericanos não entendiam o espanhol, mudou rapidamente para a língua francesa e perguntou: “Parlez vous français?”
Novamente, os dois se olharam perguntando simultaneamente: “What did he say?” 
Um deles respondeu: “Once again... I didn’t understand anything that he said” (Novamente… não entendi nada do que ele disse.)
Confirmando que os dois norteamericanos tampouco entendiam o francês, mudou rapidamente para a língua italiana e perguntou: “Parlate voi italiano?”
Eles se olharam e perguntaram novamente: “What did he say?” e o colega respondeu: “Shit, I didn’t understand anything that he said” (Merda, não entendí nada do que ele disse.)
Concluindo que os dois não entendiam português, espanhol, francês ou italiano, o jovem europeu decidiu agradecer e despedir-se nos quatro idiomas que falava: “Obrigado, adeus”… “Gracias, adios”…. “Merci, au revoir”… “Grazie, arrivederci”.
Porém os estudantes estadunidenses não responderam porque tampouco entenderam o que o europeu falou. Ficaram calados por alguns minutos. Depois, um deles quebrou o silêncio e perguntou ao colega: “Don’t you think that we should learn a foreign language?” (Você não acha que deveríamos aprender a falar um idioma estrangeiro?)
Mas o outro, presumido, concluiu o diálogo: “What for? That European guy knew how to speak four foreign languages and that didn’t help him communicate well with us at all. It was totally worthless.” (Para que? Esse jovem europeu aprendeu a falar quatro idiomas estrangeiros e não lhe ajuda a se comunicar com o mundo. Não lhe serve para nada).
Esta anedota, ilustra e resume a minha experiência com a cultura hegemônica e com a atitude de parte significativa dos estadunidenses para as pessoas e as línguas estrangeiras. Em poucas palavras, esta parte  dos estadunidenses está convencida que a única língua que tem importância no mundo é a língua inglesa. Assim, eles se comportam como indivíduos ignorantes, arrogantes e prepotentes, esquecendo (convenientemente) que a importância e a hegemonia da sua língua inglesa foram impostas às diferentes culturas pela força, pela violência, pelas invasões, pelas guerras contra os países da América Latina, da África e da Ásia.
Sou brasileiro e estou casado com uma estadunidense. Além de ser a mãe de nossas duas filhas, é uma pessoa maravilhosa que sabe e ensina literatura latinoamericana e língua espanhola em nível universitário. Atualmente, tenho cidadania norteamericana e vivo nos EUA por mais de 20 anos. Durante todo esse período, tenho me relacionado com estadunidenses de diferentes status social (principalmente a classe média), raças, gêneros sócio sexuais e religiões e tenho observado as seguintes características da cultura dominante: ignorância, arrogância e  prepotência.
Partindo da minha experiência pessoal, darei um exemplo que ajuda a ver o que a anedota acima ilustra e resume tão bem. É um exemplo tomado de situações que se repetem frequentemente por onde tenho vivido; e a frequente repetição sugerem que a falta de conhecimento e a presunção (de que eles são proprietários da verdade) se configuram como características profundamente arraigadas na cultura hegemônica da maioria dos estadunidenses.
Mister John Philip de Sousa,  um dos mais famosos músicos estadunidenses, tem descendência portuguesa como se pode notar pelo seu último nome: o da família, Sousa. Os estadunidenses acabam de celebrar o dia da independência no passado 4 de julho e, nesta data, enaltecem a figura de John Philip Sousa pois é o compositor da marcha oficial dos EUA The Stars and Stripes Forever. É chamado o Rei das Marchas, por haver composto dezenas de marchas que são muito conhecidas e tocadas, não somente neste país, mas em todos os países submetidos ao domino econômico, político e cultural  do imperialismo dos  EUA.
Frequentemente quando pronuncio  o ultimo  nome do compositor  Sousa  na frente de estadunidenses, eles me corrigem  pronunciando imediatamente  “Suza”. E não querem  tomar consciência de que o  último nome dele é um nome português.
Faz alguns anos, entrei no restaurante da University of Minnesota e encontrei o professor de literatura portuguesa e diretor da minha tese doutoral.  Sentei-me a seu lado  e comecei a queixar-me dessa atitude ignorante/prepotente dos estadunidenses. Depois de me escutar, ele falou tranquilamente:
 “Não fique zangado. Como você sabe, sou filho de portugueses mas nasci nos EUA e tenho morado aqui toda minha vida. Falo português, mas o inglês é minha primeira língua. Pronuncio as palavras inglesas de um modo natural, fluente e corretamente como todo nativo-falante daqui. Mas, frequentemente me deparo com  pessoas que me chamam R. Suza. Mas quando eu lhes informo que sou português e que a pronuncia correta do meu nome é Sousa, não Suza,  eles fazem uma cara de surpresa, mas não me fazem caso: ignoram o que eu digo e continuam me chamando Suza. Tenho atualmente 48 anos mas faz pelo menos 40 anos que corrijo meus compatriotas  e não me fazem caso.”
 Depois de falar com o professor fiquei mais tranquilo porem a mesma coisa continua acontecendo quando falo o nome de um lugar ou de uma pessoa de origem estrangeira (judia, italiana ou francesa). Imediatamente me corrigem, ignorando torpemente que o nome das pessoas  mencionadas não são nomes de raízes na língua inglesa.
Por outro lado tenho sido professor nos EUA e tenho ensinado língua, literatura, cultura brasileira e latinoamericana (em português e espanhol) para estudantes dos EUA. E de vez em quando aparece  na sala de aula um aluno ou aluna estadunidense que se recusa a aceitar minha pronúncia de certas palavras da língua portuguesa.
Conforme seu parecer minha pronúncia brasileira está errada. Quando peço-lhes uma razão do porque a minha pronuncia está errada, o aluno ou aluna me explica que seu antigo professor de português era um(a) norte americano(a) e que o/a professor(a_ pronunciava aquelas mesmas palavras de um modo diferente. Assim, o/a aluno(a) concluía que o professor anterior  estava certo e que eu, um professor brasileiro, estava errado.É quase inacreditável que um número significativo de pessoas deste país possam chegar a um nível tão escandaloso de prepotência e chauvinismo. Recusar ou corrigir a pronúncia de um professor (nativo falante) de sua própria língua pelo fato de que ele/ela não pronuncia as palavras da mesma forma que um professor(a) estadunidense (um não nativo falante) é simplesmente ridículo.
Mas não acontece exclusivamente com a língua portuguesa ou espanhola. Estou informado que essa situação se repete na relação entre estudantes e professores de outras línguas estrangeiras também.
Às vezes tenho vontade de rir, ironizar e ridicularizar as pessoas e os estudantes portadores de atitudes tão ignorantes e preconceituosas, mas, na maioria dos casos, me contenho. Outras vezes não; outras vezes não me contenho e prefiro ironizar para  deixarem de ser bestas; para tomarem consciência da sua ignorância, prepotência, arrogância na relação com outras culturas, religiões e línguas estrangeiras.

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9 comentários:

Joelma disse...

Qye posatagem agradável esta do Professor.
Gostei demais!
Aliás, falar em piada, gostei muito da sua anterior sobra aobfe a "Grobo"! Valeu....

Mário disse...

Eles são assim mesmo. Aliás, antes deles os franceses e os ingleses eram também!
Imperialistas são "obtusos", esta é a verdade!

Misael disse...

Tanto entre indivíduos como nações, convencionou-se a liderança sempre pertencer o mais rico e mais influente e normalmente essa liderança é conquistada informalmente pela imposição de poder do mais forte sobre os mais fracos.
Isso no nível do indivíduo é denominado usurpação do outro e no nível das nações chamam-se imperialismo. Imperialismo é a nação mais rica tentando mandar em todo o resto.
Foi assim com os Sumérios, os Persas, os Gregos, os Romanos e na modernidade com a França Napoleônica, a Inglaterra Vitoriana, e hoje os Estados Unidos.

Anônimo disse...

Simplesmente genial!

Tavim

Cantídio disse...

Gostei da historinha do Sousa.
Há muitos anos atrás vi um filme sobre ele chamado "Marcha Triunfal" e me lembro que a lindíssima Debra Paget, mas não consigo lembrar o ator que fazia o papel dele.

Anônimo disse...

Tomando o sentido da palavra "imperialismo", tanto o sentido concreto - domínios territoriais e protetorados - quanto o sentido abstrato - ingerência nos assuntos internos de outros países - e examinando a História desde a emergência dos EUA como potência, podemos tirar duas conclusões.
A primeira, que os EUA já tiveram duas colônias (Cuba e Filipinas) a até hoje mantém Porto Rico. Conta-se também numerosas intervenções menores, sobretudo na América Central.
Segundo, que a imagem que é passada da vida americana é vistosa. Isso ocorre porque o seu principal veículo de disseminação é a indústria do entretenimento, especialmente o cinema.
Paulo Henrique

André Setaro disse...

Exceção se faça a alguns guetos intelectuais, os americanos rejeitam, principalmente em cinema, toda outro idioma que não seja o seu. O que é revelador de uma pobreza cultural lancinante. De alguns sucessos estrangeiros internacionais são realizados 'remakes' estapafúrdios. Até mesmo ''Dona Flor e seus dois maridos'' teve uma versão americana, ''Meu adorável fantasma'', de Robert Mulligan, com Sally Field, um tremendo fracasso como não poderia deixar de ser.

Fotografias e Vídeos de Tucha disse...

Caro Jorge, concordo com você mas prefiro dançar um forró do que um for all.

Fotografias e Vídeos de Tucha disse...

Caro Jorge, concordo com você mas prefiro dançar um forró do que um for all.